1 INTRODUÇÃO
Inicia-se o estudo da Nova Lei de Organização Criminosa, Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, que trouxe em seu artigo 4° §14 o instituto da Delação Premiada. Nele, o colaborador, que atende certos requisitos objetivos e subjetivos que a própria lei determina, efetua um acordo com o Delegado de Polícia ou membro do Ministério Público, para que, caso a participação seja efetivamente frutífera para a investigação, o delator obtenha para si certas vantagens, dente elas: perdão judicial, redução da pena em até dois terços, ou substituição da pena por restritiva de direitos.
Os objetivos da Delação Premiada são expostos no artigo quarto da mencionada Lei, sendo eles: a identificação dos demais participantes da organização criminosa e dos delitos praticados, a exposição da hierarquia e da divisão de tarefas da organização, a recuperação dos proveitos ou produto do crime, e localização de eventual vítima.
Entretanto, a Nova Lei de Organização Criminosa traz divergências doutrinárias quanto à exigência de renúncia ao direito de silêncio e sujeição ao compromisso legal de dizer a verdade que impõe sobre o investigado que será colaborador nesse acordo. Descreve o referido parágrafo que o colaborador deverá renunciar, na presença de seu advogado, ao direito ao silêncio, e fica sujeito ao compromisso legal de falar a verdade.
Surge o problema quanto à constitucionalidade da referida exigência, já que a Lei Maior assegura que ninguém será dito culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e, com o compromisso legal de dizer a verdade, o acusado pode vir a produzir prova contra si mesmo, realizando confissão, caso não seja proveitoso seu acordo de colaboração, o que é contrário ao que diz a carta magna no seu artigo 5°, inciso LVII. Ademais, essa imposição também pode retirar o direito à ampla defesa, descrito no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira.
Resalta-se que o obejtivo desse estudo é entender se o artigo 4° §14 da Lei 12.850/2013 é inconstitucional, por afrontar o artigo 5° LV e LVII da Constituição Federal, ou se não ofende os princípios da ampla defesa, nem o direito de não produzir provas contra si mesmo, por dispor o artigo 4° §10 que eventuais provas fabricadas pelo colaborador não poderão ser usadas exclusivamente em desfavor deste, e que o acusado estará acompanhado de defensor.
O entendimento do problema exposto é de suma importância jurídica e social, já que o crime organizado tem mostrado uma transformação, tanto no que tange ao bem tutelado, como no tipo de criminoso envolvido nesse gênero de delito, indubitavelmente complexo. É patente que o Direito brasileiro deve se adequar a essa transformação, buscando atender aos anseios da sociedade, e buscar a paz e razoabilidade entre os cidadãos.
Finalmente, busca-se analisar se o artigo 4º §14 da Lei 12.850/2013 afronta a Constituição Federal de 1988 por ser diretamente contrário aos princípios da ampla defesa e do direito de não produzir provas contra si mesmo, mediante a obrigatoriedade do colaborador renunciar ao direito do silêncio no acordo de delação premiada.
2 A NOVA LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E A DELAÇÃO PREMIADA
2.1 ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
O crescimento dos pólos urbanos, a globalização, a circulação facilitada de informação, produtos e pessoas acarretaram também uma evolução na estrutura da organização criminosa.
Não só no Brasil, o crime organizado, suas estruturas e os meios de combatê-lo têm sido objetos de grande estudo. No âmbito doutrinário se observa fervoroso discurso sobre a influência do crime organizado e os meios de diminuir sua expansão.
A preocupação predominante do Direito Penal foi, até pouco tempo, com os crimes cometidos individualmente. O Código Penal de 1940 dispunha apenas sobre o concurso de pessoas, o crime de quadrilha, o bando e a rixa no que concerne a delitos cometidos por mais de um agente.
Hodiernamente, há constante preocupação com delitos mais complexos, por exemplo, os cometidos por pessoa jurídica, tais como os contra a ordem econômica. Também o tráfico de drogas é uma questão de grande relevância atualmente. Os exemplos são inúmeros, como elenca Greco Filho (2014):
[...] tráfico ilícito de armas, o tráfico de seres humanos, a lavagem de dinheiro etc., verdadeiras empresas criminais que constituem real e altamente danoso poder paralelo ao regular poder do Estado, e que não pode se limitar a fronteiras constituindo a chamada criminalidade transacional. (GRECO FILHO 2014, p. 9)
Ainda, existe divergência quanto ao conceito de organização criminosa. Um conceito fixo ajudaria em muito na questão jurídica, porém para grande parte da doutrina, o conceito deve manter-se aberto.
