Monografia, Poder de Polícia nas Empresas Públicas


28/09/2015 às 18h26
Por Advogacia Mmjfilho

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI - UNIASSELVI

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO

PODER DE POLÍCIA NAS EMPRESAS PÚBLICAS

MANOEL MARQUES DE JESUS FILHO

Orientador: Nome do Orientador

JUAZEIRO - BA

2015

MANOEL MARQUES DE JESUS FILHO

PODER DE POLÍCIA NAS EMPRESAS PÚBLICAS

Monografia apresentada ao Curso de pós-graduação em Direito Público, da VERBO JURIDICO/ CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI - UNIASSELVI, como exigência parcial para a obtenção do título especialista em Direito Público.

Orientador: Prof.

JUAZEIRO - BA

2015

PODER DE POLÍCIA NAS EMPRESAS PÚBLICAS

MANOEL MARQUES DE JESUS FILHO

Aprovado em ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Nome Completo (orientador)

Titulação

Instituição

_________________________________________________

Nome Completo

Titulação

Instituição

_________________________________________________

Nome Completo

Titulação

Instituição

CONCEITO FINAL: _____________________

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

1 PODER DE POLÍCIA 12

1.1 CONCEITO E ORIGEM 13

1.2 FUNDAMENTO DO PODER DE POLÍCIA 17

1.3 CARACTERÍSTICAS 19

1.4 MEIOS DE ATUAÇÃO 21

1.5 COMPETÊNCIA 22

2 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 23

2.1 DO CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SEU OBJETIVO 23

2.2 ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 25

2.2.1 Da Administração Pública Direta e Indireta 29

2.3 OS PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 33

3 EMPRESA PÚBLICA 38

4 O PODER DE POLÍCIA NAS EMPRESAS PÚBLICAS 41

4.1 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO 45

4.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL 47

CONCLUSÃO 55

REFERÊNCIAS 57

RESUMO

Este estudo objetiva a análise do exercício do poder de polícia pelas empresas privadas, pessoas jurídicas de direito privado, cujos agentes possuem vínculo empregatício, já que regidos pelo regime celetista, de modo a identificar se tal situação configura conflito entre o interesse público e o privado. Adota uma pesquisa exploratória e pautada na revisão bibliográfica. Contextualiza o instituto do poder de polícia, seu conceito, origem e fundamento, características, meios de atuação e competência. Aborda a Administração Pública, seu conceito, objetivo e estrutura. Apresenta as características da empresa pública no ordenamento jurídico brasileiro. Analisa a problemática da delegação do poder de polícia nas empresas públicas. Conclui que há grande divergência acerca da possibilidade do exercício do poder de polícia nas empresas públicas, por se tratar de entidade de direito privado, cujos empregados são submetidos ao regime celetistas e, por isso, são mais vulneráveis que os servidores públicos ocupantes de cargos da Administração Pública Direta. Logo, cabe ao Estado o exercício do poder de polícia, devendo ser reconhecida como ilegal qualquer atuação de empresas públicas relacionadas ao exercício do poder de polícia.

Palavras chave: Empresa Pública. Poder de Polícia. Delegação. Impossibilidade.

ABSTRACT

This study aims to analyze the exercise of police power by private companies, legal entities under private law, whose officers have employment, as governed by the CLT regime, in order to identify if such a situation involves conflict between public interest and private . Adopts an exploratory and guided the literature review search. Contextualizes the Institute of police power, its concept, origin and foundation characteristics, means of performance and competence. Addresses the Public Administration, its concept, structure and aim. Presents the characteristics of a public company in the Brazilian legal system. Examines the issue of delegation of police power in public companies. Concludes that there is great disagreement about the possibility of the exercise of police power in public companies, because it is a private entity, whose employees are subject to the CLT regime and therefore are more vulnerable than public servants holding positions of Direct Public Administration. Soon, the State's exercise of police power and should be recognized as illegal action of any public companies related to the exercise of police power.

Key words: Public Company. Police Power. Delegation. Impossibility.

