Criminalização da homofobia e o conflito entre os princípios constitucionais da igualdade e não discriminação e da liberdade de expressão


29/03/2016 às 16h35
Por Marielle Rodrigues

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo versa sobre o tema “Criminalização da homofobia e o conflito entre os princípios constitucionais da igualdade e não discriminação e da liberdade de expressão”, considerando o Projeto de Lei da Câmara no 122/2006, que tem como objetivo criminalizar a discriminação motivada unicamente pela orientação sexual ou identidade de gênero da pessoa discriminada, que, se aprovado, irá alterar a Lei de Racismo para incluir tais discriminações em seu conceito legal, que abrange, atualmente, a discriminação por cor de pele, etnia, origem nacional ou religião.

Buscando conhecer melhor essa temática, esse estudo propõe como sua questão de pesquisa a seguinte problemática: O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados no 122/2006 viola o princípio constitucional da liberdade de expressão? Surgem do mencionado questionamento duas hipóteses, as quais foram formuladas a partir de entendimentos adotados pela doutrina existentes acerca do tema. A primeira delas dispõe que nenhum direito é absoluto, não havendo justificativa, portanto, em defender a não aprovação do PLC no 122/06 alegando violação ao princípio da liberdade de expressão, uma vez que este não pode ser usado para justifica a violência, a difamação, a calunia para com outras pessoas. Já a segunda hipótese assevera que criminalizar a homofobia faria com que certos seguimentos sociais tivesses seu direito de livre manifestação de pensamento tolhido, já que se “condenassem” a homossexualidade sofreriam consequências no âmbito penal.

No intuito de se chegar à verdade mais correta acerca da problemática levantada, buscou-se uma argumentação baseada em aspectos históricos e conceituais, dando enfoque às transformações sociais que exigem do legislador um posicionamento inovador, a fim de que o direito acompanhe estas mutações, além de analisar princípios e normas que fundamentam a proteção dos pares homoafetivos.

O objetivo central do trabalho foi analisar as alterações legislativas provocadas pela possível aprovação do PLC no 122/2006 e sua possível afronta ao princípio constitucional da liberdade de expressão, tendo como objetivos específicos discutir se a aprovação do referido Projeto de Lei garantirá à comunidade LGBT uma maior proteção diante das manifestações de ódio motivadas pelo único fato de sua orientação sexual ou identidade de gênero e identificar os possíveis conflitos entre os princípios constitucionais da igualdade e não discriminação e da liberdade de expressão causados pela possível aprovação do PLC no 122/06.

A forma como o texto é disposto expõe um pensamento linear, já que a segunda seção se dedicou a fazer um apanhado histórico acerca do tratamento jurídico dado às relações entre pares homafetivos no Brasil ao longo do tempo, desde o período colonial, em que sodomia era considerada uma prática criminosa, até as mais recentes e inclusivas decisões exaradas pelos Tribunais Pátrios, demonstrando a dinamicidade do direito e sua adequação às transformações sociais. Nesta seção também foram expostos os princípios constitucionais que validam o reconhecimento e a proteção dos direitos dos casais homossexuais, além de demonstrar as características e consequências do PLC no 122/2006 e sua possível afronta ao princípio constitucional da liberdade de expressão.

A terceira seção verificou a viabilidade da hipótese levantada, uma vez que os estudos se voltaram para a análise da essência trazida pelo tema/problema, abordando didaticamente a (in)constitucionalidade da criminalização da homofobia, atentando-se para as medidas de solução quando da colisão entre princípios constitucionais, utilizando-se da máxima da ponderação. Ademais, exaltou a importância dos direitos fundamentais e princípios constitucionais, em especial à livre manifestação do pensamento, alertando sobre o fato de não utilizar este direito como forma de afrontar outros igualmente amparados pela Carta Magna. Nesta seção ainda tratou da necessidade de se direcionar um especial tratamento aos grupos vulneráveis.

A pesquisa adotou, com base nas referências lógicas da investigação, o método hipotético-dedutivo, uma vez que parte de pressupostos gerais até se formar um convencimento particular acerca do tratamento dado à discriminação motivada pela identidade de gênero ou orientação sexual do indivíduo. No que tange à abordagem do problema, destaca-se a análise qualitativa, pelo fato de analisar e descrever as peculiaridades, através de hipóteses, conceitos, doutrinas, entre outros.

Por fim, foram ainda adotados os métodos de caráter exploratório e de pesquisa bibliográfica, sendo desenvolvidos através de artigos científicos, livros, legislações, julgados e outros materiais disponíveis que versam acerca da matéria.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Esta seção versa sobre aspectos históricos e conceituais que circundam o tema, bem como a evolução do tratamento jurídico dado às relações homoafetivas, desde o período do Brasil colônia até as mais recentes e inclusivas decisões exaradas pelos Tribunais Pátrios.

Serão abordados, ainda, os princípios constitucionais fundantes que justificam e validam o reconhecimento e a proteção das relações entre pessoas do mesmo sexo, além de trazer uma breve exposição do Projeto de Lei da Câmara no 122/2006, que objetiva criminalizar a homofobia, equiparando-a ao crime de racismo, alterando o teor da Lei no 7.716/89.

2.1 HISTÓRICO DA HOMOSSEXUALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

A relação entre homossexualidade e direito sempre foi conflitante, principalmente quando se considera a forte influência religiosa quando da elaboração de leis e normas.

O período de colonização tornou-se um marco na propagação da legislação vigente na Europa, onde o Estado e a Igreja andavam de braços dados. Nesse contexto de proliferação das leis europeias, o crime de sodomia, previsto em todas as Ordenações do Reino de Portugal, e que foram transplantada nas colônias, era punido com a morte por fogo (BOMFIM, 2011, p. 78).

Até o século XIX a palavra mais utilizada para apontar relações entre pessoas do mesmo sexo, era a palavra latina sodomia, que tem sua origem no Livro de Gênesis, no Antigo Testamento, passagem bíblica que relata a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, pela ira divina. A interpretação da teologia moral cristã definiu o termo sodomita como aquele que, semelhantemente aos habitantes de Sodoma, pratica atos sexuais com pessoa do mesmo sexo (PRETES; VIANNA, 2007, p. 316).

De acordo com o cristianismo, todo ato sexual que fosse praticado com o fim diverso da procriação era considerado sodomia, sendo um pecado aos olhos de Deus, além de ser um crime em vários países europeus, como preleciona Trevisan (2000 apud PRETES; VIANNA, 2007, p. 317):

Na Europa dos séculos XVI, XVII e XVIII, não apenas a Espanha, Portugal, França e Itália católicas, mas também a Inglaterra, Suiça e Holanda protestantes puniam severamente a sodomia. Seus praticantes eram condenados a punições capazes de desafiar as mais sádicas imaginações, variando historicamente desde multas, prisão, confisco de bens, banimento da cidade ou do país, trabalho forçado (nas galés ou não), passando por marca com ferro em brasa, execração e açoite público até a castração, amputação das orelhas, morte na forca, morte na fogueira, empalamento e afogamento.

O Brasil, na condição de colônia portuguesa, não passava de uma “empresa temporária”, uma colônia meramente exploratória, onde a Coroa Portuguesa extraia as riquezas naturais e humanas, que, por mais de três séculos, ficou sujeito a um sistema político e jurídico estático e imposto pelo Império Português.

As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas traziam um tratamento severo, tanto para aqueles que eram homossexuais, como para quem conhecesse alguma conduta homossexual e não informasse à Coroa. Desde a perda de bens e propriedades até a morte por fogo, sendo que seus descendentes e ascendentes seriam considerados inábeis e infames (BONFIM, 2011)

O Livro V, Título XIII, das Ordenações Filipinas trazia o seguinte texto:

Toda a pessoa, de qualquer qualidade que seja, que peccado de sodomia per qualquer maneira cometter, seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memoria, e todos os seus bens sejam confiscados para a Còroa de nossos Reinos, postoque tenha descendentes; pelo mesmo caso seus filhos e netos ficarão inhabiles e infames assim como os daquelles que commetem crime de Lesa Magestade.

O Brasil tornou-se independente em 7 de setembro de 1822, porém a obediência ao Código Filipino perduraria até a criação de um Código Civil e Criminal. Em 1830, com a elaboração do Código Criminal do Império, o crime de sodomia desapareceu do ordenamento jurídico.

No entanto, a falta de regulamentação que criminalizasse a prática homossexual não garantiu uma melhor condição de vida para aqueles que continuaram a viver às margens da sociedade. Saíram da condição de “criminosos” para a condição de não ter direito algum, tornaram-se seres invisíveis perante as regulamentações jurídicas e sociais.

