DIREITO, JUSTIÇA E MORAL NA OBRA CAPITÃES DA AREIA: Comparativo à atualidade na Constituição Federal de 1988
Ana Catarina Marçal Pires Ferreira Lucas1 (A)
Marina Lima de Aguiar Souza2 (A)
Profa. Ana Mônica Medeiros Ferreira3
Profa. Dra. Lenice S. Moreira de Moura4
RESUMO
Atualmente, é imensa a quantidade de crimes cometidos por crianças e adolescentes, mostramos neste artigo, que essas atitudes não são recentes, acontecendo desde sempre. Ora, se é próprio do ser humano ser bom e ser ruim, e que em todo lugar existe a criminalidade, por que em alguns lugares existe mais crime que outros, logo, o aspecto social também estará presente induzindo a tais condutas. Fazemos um comparativo com as leis atuais e as leis que vigoraram na época da famosa obra de Jorge Amado, Capitães da Areia que nos conta a vida dos meninos que viviam no velho trapiche abandonado. Infelizmente, a aplicabilidade de algumas normas da Constituição Federal de 1988, principalmente as que garantem o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos e Garantias Fundamentais da sociedade, tem eficácia limitada, havendo fracasso das instituições competentes.
Palavras-chave: Capitães da Areia. Direito e Literatura. Direitos Fundamentais. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
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1Acadêmica do Curso de Direito pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte, 2° ano “A” 2Discente do Curso de Direito pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte, 2° ano “A” 3Professora Orientadora do Curso de Direito pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2007) e mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010). Advogada em Natal/RN. 4Professora Orientadora do Curso de Direito do Centro Universitário do Rio Grande do Norte. Possui Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2008), Mestrado em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria – Área de Concentração Direito (2002) e graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (1995). É advogada na área de Direito empresarial e tributário.
1 INTRODUÇÃO
Os principais personagens são: Pedro Bala - o chefe; Professor - o único que sabia ler, no entanto, só estivera na escola um ano e meio; Sem-Pernas – o espião do grupo aproveitava-se do seu defeito físico para conquistar a confiança dos moradores e ingressar em suas casas. Desde o episódio que foi humilhado e torturado por policiais bêbados, tornou-se uma criança amarga e cheia de ódio; Gato – conhecido assim por ser um dos mais bonitos do grupo, em uma das suas aventuras tem um caso e se apaixona por Dalva, uma prostituta; Volta-Seca – o “afilhado” e admirador de Lampião, consegue com êxito realizar o sonho de um dia ingressar no bando de seu “padrinho”; Pirulito – após influência do Padre José Pedro (amigo e defensor dos capitães da areia), tornou-se um devoto fiel; João-Grande – negro de carapinha baixa e músculos retrasados, é respeitado pelo resto do grupo pela sua coragem e proteção aos recém-chegados ao bando; Dora – a única mulher a ingressar no bando, passa a ser vista como uma mãe para muitos e mulher de Pedro Bala. O trapiche era habitado, diariamente, por mais de cem meninos, entre nove e dezesseis anos, apresentados ao longo da narrativa.
Coloca-se em destaque no Código de Menores a utilização de artigos do Código Penal, esta é uma das grandes diferenças do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para com o primeiro Código de Menores de 1926, tendo em vista de que não há este tipo de comparação. Na realidade, a legislação como um todo, o CDM (Código de Menores) é voltado tanto para aos menores infratores como para os seus respectivos pais ou guardiões que não assumiam suas responsabilidades sob crianças, sendo elas delinquentes ou não.
2 BREVE APRESENTAÇÃO DA OBRA
Capitães da Areia vai sofrer influências do governo na época, a Era Vargas, todavia, praticamente toda a 1ª edição é queimada, por se tratar de uma crítica as crianças abandonadas que transgridem as regras, roubam dos ricos e repartem entre eles, assumindo uma crítica da desigualdade social.
No começo, há uma sequência de pseudo-reportagens (designadas “Cartas à redação) que contam o pavor e o medo dos habitantes da cidade de Salvador com as ações cometidas por um grupo de menores abandonados e marginalizados conhecidos por Capitães da Areia. Diferente da visão do narrador, a visão elitista é preconceituosa, visam à exclusão dos menores abandonados. Esses são tratados como se já tivessem nascidos marginais, sem nenhuma culpa do Estado ou da sociedade, apenas, representam tudo de ruim que há nela.
Como estão logo abaixo descritos, na opinião do jornal local, os capitães da areia representavam um grande perigo para a cidade de Salvador, precisando urgentemente da atuação do delegado e do juiz de menores para resolver esse caso.