INTRODUÇÃO

O Estado é dotado de poderes políticas, exercidos pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, para desempenhar suas atribuições e funções constitucionais, cabendo-lhe, ainda, poderes de natureza administrativa, que surgem em acordo à Administração e com o interesse social.

Nesse cenário, para que cada indivíduo possa exercer os seus direitos e cumprir os deveres conferidos pela Constituição da República de 1988, sem que haja abusos e excessos, juridicamente foi conferido ao Estado poder administrativo, denominado "poder de polícia", com o intuito de fiscalizar e manter a ordem pública, atribuição esta que existe exatamente para que, no exercício dos direitos e deveres individuais, não haja qualquer prejuízo ao bem estar coletivo.

Assim, o Estado cria e mantém seus órgãos e fiscalização, dotados de poder de polícia, para a realização do controle social, de forma a garantir a manutenção social, sem, contudo, usar de abusos para manter o controle coletivo. Logo, o poder de polícia é aquele conferido à Administração Pública para garantir o bom funcionamento da máquina estatal, utilizando-se, para isso, de normas e proibições que sancionam e delimitam determinadas atividades sujeitas ao controle estatal.

Acontece que a Administração Pública abarca os entes da Administração Direta, mas também as autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas, que integram a denominada Administração Pública Indireta, fazendo surgir dúvidas acerca da possibilidade de delegação do poder de polícia, sobretudo quando se trata das empresas públicas, haja vista que são pessoas jurídicas de direito privado.

É nesse cenário que surgem os questionamentos acerca da possibilidade do exercício do poder de polícia nas empresas públicas, que integra a Administração Pública Indireta, em decorrência das peculiaridades, já que se trata de entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, para atuar na atividade econômica.

Logo, analisar as consequências jurídicas e as divergências que emanam na esfera doutrinária e jurisprudencial, em decorrência da possibilidade (ou não) do exercício do poder de polícia pelos agentes integrantes das empresas públicas é de suma importância, seja porque se trata de pessoa jurídica de direito privado; seja porque o poder de polícia, nesses casos, precisa ser delegado; ou, ainda, em virtude do vínculo celetista, já que os agentes são empregados regidos pela CLT - Consolidação das Leis do Trabalho e, por conseguinte, não possuem estabilidade, questões estas que precisam ser enfrentadas quando se trata de eventual conflito entre o interesse público e o privado, que surge no desempenho da atividade em comento.

Não se pode ignorar que a problemática do exercício do poder de polícia pelas empresas públicas é de suma importância, principalmente porque a questão já foi trazida à tona em um passado não muito distante, a exemplo do que ocorreu no Estado do Rio de Janeiro, quando multas aplicadas pela Guarda Municipal, instituída na forma de empresa pública foram questionadas na seara judicial, ao argumento de que não seria possível a delegação do poder de polícia a pessoa jurídica de direito privado, dividindo a opinião dos estudiosos do Direito.

Assim sendo, busca-se, num primeiro momento, uma maior compreensão do tema, trazendo à baila conceito dos institutos "poder de polícia" e "empresas públicas", para então adentrar na discussão acerca da possibilidade de delegação do poder de polícia e, consequentemente, do seu exercício pelas empresas públicas, confrontando os diversos posicionamentos encontrados na doutrina.

De igual forma, é de suma importância analisar o posicionamento jurisprudencial, de modo a identificar como os julgadores vêm se posicionando diante do exercício do poder de polícia pelas empresas públicas, uma vez que se trata de pessoa jurídica de direito privado, cujos agentes são celetistas e, por conseguintes, não possuem estabilidade, situação esta que pode comprometer os interesses da coletividade, e evidenciar, assim, um conflito.

É nesse contexto que se situa o presente estudo, que tem por objetivo analisar a exercício do poder de polícia pelas empresas privadas, pessoas jurídicas de direito privado, cujos agentes possuem vínculo empregatício, já que regidos pelo regime celetista, de modo a identificar se tal situação configura conflito entre o interesse público e o privado.