Fora essa questão, o crime organizado é, sem dúvida, uma ameaça para a sociedade. Desestabiliza a segurança e a paz social. Deve ser combatido, sob risco de influenciar as garantias do Estado Democrático de Direito.
Por isso, surge em âmbito nacional e internacional diversos mecanismos legais para auxiliar o Estado a combater o crime, tornando mais eficaz a investigação criminal.
O Código de Processo Penal já não se mostra suficiente para garantir esse êxito, e as formas comuns de investigação restam ultrapassadas. Faz-se necessário a inovação legisltiva.
2.2 A LEI 12.850/2013 E A DELAÇÃO PREMIADA
Nesse contexto de transformação da criminalidade, surgiu a Lei 12.850/2013, uma lei de combate ao crime organizado. Um dos institutos que essa Lei trouxe foi a delação premiada, que não se trata, propriamente, de uma inovação.
A colaboração premiada já era prevista na Lei 9.034/2005, que foi revogada, dando lugar à Lei 12.850/2013, fruto do Projeto de Lei do Senado n. 150/2006, cuja autora foi a Senadora Serys Slhessarenko. A nova lei trouxe grandes alterações a este instituto. A antiga legislação descrevia como causa obrigatória de diminuição de pena a delação de algum partícipe da organização criminosa. A Lei n. 9.034 de 03 de maio de 1995 trazia como causa de diminuição de pena a delação de algum dos participantes da organização criminosa. A Lei n. 9.080, sancionada em 19 de julho de 1995 também previa benefícios para o delator de participante no crime contra o sistema financeiro nacional ou contra a ordem tributária. A Lei de Lavagem de Dinheiro, de 1998, observava diminuição de pena no caso de colaboração espontânea de algum envolvido. A Lei 9.807/99, sobre proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, e a Lei 11.434/2006, chamada Lei de Drogas, passaram a prever, cada uma com suas características e requisitos, o instituto da delação premiada.
A nova Lei de Organização Criminosa trata com mais pormenorização essa negociação.
Hodiernamente, muito se discute na doutrina sobre a efetividade da delação premiada no Brasil. Esse conceito foi importado dos Estados Unidos e da Itália, países que são socioeconomicamente muito distantes do Brasil. A Lei de Organização Criminosa e a delação premiada surgiram devido ao aumento da complexidade dos delitos, do aumento da violência, e da necessidade de o Direito tentar se adequar ao que demanda a sociedade. Alguns doutrinadores alegam que a cultura daqueles países permite que a colaboração premiada seja realmente eficaz, enquanto que no Brasil não seria adequado, sendo apenas uma medida desesperada dos legisladores, chamada cultura da emergência.
Nessa esteira de entendimento, tem-se como exemplo de parecer contra o instituto da delação premiada o ponto de vista de Moreira (2013), in verbis:
Afora questões de natureza prática, como por exemplo, a inutilidade, no Brasil, desse instituto, por conta principalmente, do fato de que o nosso Estado não tem condições de garantir a integridade física do delator criminis nem a de sua família, o que serviria como elemento desencorajador para a delação, aspectos outros, estes de natureza ético-moral informam a profunda e irremediável infelicidade cometida mais uma vez pelo legislador brasileiro, muito demagogo e pouco cuidadoso quando se trata dos aspectos jurídicos de sus respectivos projetos de lei.
[...] Também a propósito, veja-se a opinião de João Baptista Herkenhoff: “A meu ver, a delação premiada associa criminosos e autoridades, num pacto macabro. De um lado, esse expediente pode revelar tessituras reais do mundo do crime. Numa outra vertente, a delação que emerge do mundo do crime, quando falsa, pode enredar, como vítimas, justamente aquelas pessoas que estejam incomodando ou combatendo o crime. Na maioria das situações, creio que o uso da delação premiada tem pequena eficácia, uma vez que a priva relevante, no Direito Penal moderno, é a prova pericial, técnica, científica, e não a prova testemunhal e muito menos o testemunho pouco confiável de pessoas condenadas pela Justiça. Ao premiar a delação, o Estado eleva ao grau de virtude a traição. Em pesquisa sócio-jurídica que realizamos, publicada em livro, constatei que, entre os presos, o companheirismo e a solidariedade granjeiam respeito, enquanto a delação é considerada uma conduta abjeta” (Crime, Tratamento sem Prisão, Livraria do Advogado Editora, Página 98). Então, é de se perguntar: Pode o Estado ter menos ética do que os cidadãos que o Estado encarcera? Pode o Estado barganhar vantagens para o preso em troca de atitudes que o degradam, que o violentam, e alcançam, de soslaio, a autoridade estatal? (MOREIRA, 2013)
Já Nucci (2013) contraria esta linha de pensamento, defendendo a delação premiada, dizendo ser esta um mal necessário. Ele ressalta que o fim maior do acordo de colaboração é a proteção do Estado Democrático de Direito, sendo esse um interesse maior que punir apenas um agente. Diz que:
Não é preciso ressaltar que o crime organizado tem ampla penetração nas entranhas estatais, e possui condições de desestabilizar qualquer democracia, sem que se possa combatê-lo, com eficiência, desprezando-se a colaboração dos conhecedores do esquema, dispondo-se a denunciar coautores e partícipes.