No entanto, com o passar dos anos discussões a respeito do tema tornaram-se comuns e até mesmo necessárias, a fim de solucionar algumas questões que envolviam desde o preconceito sofrido pelos homossexuais nos diversos setores da sociedade à resistência dos Tribunais Brasileiros a reconhecerem, em suas jurisprudências, como entidade familiar, a relação afetiva e estável entre duas pessoas do mesmo sexo.

A discussão que envolve o reconhecimento das uniões homoafetivas é mais complexa do que parece, havendo a necessidade de adentrar no próprio conceito de família e o tratamento dado à este grupo pelas constituições brasileiras ao longo dos anos.

A Constituição de 1824 não fez grandes considerações relacionadas à família, apenas tratou da possibilidade única de constituí-la por meio do casamento religioso, sendo que a admissibilidade do casamento civil, se deu com a Constituição de 1891, porém, este era indissolúvel. A Constituição de 1934 seguiu o mesmo modelo no que se refere à dissolubilidade do casamento, no entanto trouxe ressalvas para a anulação e destique. Já a Constituição de 1937 trouxe a ideia de igualdade entre os filhos considerados legítimos e naturais, a de 1946 não trouxe nenhuma inovação ao conceito de família e a de 1967 manteve a ideia de que família era aquela constituída pelo casamento civil (LOUZADA, 2014).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe a possibilidade de um pluralismo familiar, baseada em relações interpessoais, patrimoniais e sociais do mundo globalizado, inaugurando uma nova fase no sistema jurídico, trazendo conceitos indeterminados, a exemplo de seu art. 226 que tem cunho meramente exemplificativo ao tratar do conceito de família, admitindo a existência de outros modelos familiares, diferentes daquele tradicional constituído pelo casamento civil, apesar de referir-se expressamente apenas àquele formato mais comum.

Nenhuma Constituição conseguiu normatizar as várias transformações pelas quais passaram a sociedade brasileira, como a de 1988. Ela exaltou o ser humano como sujeito de direitos, elevando o princípio da dignidade da pessoa humana como o norteador de todo o ordenamento jurídica Pátrio, o constituinte de 88 excluiu discriminações e diferenciações que nada tinha a ver com uma sociedade democrática.

As limitações interpretativas do art. 226, §3o, da CF de 1988 faziam com que as relações entre pessoas do mesmo sexo fossem tratadas como simples sociedade de fato. Ou seja, não era possível a aplicação às relações fáticas as regras relativas à família, visto que, pela literalidade da norma constitucional, apenas era reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, até por que esse era o modelo mais comum, o que não significa a exclusão de outros formatos familiares.

Neste sentido, os Tribunais Brasileiros passaram a tratar do tema no intuito de resolver apenas as questões patrimoniais, diante da dissolução ou morte de um dos parceiros. Com enorme frequência extinguia-se as ações por impossibilidade jurídica do pedido sob o fundamento de inexistir lei que amparasse o direito pleiteado.

Segundo Dias (2014, p. 13),“Outra saída sempre foi reconhecer a existência de simples sociedade de fato e delegar o julgamento das ações para os juízos cíveis”. Este posicionamento se verificava tanto nos tribunais estaduais como também em decisões do STJ, conforme se verifica na jurisprudência a seguir colacionada:

Incidente processual. Conflito negativo de competência cível. Ação ordinária de reconhecimento de sociedade de fato. Convivência entre pessoas do mesmo sexo. Competência. Regência da relação pelo direito de família. Impossibilidade. Repercussão financeira. Competência da vara cível. A união entre pessoas do mesmo sexo, no Brasil, não repercute no direito de família, haja vista a necessidade de dualidade de sexos, a teor do artigo 226, §§ 3º e 5º, da Constituição Federal de 1988. -A diversidade de sexos constitui requisito natural para o casamento e reconhecimento da união estável. -Caracterizada a convivência firme e segura entre homossexuais, os efeitos daí advindos devem ser decididos na esfera cível, posto que ocorrente apenas interesse patrimonial. -Conflito conhecido e improvido, no sentido de reconhecer a competência da vara cível. (TJCE, Conf. Comp. 2004.0001.0364-4/0, 12ª C. Cív., Rel. Des. Ademar Mendes Bezerra, j. 26/10/2006). (Grifo nosso)

Pela leitura do julgado acima transcrito, verifica-se que as relações homossexuais não eram consideradas como entidade familiar pelo fato de não preencherem aos requisitos objetivos transcritos no comando constitucional, qual seja, a dualidade de sexo, o que impossibilitava o tratamento do tema na seara de família, resultando na migração de tais casos para as varas cíveis.

Competência. Relação homossexual. Ação de dissolução de sociedade de fato, cumulada com divisão de patrimônio. Inexistência de discussão acerca de direitos oriundos do direito de família. Competência da vara cível. Tratando-se de pedido de cunho exclusivamente patrimonial e, portanto, relativo ao direito obrigacional tão-somente, a competência para processá-lo e julgá-lo é de uma das Varas Cíveis. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 323.370/RS, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, j. 14/12/2004).(Grifo nosso)

As consequências advindas das relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas meramente patrimoniais, ignorava-se a afetividade e os objetivos traçados em comum de constituir família, tratando tais enlaces como mera sociedade de fato. No entanto, “a jurisprudência vem sendo considerada um dos mais confiáveis apontadores das oscilações sociais, justamente por seu papel atualizador das leis e das realidades sociais” (RANGEL, 2014, p.288).

Tal entendimento é uma forma de demonstrar que o direito é uma ciência dinâmica e, para tanto, deve, na medida do possível, acompanhar as transformações econômicas e sociais. É neste mesmo sentido que se verificava posicionamentos diversos entre os Tribunais, sendo que em alguns, a interpretação feita pelos Magistrados revelava sua adequação à realidade fática ao proferir decisões em consonância as transformações havidas pela sociedade, conferindo direitos aos componentes das relações homoafetivas, conforme julgado abaixo transcrito:

1. A realidade social atual revela a existência de pessoas do mesmo sexo convivendo na condição de companheiros, como se casados fossem. 2. O vácuo normativo não pode ser considerado obstáculo intransponível para o reconhecimento de uma relação jurídica emergente de fato público e notório. 3. O princípio da igualdade consagrado na Constitução Federal de 1988, inscrito nos artigos 3º, IV, e 5º, aboliram definitivamente qualquer forma de discriminação. 4. A evolução do direito deve acompanhar as transformações sociais, a partir de casos concretos que configurem novas realidades nas relações interpessoais. (TRF 4ª Região, AC 349785, j. 21/11/2000).(Grifo nosso)

Com o passar dos anos, foi-se formando uma consciência mais voltada à exaltação de princípios fundamentes de uma sociedade mais justa e igualitária para todos, como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, além de outros que visam combater toda forma de discriminação e preconceito. Esta consciência passou a nortear as decisões em diversos Tribunais Brasileiros, a respeito do tema:

Administrativo. Pensão. Relação homoafetiva. A sociedade de fato estabelecida entre homossexuais merece tratamento isonômico ao dispensado às uniões heterossexuais em respeito aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da promoção do bem de todos sem preconceito ou discriminação. (TRF 4ª Região, AC 2006.70.00.019767-5/PR, 3ª T., Rel. Des. Luiz Carlos de Castro Lugon, j. 29/01/2009).(Grifo nosso)

A Decisão supramencionada data do ano de 2009, porém, o tema só foi pacificado em maio de 2011, por meio da histórica decisão proferida pelo STF, de caráter vinculante e eficácia erga omnes, que, ao julgar conjuntamente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no 132, equiparou a união homossexual à união estável heterossexual, considerando-a, enfim, como entidade familiar. Tal Decisão foi fruto de uma flexibilização conceitual sobre família, permitindo que relacionamentos antes clandestinos e marginalizados, adquirissem reconhecimento e visibilidade.

A relação entre duas pessoas do mesmo sexo era uma realidade, e, como não havia norma constitucional expressa, tampouco legislação ordinária que tratasse especificamente da matéria, a jurisprudência oscilava, alguns acórdãos consideravam como uma sociedade de fato, outros reconheciam a existência de união estável, como se verificou dos julgados acima mencionados.

A referida decisão do STF pôs fim a esse embate ao consagrar princípios constitucionais como o da igualdade, uma vez que as pessoas têm direito a igual respeito e consideração, merecem ser reconhecidas na sua identidade ainda que representem uma minoria.

Ademais, consagrou também o princípio da liberdade, no sentido de ser a união homoafetiva um fato lícito, logo, pode-se fazer o que a lei não interdita. Cada um tem o direito de fazer sua própria valoração moral, com liberdade de fazer suas escolhas existenciais, devendo-se respeitar o direito fundamental de escolherem seus próprios afetos.