AS AVENTURAS SINISTRAS DOS “CAPITÃES DA AREIA” – A CIDADE INFESTADA POR CRIANÇAS QUE VIVEM DO FURTO URGE UMA PROVIDÊNCIA DO JUIZ DE MENORES E DO CHEFE DE POLÍCIA – ONTEM HOUVE MAIS UM ASSALTO
Já por várias vezes o nosso jornal, que é sem dúvida o órgão das mais legítimas aspirações da população baiana, tem trazido noticias sobre a atividade criminosa dos “Capitães da Areia”, nome pelo qual é conhecido o grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe. Essas crianças que tão cedo se dedicaram à tenebrosa carreira do crime não têm moradia certa ou pelo menos a sua moradia ainda não foi localizada. Como também ainda não foi localizado o local onde escondem o produto dos seus assaltos, que se tornam diários, fazendo jus a uma imediata providência do Juiz de Menores e do doutor Chefe de Polícia.
Esse bando que vive da rapina se compõe pelo que se sabe de um número superior a 100 crianças das mais diversas idades, indo desde os 8 aos 16 anos. Crianças que, naturalmente devido ao desprezo dado à sua educação por pais pouco servidos de sentimentos cristãos, se entregaram no verdor dos anos a uma vida criminosa. São chamados de “Capitães da Areia” porque o cais é o seu quartel-general. E têm por comandante um mascote dos seus 14 anos, que é o mais terrível de todos, não só ladrão, como já autor de um crime de ferimentos graves, praticado na tarde de ontem. Infelizmente a Identidade deste chefe é desconhecida.
O que se faz necessário é uma urgente providência da policia e do juizado de menores no sentido da extinção desse bando e para que recolham esses precoces criminosos, que já não deixam a cidade dormir em paz o seu sono tão merecido, aos Institutos de reforma de crianças ou às prisões. (AMADO, 2008, p. 11).
Em uma carta destinada ao jornal, uma mãe costureira teve seu filho pego pela polícia. Na carta ela conta os maus tratos sofridos por esse no reformatório, fazendo uma alusão com o “inferno em vida”.¹
Jorge Amado começa a narrativa descrevendo o trapiche, local de moradia dos capitães, o início da formação do grupo, bem como, o momento da chefia de Pedro Bala. Ademais, retrata as aventuras desse grupo, que sobrevive basicamente de furtos.
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1 é uma expressão da obra, p. 18
CARTA DO PADRE JOSE PEDRO À REDAÇÃO DO JORNAL DA TARDE
(...)
Tendo lido, no vosso conceituado jornal, a carta de Maria Ricardina que apelava para mim como pessoa que podia esclarecer o que é a vida das crianças recolhidas ao reformatório de menores, sou obrigado a sair da obscuridade em que vivo para vir vos dizer que infelizmente Maria Ricardina tem razão. As crianças no aludido reformatório são tratadas como feras, essa é a verdade. Esqueceram a lição do suave mestre, sr. redator, e em vez de conquistarem as crianças com bons tratos, fazem-nas mais revoltadas ainda com espancamentos seguidos e castigos físicos verdadeiramente desumanos. Eu tenho ido lá levar às crianças o consolo da religião e as encontro pouco dispostas a aceitá-lo devido naturalmente ao ódio que estão acumulando naqueles jovens corações tão dignos de piedade. O que tenho visto, sr. Redator, daria um volume. (AMADO, 2008, p. 20).
No decorrer do texto, Pedro Bala e Dora foram presos em um assalto. Ela foi levada para um orfanato e ele para um reformatório. Nessa passagem, Jorge Amado deixa claras as condições na cadeia. Pedro Bala foi torturado pela polícia e preso em uma solitária por oito dias seguidos. Muito magro, sem comer e beber direito, com o corpo todo doído das surras e pelo lugar apertado, que eles denominam de “cafua”, já sem esperanças, consegue fugir ajudado pelos seus amigos.
“Ouviu o bedel Ranulfo fechar o cadeado por fora. Fora atirado dentro da cafua. Era um pequeno quarto, por baixo da escada, onde não se podia estar em pé, porque não havia altura, nem tampouco estar deitado ao comprido, porque não havia comprimento. Ou ficava sentado, ou deitado com as pernas voltadas para o corpo numa posição mais que incômoda. Assim mesmo Pedro Bala se deitou. Seu corpo dava uma volta e seu primeiro pensamento era que a cafua só servia para o homem cobra que vira, certa vez, no circo. Era totalmente cerrado o quarto, a escuridão era completa. O ar entrava pelas frestas finas e raras dos degraus da escada. Pedro Bala, deitado como estava, não podia fazer o menor movimento. Por todos os lados as paredes o impediam. Seus membros doíam, ele tinha uma vontade doida de esticaras pernas. Seu rosto estava cheio de equimoses das pancadas na polícia, (...).” (AMADO, 2008, p. 203).