No contexto das pessoas de bem, sem dúvida, a traição é desventurada, mas não se pode dizer o mesmo ao transferir a análise para o âmbito do crime, por si só, desregrado, avesso à legalidade, contrário ao monopólio estatal de resolução de conflitos, regido por leis esdrúxulas e extremamente severas, totalmente distantes dos valores regentes dos direitos humanos fundamentais. (NUCCI, 2013, p. 49)
Apesar da controvérsia sobre sua eficácia social no Brasil, a Lei de 2013 trouxe diversos problemas que, se não forem discutidos, podem pôr em risco a sua possível efetividade. Um desses problemas é a obrigação que o colaborador tem de renunciar ao direito de silêncio e ter o compromisso legal de dizer a verdade no acordo de colaboração, imposição essa que traz o artigo 4º §14 da Lei 12.850/2013. Descreve o referido parágrafo que “nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.” (BRASIL, Lei nº 12.850/2013, de 02 de agosto de 2013, 2013).
Sobre a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, Ferreira Filho (2013), bacharel em direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos e Delegado de Polícia, aponta que, in verbis:
O § 14 nos parece inconstitucional, uma vez que ninguém é obrigado a produzir provas em seu desfavor e o silêncio do acusado é garantido no inciso LXIII do Art. 5º da C.F., com inspiração no Tratado Internacional denominado Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário […]. Embora a lei preveja benefícios para o delator, eventualmente a revelação de determinada prova que possa condenar o delator e o deixe a mercê do alvedrio do negociador o alcance do benefício a ser proposto, para a defesa pode ser extremamente prejudicial. Há de se observar que os benefícios e sua abrangência sempre estarão sujeitos, em parte, à análise subjetiva do negociador, que eventualmente pode decidir que as provas fornecidas pelo delator “não compensam” um alcance maior dos benefícios possíveis. Nessa hipótese o prejuízo para a defesa do investigado ou do réu pode ser inestimável com a obrigatoriedade da renúncia total do silêncio, como prevê o parágrafo em comento. Não se pode olvidar também que, eventualmente, mesmo com a colaboração do delator, as informações não conduzam as provas desejadas ao final da investigação. (FERREIRA FILHO, 2013)
O direito de silêncio faz parte da ampla defesa, que é direito constitucional, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, no inciso LV. Vê-se, então, a situação de disposição de direito fundamental. Ademais, todos têm o direito de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere). O inciso LVII do referido artigo da Carta Magna também disciplina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, Constituição Federal, 1988). Desse modo, o acusado, ao praticar a renúncia ao direito de silêncio, já estaria propenso a produzir provas contra si mesmo.
Em defesa a esse entendimento, Sannini Neto (2013), Delegado de Polícia, aponta que:
Com efeito, o colaborador não poderá mentir, sob pena de responder pelo delito de falso testemunho. Sobre o tema, muito se discute na doutrina se o acusado teria o direito de mentir amparado pelo princípio da não-autoincriminação. Com a devida vênia, este entendimento nos parece absurdo, pois o fato de o acusado não ser obrigado a dizer a verdade, não significa que ele tem o direito de mentir. (SANNINI NETO, 2013)
O parágrafo 10 do artigo 4º da Lei 12.850/2013 dispõe que “As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor” (BRASIL, Lei nº 12.850/2013, de 02 de agosto de 2013, 2013). Entretanto, tal disposição é suficiente para tornar a norma harmônica com a Constituição Federal? Marcelo (2013), em seu artigo, diz que não, como se reproduz:
Um exemplo seria o investigado delatar todos os comparsas e se autoincriminar nesse conjunto. Todavia, tempo depois vem o MP, ou o próprio colaborador (só imaginar a hipótese de ameaça a sua família obrigando-o a retirar a delação) e retrata-se do pedido de colaboração. Ora, nesse caso o que o antigo colaborador falou pode muito bem ser utilizado contra ele, mesmo que não exclusivamente, vindo a prejudicá-lo.