Por fim, e não menos importante, a emblemática Decisão validou o princípio da dignidade da pessoa humana, norteador de todo o ordenamento jurídico, que significa dizer que ninguém deve ser usado como meio para a realização dos projetos alheios, e, impedir que alguém coloque o seu afeto ou sua sexualidade onde deseja é instrumentalizá-lo aos projetos de outrem.

A respeito desta histórica e memorável Decisão proferida pelo Egrégio Tribunal, importante mencionar Rangel (2014, p. 296):

Parece ter sido mesmo a partir de 2011, com o histórico julgamento conjunto da ADIn 4277/DF e da ADPF 132/RJ, que a questão ganhou foros de uniformidade em todos os graus de jurisdição, afinal, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante de que são dotados tais julgamentos impõem sua observância sob pena de o descumprimento render ensejo ao ajuizamento de reclamação constitucional, com esteio no que prescreve o art. 102, I, l, da CF.

Pouco tempo depois de o STF proferir esta histórica Decisão, a 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de habilitação por homossexuais para o casamento diretamente no Cartório de Registro Civil, sem a necessidade de requerer na Justiça a conversão da união estável homoafetiva em casamento. Tal decisão deu-se no julgamento do Recurso Especial no 1.183.378 – RS:

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF.[...]. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n.132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. [...] 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição -explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença [...].8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar [...] (STJ, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 25/10/2011, T4 - QUARTA TURMA). (Grifo nosso)

Diante de decisões tão importantes e inovadoras, o ano de 2011 foi marcado pela mudança de paradigmas no que se refere ao direito de família, principalmente no que concerne aos temas afetos ao direito da comunidade de Lésbiscas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais e Simpatizantes (LGBT), que, aos poucos, vem garantindo uma isonomia de tratamento sócio normativo.

Posteriormente, o Conselho Nacional de Justiça, em 14.05.2013, editou a Res.175 que proíbe as autoridades competentes de recusar-se a habilitar ou celebrar casamento civil ou converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.

A mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que consagra os direito da comunidade LGBT, se trata de acórdão datado de 05 de março de 2015, em que a Ministra Carmém Lúcia reconheceu o direito de um casal homossexual de adotar uma criança. Foi a primeira vez que a Suprema Corte se posiciona favoravelmente sobre o assunto.

O acórdão traz uma interpretação não reducionista do conceito de família, e afirma que um entendimento diferente deste tornaria o Magno Texto um discurso homofóbico e preconceituoso. Segundo a eminente ministra “[...]agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família”.

É indiscutível a mudança de paradigma no posicionamento do direito brasileiro acerca de temas afetos à homossexualidade. Tratando-se de direitos que foram suprimidos desde à época da colonização portuguesa, passando pela pena de morte ao confisco de bens, chega-se ao ponto de o país assistir hoje, um posicionamento normativo e jurisprudencial de considerar a união entre pessoas do mesmo sexo como sendo entidade familiar e criando mecanismos que facilitem a sua conversão em casamento ou mesmo possibilitem a constituição do casamento diretamente no Cartório de Registro Civil.

O pluralismo das relações familiares ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio operaram verdadeira transformação na família. No dizer de Paulo Lôbo, a família é sempre socioafetiva, em razão de ser um grupo social considerado base da sociedade e unida na convivência afetiva.

O reconhecimento da uniões homoafetivas traduz-se numa consequência da qual não se pode fugir, típica de uma sociedade democrática em que o fim a ser buscado é o respeito pela dignidade de cada indivíduo que nela convive. Assim, o advento das novas realidades e mutações sociais, que permitem a quebra de paradigmas, exigem do legislador a adoção de posturas inovadoras, não pode ele se abster, quedar-se silente, envolto em hipocrisia, ignorando a realidade social, e deixar de outorgar direitos aos pares homoafetivos.

2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE VALIDAM O RECONHECIMENTO E A PROTEÇÃO DOS PARES HOMOSSEXUAIS

A Constituição Federal de 1988 inaugura uma nova fase no direito brasileiro. Conhecida como a Constituição mais inclusiva de todas, o texto constitucional exterioriza, desde seu preâmbulo, o inequívoco papel estatal no resguardo da personalidade humana, assumindo o dever de não tolerar qualquer tipo de preconceito ou discriminação, responsabilizando-se em assegurar dentre outros direitos, a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade pluralista e sem preconceitos.

Nesse diapasão, por todo o texto constitucional pode-se identificar normas que certificam o disposto no preâmbulo. O art. 1o, III, que resguarda a dignidade da pessoa humana; o art. 3o, que promove como objetivos da República a promoção do bem de todos, sem distinção de origem, raça, sexo, idade, cor e qualquer outra forma de discriminação; o art. 5o garante a isonomia, e seus incisos; o X, assegura a inviolabilidade da intimidade e vida privada das pessoas e o XLI, que prevê a punição legal para qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

É certo que a Carta Maior não se refere, expressamente, à orientação sexual, mas não se coaduna com o Texto Magno uma interpretação restritiva. Prova maior disto, foi a Decisão proferida pelo Pretório Excelso, em maio de 2011 que, ao julgar conjuntamente a ADI no 4277 e a ADPF no 132, concedeu status de família à união homoafetiva, garantindo-lhe especial proteção do Estado.

A história do constitucionalismo, é a história da emancipação do Homem. Inadmissível permitir retrocessos que privem os cidadãos de direitos e garantias fundamentais. A referida Decisão do STF foi o resultado e a consequência lógica das transformações de uma sociedade pluralista, que passou a apresentar novos modelos familiares, que têm como característica nuclear os entrelaces afetivos e o objetivo comum de buscar a felicidade.

Esta Decisão, foi, portanto, a materialização de princípios e direitos assegurados pelo ordenamento jurídico Pátrio, em especial pela Carta Maior.

2.2.1. Dignidade da pessoa humana

As atrocidades e barbáries que marcaram a Segunda Guerra Mundial, caracterizada pela descartabilidade da pessoa humana, fizeram com que o sistema constitucional ocidental sofresse sérias mudanças, a fim de recuperar e resguardar os direitos inerentes ao homem.

Tais transformações foram verificas tanto no plano internacional, com a criação de um sistema normativo de proteção de direitos humanos, como no âmbito constitucional ocidental, com a elaboração de constituições mais principiológicas, dotadas de elevada carga axiológica, exaltando a dignidade humana (PIOVESAN, 2013). A Constituição Brasileira de 1988 seguiu o mesmo caminho, ao trazer normas mais abertas e de cunho valorativo, elevando a dignidade intrínseca a toda pessoa humana.

Tratado como super princípio constitucional e valor supremo da democracia (SILVA. 2000), a dignidade da pessoa humana é a norma orientadora que nutre todo o sistema jurídico. É, portanto, um macroprincípio do qual irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade. Segundo Bonavides (2001, p. 48):

Sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser, portanto, máxima, e se houver reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se achem consubstanciados.

O princípio da dignidade da pessoa humana estatui que a pessoa humana merece tratamento digno pelo simples fato de ser humana. O homem deve ser um fim si mesmo e não um meio para a consecução dos projetos alheios, uma vez que ele não tem um preço, mas é um ser dotado de dignidade, na lição de Kant.

Nas palavras de Moraes (2006, p.60):

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Não há como se considerar um vida digna, quando o indivíduo é discriminado de maneira arbitrária e preconceituosa, por isso é que, intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, estão a garantia da isonomia, no sentido de que não é admissível qualquer forma de tratamento discriminatório, e a garantia da identidade pessoal de cada pessoa, que se materializa na sua liberdade de crença, de consciência, de proteção à sua intimidade e honra, na sua vida privada, bem como o direito de audeterminação sobre assuntos que dizem respeito a sua esfera particular.

A felicidade é um direito fundamental garantido pela Carta Magna por meio de direitos, garantias e prerrogativas que estão disposto pelo seu texto. Seria, pois, a felicidade, a derivação do princípio da dignidade da pessoa humana, como assegurou o Ministro Celso de Mello, no julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277.

Do princípio da dignidade da pessoa humana também deriva o princípio fundamental ao respeito, que consiste na liberdade da autonomia individual, para que a pessoa viva sua vida como bem entender, inclusive, colocando o seu afeto onde achar que deve, ou seja, incube a cada indivíduo formular as escolhas de vida que levarão ao desenvolvimento de sua personalidade. Este respeito deve ser assegurado pelo Estado e pela sociedade como um todo.