Ao sair da prisão, vai direto atrás de Dora no orfanato, contudo, encontra-a doente. Dora, assim como os seus pais, contraiu a varíola, uma epidemia quase incontrolável na época da narrativa. Jorge Amado, mais uma vez, apresenta uma denúncia a uma realidade social, o descaso e o desrespeito da saúde pública, onde quem não tinha dinheiro tinha poucas perspectivas de cura.
A morte de Dora dá inicio a desintegração do grupo. Os principais personagens começam a tomar seus rumos, passando da condição de crianças para a vida adulta. Professor foi descoberto por um homem que lhe ajudou e partiu para o Rio de Janeiro, torna-se pintor retratando as crianças baianas. Volta-Seca, como sempre sonhou, torna-se cangaceiro no grupo de Lampião. Pirulito vira frade e vai trabalhar com Padre José Pedro que finalmente conseguiu uma paróquia. Sem Pernas suicida-se em uma fuga da polícia, prefere morrer ao ser pego pelos policiais que tanto o maltrataram e o fizeram correr ao redor de uma mesa até que ele caísse, essa cena ficou marcada para o Sem Pernas e ele se rebenta na montanha como um trapezista de circo que não tivesse alcançado o outro trapézio². Gato vira cafetão em Ilhéus. Por fim, João Grande torna-se marinheiro e Pedro Bala apesar de deixar a chefia dos capitães da areia, torna-se um grande líder revolucionário.
3 CONTEXTO HISTÓRICO LEGAL
O início do século XX, no Brasil, foi marcado por grandes mudanças e início de instituições para mudar aspectos sociais e criminais na sociedade, principalmente destinado aos menores, visto que, começara a aumentar a quantidade de delitos que esses praticavam.
Com o Código de Menores, a situação tenderia a mudar de alguma forma, pois era destinado aos menores infratores que viviam à margem da sociedade e sem perspectiva nenhuma de vida. O primeiro dispositivo a prevê a assistência e proteção desses foi o Decreto nº 5.083, de 01 de dezembro de 1926, sendo revogado e dando lugar ao Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, conhecido como Código Mello Mattos.³ No contexto da obra, pode-se dizer que, apesar da recente vigência do CMM (Código Mello Mattos), a sua aplicabilidade não foi de imediato.
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²transcrição do trecho da obra, p. 251
3Fonte: Guia do Estudante. Disponível em <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/saiba-mais-livro-capitaes-areia-jorge-amado-681251.shtml>. Acesso às 18h30min, do dia 28/09/2014
Mediante os artigos do CMM, a saúde pública era assegura no artigo 11º, inciso II, conforme transcrito abaixo:
Art.11: O Estado e o município determinarão em leis e regulamentos:
II - a inspecção medica e de outras ordens, a creação, as attribuições e os deveres dos funccionarios necessarios;⁴
Vale ressaltar que durante a obra, uma epidemia de varíola castigou a população baiana colocando em risco a todos, principalmente, as populações mais carentes que não tinham condições de pagar o tratamento.
Segundo PORTELA,⁵ até 1935, os menores abandonados e infratores eram, indistintamente, apreendidos nas ruas e levados a abrigos de triagem. Em 1940, se edita o atual Código Penal Brasileiro, onde a idade para a imputabilidade penal se define aos 18 anos. Em 1942 se cria o SAM (Serviço de Assistência ao Menor), órgão do Ministério da Justiça, de orientação correcional-repressiva. O SAM se estruturou sob a forma de reformatórios e casas de correção para adolescentes infratores e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para menores carentes e abandonados. O SAM é reconhecido por muitos autores como a primeira política pública estruturada para a infância e adolescência no Brasil. Surgem, também, nesta época, diversas casas de atendimento sob as ordens da primeira dama, ou seja, diretamente ligadas ao poder central. ⁶ A extinção do SAM
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4MARMELSTEIN, George, Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 62
5Previsão legal + comentário
6Previsão legal + comentário
concretizou-se através da Lei 4.513, de 1964, com a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FNBEM – após, FUNABEM.⁷ A política instituída defendia a necessidade de prevenção e controle dos problemas que envolviam esta população.⁸
O objetivo e a finalidade do advento do CMM estão previstos em seu artigo 1º, transcrito abaixo:
“Art. 1º O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistência e protecção contidas neste Codigo.”