Evidente que a intenção do legislador foi evitar que o colaborador venha a criar mentiras e confundo e possa atrapalhar toda a investigação, todavia, não entendemos ser razoável preencher essa lacuna através de uma norma flagrantemente inconstitucional. (MARCELO, 2013)
Diante do exposto, o ponto fundamental é a discussão sobre a constitucionalidade do artigo 4º §14 da Lei 12.850/2013, visto que se trata de instituto de grande relevância social e jurídica, que visa proteger o Estado Democrático de Direito. Porém, caso o referido parágrafo seja inconstitucional, ele não é meio razoável para atingir o fim pensado pelo legislador, já que a ampla defesa, o direito de não produzir prova contra si mesmo, e o direito de ser considerado inocente até sentença penal condenatória transitada em julgado são consagrados na CF/88 por serem direitos basilares do ordenamento jurídico, e nenhuma outra norma pode se sobrepor a essa base.
3 A RENÚNCIA AO DIREITO DE SILÊNCIO E COMPROMISSO LEGAL DE DIZER A VERDADE NO ACORDO DE COLABORAÇÃO.
3.1 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA E DIREITO AO SILÊNCIO
O princípio da ampla defesa é ditado pelo artigo 5º da Carta Magna em seu inciso LV que dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Tal pensamento pode ser reduzido na expressão latina audiatur et altera pars, ou seja, se faça ouvir a outra parte também.
O fundamento do princípio da ampla defesa reside no dever que o Estado possui de propiciar ao acusado os meios para que ele promova sua defesa total. É patente que tal direito que o indivíduo possui é garantia fundamental, visto que é condição mínima do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, faz-se mister salientar a constatação de Portanova (2001), in verbis:
A Ampla Defesa “não é uma generosidade, mas um interesse público. Para além de uma garantia constitucional de qualquer país, o direito de defender-se é essencial a todo e qualquer Estado que se pretenda minimamente democrático. PORTANOVA, 2001 apud CARVALHO, 2002.
A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, denominado Pacto São José da Costa Rica, aprovada pelo Decreto Legislativo número 27/1992, prevê o contraditório e a ampla defesa no seu artigo 8º:
Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civíl, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (Brasília. Decreto n. 678 de 6 de novembro de 1992.)
De acordo com Renato Brasileiro de Lima (2011) é plausível dividir o princípio da ampla defesa em um aspecto positivo e outro negativo. O aspecto positivo é formado pela utilização efetiva dos meios de produção de provas. Já os aspecto negativo significa a não formação de elementos de provas contrários à defesa do réu. Faz-se pertinente reproduzir parte de seu artigo nesse sentido:
Quando a Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral a ampla defesa, entende–se que a proteção deve abranger a defesa técnica e a autodefesa, havendo entre elas relação de complementariedade. Há entendimento doutrinário no sentido de que também é possível subdividir a ampla defesa sob dois aspectos: a) positivo: realiza–se na efetiva utilização dos instrumentos, dos meios e modos de produção, certificação, esclarecimento ou confrontação dos elementos de prova, que digam com a materialidade da infração criminal e a com a autoria; b) negativo: consiste na não produção de elementos probatórios de elevado risco ou potencialidade danosa à defesa do réu. (LIMA, 2011)
Em complemento a esse entendimento, cabe ressaltar o ensinamento de Tereza Nascimento Rocha Doró (1999, p. 129), que explicita a amplitude da garantia constitucional estudada:
Esse princípio processual deriva da garantia constitucional de que ninguém poderá ser privado de seus bens ou de sua liberdade sem o devido processo legal.
Além de existir um processo, deverá ele assegurar a completa igualdade entre as partes, o contraditório e a ampla defesa.
