A INCONSTITUCIONALIDADE DO FUNRURAL
Márcio Rodrigues Ferreira
RESUMO
O presente artigo colima analisar a contribuição previdenciária sobre a comercialização da produção rural, desde a sua origem, até os dias atuais, com vistas primordialmente nos seus aspectos legais, perpassando toda às alterações ocorridas ao longo dos anos. Importante também ressaltar que a metodologia aplicada ao presente trabalho, pautou-se em análise detalhada e minuciosa na legislação pertinente, doutrina e também entendimentos jurisprudenciais já sedimentados nos tribunais brasileiros. Objetivou-se com o presente trabalho apontar em um primeiro momento a origem da cobrança da exação, o fato gerador de tal cobrança, a afronta da cobrança desse tributo frente ao princípio da estrita legalidade positivada no inciso I do art. 150 da Constituição Federal de 1988, e, por fim, o entendimento da Suprema Corte acerca da sua inconstitucionalidade.
Palavras chaves: Funrural, princípio da legalidade, inconstitucionalidade.
ABSTRACT
This article colima analyze the social security contribution on the commercialization of rural production, from its origin to the present day, with a view primarily on its legal aspects, passing all the changes over the years. It is also important to point out that the methodology applied to this work was based on a detailed and thorough analysis of the relevant legislation, doctrine and also jurisprudential understandings already sedimented in the Brazilian courts. The objective of this study point at first the origin of the collection of the exaction, the taxable event of such charge, the shame of the collection of this tax against the principle of strict legality positively valued in Part I of Art. 150 of the Federal Constitution of 1988 and, finally, the understanding of the Supreme Court regarding the unconstitutionality.
Key words: Funrural, principle of legality, constitutionality.
INTRODUÇÃO
Em um primeiro momento o presente artigo tomará uma dianteira no sentido de analisar fielmente a origem histórica da contribuição previdenciária incidente sobre a comercialização da produção rural, também intitulada como contribuição do FUNRURAL, bem como, o seu nascedouro legal, visando demonstrar categoricamente a inconstitucionalidade da exação desde o seu limiar.
A posteriori, será abordado de forma meticulosa que a tributação em testilha que recai sobre a comercialização da produção rural do pequeno produtor rural pessoa física afronta e viola flagrantemente o princípio da estrita legalidade, capitulado ao teor do art. 150, inciso I da sublime Carta Cidadã, razão porque foi declarado inconstitucional pelo Excelso Supremo Tribunal Federal.
1. UMA ANÁLISE HISTÓRICO-EVOLUTIVA DO FUNRURAL
Para se iniciar a discussão dos aspectos jurídicos da Contribuição ao FUNRURAL, necessária se faz a análise da legislação desde a origem da indigitada contribuição, quando então, ao final, se poderá concluir pela inconstitucionalidade da mesma, já em nascedouro e até as últimas alterações legais.
Desde os primórdios do Direito Agrário no Brasil, se constata que a atividade agrária se dava no campo da informalidade, preocupando-se a Previdência Social de então, em criar formas de angariar recursos para garantir aos trabalhadores rurais o direito à aposentadoria, ou seja, formas de custeio do Sistema Rural de Previdência Social.
Diante desse quadro, foi criada uma forma de proteger os trabalhadores rurais, não contribuintes diretos da Previdência Social, levando-se em conta a inexistência de carteira de trabalho assinada, o fazendo, através do FUNRURAL.
No ano de 1971 criava-se a Lei Complementar n° 11, que instituiu o chamado PRORURAL, que definiu a hipótese de incidência, base de cálculo e sujeito passivo da Contribuição do Produtor Rural, para o custeio do referido programa, com alíquota de 2% sobre o valor da venda dos produtos rurais e mais 2,6% sobre a Folha de Salários. Deve-se levar em conta que vigorava na época, a Constituição Federal de 1.969.
Neste período, com a instituição da contribuição sobre a produção, apenas o empregador contribuía para a Previdência, diferentemente do atual Sistema onde vigora a dupla participação, restando prejudicada a arrecadação através da folha de salário, haja vista a informalidade do setor agrário.
Convém lembrar também, que em sentido diametralmente oposto ao Texto Constitucional anterior, a Magna Carta de 1988 introduziu o Sistema Previdenciário Único, tanto para o trabalhador urbano quanto para o rural. Consequentemente, a Lei Complementar n° 11/71, não foi recepcionada pela atual Constituição, impedindo assim a existência de norma diferenciadora, no que diz respeito ao Sistema Previdenciário.