Por conseguinte, o próprio código vem especificando quem são considerados menores abandonados, em seu artigo 26, in verbis:
Art. 26. Consideram-se abandonados os menores de 18 annos:
I. que não tenham habitação certa, nem meios de subsistencia, por serem seus paes fallecidos, desapparecidos ou desconhecidos ou por não terem tutor ou pessoa sob cuja, guarda vivam;
II. que se encontrem eventualmente sem habitação certa, nem meios de subsistencia, devido a indigencia, enfermidade, ausencia ou prisão dos paes,.tutor ou pessoa encarregada de sua guarda;
III. que tenham pae, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus deveres para, com o filho ou pupillo ou protegido;
IV. que vivam em companhia de pae, mãe, tutor ou pessoa que se entregue à pratica de actos contrarios à moral e aos bons costumes;
V, que se encontrem em estado habitual da vadiagem, mendicidade ou libertinagem;
VI. que frequentem logares de jogo ou de moralidade duvidosa, ou andem na companhia de gente viciosa ou de má vida.
VII. que, devido à crueldade, abuso de autoridade, negligencia ou exploração dos paes, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam:
a) victimas de máos tratos physicos habituaes ou castigos immoderados;
b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensaveis á saude;
c) empregados em occupações prohibidas ou manifestamente contrarias á moral e
aos bons costumes, ou que lhes ponham em risco a vida ou a saude;
d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou libertinagem;
VIII. que tenham pae, mãe ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda,
condemnado por sentença irrecorrivel;
a) a mais de dous annos de prisão por qualquer crime;
b) a qualquer pena como co - autor, cumplice, encobridor ou receptador de crime commettido por filho, pupillo ou menor sob sua guarda, ou por crime contra estes.
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7MARMELSTEIN, George, Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 73
8Art. 5° da CF XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.
Sendo assim, podemos classificar os capitães da areia segundo o artigo acima, basicamente, no inciso I. Crianças, menores de 18 anos, as crianças do grupo tinham, em média, entre nove e dezesseis. Sem moradia certa, pois viviam num armazém abandonado, a maioria com pais falecidos, desaparecidos ou abandonados.
Ao analisar estes aspectos sociais da época, chegamos à conclusão de que não é de hoje que crianças são abandonadas e que a mendicância, às vezes é a única saída para matar a fome porque a ideia passada para as crianças do livro, fazendo sempre um paralelo com a realidade hodierna, é que as misérias junto com a falta de oportunidades não dão alternativa para a sobrevivência do que o furto.
E, nesse aspecto, para evitar a vadiagem usufrui-se de alternativas excludentes. Não procurando dar amparo, carinho, educação, mas capturando aqueles que comentem infração e privando sua liberdade como medida de reeducação.
O Decreto nº 17.943-A em seu artigo 55, in verbis, prevê um rol de medidas estatais para a captura e depósito adequado do menor infrator:
Art. 55. A autoridade, a quem incumbir a assistencia e pprotecção aos menores, ordenará a apprehensão daquelles de que houver noticia, ou lhe forem presentes, como abandonados os depositará em logar conveniente, o providenciará sobre sua guarda, educação e vigilancia, podendo, conforme, a idade, instrucção, profissão, saude, abandono ou perversão do menor e a situação social, moral e economica dos paes ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda, adoptar uma das seguintes decisões:
a) entregal-o aos paes ou tutor ou pessoa encarregada de sua guarda, sem condição alguma ou sob as condições qe julgar uteis á saude, segurança e moralidade do menor;
b) entregal-o a pessoa idonea, ou internal-o em hospital, asylo, instituto de educação, officina escola de preservação ou de reforma;
c) ordenar as medidas convenientes aos que necessitem de tratamento especial, por soffrerem de qualquer doença physica ou mental;
d) decretar a suspensão ou a perda do patrio poder ou a destituição da tutela;
e) regular de maneira differente das estabelecidas nos dispositivos deste artigo a situação do menor, si houver para isso motivo grave, e fôr do interesse do menor.
A problemática no que se refere ao abandono infantil possui vários fatores, alguns de cunho econômico, quando a família vive na condição de miséria e não possuí recursos para custear as necessidades básicas do filho, e outros ligados aos fatores sociais e culturais. Muitas vezes as crianças são abandonas pelas mães com medo da opressão familiar ou porque a condição “Mãe Solteira” não é bem aceita.