Para tanto, adota-se uma pesquisa de natureza exploratória e pautada na revisão bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação e jurisprudência, sem prejuízo da análise de artigos e periódicos, elementos para a compreensão do problema de pesquisa.

Assim, divide-se o presente estudo em quatro capítulos. O primeiro busca contextualizar o instituto do poder de polícia, seu conceito, origem e fundamento, características, meios de atuação e competência.

O segundo capítulo, por sua vez, aborda a Administração Pública, notadamente o seu conceito e o objetivo, bem como a estrutura da Administração, e sua divisão em Direta e Indireta.

O terceiro capítulo traz apresenta as características e disciplina legal da empresa pública no ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, o quarto capítulo analisa a problemática da delegação do poder de polícia nas empresas públicas, abordando o posicionamento doutrinário e jurisprudencial.

1 PODER DE POLÍCIA

O Estado é dotado de poderes políticos, exercidos pelo três Poderes, quais sejam, Judiciário, Executivo e Legislativo, para desempenhar suas atribuições e funções constitucionais, cabendo-lhes, ainda, o exercício dos poderes de natureza administrativa, que surgem em acordo com a administração, serviço público e com o interesse social.

Por isso Mello (2006, p. 768) ressalta que:

Através da Constituição e das leis os cidadãos recebem uma série de direitos. Cumpre, todavia, que o seu exercício seja compatível com o bem-estar social. E suma, é necessário que o uso da liberdade e da propriedade esteja entrosado com a utilidade coletiva, de tal modo que não implique uma barreira capaz de obstar à realização dos objetivos públicos.

Semelhante são os ensinamentos de Gasparini (2003, p. 119), que visualiza na Constituição da República o nascedouro do poder de polícia, e salienta:

O ordenamento jurídico confere aos administrados uma série de direitos relacionados com o uso, gozo, e disposição da propriedade e com o exercício da liberdade, a exemplo do que está consignado nos incisos IV, XII, XV e XXII do art. 5º da Constituição da República. O exercício desses direitos, apesar disso, não é ilimitado. Ao contrário, deve ser compatível com o bem-estar social ou com o próprio interesse do Poder Público, não podendo, assim, constituir obstáculo à realização dos objetivos do Estado ou da sociedade. Esse condicionamento da liberdade e da propriedade dos administrados aos interesses públicos e sociais é alcançado pela atribuição de polícia administrativa, ou, como é comumente designado, poder de polícia.

Desta forma, para que cada indivíduo possa exercer os direitos e deveres conferidos pela Constituição, sem que haja abusos e excessos, juridicamente foi conferido ao Estado o poder administrativo denominado “poder de polícia”, com o intuito de fiscalizar e manter a ordem pública. Logo, pode-se afirmar que tal atribuição existe justamente para que, no exercício de direitos e deveres individuais, não haja prejuízo do direito coletivo.

Assim, o Estado cria e mantém seus órgãos de fiscalização, dotados de poder de polícia para a realização do controle social, de forma a garantir a manutenção social, sem, contudo, usar de abusos para manter o controle coletivo.

Nesse sentido são os ensinamentos de Justen Filho (2008, p. 459):

A satisfação dos direitos fundamentais compreende uma atuação estatal conformadora da autonomia privada. Anteriormente, essa situação estatal apresentava cunho preponderantemente repressivo e se destinava a impedir que o exercício da autonomia privada se traduzisse no exercício abusivo de faculdades compreendidas na liberdade e na propriedade, de modo a gerar lesões a interesses alheios. A finalidade buscada era impor aos particulares condutas de cunho omissivo. Com a evolução dos modelos políticos, a intervenção estatal de conformação das condutas privadas deixou de ser apenas repressiva e passou a compreender imposições orientadas a promover condutas ativas reputadas como desejáveis. Esse conjunto de competências é indicado pela expressão “poder de polícia” e se caracteriza por não ser orientado a fornecer utilidades materiais aos sujeitos integrantes da comunidade.