Essa ampla defesa compreende conhecer o completo teor da acusação, rebatê-la, acompanhar toda e qualquer produção de prova, contestando-a se necessário, ser defendido por advogado e recorrer de decisão que lhe seja desfavorável. (DORÓ, 1999, p. 129)
Ainda nesse sentido, Luis Pereira e Silva (2012, p. 270) afirma que a ampla defesa no processo penal é extremamente abrangente, exemplificando com o entendimento de que até provas obtidas por meios ilícitos podem ser admitidas em direito se forem para a defesa do réu:
O princípio da ampla defesa determina a participação efetiva no processo penal, abrangendo a autodefesa, a defesa técnica, a defesa efetiva e a possibilidade de utilização de todos os meios de prova passíveis de demonstrar a inocência do acusado incluindo as provas obtidas ilicitamente. (PEREIRA E SILVA, 2012, p. 270)
Além disso, para Guilherme de Souza Nucci (2012, p.290), o princípio da ampla defesa não pode ser cerceado de nenhuma forma pelo Direito:
A ampla possibilidade de se defender representa a mais copiosa, extensa e rica chance de preservar o estado de inocência, outro atributo natural do ser humano. Não se deve cercear a autoproteção, a oposição ou a justificação apresentada; ao contrário, exige-se a sultura das amarras formais, porventura existentes no processo, para que se cumpra, fielmente a Constituição Federal. (NUCCI, 2012, p. 290)
Intimamente relacionado com a ampla defesa está o direito ao silêncio do acusado. É comum no Direito Brasileiro o aforismo de que “ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo” (BRASIL, Lei nº 12.850/2013, de 02 de agosto de 2013, 2013).
O Pacto São José da Costa Rica em seu artigo 8º na alínea “g” dispõe que:
Artigo 8º: toda pessoa acusada de um delito tem direito a que presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante todo o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confesar-se culpada.(Brasília. Decreto n. 678 de 6 de novembro de 1992.)
Dessa forma, o direito ao silêncio é garantia constitucional, visto que a partir da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004 os tratados internacionais de direitos humanos passaram a ser equivalentes às normas constitucionais. Tem-se um exemplo:
Com base no pacto de San José e na Constiuição os ministros da 2º Turma do Supremo concederam o Habeas Corpus 83.096 em favor de um acusado que não queria ser submetido a teste de perícia de voz. Ele foi denunciado pela prática de associação para o tráfico de drogas, após escuta telefônica. A defesa alegou ofensa ao artigo 8º inciso II, alínea “g” do Pacto San José, segundo o qual ninguém será obrigado a depor, fazer prova contra si mesmo ou se autoincriminar. (RAMIRO, Revista Consultor Jurídico, 2009)
O direito ao silêncio surgiu mais precisamente na Inglaterra, no ano de 1215, como tentativa de erradicar as barbaridades cometidas com os acusados. O acusado geralmente era torturado até confessar o crime. Não havia direito ao silêncio. O Estado, naquela época, ou seja, os clérigos, tinham esse poder de coagir o réu a confessar.
O direito ao silêncio no Brasil vem expresso no inciso LXIII do artigo 5º da Carta Maior: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de pernmanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.”
Ainda, o artigo 186 do Código de Processo Penal Brasileiro preconiza nesse sentido:
Artigo 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Rio de Janeiro. Decreto-lei n. 3.689 de 3 de outubro de 1941.)
Ademais, Pacelli (2009), descreve que o direito ao silêncio não significa o direito de mentir. O fato de o acusado não ser obrigado a falar, não significa que ele tem o direito de mentir.
O direito ao silêncio tem em mira não um suposto direito à mentira, como ainda se nota em algumas doutrinas, mas a proteção contra as hostilidades e as intimidações historicamente desfechadas contra os réus pelo Estado. Primeiro, nas jurisdições eclesiásticas; depois, no Estado Absolutista, e, mesmo na modernidade, pelas autoridades responsáveis pelas investigações criminais. (PACELLI, 2009).
Dessa forma, não há como negar a ligação entre o direito ao silêncio e o princípio da ampla defesa, sendo um liame explícito, conforme ensinamento de Tourinho Filho (2007), in verbis:
Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a ideia que a defesa tem o direito de se pronunciarsobre tudo quanto or produzido em juízo pela parte contrária. Já disse: a todo ato produzido por uma das partes caberá igual direito da outra parte de opor-se-lheou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa. (TOURINHO FILHO, 2007).
Por sua vez, o direito ao silêncio está intimamente ligado ao princípio da presunção de inocência. Princípio, este último, assegurado constitucionalmente. O artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna ensina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Esse princípio deriva do artigo 11 da Declaração dos Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), que dispõe:
Artigo 11: Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se provasua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, ONU,
1948)
O Pacto São José da Costa Rica também dispõe no artigo 8º, inciso I, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.” (Brasília. Decreto n. 678 de 6 de novembro de 1992.)