Após o Código de Mello Matos, o menor infrator que antes era julgado por um juiz de Vara Criminal, passa a ser julgado por competência de uma Vara especializada, com tratamento diferenciado e adequado para a “correção”. A partir do CMM, todos os menores em situação irregular com a justiça deveriam passar por um juiz de menores, a ele cabe o destino “adequado” para o cumprimento de pena de cada um, depois de serem presos e averiguados pela polícia. Pode-se observar na introdução da obra, uma carta escrita pelo Dr. Juiz de Menores, em resposta ao chefe de polícia, alegando que não fugiu as suas obrigações, transcrita abaixo:
(...)
Folheando, num dos raros momentos de lazer que me deixam as múltiplas e variadas preocupações do meu espinhoso cargo, o vosso brilhante vespertino, tomei conhecimento de unia epístola do Infatigável doutor Chefe de Polícia do Estado, na qual dizia dos motivos por que a Polícia não pudera até a data presente intensificar a meritória campanha contra os menores delinqüentes que infestam a nossa urbe. Justifica-se o doutor Chefe de Polícia declarando que não possuía ordens do juizado de menores no sentido de agir contra a delinqüência infantil. Sem querer absolutamente culpar a brilhante e infatigável Chefia de Polícia, sou obrigado, a bem da verdade (essa mesma verdade que tenho colocado como o farol que ilumina a estrada da minha vida com a sua luz puríssima), a declarar que a desculpa não procede. Não procede, sr. Diretor, porque ao juizado de menores não compete perseguir e prender os menores delinqüentes e, sim, designar o local onde devem cumprir pena, nomear curador para acompanhar qualquer processo conta eles instaurado, etc. Não cabe ao juizado de menores capturar os pequenos delinqüentes. Cabe velar pelo seu destino posterior. E o sr. doutor Chefe de Polícia sempre há de me encontrar onde o dever me chama, porque jamais, em 50 anos de vida impoluta, deixei de cumpri-lo.
(...) (AMADO, 2009, p. 16)
Em 1967, no auge do Regime Militar, a Lei 5.228 reduziu a maioridade penal para os dezesseis anos de idade. Entre os dezesseis e dezoito anos de idade, seria utilizado o caráter subjetivo da capacidade de discernimento. No ano seguinte, porém, retorna-se ao regime anterior, ou seja, volta a ser imputável os maiores de dezoito anos.
A partir do final da década de 60 e início de 70, começou a surgir uma discussão acerca da assistência e garantias para o menor, começando debates sobre uma reforma e até mesmo uma legislação menorista. Logo, em 1979, o Decreto nº 17.943-A foi revogado pela lei nº 6.697, de 10 de outubro, o novo Código de Menores. Esse código consolidou a doutrina da Situação Irregular. Quando evidenciados os preceitos do artigo 2º, as crianças e adolescentes eram conceituados como objetivos de medidas judiciais. Tratava-se do Código Penal disfarçado, visto que prevê uma serie de punições coercitivas, submetidas a um tratamento de internação de natureza parecida com o sistema prisional comum. Ademais, sem nenhuma aplicação sócio-educativa.
Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores:
I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular;
II - entre dezoito e vinte e um anos, nos casos expressos em lei.
Parágrafo único - As medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de dezoito anos, independentemente de sua situação.
Art. 2º Para os efeitos deste Código considera-se em situação irregular o menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI - autor de infração penal.
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.
Em 1990, já desgastada pelos mesmos motivos que levaram à extinção do SAM, a FUNABEM foi substituída pelo Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência-CBIA. Percebe-se pela terminologia que o estigma ‘menor, não estava mais sendo tão usado, mas sim “criança e adolescente”, expressão consagrada na Constituição Federal de 1988 e nos documentos internacionais.
4 Análise da obra Capitães da Areia à luz da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Neste contexto, nos cabe falar sobre a perspectiva de vida social que estas crianças teriam se vigorasse a Constituição Federal de 1988, que só passou a existir mais de 40 anos depois dos Capitães da Areia, tendo em vista de que é a principal legislação brasileira que relata o princípio da dignidade da pessoa humana, os personagens presentes na obra não são acolhidos por tal princípio, ao passo que o Estado não respeita, não protege e não promove as condições que viabilizem a vida com dignidade para essas crianças e jovens. Além do princípio dito anteriormente, pode-se falar também nos Direitos e Garantias Fundamentais.
Publicada em 1937, pouco depois da instauração do Estado Novo. Em 11 de novembro de 1930, após vitoriosa Revolução de 30, o Decreto nº 19.398 confirmava a dissolução do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas estaduais, ou quaisquer que fossem suas denominações, assim como, todas as Câmaras Municipais. Ademais, estabelecia a vigência da Constituição Federal e das Constituições Estaduais sujeitas às modificações e restrições, conforme rezava o artigo 4º do sobredito diploma da ditadura.