É nesse sentido que, não dispor igual tratamento e reconhecimento às uniões homoafetivas, é declarar que seu afeto dessas pessoas vale menos que o sentimento que valida as relações heteroafetivas, o que afronta claramente o princípio da dignidade da pessoa humana. A este respeito, assevera Dias (2009, p.14):

Qualquer discriminação baseada na orientação sexual configura claro desrespeito à dignidade da pessoa humana, o que infringe o princípio maior da Constituição Federal. Infundados preconceitos não podem legitimar restrições a direitos, o que acaba por referendar estigmas sociais e fortalecer sentimentos de rejeição, além de ser fonte de sofrimento a quem não teve a liberdade de escolher nem mesmo o destino de sua vida [obs.: pois a orientação sexual independe de opção e não altera por ato de vontade].”

Ante o exposto, não reconhecer as uniões entre pares homoafetivos é o mesmo que os utilizar para a consecução de projetos heterossexistas, como se a única relação digna, viável, aceitável e merecedora de respeito fosse a união heterossexual.

Logo, subordinar as escolhas existenciais do indivíduo, no que se refere à sua afetividade a um determinado padrão e modelo tradicional de sociedade familiar é o mesmo que condicioná-lo à escolhas das quais eles não compartilham e não se coadunam, o que atenta contra sua própria dignidade. Isso é inaceitável em um Estado Democrático de Direito calcada no pluralismo social.

2.2.2. Liberdade

O princípio da liberdade é a garantia de o indivíduo conduzir sua vida da forma que melhor lhe aprouver, é o reconhecimento da autonomia moral para que tomem as decisões que bem entenderem, desde que não prejudique terceiros. Liberdade, em sentido geral, quer dizer que as pessoas são livres para fazer aquilo que a lei não interdita.

No que tange às uniões entre pares do mesmo sexo, esta liberdade se materializa na possibilidade de viver a própria vida da forma que entenderem melhor, em conformidade com seu íntimo, colocando seus afetos onde desejarem, não podendo o Estado lhes atribuir menor dignidade, do contrário estaria agindo de forma inconstitucional.

Nesse contexto, Gilmar Mendes (2007), ministro do STF, afirma que a liberdade de consciência é a faculdade de o indivíduo formular juízos e ideais sobre si mesmo e sobre o meio externo que o circunda, assegura, ainda, que o Estado não pode interferir nessa esfera íntima do indivíduo, não lhe cabendo impor concepções filosóficas aos cidadãos. Logo, se é dado o direito à liberdade, que possibilita o indivíduo a fazer suas escolhas existenciais e formular seus próprios valores, não pode o Estado intervir nesta seara, ainda mais quando se trata da esfera íntima e individual de cada um.

Sob o prisma jurídico, não pode ser compreensível que a pessoa tenha a liberdade de viver sua vida em conformidade com sua orientação sexual, e, ao mesmo tempo, o Estado negue direito ao reconhecimento destas uniões como entidades familiares, tal posicionamento ofendo o pluralismo característico de um Estado Democrático de Direito, que se traduz no igual respeito e consideração jurídica a todas as pessoas em suas particularidades, desde que não prejudiquem terceiros. Um conceito de liberdade material exige a possibilidade de as pessoas realizarem determinado ato ou manter determinado comportamento lícito, sem que, para isso sofram algum tipo de discriminação. Do contrário, estar-se-ia diante de uma concepção formal de liberdade, desprovida de qualquer materialidade, o que deve ser rechaçado (VECCHIATTI, 2014).

Neste diapasão, a norma constitucional não deve, portanto, ser interpretada de maneira restritiva, no sentido de reconhecer a liberdade de cada indivíduo conduzir a sua vida da forma que achar que deve, incluindo-se aí suas relações afetivas, sempre calcado no pluralismo social e garantindo-lhes o respeito à intimidade.

2.2.3. Igualdade e não discriminação

Com base na Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e na Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, das quais o Brasil é signatário, discriminação significa qualquer forma de exclusão, distinção ou preferência, que tenha como escopo prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em iguais condições, dos direitos e liberdades na seara jurídica, social, civil, ou em qualquer outro aspecto. (PIOVESAN, 2013).

Neste sentido, o combate à discriminação é medida emergencial à implementação da igualdade, que em seu sentido formal (igualdade perante a lei) significa a aplicação das normas a todas as pessoas, independentemente da especificidades de cada um. A igualdade material (igualdade na lei), por sua vez, segundo a definição dada por Aristóteles, quer dizer que deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam, ou seja, há de haver um tratamento discriminado, considerando-se a situação jurídica diferenciada em que certos indivíduos se encontram. Ou seja, é necessária a igualdade na própria lei, não basta que a lei seja aplicada igualmente para todos.

A respeito do princípio da igualdade, assevera Rothenburg (2009, p. 354):

A igualdade significa, portanto, evitar discriminações injustificáveis, proibindo-se o tratamento desigual de quem esteja numa mesma situação, bem como promover distinções justificáveis, oferecendo um tratamento desigual para quem esteja numa situação diferenciada (injusta).

Neste diapasão, ignorar a existência e a validade jurídica das relações homoafetivas é o mesmo que as pôr em situação de injustificada desvantagem em relação aos pares heteroafetivos. O Estado tem o dever de assegurar que a lei conceda a todos igualdade de oportunidades, de modo que cada pessoa possa conduzir sua vida da forma que melhor lhe aprouver, desde que não prejudiquem ninguém, com base no princípio da liberdade.

Submeter o homossexual ao constrangimento pelo fato de sua relação não ser juridicamente reconhecida, menosprezando seu afeto, aspecto nuclear de qualquer relação familiar, incluindo-se aí a relação homoafetiva, é o mesmo que tolher, reduzir arbitrariamente suas oportunidades, uma vez que presentes os requisitos da publicidade, continuidade e da durabilidade, negar-lhe este direito seria uma flagrante atitude preconceituosa, exaltando a união heteroafetiva em detrimento da homoafetiva.

Sendo assim, preconceitos e posturas discriminatórias, que tornam silenciosos os legisladores, não podem levar também o juiz a se calar. Imperioso que, em nome da isonomia, atribua direitos a todas as situações merecedoras de tutela, a exemplo das uniões homoafetivas, que, ignoradas pela lei, foram reconhecidas pelos tribunais. (DIAS, 2013).

2.2.4. Pluralismo das entidades familiares

Nas constituições que antecederam a de 1988, as uniões formadas em um âmbito que não fosse o matrimonial eram condenadas à invisibilidade social e normativa, a exemplo tem-se as relações formadas por pares de mesmo sexo. Porém, desde a Constituição Federal de 1988, os modelos de família deixaram de ser aquelas havidas unicamente por meio do matrimônio. O princípio do pluralismo se materializa no reconhecimento, por parte do Estado, da existência e possibilidade da formação de múltiplos arranjos familiares.

O art. 226, do texto constitucional traz um rol meramente exemplificativo dos possíveis arranjos familiares, elencando aqueles que são mais comuns, porém não exclui a possibilidade de outras formações.

Os tipos de entidades familiares previstos no art. 226 da Constituição Federal são os mais comuns e é por isso que estão explicitados. As demais formas de família são tipos implícitos que se incluem no conceito do caput que, como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência de vida (LÔBO, 2008).

Para Dias (2007, p. 38-39):

A Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento. Assim, enlaçou no conceito de família e emprestou especial proteção à união estável (CF 226, § 3o), e à comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes (CF 226, § 4o), que começou a ser chamada de família monoparental. No entanto, os tipos de entidades familiares explicitados são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa [...]. Dita flexibilização conceitual vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiriram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas que as pessoas encontram para buscar a felicidade.

(Grifo nosso)

Foi, portanto, esse viés interpretativo e a elevação do princípio do pluralismo familiar, inaugurado pela Constituição Federal de 1988, que sustentou e argumentou o reconhecimento das uniões homoafetivas como verdadeiras entidades familiares quando do julgamento conjunto da ADI no 4277 e ADPF no 132 pelo Supremo Tribunal Federal. Tal Decisão foi fruto de uma flexibilização do conceito de família, permitindo que relacionamentos antes clandestinos e marginalizados, adquirissem reconhecimento e visibilidade.

2.2.5 Afetividade

Historicamente, até meados do século XX, no Brasil, o modelo tradicional de família era a patriarcal, quando o núcleo familiar era composto de questões meramente patrimoniais, a hierarquia era visível, o homem ocupava o papel de provedor e chefe da família, enquanto o papel da mulher se resumia à cuidar da tarefas doméstica e dos filhos.

Como o crescimento do movimento feminista, na Europa, as mulheres passaram a ocupar importante papel no sustento da casa, que provocou uma reestruturação nos papéis que cada membro desempenhava. A mulher passou a ter autonomia, não mais ficando vinculada a um relacionamento por causa de uma dependência econômica e o homem passou a participar das atividades domésticas.