Diante do exposto, pode-se concluir que alguns doutrinadores consideram o direito ao silêncio uma garantia constitucional, que não é aplicada somente à pessoa presa, visto que é parte de um todo muito maior, que são os princípios da ampla defesa e o de não produzir provas contra si mesmo. Os doutrinadores defendem também que esse princípio não precisa necessariamente ser aplicado somente na fase processual, mas também deve ser aplicado numa investigação criminal, ou ainda, em qualquer área não penal, desde que haja pretensão do Estado de punir, já que é garantia fundamental do indivíduo.
Todavia, há autores que discordam que haja um direito ao silêncio. É o caso de Colares (2013), que dispõe o seguinte eu seu artigo:
Curioso observar, no entanto, que o afirmado direito do réu não encontra respaldo expresso em nenhum dispositivo da Constituição Federal, rica em garantias ao indivíduo que responde a processo penal. Diz-se que a garantia decorreria do art. 5º, LXII do texto constitucional, que afirma que o preso será informado de seus direitos, inclusive o de permanecer calado, sendo o silêncio interpretado como uma forma de não colaborar com a elucidação de crime cometido por ele. (COLARES, 2014)
Ainda, discorre, sobre o aforismo de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo:
A explicação tradicional do aforismo nunca nos pareceu convincente. O avanço da tecnologia permite que sejam utilizadas diversas informações e meios de prova para elucidar a ocorrência de crimes. Perícias podem ser feitas das mais variadas formas – perícias em veículos, em objetos, em computadores, em partes do corpo, tais como o exame para detectar a presença de pólvora nas mãos. Há, ainda, pericias grafotécnicas, para identificar se determinada pessoa escreveu um manuscrito. Podem surgir, também, provas documentais importantes para o processo cuja posse seja do própiro acusado – fotografias pornográficas de crianças em seu computador, por exemplo. Enfim, as provas podem ser coletadas das mais variadas formas, e a tendência é que com o tempo se diversifiquem ainda mais.
Diferentemente do que ocorre em relação ao interrogatório, que é meio de defesa, na produção de provas o réu não pode valer-se do art. 5º, LXIII para obstar a investigação criminal através da recusa em participar de atos instrutórios. Se assim o fizer, estará cometendo abuso do seu direito de defesa, eis que exercendo-o em prejuízo da outra parte do processo – que no processo penal é normalmente o Ministério Público.
Tal afirmação, ao contrário do que se possa parecer, não viola a Constituição (pois, como visto, a Carta Magna só trata do silêncio como meio de defesa, não se estendendo à produção de provas). Tampouco há ofensa a documentos internacionais de direitos humanos. Ao contrário: extrai-se de alguns deles a chave para entender o porquê de o réu não ter direito ilimitado a obstruir a instrução processual penal. (COLARES, 2014)
O autor defende que o texto do artigo 8º, alínea “g” do Pacto São José da Costa Rica surgiu apenas para tentar diminuir as arbitrariedades do Estado, advindas da Idade Média, quando havia as torturas e não importava se a confissão era verdadeira ou não. Ele escreve também que “a aplicação do processo penal não serve ao réu, mas sim a toda a sociedade (incusive ao réu)”, desta forma, este não pode dificultar a produção de provas, em nome de um bem maior, que é a garantia do Estado Democrático de Direito para toda a sociedade.
3.2 A AFRONTA À CONSTUIÇÃO FEDERAL PELO ARTIGO 4º § 14 DA LEI 12.850/13
O artigo 4º § 14 da Lei 12.850/2013 dispõe que “nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.” (BRASIL, Lei nº 12.850/2013, de 02 de agosto de 2013, 2013).