O Estado Novo, por sua vez, foi marcado no campo social pela inserção de políticas públicas, tais como, regulamentar as relações de trabalho com a consolidação das leis trabalhistas, a obrigatoriedade do estudo, embora não era enquadrada a todos, bem como, a criação do Serviço de Assistência ao Menor - SAM .
No contexto da obra, os jovens eram acolhidos pelo Código de Menores (ou Código Mello Matos), de 1927. Sob o pretexto de “ensinar os menores” foram criados diversos reformatórios. Nessa seara, a cientista política Irene Rizzini, professora da PUC-RJ aborda a respeito: “Crianças eram recolhidas nas ruas por meio de um aparato policial repressivo e punitivo e encaminhadas às inúmeras instituições criadas nas décadas de 1930 e 40".³
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3O Código Mello Mattos era o Decreto 17.943-A, de 12-10-1927. Tinha 231 artigos e foi assim chamado em homenagem a seu autor, o jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos. Nascido em Salvador-BA, em 19-03-1864. Mello Mattos seria não apenas o seu idealizador, mas também o 1° juiz de Menores do Brasil, nomeado em 02-02-1924, exercendo o cargo na então capital federal, cidade do Rio de Janeiro, criado em 20-12-1923, até o seu falecimento, em 1934. Fonte: Portal do Judiciário. Disponível em http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=b2498574-2cae-4be7-a8ac-9f3b00881837&groupId=10136 Acesso às 19h10min, no dia 29/09/2014
Com a promulgada Constituição Federal de 88, os termos “cidadania”, “direitos fundamentais”, tornaram-se populares em nosso país. Na história da constituição brasileira, os direitos fundamentais foram proclamados nos 35 incisos do artigo 179 da Constituição de 1824. A Constituição republicana de 1891 retoma em seus 31 parágrafos do seu artigo 72, os direitos fundamentais especificados na anterior, porém, com o maior exercício desses, inclusive, com a separação do Estado e da Igreja, houve a liberdade de culto. Por conseguinte, nas próximas Constituições houve um rol de direitos fundamentais semelhantes aos da Constituição de 1891, porém, ocorre na Constituição de 1934, uma forma mais metodizada e ampla dos direitos fundamentais, visto que destinou em seu texto um título inteiro definido como “Dos Direitos e das Garantias Individuais”, comprometido com a liberdade, igualdade, com a subsistência e assistência aos indigentes.
Em contrapartida, a Constituição de 1988 não se caracteriza pela sistematicidade com relação à garantia dos direitos fundamentais, tendo em vista que tais direitos e garantias são diversas vezes retomadas no decorrer do texto constitucional.
Fazendo uma breve comparação entre as Constituições vigente no período de publicação da obra com a Constituição atual, podem-se observar quando se tratam dos direitos e garantias fundamentais, uma expansão e uma melhora advinda de um modelo de redemocratização sofrida pelo Brasil. Ela rompe com o passado, fazendo surgir em seu lugar outro texto normativo marcado por valores que fundamentam o processo constituinte. Nela está posto que a finalidade da República Federativa do Brasil é instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança o bem estar o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.⁴
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4Inscrita vigente na época. Tradução: a inspeção médica e de outras ordens, a criação, as atribuições e os deveres dos funcionários necessários
A Constituição de 88 enriqueceu-se com a ampliação dos direitos sociais, individuais, visando novas garantias contra o abuso de poder como o mandato de injução⁵ e habeas corpus, bem como, a liberdade, a igualdade, o bem-estar e a justiça como valores supremos de uma sociedade.
Assim, se os personagens de Jorge Amado fossem escritos hodiernamente, estariam assegurados pela Constituição Federal de 88 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sendo assim, eis o que preceitua o artigo 5º da CF/88:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”
A expressão todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza enuncia um dever ético-jurídico de respeito ao outro. Esse dever – base da dignidade da pessoa humana - se materializa juridicamente através dos mandatos constitucionais de não discriminação, de tolerância, de respeito às diferenças e de combate ao preconceito e ao racismo. 6
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5PAES, Janiere Portela Leite. O Código de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente: avanços e retrocessos. Acesso em 02/10/2014 disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.43515 6FACHINETTO, Neidemar José. O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: Contextualizando com as políticas públicas (in)existentes. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 37.
Segundo o artigo 6º da referida constituição, temos que:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Não é novidade que as crianças daquela época não eram acobertadas por esse artigo, em especial, que sistematiza tudo aquilo que eles não possuem. A começar pela educação, apenas o professor sabia ler; Enquanto a saúde, uma epidemia de varíola alastrou pela cidade, restando aos que vivem em condições de pobreza a omissão do governo, e o apego á fé.