Todas estas transformações sociais foram estampadas na Constituição Federal de 1988 que revolucionou o Direito de Família, por consagrar diversos direitos e garantias às mulheres.

Neste diapasão, a característica nuclear da família, que antes se resumia à questões patrimoniais, passou a ser o afeto, o sentimento de cumplicidade e solidariedade mútua entre o casal. O afeto tornou-se a característica inerente e essencial a qualquer tipo de entidade familiar. O elemento distintivo da família, que a coloca no manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir pessoas com identidades de projetos de vida e propósitos comuns, gerando um comprometimento recíproco (DIAS, 2013).

A afetividade passou a ter cunho jurídico, elevando-se à categoria de princípio. Isso se deu pelo fato de o direito passar a valorizar o sujeito com suas subjetividades, a pessoa passou a ser o centro das discussões jurídicas, em detrimento do patrimônio.

Associando-se isto com o princípio da dignidade da pessoa humana, norteador de todo o ordenamento jurídico, a pessoa humana, em sua individualidade, na figura de cada um dos membro da família, passou a ser o centro da ordem jurídica em detrimento da própria instituição, o que pode ser aferido pela leitura do art. 226, §8o, da CF/88 que preceitua que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Apesar de o princípio da afetividade não estar explicito na Constituição Federal, pode-se identificá-lo em diversas normas espalhado pelo Texto Maior.

Foi, portanto, o princípio da afetividade, que tornou possível a legitimação de todas as formas de famílias, tornando-as merecedoras da proteção do Estado. Não há razões justificáveis que autorizem ou permitam a discriminação de uma entidade familiar, seja ela homossexual ou heterossexual.

Acerca do afeto e do princípio da afetividade, dispõe Pereira (2014, p.178):

Sendo o Direito de Família, ou melhor, das famílias, uma tentativa de regulamentação e organização de relações de afeto e das consequências patrimoniais daí decorrentes, que são também da ordem da sexualidade, o princípio da afetividade passou a ser fundamental e essencial, refletindo em todos os seus campos e servindo como base e desdobramento de outros princípios, tais como a dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da responsabilidade.

Neste soar, se o enlace entre os pares homossexuais é um realidade, seria uma grande injustiça não assegurá-las o direito de serem reconhecidas como entidade familiar, negar-lhe este direito seria o mesmo que negar o afeto, a afetividade que constituem o núcleo da família. Seria um retrocesso do Direito de Família.

2.3 PROJETO DE LEI DA CÂMARA NO 122/2006 À LUZ DO CONFLITO ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O Projeto de Lei da Câmara n.º 122/06 visa criminalizar a discriminação motivada unicamente na orientação sexual ou na identidade de gênero da pessoa discriminada. Se aprovado, irá alterar a Lei de Racismo para incluir tais discriminações no seu conceito legal, que abrange, atualmente, a discriminação por cor de pele, etnia, origem nacional ou religião.

O Projeto em comento teve origem em 2001, no Projeto de Lei no 5.003/2001 proposto pela então deputada federal Iara Bernardi. Pretende o referido projeto de lei alterar a Lei no 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, bem como dar nova redação ao art. 140, do Código Penal e ao art. 5o da Consolidação das Leis do Trabalho.

A Lei Anti-Homofobia traz em seu bojo não apenas o repúdio a atitudes violentas contra os pares homoafetivos, mas também os atos de discriminação e preconceito, não sendo admitido, conforme o texto legal, o impedimento de que estes casais expressem sua afetividade.

A criminalização da homofobia ainda não se encontra tipificada como ilícito penal devido a não aceitação de grande parte da sociedade que em consequência dos preconceitos internalizados e crenças religiosas não admite que os homossexuais sejam protegidos de uma maneira específica, como se fez com a lei de criminalização do racismo e/ou a Lei Maria da Penha.

Nesse contexto, os argumentos utilizados por aqueles que se opõe à aprovação do referido Projeto de Lei, que em sua maioria são membros integrantes de grupos religiosos, dizem respeito ao fato de que a aprovação do PLC 122/2006 acarretaria afronta a diversos princípios constitucionais, como o da liberdade de expressão, crença e religião, nomeando-a de “Lei da mordaça”.

Outros seguimentos da sociedade defendem a não aprovação do PLC 122/2006 assegurando que existem leis vigentes que garantem a tipificação suficiente para ataques contra homossexuais, como a exemplo do art. 140 do Código Penal, que trata de injúria, ou o art. 129 do mesmo diploma legal, que trata de lesões corporais, além do art. 121 que trata de homicídio praticado por motivo torpe.

O projeto de lei 122/2006 encontra-se arquivado no Senado desde19/02/2015, depois de circular pelo Congresso por oito anos gerando inúmeros debates.

O princípio constitucional da Liberdade de expressão, estampada no art. 5o da Carta Magna de 1988, garante o direito de todo e qualquer indivíduo de manifestar seu pensamento, opinião, atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sem censura, desde que vedado o anonimato. Este direito é inalienável, intransferível, irrevogável e irrenunciável, constituindo-se como um dos pilares de uma sociedade democrática, juntamente com a igualdade e liberdade.

Contudo, certos indivíduos fazem uso deste direito de maneira irresponsável e inconsequente, acarretando em ofensa àqueles que são ofendidos. Ou seja, este direito, muitas vezes é utilizado como forma de expressão de ódio e discriminação direcionados a determinados grupos sociais, o que ocorre, por exemplo com o racismo, ou seja, um direito garantido constitucionalmente macula outros direitos e princípios também garantidos pela Carta Magna, como por exemplo, o princípio da igualdade, liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana.

A possível aprovação do PLC 122/06, segundo os argumentos utilizados por aqueles que não aprovam seu conteúdo, violaria o referido direito constitucional, uma vez que o fato de o indivíduo expressar sua opinião, ou mesmo os valores morais/religiosos em que acredita, poderia acarretar consequências no âmbito penal.

Esta antinomia surgida entre o princípio da igualdade e não discriminação e da liberdade de expressão norteia e fundamenta a presente pesquisa, uma vez que, de um lado, têm-se a classe LGBT reclamando, muito mais que a plena igualdade de direitos, mas o reconhecimento e o respeito de seu modo de ser como socialmente aceitável. De outro, parte da sociedade, calcada em convicções religiosas e culturais, marcados pelos ideais de uma sociedade machista e patriarcal, não admite as contestações ao padrão heterossexual. Neste soar, é preciso encontrar mecanismos que, de maneira coerente resolva as colisões entre princípios constitucionais baseando-se, primordialmente nos elementos dispostos na inclusiva Carta Magna de 1988, orientadora de todo o ordenamento jurídico, e que é caracterizada por conter normas mais abertas e de cunho valorativo, que consagrou e elevou a dignidade intrínseca a toda pessoa humana.

3 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E O CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Depois de verificadas as questões atinentes à Fundamentação Teórica, a partir dos estudos realizados e resultados obtidos, esta seção se dedica à averiguação das hipóteses constantes na origem deste trabalho, confirmando-as ou afastando-as, afim de responder a problemática na qual se sustenta a presente pesquisa.

Para tanto, analisou-se as medidas de resolução de conflitos entre princípios constitucionais, exaltando, o princípio da proporcionalidade e do subprincípio da ponderação, atentando para necessidade de uma motivação coerente quando da decisão judicial acerca da prevalência de um princípio em detrimento do outro. Além disso, levanta a questão da necessidade de se empregar especial proteção aos grupos vulneráveis, neste caso, à comunidade LGBT, ressaltando a constitucionalidade da criminalização da homofobia, questão até mesmo imperativa, para salvaguardar a dignidade dessas minorias.

Ademais, demonstra a importância de o Estado assegurar o direito constitucional à livre manifestação do pensamento, no entanto, admitiu-se a imposição de limites, no intuito de não se utilizar este direito fundamental como mecanismo de proliferar a discriminação, o preconceito e o ódio para com outras pessoas, uma vez que, este comportamento agride a efetivação de outros princípios igualmente assegurados pela Carta Magna.

Por fim, ratificou-se a necessidade de proteção dos grupos vulneráveis sob o enfoque do direito à tolerância numa sociedade marcada pelo pluralismo e pela diversidade.

3.1 A RELATIVIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS: O PLC no122/2006 COMO GARANTIA NO COMBATE À HOMOFOBIA

Os princípios constitucionais, assim como as regras, são espécies do gênero norma jurídica. São caracterizados por seu caráter extremamente genérico, e imprimem valores essenciais e indispensáveis à sociedade.

A importância dos princípios se dá pela sua aplicabilidade não apenas às relações jurídicas travadas, mas também por serem elas as normas orientadoras de todo o ordenamento jurídico pátrio. São os princípios constitucionais que dão estrutura e coesão ao edifício jurídico (NUNES, 2002).