Alguns autores entendem que essa imposição normativa trazida pela nova lei de organização criminosa ofende os princípios da ampla defesa e de não produzir prova contra si mesmo, já que os mesmos são direitos irrenunciáveis. O colaborador, com razão, não poderá mentir. Entretanto, ter o compromisso de dizer a verdade não quer dizer possuir direito de mentir, conforme explica Sanini Neto (2013), nestes termos:
Em nossa opinião, tal previsão constitui uma hipótese de disposição de um direito fundamental. Como é cediço, o direito ao silêncio está incluído na ampla defesa (esfera negativa) e no direito de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere). Sem embargo, entendemos que esse direito não está entre aqueles que são indisponíveis. Com efeito, o colaborador não poderá mentir, sob pena de responder pelo delito de falso testemunho. Sobre o tema, muito se discute na doutrina se o acusado teria o direito de mentir amparado pelo princípio da não-autoincriminação. Com a devida vênia, este entendimento nos parece absurdo, pois o fato de o acusado não ser obrigado a dizer a verdade, não significa que ele tem o direito de mentir. (SANINI NETO, 2013)
Nesses mesmos fundamentos o autor Rômulo de Andrade Moreira (2013) expressou sua opinião enérgica sobre a inconstitucionalidade do artigo 4º § 14 da referida Lei, ipsis litteris:
Eis agora uma das maiores inconstitucionalidades na legislação brasileira: “nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade” (grifo nosso). Ora, onde já se viu o dever, a imposição de renunciar a um direito constitucionalmente declarado. Óbvio que esta disposição só pode ter saído de uma mente em desvario. Claro que o direito ao silêncio é renunciável, voluntária e espontaneamente, jamais imposto. Mais uma vez, valendo-se de uma interpretação à luz da CF/88, deve-se ler este teratológico dispositivo da seguinte maneira: nos depoimentos que prestar, o colaborador poderá renunciar, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio. Somente assim, estaá sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade. (MOREIRA, 2013)
Esses pensamentos resumem de forma objetiva as justificativas para a possível inconstitucionalidade do mencionado dispositivo. Marcelo (2013) ressalta que o disposto no artigo 4º § 10, que dispõe que as informações concedidas pelo colaborador não poderão servir de única prova em seu desfavor, no caso de ele se retratar da proposta de delação, não é suficiente para revestir a renúncia ao direito de silêncio de constitucionalidade, ipsis verbis:
É inconstitucional tanto por explicitamente ir de encontro ao inciso LVIII do art. 5º da CF, como implicitamente retirar o direito à ampla defesa. Ademais, nada impede que colaborador venha a ser prejudicado pelo que possa dizer durante sua colaboração, citemos dispositivo da própria lei: “Art. 4º §10: 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”. Um exemplo seria o investigado delatar todos os comparsas e se autoincriminar nesse conjunto. Todavia, tempo depois vem o MP, ou o próprio colaborador (só imaginar a hipótese de ameaça a sua família obrigando-o a retirar a delação) e retrata-se do pedido de colaboração. Ora, nesse caso o que o antigo colaborador falou pode muito bem ser utilizado contra ele, mesmo que não exclusivamente, vindo a prejudicá-lo.
Evidente que a intenção do legislador foi evitar que o colaborador venha a criar mentiras e confundo e possa atrapalhar toda a investigação, todavia, não entendemos ser razoável preencher essa lacuna através de uma norma flagrantemente inconstitucional. (MARCELO, 2013)
Entretanto, tal entendimento não é unânime entre a doutrina, e eis aí o grande problema do presente estudo. Outra parte dos autores esclarece que não há, na realidade, uma renúncia propriamente dita do direito ao silêncio, mas sim uma mera faculdade do agente de não exercer esse mesmo direito, tendo em vista que ele obterá vantagens caso se submeta a esse não-exercício. Anteriormente ao seu depoimento, o agente tem a faculdade de escolher se aceita ou não o acordo de colaboração. Caso não aceite, não vai haver nenhum prejuízo para a parte, porém, caso aceite, há benefícios para a mesma, conforme Fonteles (2013) explica, in verbis:
Na realidade, o legislador expressou-se mal. Onde se lê “RENUNCIARÁ” deve-se entender “NÃO EXERCERÁ”. Conforme mencionamos, José Afonso da Silva é muito claro ao asseverar que os direitos fundamentais podem não ser exercidos, mas não podem ser abdicados. Ora, neste caso, o colaborador poderá desfrutar de benefícios penais, sendo, assim, uma faculdade por ele exercida. Não se trata de obrigá-lo a falar, mas de um direito que se lhe faculta exercer.
Por incompatibilidade lógica, não é possível calar e revelar. Por óbvio, se entender de silenciar, nenhum prejuízo será advindo dessa escolha, mas apenas deixará de ganhar (o que é bem diferente) os benefícios da nova lei (redução de pena, conversão em restritiva de direitos, etc).