Segundo Jorge Amado:
“OMOLUM MANDOU A BEXIGA NEGRA PARA A CIDADE. Mas lá em cima os homens ricos já se vacinaram, e Omolum era um deus das florestas da África, não sabia destas coisas de vacina. E a varíola desceu para a cidade dos pobres e botou gente doente, botou negro cheio de chaga em cima da cama. Então vinham os homens da saúde pública, metiam os doentes num saco, levavam para o lazareto distante. As mulheres ficavam chorando, porque sabiam que eles nunca mais voltariam.”
Precisavam viver do furto para garantir a sua sobrevivência e seu sustento. Não tinham uma moradia de qualidade, viviam em um trapiche velho e abandonado. Desde cedo tiveram que ter responsabilidade, deixando a infância de lado.
Ademais, a Constituição Federal de 88, em seu artigo 203, inciso II, in verbis, preceitua:
Art. 203: A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes.
Lamentável dizer que, não só nas décadas de 20 e 30, mas atualmente são encontradas crianças carentes, nas ruas que não enxergam nenhuma outra alternativa a não ser furtar, roubar ou até mesmo chegam a matar, a crueldade chega à ser rotina na vida de pessoas que vivem sob essas condições.
O Capítulo III da referida Constituição, denominado de “DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO”, começando pelo artigo 205 que diz:
“Art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
Se tal aplicabilidade desse artigo fosse concretizada naquela época, as condições de vida abordadas na obra seriam bem melhores, e o futuro bem diferente. Como bem diz Mandella, a educação é a melhor arma para salvar o mundo.
Todos esses direitos sociais citados acima, dizem respeito ao mínimo de vida digna que uma pessoa possa levar, isto é, são pressupostos para que elas tenham mais direitos concretizados. As normas de eficácia desses direitos sociais são limitadas com aplicabilidade diferida e reduzida.
Segundo José Afonso da Silva, em uma de suas obras, disserta sobre as normas de eficácia limitada da seguinte forma:
“São todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão. (SILVA, 2007, p. 82).
Ademais, conforme citado em linhas anteriores, Jorge Amado denuncia as condições subumanas dos reformatórios, fato que atenta contra o Direito à Integridade Física e Moral do Preso, conforme disposição expressa do artigo 5º, incisos XLIX.⁸ Pedro Bala foi preso e torturado para revelar o esconderijo do bando. Não o fazendo foi colocado na solitária, alimentando-se apenas de feijão salgado e um pouco de água, trancafiado em um lugar apertado, úmido e escuro sem a menor piedade.
Agora davam-lhe de todos os lados. Chibatadas, socos, pontapés. O diretor do reformatório levantou-se, sentou-lhe o pé, Pedro Bala caiu do outro lado da sala. Nem se levantou. Os soldados vibraram os chicotes. Ele via João Grande, Professor, Volta Seca, Sem-Pernas, o Gato. Todos dependiam dele. A segurança de todos dependia da coragem dele. Ele era o chefe, não podia trair. Lembrou-se da cena da tarde. Conseguira dar fuga aos outros, apesar de estar preso também. O orgulho encheu seu peito. Não falaria, fugiria do reformatório, libertaria Dora. E se vingaria... Se vingaria...
Grita de dor. Mas não sai uma palavra dos seus lábios. Vai se fazendo noite para ele. Agora já não sente dores, já não sente nada. No entanto, os soldados ainda o surram, o investigador o soqueia. Mas ele não sente mais nada.
– Desmaiou – diz o investigador.
– Deixe ele por minha conta ̶ explica o diretor do reformatório. ̶ Eu levo ele pro reformatório, lá ele abre a boca. Garanto. (AMADO, 2008, p. 201)
Ainda:
Quantas horas? Quantos dias? A escuridão é sempre a mesma, a sede é sempre igual. Já lhe trouxeram água e feijão três vezes. Aprendeu a não beber caldo de feijão, que aumenta a sede. Agora está muito mais fraco, um desânimo no corpo todo. O barril onde defeca exala um cheiro horrível. Não o retiraram ainda. E sua barriga dói, sofre horrores para defecar. É como se as tripas fossem sair. As pernas não o ajudam. O que o mantém em pé é o ódio que enche seu coração. (AMADO, 2009, p. 209).
Está novamente na sala do diretor. Este o olha sorridente:
– Gostou do apartamento? Continua com muita vontade de roubar? Eu sei ensinar, quebrar moleque aqui.