Acontece que a sociedade é complexa e pulsante, está em constante transformação, acompanhando as céleres mudanças advindas do mundo globalizado. Somando-se isso à pluralidade e diversidade que lhe é característico, impossível não se constituírem entraves e colisões entre estes princípios. Em uma sociedade composta por indivíduos tão distintos e cheios de vontades e quereres, que encontram no arcabouço da Constituição Federal um rol de mandamentos que salvaguardam a sua individualidade e sua personalidade, há que se buscar mecanismos que possam atender e materializar estes princípios e direitos, sem macular ou ferir outras normas igualmente dispostas na Lei Maior.

Para dirimir estes conflitos, o juiz, servidor da lei, deve se submeter aos princípios constitucionais, é na Constituição, Lei Maior de um Estado Democrático de Direito que ele deve se apoiar, precipuamente, para desenvolver sua função de decidir o destino dos cidadãos. A este respeito dispõe Carrazza:

O legislador, ao elaborar a lei, deve obviamente, obedecer à Constituição. Não nos demoraremos, porém, em demonstrar esta acaciana verdade. O que queremos enfatizar é que não só ele que deve fazê-lo. Mais até que o legislador, o administrador público e o juiz – para não serem senhores, mas servidores da lei – estão intensamente subordinados à Constituição, inclusive a seus magnos princípios. É a ela, antes da própria lei, que devem mirar, enquanto desempenham suas relevantes funções.(Grifou-se)

É certo, pois, que nenhum direito é absoluto, até mesmo direito à vida pode ser relativizado. Pensando deste modo e exaltando a importância dos princípios e direitos dispostos da Carta Magna, quando houver um conflitos entre estes mandamentos, deve-se imprimir um juízo de ponderação, para que se resolva, no caso concreto, qual princípio terá maior prevalência, evitando-se prejuízo para os sujeitos titulares destes direitos.

Nesse diapasão, o princípio da proporcionalidade é dividido em três subprincípios, que merecem destaque por servirem de parâmetro de limite à ação do julgador, constituindo-se com máximas na resolução de conflitos entre princípios. Fala-se do princípio da adequação, da exigibilidade ou necessidade e do princípio da ponderação ou proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação significa dizer que se deve optar pela medida mais apropriada para alcançar a finalidade legal que pretende cumprir; a necessidade é a exigência de que o julgador escolha, dentre os princípios postos em conflito, aquele que for menos oneroso, que causar menos prejuízo ao cidadão ou à coletividade.

Já a ponderação ou proporcionalidade em sentido estrito representa a ponderação entre as vantagens e prejuízos advindos da escolha de uma determinada medida.

Este processo de ponderação de normas é complexo e deve levar em consideração as peculiaridades de cada caso, para que não incorra no cometimento de injustiças. Ao se ponderar e, naquele caso concreto, optar-se pela prevalência de um princípio e não de outro, não significa que aquele princípio preterido foi invalidado, mas houve uma atenuação de sua aplicabilidade, já que, no caso em exame, a aplicação do outro princípio acarretaria menores prejuízos ao direito do cidadão ou da coletividade. É uma questão de peso, ou seja, de acordo com as condições fáticas e jurídicas de cada casa, um princípio será exaltado em detrimento do outro, por se adequar e garantir a justiça naquela dada situação.

Tal entendimento se coaduna com o pensamento do jurista alemão, que ao diferenciar as espécies regras e princípios, assegura que, diante do caso concreto, os princípios possuem pesos diferentes, e aquele que tiver maior peso deve prevalecer, em detrimento daquele que possuir peso menor (ALEXY, 2008).

O julgador, quando se deparar com este conflito, deve se utilizar desses mecanismos que possibilitem a solução destas antinomias afim de efetivar o direito. Esta não é uma tarefa fácil, isso por que, para justificar suas decisões, o Magistrado deve utilizar um discurso coerente que sustente sua escolha. Toda atuação judicial é garantia ao próprio Estado de Direito, como bem preleciona do art. 93, IX da CRFB, que exige que o juiz exponha as razões de sua decisão. Assim, os argumentos de justificação se configuram em verdadeiros instrumentos de legitimação do poder, que resta confinado dentro dos limites de sua justificação.

Há de reconhecer que o preconceito, o racismo e mesmo a homofobia estão intrínsecos no inconsciente de muitas pessoas, por mais que se admita não nutrir estes sentimentos, isso é apenas a consequência de uma cultura machista, patriarcal e homofóbica vivenciada no Brasil desde o período da colonização. É por isso que a motivação das decisões judiciais se fazem importantes e necessárias. Uma justificação coerente, imparcial e calcada nos ditames constitucionais é uma maneira de a sociedade fiscalizar a função judicial, exigindo-se decisões não arbitrárias e justas.

Desta forma, o PLC no 122/2006 objetiva criminalizar a homofobia, buscando a efetivação de princípios constitucionais que deveriam minimizar a discriminação motivada pela orientação sexual ou identidade de gênero do indivíduo, uma vez que, mesmo havendo a garantia de igualdade, liberdade, dignidade, respeito e outros mandamentos constitucionais, sua aplicação não passa de mera teoria. Os crimes e humilhações vivenciados diariamente pela comunidade LGBT é a clara tradução de uma sociedade machista e que considera o padrão heterossexual como o único a ser considerado e respeitado.

Estes grupos vulneráveis já tão saturados e massacrados por longos anos de humilhação e restrição de direitos, impedidos de verem seus relacionamento afetivos reconhecidos devem ser olhados pelo Estado como seres que merecem especial proteção.

Neste sentido, de maneira semelhante ao que acontece com os negros, judeus e estrangeiros, o homossexual é visto socialmente como um ser inferior e excêntrico, em detrimento ao modelo heterossexista, que aparece, assim, como o padrão para avaliar todas as outras sexualidades (VECCHIATTI, 2014).

Neste interim, considerando-se que o racismo representa a segregação de uns em relação a outros, nota-se que a homofobia é espécie do gênero racismo, uma vez que há uma visível inferiorizarão dos indivíduos pelo simples fato de sua orientação sexual ou identidade de gênero, já que estes são vistos com estranheza, menosprezo, apontados como seres extravagantes.

Nota-se, por conseguinte, que os conceitos relacionados à homofobia e ao racismo são intimamente ligados e possuem a mesma fundamentação histórica e axiológica, o que, por óbvio, admite que aqueles sejam perfeitamente objeto de leis criminalizadoras, da mesma forma que os conceitos de “cor, etnia, procedência nacional e religião”, como se verifica na atual Lei de Racismo.

Por todo o exposto, verifica-se que nenhum princípio ou direito pode ser tido como absoluto, e feitas as considerações que fundamentam a constitucionalidade da criminalização da homofobia, equiparando tais comportamentos ao conceito legal de racismo, resta confirmada a hipótese elaborada neste tratado que assevera que nenhum direito fundamental é absoluto, até mesmo odireito à vida pode ser relativizado. Não há justificativa, portanto, em defender a não aprovação do PLC no 122/2006 alegando violação ao princípio da liberdade de expressão, uma vez que este não pode ser usado para justificar a violência, a difamação, a calúnia para com outras pessoas.

3.2 A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O RESPEITO ÀS DIFERENÇAS COM AMPARO NO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O país viveu longos períodos de intolerância durante os vinte anos de ditadura militar, onde vários direitos fundamentais foram arbitrariamente suprimidos. A Constituição Federal surge como um mecanismo de redemocratização do país, assegurando uma série de garantias que são inerentes a um Estado Democrático de Direito, seu texto deu especial importância aos direitos fundamentais como reação às forças sociais e políticas. A este respeito assevere Sarlet (2008, p.76):

A relevância atribuída aos direitos fundamentais, o reforço de seu regime jurídico e até mesmo a configuração do seu conteúdo são frutos da reação do Constituinte das forças sociais e políticas nele representadas, ao regime de restrição e até mesmo de aniquilação das liberdades fundamentais (SARLET, 2008, p. 76).

Neste contexto, o direito à liberdade de expressão é constitucionalmente consagrado no Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) da Carta Magna de 1988, em seu art. 5o, IX que assegura que “é livre a manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Este princípio é internacionalmente chancelado, ainda, na Declaração Universal dos Direito Humanos, integrado ao sistema jurídico Pátrio.

Os direitos fundamentais constantes na Constituição Federal, expressam os fundamentos precípuos de um Estado Democrático de Direito, incluindo-se aí o direito à livre manifestação do indivíduo. No entanto, imperioso destacar que a Carta Republicana reconhece essa livre manifestação do pensamento como direito fundamental, ao mesmo passo em que veda o anonimato, uma vez que este direito consagrado constitucionalmente é, muitas vezes utilizado de maneira irresponsável, imatura e discriminatória. Utiliza-se de uma direito/ferramenta consagrada e garantida pelo ordenamento jurídico, para, arbitrariamente macular outros direitos igualmente reconhecidos pela Carta Magna, a exemplo do direito à igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana e outros.