Logo, não há qualquer inconstitucionalidade no dispositivo em estudo, mas apenas uma impropriedade terminológica, que pode causar estranheza nos mais precipitados. (FONTELES, 2013)
Em outros argumentos, Ronaldo Batista Pinto (2014), Promotor de Justiça em São Paulo e Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista aponta que há a possibilidade de oitiva, na condição de testemunha apenas para aquele que não foi denunciado, mas não para o colaborador, nos termos a seguir:
Tais cominações, em nosso entender, podem ser impostas somente àquele que não é réu no processo, porque não denunciado pelo Ministério Público, conforme previsto no § 4° acima. Ao réu que responde ao processo jamais poderia a lei infraconstitucional restringir-lhe o direito ao silêncio, obrigando-o, ainda, a dizer a verdade sob pena de configuração do crime de falso testemunho ou mesmo daquele previsto no art. 19 da mesma lei.
Trata-se, insistimos, de direito assegurado na Constituição (art. 5°, inc. LXIII), e no Código de Processo Penal (art. 186 do Código de Processo Penal), decorrente da cláusula do “nemo tenetur se detegere”, que, dentre seus desdobramentos, se encontra aquele que garante ao réu o direito de não produzir prova contra si mesmo, daí podendo se valer do silêncio. Na lição de Antonio Magalhães Gomes Filho, “o direito à não-auto-incriminação constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional”, em posicionamento inúmeras vezes reiterado pelo Supremo Tribunal Federal.
Em suma e na tentativa de harmonizar ambos os dispositivos (§§ 12 e 14) da lei em análise com a Constituição e mesmo com a legislação infraconstitucional e a tradição de nossa “praxis” processual penal, concluímos que a possibilidade de oitiva, na condição de testemunha, se restrinja àquele agente que não fora denunciado pelo Ministério Público (§ 4°), não se aplicando, outrossim, ao réu colaborador. (PINTO, 2014)
Nesse sentido, Eugênio Pacelli (2013) discorre sobre o tema expondo que não há o dever ao silêncio, já que o acusado ou investigado pode, a qualquer tempo, confessar os fatos. Por consequência, não existe renúncia ao direito de silêncio. Ademais, o acusado tem a escolha se deseja ou não fazer parte da delação premiada.
Assim, a norma a que nos referimos é de uma ausência de técnica legislativa beirando o inexplicável! Se a colaboração depende de ato voluntário do agente, e, se, para sua eficácia, dependerá também de determinadas informações/declarações a serem prestadas por ele, não há que se falar em renúncia ao direito ao silêncio.
E, mais, o dever de dizer a verdade na hipótese, tal como previsto no referido dispositivo, decorreria unicamente de ato voluntário do colaborador e não como imposição da norma legal! Se antes dessa decisão pessoal ele não era obrigado a depor – direito ao silêncio – não se pode dizer que ele tenha renunciado a esse direito, mas, sim, que resolveu se submeter às consequências de sua confissão. (PACELLI, 2013)
Tem-se, portanto, pontos de vista diversos a respeito da constitucionalidade do art. 4º §10 da Lei 11.850/13, tendo como argumento o fato de que não há renúncia ao direito de silêncio, mas sim uma faculdade de não exercê-lo.
4 CONCLUSÃO
Pela observação dos argumentos apresentados, é possível concluir que o artigo 4º § 14 da Lei 12.850/2013 pode ser considerado inconstitucional em virtude de contrariar os princípios constitucionais da ampla defesa e de não produzir provas contra si mesmo, visto que trata-se de direitos não renunciáveis. Uma possível declaração do acusado, no acordo de colaboração, poderia ser utilizada contra ele num momento futuro da persecução penal, caso o acordo de colaboração seja infrutífero, não sendo suficiente para revestir de constitucionalidade essa obrigação, devendo o artigo ser declarado inconstitucional para não haver compromisso legal de dizer a verdade por parte do colaborador no acordo de delação premiada.
De outro modo, o artigo pode ser considerado perfeitamente constitucional, visto que não se trata de uma obrigação à renúncia ao direito do silêncio, já que o acusado tem a faculdade de escolher se deseja fazer parte do acordo de colaboração ou não. Ao aceitar a proposta de colaboração, terá vantagens para si, como diminuição da pena ou substituição da pena por restritiva de direitos. Porém, ao recusar, não terá nenhuma desvantagem, apenas não estará apto a desfrutar dos benefícios do acordo, e não estará sujeito aos requisitos que o mesmo institui, na Lei 12.850 de 2013, dentre eles, a renúncia ao direito do silêncio. Nessa visão, o parágrafo mencionado é constitucional e apto a continuar produzindo seus efeitos no âmbito social e jurídico brasileiro, visto que não há renúncia a direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal Brasileira, mas apenas a escolha de não exercê-los, não se tratando de uma imposição da Lei.