Pedro Bala está irreconhecível de tão magro. Os ossos aparecem junto à pele. O rosto, verdoso da complicação intestinal. O bedel Fausto, dono daquela voz que ele ouvira certa vez na porta da cafua, está ao seu lado. E um tipo forte, tem fama de ser tão malvado quanto o diretor. Pergunta:
– Na oficina de ferreiro?
– Acho que é melhor na plantação de cana. Lavrar terra... – ri. Fausto diz que está bem, o diretor recomenda:
– Olho nele. Este é um pássaro ruim. Mas eu te ensino... (AMADO, 2008, p. 211).
Contudo, há uma diferença exorbitante ver o que se preceitua na folha de papel dessa constituição e o que realmente se passa na obra Capitães da Areia. Somente o Professor sabia ler. No decorrer da obra mostra-se o descaso do governo em relação aos leprosos. Precisavam viver do furto para garantir a sua sobrevivência e seu sustento. Não tinham uma moradia de qualidade, viviam em um trapiche velho e abandonado. Desde cedo tiveram que ter responsabilidade, deixando a infância de lado.
Como bem conceitua Jorge Amado:
“Pedro Bala sentiu uma onda dentro de si. Os pobres não tinham nada. O padre José Pedro dizia que os pobres um dia iriam para o reino dos céus, onde Deus seria igual para todos. Mas a razão jovem de Pedro Bala não achava justiça naquilo. No reino do céu seriam iguais. Mas já tinham sido desiguais na terra, a balança pendia sempre para um lado.” (AMADO, 2008, p. 97).
Nessa seara, segundo LASSALE (1998), a comunidade jurídica já percebeu que, sem o compromisso político e o engajamento social, a Constituição não passará de uma folha de papel. (apud MARMELSTEIN, 2013, p. 65) (grifo nosso)
Nesse sentido, temos o artigo 227 da Constituição Federal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(...)
§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
(...)
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
(…)
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA10 apresenta um rol de direitos e garantias de proteção aos jovens e as crianças. Todavia, analisando superficialmente a referida obra percebe-se a presença (ou ausência – no sentido de descumprimento, ou ainda a falta de implementação de políticas públicas efetivas) de diversos direitos fundamentais da Magna Carta de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Portanto, se os personagens da já citada obra forem apreendidos, com amparo na legislação atual, deveriam responder a um processo com a sua dignidade preservada, sujeito ao direito e garantia do Princípio do Contraditório e da ampla defesa, respeitando-se, harmonicamente, com os preceitos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Há uma ruptura do paradigma estabelecido na lei nº 6.697, do novo Código de Menores, já citado, com o implantação do ECA, em relação ao procedimento dado ao menor, visto que, com esse, o menor só pode ser internado em dois casos:
a) flagrante delito de infração penal; ou,
b) ordem expressa e fundamentada do juiz.
Em concomitância ao que está previsto em alguns dos seus artigos, in verbis:
Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
º Art. 5o, LXI, da CF de 1988.
º Art. 302 do CPP.
Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.
Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.
º Art. 5o, LXII, da CF de 1988.
Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata.
º Art. 5o, LXV, da CF de 1988.
Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.
Art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido à identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.
º Art. 5o, LVIII, da CF de 1988.
Contudo, o CMM influenciou ainda o Código Penal de 1940, em seu artigo 65, inciso I, onde preceitua as circunstâncias que são atenuantes de pena quando o agente, apesar de já ser maior de idade, contar ainda com mais de dezoito e menos de vinte e um anos de idade na data do fato. Ou seja, havia um tratamento com menor censurabilidade pessoal o jovem criminoso, ainda que não seja menor de idade, ainda que não mais criança ou adolescente, em relação às condutas típicas e ilícitas previstas no Código Penal.
5 CONCLUSÃO
A obra fictícia do consagradíssimo Autor Jorge Amado, não é tão fictícia assim, tendo em vista que, na atualidade, são inúmeros casos de crianças abandonadas, jovens que matam, meninos e meninas que furtam e roubam, crimes cruéis que há um século atrás não era tão comum assim, apesar de já existir também.
Há saturação da população em casos assim, que não deviam ser comuns, mas já estão se tornando uma tremenda banalidade, isso por que o direito brasileiro ainda possui muitas lacunas, além dessas lacunas algumas normas fundamentais brasileiras tem eficácia limitada, dificultando assim o bem-estar destes jovens que tanto precisam de apoio, base e influência familiar. Tratamento de choque ou algo forçado de nada vai valer se o indivíduo não tiver vontade de superar o mundo do crime.