A respeito do princípio da liberdade de expressão, o Ministro Melo (2011), que atuou como relator no julgamento da ADPF n. 187, que questionou a interpretação do art. 287 do Código Penal (apologia ao crime), diante do impedimento de alguns estados brasileiros em permitir a realização de marcha pacifica com o intento de descriminalizar certas drogas, a chamada ‘marcha da maconha’, assegurou que nada se constitui mais nocivo do que a pretensão do Estado de reprimir a liberdade de expressão, pois nesse tema o pensamento há de ser livre, sempre livre, sendo que numa sociedade fundada em bases democráticas é intolerável a repressão estatal do pensamento.

A exaltação do direito fundamental à livre manifestação do pensamento perpetrada pelo eminente Ministro, no sentido de não se tolerar a intervenção do Estado em dispor sobre as ideais e o modo de sua manifestação, a grosso modo é compreensível e fundamenta nos moldes dos arts. 5º, IV e IX, e 220, da CRFB, que assegura a livre manifestação do pensamento, insuscetível de censura ou licença, isto é, de limitações prévias de conteúdo pelo Estado.

Ocorre que, não se pode fazer uso destedireito constitucionalmente previsto de livre manifestação do pensamento, como salvo conduto para a proliferação de discurso discriminatórios, homofóbicos e preconceituosos, professando o ódio, a violência e subjugandoaqueles que são considerados diferente.Neste sentido, tome-se de empréstimo lição de Branco(2011, p. 297-298):

A garantia da liberdade de expressão tutela, ao menos enquanto não houver colisão com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou não (...) A liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, tem, sobretudo, um caráter de pretensão a que o Estado não exerça censura.(Grifou-se)

Ante o exposto, ratifica-se o entendimento de que a liberdade de expressão é um direito constitucionalmente protegido enquanto não afronta outros direitos e valores igualmente tutelados e amparados pelo ordenamento Pátrio, ainda mais tratando-se da Lei Maior.

Portanto, surgem questões complexas relacionadas à liberdade de expressão, envolvendo a imposição de limites a este direito fundamental, necessários à proteção de outros direitos igualmente importantes como dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade.

A criminalização da homofobia é a materialização de princípios e direitos consagrados pela Constituição Federal. O princípio da liberdade, que assegura o direito de se fazer aquilo que a lei não interdita, é o reconhecimento da autonomia moral para que o indivíduo conduza sua vida da forma que achar melhor, desde que não prejudique terceiros, incluindo-se aí suas aspirações íntimas.

Nesse contexto, relacionar-se com pessoa do mesmo sexo não agride ou macula a efetivação dos direitos de terceiros. As escolhas afetivas ou eróticas do indivíduo dizem respeito unicamente a ele. Não faz sentido conceder um direito (liberdade) a um cidadão, por meio de um mandamento constitucional, e, ao mesmo tempo, não fornecer meios de exercício e gozo deste direito. Isso porque, o Estado tem o dever salvaguardar a personalidade humana, e, a partir do momento que é evidenciado a existência latente de um discurso homofóbico e discriminatório de uma sociedade enraizada por valores cristãos e patriarcais, que tratam o homossexual como “anomalia natural e social” é preciso exigir um posicionamento incisivo do Poder Público, no intuito de minimizar a intolerância arraigada nesta sociedade.

O princípio da igualdade e não discriminação, da mesma forma, serve de fundamento de justificação à necessidade de criminalizar discriminações pautada unicamente na orientação sexual ou identidade de gênero do indivíduo. Ele compreende a proibição de tratamento discriminatório injustificável, desta forma, colocar as relações homoafetivas em flagrante desvantagem aos pares heterossexuais, é o mesmo que afirmar que sua afetividade vale menos.

Ora, as relações entre pares homoafetivos já foram reconhecidas como verdadeiras entidades familiares, quando do julgamento conjunto da ADI 4277 e ADP 132, pelo STF, com base no princípio da igualdade, além de outros aplicáveis ao tema. Uma vez que não há um exercício de tolerância por parte de indivíduos homofóbicos quanto a este novo modelo familiar, proveniente da dinamicidade da sociedade e, consequentemente, do direito, é necessário usar meios coercitivos afim de conceder a estes grupos vulneráveis mecanismos que os igualem àqueles que podem viver suas vidas e buscam a felicidade ao lado de seus parceiros, por serem heterossexuais.

Por fim, não menos importante e longe de esgotar o rol de princípios que fundamentam a criminalização da homofobia, encontra-se aquela que é tida como a norma orientadora que sustenta e nutre todo o ordenamento. O princípio da dignidade da pessoa humana serve de validação para todos os outro princípios, igualdade, liberdade, solidariedade, entre outros.

Por este princípios o sujeito não deve ser utilizado como meio para a consecução dos projetos alheios, e exigir que os homoafetivos reprimam seus desejos, seus anseios, que estão em conformidade com seu íntimo, exigindo-lhes uma postura e um comportamento heterossexista é o mesmo que condicioná-los a perspectivas que não lhe fazem felizes e as quais eles não coadunam.Não há, portanto, como se considerar uma vida digna ao ser discriminado de maneira arbitrária por conta de suas escolhas íntimas. A respeito deste princípio preleciona Rocha (apud Salet 2001 43-44):

A dignidade humana, importante parâmetro constitucional de ponderaçãodo do direito, valor supremo e cláusula nuclear de proteção, assegura o indivíduo manifestar seus anseios, sentimentos, aspirações e afetos sem que seja tolhido física ou emocionalmente.

Neste interim, quando verificado que um direito constitucionalmente consagrado é utilizado de forma desarrazoada a ponto de afrontar outros mandamentos e valores espalhados pela Lei Maior, como ocorre com a liberdade de expressão, é preciso que o Estado tome medidas impositivas, até mesmo para efetivar o quanto disposto em no Texto Maior, desde o Preâmbulo, quando assume o papel de não tolerar qualquer tipo de preconceito ou discriminação, tomando para si a responsabilidade de assegurar a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade plural e sem preconceitos.

É preciso enxergar a problemática da colisão entre estes princípios sob o prima dos sujeitos, dos protagonistas desta antinomia, e, verificar, se a liberdade de manifestação, da forma como é utilizada, será, de fato, afrontada, considerando a hipótede da aprovação do PLC no 122/2006 em contraposição à direitos e princípios que sustentam a proteção de um grupo vulnerável marcado historicamente pelo preconceito e pela descriminação, indivíduos que foram obrigados a camuflar suas vontades, seus desejos e anseios para sua própria proteção, pelo bem de sua integridade física, moral e psicológica.

Por todo o exposto, a hipótese formulada na gênese do trabalho, que afirma que a criminalização da homofobia faria com que segmentos sociais tivessem seu direito de livre manifestação do pensamento tolhido, já que se “condenassem” a homossexualidade sofreriam consequências no âmbito penal é, de logo, rechaçada, tendo em vista que quando o princípio da liberdade de expressão é utilizado para disseminar o ódio, a discriminação e o preconceito, ele não merece a tutela do Estado. Assim, criminalizar esta condutas homofóbicas, consubstanciada nos princípios fundantes de proteção destes grupos vulneráveis é questão que se faz imperiosa e necessária, para garantir e salvaguardar sua personalidade humana.

3.3 O PLC No 122/2006 E A GARANTIA DA PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA A HOMOFOBIA COM ENFOQUE NO DIREITO À TOLERÂNCIA

O direito constitucional à tolerância tem papel importante quando se discute reinvindicações de direitos por partes de grupos vulneráveis, demonstrando o quanto, na sociedade contemporânea, ainda reside elevado grau de intolerância quanto ao diferente, ao considerado incomum e anormal, baseado no modelo tradicional e heterossexual enraizado na sociedade brasileira. Prova disto são os inúmeros casos de agressões, humilhações e violências direcionadas aos pares homoafetivos em diversas regiões do país, noticiadas constantemente pela mídia.

Tolerar é o ato de admitir maneiras de pensar e agir diversas das suas próprias, ainda que não se considere tais maneiras de pensar e agir corretas ou válidas, é nesse sentido que o princípio da tolerância se apresenta hoje como fundamental para a compreensão de uma sociedade pluralista e sem preconceito, como bem preleciona o preâmbulo da Constituição Federal de 1988. Ser tolerante com o diferente é uma questão fundamental da existência dessa pluralidade.