Inicialmente, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o artigo 195, em seu texto original (anterior à Emenda Constitucional n° 20), dispunha do seguinte modo (destaques nossos):
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; (BRASIL, CF, 1988).
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu ainda, como um limite constitucional ao poder de tributar, o parágrafo 4° do artigo 195, que assim dispõe:
§ 4° A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154,I. (BRASIL, CF, 1988).
Por sua vez, o artigo 154 da Constituição Federal assim estabelece:
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; (BRASIL, CF, 1988).
O artigo 195 em seu parágrafo 8°, antes da Emenda Constitucional n° 20/98, previa:
§ 8º - O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. (BRASIL, CF, 1988, grifo do autor).
Sob esse prisma, a criação de Lei para possibilitar o custeio da Previdência Social, nos termos da Lei Maior, através de Contribuição Social sobre o resultado da comercialização da produção se aplicaria, exclusivamente, ao produtor, caso exercesse suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, não se aplicando, assim, àquelas pessoas físicas que exerciam suas atividades mediante contratação de empregados permanentes e nem às pessoas jurídicas.
Posteriormente, surgiu a Lei 8.212/91 dispondo sobre a contribuição social incidente sobre o resultado da produção Rural, que teve o seu sentido finalístico totalmente deturpado por leis posteriores, tornando a legislação sobre a mencionada exação uma verdadeira colcha de retalhos, como abaixo se expõe, sempre com nossos destaques.
O Artigo 25 da referida Lei, dispunha, em sua origem, que “Contribui com 3% (três por centro) da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção o segurado especial referido no Inciso VII do Artigo 12” (BRASIL, 1991).
Depois fora editada a Lei 8.540 de 22.12.1992, alterando a redação do artigo 25, e tratando da mesma matéria para dizer que “a contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos respectivamente, na alínea a do inciso V e no Inciso VII do Artigo 12 desta lei destinada à Seguridade Social é de:” (BRASIL, 1992).
A Lei 9.528 de 10.12.1997 alterou novamente a redação do artigo 25, estabelecendo que “a contribuição do Empregador Rural Pessoa física e do segurado especial referidos respectivamente na alínea "a" do Inciso V e no Inciso VI do artigo 12 desta Lei, destinada a seguridade social é de:” (BRASIL, 1997).
Já em Julho de 2.001, fora publicada a Lei 10.256, de 9.7.2001, que definiu a redação do Artigo 25, da seguinte forma:
Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:
I - 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;
II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho. (BRASIL, 2001).
O Legislador aqui buscou, ardilosamente, ampliar a espectro de contribuintes da “Contribuição ao FUNRURAL” alcançando também às pessoas jurídicas, ao editar a Lei 8.870/94, que dispunha em seu artigo 25 §2°:
§ 2º O disposto neste artigo se estende às pessoas jurídicas que se dediquem à produção agroindustrial, quanto à folha de salários de sua parte agrícola, mediante o pagamento da contribuição prevista neste artigo, a ser calculada sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado. (BRASIL, 1994).
Referido dispositivo foi posteriormente revogado pela Lei 10.256 de 09/07/2001, ante do insucesso do Legislador, frente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1103-1, que entendeu inconstitucional o dispositivo supracitado, considerando não haver incidência de tal contribuição social à pessoa jurídica.
Posteriormente, e mais uma vez, agora com a Lei 11.933/2009, o Estado tenta inserir a responsabilidade das empresas adquirentes dos produtos produzidos pelos produtores rurais e das cooperativas de crédito (entre outras), no que diz respeito ao recolhimento dessa contribuição, além de ampliar o alcance da norma tributária, também para as hipóteses das operações terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário, pessoa física, fazendo nos termos que se segue, com nossos destaques:
Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
III - a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa são obrigadas a recolher a contribuição de que trata o art. 25 até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da operação de venda ou consignação da produção, independentemente de essas operações terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, na forma estabelecida em regulamento; (Redação dada pela Lei nº 11.933, de 2009). (BRASIL, 2009).
Conhecendo a origem da Contribuição, e fazendo a análise histórico-evolutiva da Contribuição Social ora atacada, torna-se possível compreender a ausência de sustentação legal de tal exação, demonstrando estar a mesma, eivada de inconstitucionalidade, o que e agora passa-se a expor.
1.2. DA INCONSTITUCIONALIDADE
1.2.1. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR.
O Princípio da legalidade é multissecular, com previsão inaugural na Carta Magna inglesa, de 1215, do Rei João Sem Terra, representando a junção de esforços da nobreza e da plebe local, que se insurgiam contra o poder unipessoal do Rei de tributar, visando, em outros termos, inibir a cobrança esmagadora de impostos (sentido lato) pelo governo.
Sob outro prisma, o marco histórico acima referido impôs aos governos que se sucederam no tempo (não apenas na Inglaterra, mas gerando reflexos em toda a sociedade ocidental), a necessidade de obtenção prévia de aprovação popular para a cobrança dos tributos, de forma a legitimar sua cobrança.
Desta “obtenção prévia de consentimento popular” nascia o ideal do tributo consentido, que hodiernamente, no Brasil, dá-se pelos meios legais previstos na CF/88, em regra, pelo processo legislativo, que em última análise, representa a vontade do povo.
No plano axiológico, a legalidade tributária deve ser interpretada pelos ideais de segurança jurídica e justiça, não podendo o Estado desvirtuar de tais vetores, sob pena de incorrer em ilegalidade e/ou inconstitucionalidade.
De modo genérico, no art. 5º, II da atual Carta Magna, sob a disposição de que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, CF, 1988), têm-se presente, expressamente, o Princípio da Legalidade, não sendo necessário sequer, que estivesse expresso na CF/88, outro postulado, além do acima referido, para garantir aos contribuintes a defesa de seus interesses ou direitos contra atos ou normas que atentassem contra referido postulado.
Mas o legislador constituinte foi além, pois no título VI (da tributação e do orçamento), capítulo i (do sistema tributário nacional), seção I (dos princípios gerais), incluiu os princípios constitucionais tributários, e na seção II (das limitações ao poder de tributar), expressamente, incluiu o princípio da estrita legalidade no texto constitucional, estabelecendo verdadeiro limite ao poder de tributar do estado, estampado no artigo 150 inciso I da CF/88, que estatui o seguinte:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (BRASIL, CF, 1988).
É oportuno ressaltar que o Princípio da Estrita Legalidade Tributária ao ser inserido na atual Constituição Federal recebeu o mais alto status da Lei Maior, revelando-se, na verdade, como direito e garantia individual do cidadão contribuinte, assumindo assim, a condição de núcleo constitucional intangível, nos termos do ensinamento do Professor José Roberto Vieira, vejamos:
Visceralmente ligado aos Princípios da República e da Democracia, pela ponte da representatividade popular, também a Legalidade, inclusive a Tributária, como irrecusável direito e garantia individual do cidadão contribuinte que constitui, nos termos expressos do artigo 150, caput, encontra-se seguramente protegida entre as cláusulas de pedra da Lei Maior (artigo 60, parágrafo 4º, IV). (VIEIRA, 2004, p. 185, destaques nossos).
O desdobramento desse Princípio nas normas de Direito Tributário revela profunda ligação com o desenvolvimento do Estado Moderno de Direito, já que condiciona e limita o Poder de Tributar do Estado impedindo a atividade tributária extorsiva, que tanto oprime o contribuinte, além de alicerçar-se nos ideais de segurança jurídica e justiça.
Sobre o tema Ruy Barbosa Nogueira (1973, p. 139) aduz que “o princípio da legalidade tributária é o fundamento de toda a tributação, sem o qual não há como se falar em Direito Tributário”.
De igual grandeza é a lição deixada pelo Professor Aliomar Baleeiro, citado por Maria de Fátima Ribeiro (1997, p. 99-105), que “o tributo é ato de soberania do Estado na medida em que sua cobrança é autorizada pelo povo, através da representação”.