Efetivamente as questões inerentes à tolerância têm importância quando se referem à necessidade de uma convivência, no mínimo, respeitável, nas sociedades multiculturais e, em especial, onde ainda se apresentam enormes desigualdades sociais oriundas de processos sociais de discriminação. Tolerar, neste sentido, não significa aceitar ou concordar com práticas e modos de viver diferentes, mas, que se empregue o mínimo respeito. Desta forma, se faz necessário estabelecer mecanismos que permitam esta convivência e a igualdade de oportunidades em meio da pluralidade de projetos de vida.

O eminente Ministro do STF, Barroso (2009), enquanto professor, proferiu um discurso ao ser convidado para ser paraninfo de uma turma de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em que tratou da tolerância como forma de viver em um mundo plural e diverso:

Creio na tolerância. Na capacidade de compreender e respeitar o outro, aquele que é diferente da gente. O mundo contemporâneo é feito de pluralismo e diversidade. Há muitos projetos de vida legítimos. Há múltiplas raças, religiões, ideologias. É preciso escolher os próprios valores e conviver em harmonia com as escolhas alheias (...)Falo da rejeição ao perfeccionismo moral, que acha que deve universalizar e impor os próprios valores, os seus projetos de vida, como se fossem os únicos. Não creio em verdades absolutas, em dogmas que não podem ser questionados.

A homofobia é uma modalidade de preconceito e discriminação direcionada aos homossexuais, é uma forma de inferiorização daqueles que se relacionam com pares do mesmo sexo, resultado de uma hierarquização heterossexual.

Neste interim, considerando-se que o racismo representa a segregação de uns em relação a outros, nota-se que a homofobia é espécie do gênero racismo, uma vez que há uma visível inferiorizarão dos indivíduos pelo simples fato de sua orientação sexual ou identidade de gênero, já que estes são vistos com estranheza, menosprezo, apontados como seres extravagantes.

Os crimes e humilhações protagonizados diariamente nos noticiários, demonstram o tamanho da intolerância e falta de respeito com estes grupos vulneráveis, e apontam, denunciam ou finalmente admitem: a homofobia é um grave problema social.

O PLC no122/2006 visa equiparar a homofobia ao crime de racismo, no intuito de minimizar as manifestações ódio direcionadas à este grupo vulnerável da sociedade. O Estado tem o dever de resguardar e proteger estes grupo, direcionando especial cuidado e amparo jurídico para amortizar as desigualdades historicamente vivenciadas por eles. Se o respeito e a tolerância não são exercidos voluntariamente, é necessário que o Estado tome medidas incisivas no sentido de cumprir seu papel constitucional em resguardar a personalidade humana.

Os conceitos de discriminação e preconceito não se confundem. Preconceito representa uma carga valorativa irracional e desarrazoada, ou seja, um valor desprovido de lógica ou racionalidade. Já a discriminação representa a exteriorização do preconceito, é o tratamento diferenciado e direcionado a determinada pessoa por força de seu preconceito (VECCHIATTI, 2014).

Ainda que este PLC seja aprovado ele não irá acabar com o preconceito, uma vez que não se pode criminalizar ou punir algo que se encontra no íntimo do indivíduo, pune-se a discriminação. Para acabar com o preconceito é preciso uma mudança na mentalidade da sociedade brasileira, uma vez que estes valores estão enraizados na formação cultural do país, que endossado por valor cristãos e patriarcais, enxerga as relação entre pessoas do mesmo sexo como um pecado aos olhos de Deus e uma abominação que macula os valores da família, como se o conceito de família ainda fosse o mesmo que vigorava nas constituições anteriores à de 1988, constituída apenas pelo matrimonio e formado pela dualidade de sexo.

A união entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade da qual se pode fugir, é preciso aprender a conviver com estes novos paradigmas. O Direito, pela dinamicidade que lhe é característico deve se adequar e passar a tutelar estes novos arranjos. Não se pode ignorar a discriminação arbitraria sofrida pelos pares homoafetivos, lhe deixando desamparados à mercê de uma sociedade intolerante e homofóbica. A aprovação do PL no 122/2006 seria essa ferramenta de amortizar essas manifestações de ódios aos homoafetivos, que a cada dia se tornam tão comuns.

4 CONCLUSÃO

As questões relativas à homoafetividade ainda são muito polêmicas, sendo bastante delicado tratar de tais temáticas. Esta estranheza e recuo discursivo é fruto de uma sociedade patriarcal, baseada em valores cristãos, que por fundamentos bíblicos apontam a relação entre pessoas de mesmo sexo como pecaminosa e proibida.Ocorre que, as realidades advindas das transformações e novos arranjos sociais que são postos não devem ser ignoradas e menosprezadas pelo Direito, que como uma ciência dinâmica deve se adequar a tais mutações, afim de dar tratamento jurídicos a estas novas situações. Não pode o direito abster-se de regulamentar estas “novidades”.

É indiscutível a mudança de paradigma no posicionamento do direito brasileiro acerca de temas referentes à homossexualidade. Tratando-se de direitos que foram suprimidos desde o período da colonização portuguesa, passando pela pena de morte ao confisco de bens, chega-se ao ponto de o país assistir hoje um posicionamento normativo e jurisprudencial de considerar a união entre pessoas do mesmo sexo como verdadeira entidade familiar, a partir da emblemática decisão proferida pelo STF, no julgamento conjunto da ADI 4277 e ADPF 132, em maio de 2011.

Estas vitórias devem ser celebradas, no entanto há muito o que se conquistar para que se possa, de fato, minimizar este abismo existente entre a discriminação e os ideais proclamados pela Carta Magna de 1988, considerada a Constituição mais inclusiva de todas, que exterioriza, desde o preâmbulo, o inequívoco papel estatal no resguardo da personalidade humana, assumindo o dever de não tolerar qualquer tipo de preconceito ou discriminação, responsabilizando-se em assegurar dentre outros direitos, a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade pluralista e sem preconceitos.

A Constituição Federal de 88 conseguiu normatizar as várias transformações sociais pelas quais passou a sociedade brasileira, exaltando o ser humano como sujeito de direitos e elevando o princípio da dignidade da pessoa humana como norteador de todo o ordenamento jurídico.

Por esta razão é que a proposta trazida pelo PLC no 122/06 que visa criminalizar a discriminação motivada unicamente na orientação sexual ou identidade de gênero do indivíduo, equiparando tal comportamento ao crime de Racismo, constante na Lei 7.716/89, é constitucional, senão, medida que se faz necessária, considerando a intolerância historicamente direcionada aos pares homoafetivos. A tolerância, portanto, quando não exercida voluntariamente, no sentido de tratar o diferente com respeito e cordialidade, deve ser imposta de maneira coercitiva afim de salvaguardar a dignidade e a liberdade da pessoa discriminada e manter uma convivência social pacífica e harmônica.

O assunto toma contornos ainda mais polêmicos quando se considera a hipótese da aprovação do referido Projeto de Lei e a consequente e possível colisão entre os princípios da igualdade e não discriminação e da liberdade de expressão, uma vez que, os argumentos postos contra a sua aprovação se baseiam, em especial, no fato de que o princípio constitucional da liberdade de expressão seria afrontado ao se criminalizar a homofobia.

Esta questão relativa à antinomia entre princípios constitucionais tem sua resolução baseada no princípio da proporcionalidade, onde o julgador deve exercer um juízo de ponderação, considerando as circunstâncias fática e jurídicas de cada caso. No entanto, não há justificativa em defender a não aprovação do PLC no 122/2006 sob a justificativa de afrontar o princípio da liberdade de expressão, uma vez que este direito constitucionalmente garantido não pode ser utilizado como meio de proliferar o preconceito e o ódio contra aqueles que se considera diferente, por não seguirem o modelo heterossexista imposto pela sociedade. Agir assim, macularia outros princípios igualmente assegurados pela Carta Magna, como o da igualdade, liberdade e dignidade.

É preciso exigir um posicionamento incisivo do Estado, guardião da personalidade humana, para que a tolerância, quando não exercida voluntariamente, seja exigida de maneira coercitiva, minimizando a discriminação e tornando a convivência social, ao mesmo respeitável.

Mesmo que o Projeto de Lei seja aprovado, o preconceito enraizado numa sociedade marcada por ideais heterossexistas e por valores cristão, não irá acabar. Para tanto, seria necessário uma mudança na mentalidade da sociedade brasileira, no sentido de demonstrar que a relação entre pessoas do mesmo sexo é tão válida quanto às suas próprias, por serem baseadas no afeto, no respeito mútuo e na busca pela felicidade.

  • homofobia
  • criminalização
  • igualdade
  • princípios constitucionais
  • PLC n. 122/2006

Referências

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Marielle Rodrigues

Bacharel em Direito - Feira de Santana, BA


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