Consolidando os ensinamentos supracitados, o Ilustre Doutrinador Inocêncio Mártires Coelho faz a seguintes considerações sobre o Princípio da Estrita Legalidade:
Derivado do princípio da legalidade em sentido amplo, consagrado no art. 5°, II, da Constituição, o princípio da legalidade tributária tem suas raízes fincadas no terreno da antiqüíssima luta pelo consentimento na instituição dos tributos, reivindicação que, uma vez agasalhada na Magna Charta, em 1215, logrou espraiar-se pelas nações democráticas, sob a máxima de que não é legítima “nenhuma tributação sem representação “ – no taxationwithoutrepresentation. Nos dias atuais, esse princípio consubstancia a garantia de que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem lei que o estabeleça – CFB, art. 150, I, o que aponta, desde logo, para outro princípio – o da segurança jurídica -, na medida em que, sendo público o processo legislativo, qualquer do povo poderá acompanhá-lo, diretamente ou pelos seus representantes, e prevenir-se contra as investidas “surpreendentes” do poder de tributar. Mais ainda, como legalidade estrita, leciona Paulo de Barros Carvalho, esse princípio estabelece também a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico assim como os dados prescritores da relação obrigacional. (MENDES, 2009, p. 1397, grifei).
Contudo, esse consentimento popular, trazido nas palavras do Professor Inocêncio Mártires Coelho, será formalizado através da Lei, e de diferentes modos, exigindo a Constituição Federal, em algumas situações que explicita, a criação de Lei Complementar, que é mais exigente para sua aprovação, quando então, não bastará mera Lei Ordinária.
E assim deveria ter ocorrido com a exação guerreada! Por ser Contribuição Social residual, a obrigatoriedade de Lei Complementar para sua instituição era e é evidente, e a não instituição da mesma, bem como as posteriores modificações e majorações mediante Lei Ordinária como ocorrido, contraria de forma insanável o Princípio da Estrita Legalidade, mandando para o espaço sideral a segurança jurídica e a justiça.
Atentemos ainda para o fato da CF/88 estabelecer, expressa e exaustivamente, as situações que ensejam a contribuição do empregador ao custeio da Seguridade Social, nos termos do artigo 195 e respectivos incisos, in verbis:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).
c) o lucro; (BRASIL, CF, 1988, destaquei).
É possível notar nos dispositivos acima transcritos, que em relação ao empregador, a empresa e a entidade a ela equiparada, a CF/88 estabeleceu as seguintes fontes de contribuição:
1) folha de salários;
2) receita;
3) faturamento;
4) lucro.
De modo excepcional, visando resguardar situação de vulnerabilidade do produtor, pessoa física que exerce suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, a Constituição Federal possibilitou, sem permitir interpretação ampliativa, a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção, nos termos do artigo 195, § 8°, com a seguinte redação, com nossos destaques:
§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998). (BRASIL, CF, 1988, sublinhei).
Assim ficou estabelecido na Constituição Federal de 1988, pois o pequeno produtor rural, pessoa física, exercente de sua atividade em regime de economia familiar, sem contratação de empregados, estaria impossibilitado de contribuir sobre a folha de salários, o que feriria a sistemática de custeio universal da Previdência trazida pela Lei Maior.
Ao fazer menção, quando da definição da contribuição sobre o resultado da produção, levou em conta o Constituinte, o regime de economia familiar, o que consequentemente, remete ao conceito de propriedade familiar, estampado no artigo 4º, inciso II do Estatuto da Terra, que disciplina que:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
[...]
II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros; (BBRASIL, 1964, destaquei).
O ilustre Professor agrarista, Antônio Moura Borges, ao tratar do conceito de propriedade familiar, assim dispôs:
Seria o imóvel suficiente para a sobrevivência e o progresso da família, o que para isso, segundo os estudos realizados pelo INCRA, cada região e cada tipo de exploração fixa o tamanho da propriedade familiar. (BORGES, 2009, p. 368).
Por sua vez, o Agrarista goiano, Benedito Ferreira Marques (2007, p. 57), ao tratar da propriedade familiar e de seu dimensionamento, enfatizou que, “consoante abordagem anterior, a respeito de Módulo Rural, a Propriedade Familiar tem o tamanho exato de um módulo, calculado de acordo com cada região do país e tipo de exploração. Nem mais nem menos do que um módulo”.
1.3. CONCLUSÃO
Com isso, pode-se concluir que a contribuição ora guerreada incidiria apenas para os produtores rurais que exploram sua atividade em regime de economia familiar, sem a contratação de empregados, explorando-a em área não superior a 1 (um) módulo rural, e não aos produtores rurais que exercem atividade em grandes porções de terra, razão pela qual a cobrança da exação, consoante exaustivamente frisado alhures é absolutamente inconstitucional, consoante destacado pelo Colendo STF.
1.4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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