Importa ressaltar que dentre os poderes administrativos exercidos pelo Estado destaca-se o poder de polícia administrativa, que é exercido sobre todas as atividades e bens que afetam a coletividade.

Não é demais frisar que possuirá competência para o poder de policiar a entidade que obtiver poder de regular a matéria questionada. Conseqüentemente, os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos à regulamentação da União, ao passo que as matérias regionais sujeitam-se às normas estaduais, enquanto os assuntos de interesse local subordinam-se às normas e policiamento administrativo municipal.

Salienta-se que em qualquer das hipóteses apresentadas, a entidade competente não poderá eximir-se do poder de policiar, sendo este irrenunciável. Neste sentido, observa-se que o poder de polícia é ato meramente administrativo, subordinando-se, portanto, portanto, ao ordenamento jurídico e seu controle de legalidade.

1.1 CONCEITO E ORIGEM

Poder de polícia é o poder que a Administração Pública possui de garantir o “bom funcionamento” da maquina estatal, utilizando-se para isso de normas e proibições que sancionam e delimitam determinadas atividades sujeitas ao controle do Estado.

Sobre o conceito de poder de polícia, Justen Filho (2008, p. 459) preleciona:

O poder de polícia administrativa é a competência para disciplinar o exercício da autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da legalidade e da proporcionalidade. O poder de polícia é um conjunto de competências e se traduz em atividades administrativas. [...] A atividade administrativa consiste num conjunto de atos desenvolvidos de modo permanente e contínuo, que exige uma organização de recursos materiais e humanos. A função administrativa de limitação da autonomia privada se traduz em atuação ampla, permanente e contínua da Administração Pública.

Medauar (2008, p. 376) conceitua o poder de polícia como a atividade da Administração Pública que impõe limites ao exercício de direitos e liberdades, no sentido em que “se expressa sua face autoridade, sua face imperativa. Onde existe um ordenamento, este não pode deixar de adotar medidas para disciplinar o exercício de direitos fundamentais de indivíduos e grupos”.

Diante da necessidade de se impor restrições aos interesses dos indivíduos, quando do conflito entre interesses públicos e privados, haja vista a supremacia daqueles, nasce a necessidade da existência de mecanismos que permitam o alcance dos fins estatais. Assim, necessita o Estado de ferramentas inseridas no próprio direito positivo, com qualificação de poderes ou prerrogativas especiais de direito público (CARVALHO FILHO, 2011, p. 69).

Ainda nesse sentido, apesar de receberem os cidadãos uma gama de direitos legais e constitucionais, estes devem estar em compatibilidade com o bem-estar social. Dessa maneira, o uso da liberdade e da propriedade deve estar em consonância com a utilidade pública, de modo a não obstar a consecução dos objetivos públicos (MELLO, 2012, p. 834).

Nesse compasso, os direitos individuais podem se encontrar já delineados em lei, plena e rigorosamente, assim como podem decorrer da averiguação ao caso concreto, pela Administração Pública, dentro dos moldes legais, da extensão em face de um genérico contorno legal que a este caso tenha sido dado (MELLO, 2012, p. 835).

Nessa esteira, apresenta o art. 78 do Código Tributário Nacional – CTN, a seguinte definição legal do instituto em comento, nos seguintes termos:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Por sua vez, Carvalho Filho (2011, p. 70) entende o poder de polícia como uma prerrogativa de direito público, que, lastreada em lei, autoriza a restrição, por parte de Administração Pública, ao uso e gozo da liberdade e da propriedade, sempre em nome do interesse coletivo.

Nesse mesmo sentido são os ensinamentos de Di Pietro (2012, p. 115), que ressalta estar o poder de polícia relacionado diretamente com o confronto entre os aspectos da autoridade da Administração Pública e a liberdade individual. Assim, tem-se de um lado o cidadão com o objetivo de exercer seus direitos e de outro a Administração, com a incumbência de condicionar o exercício dos direitos individuais ao bem estar coletivo, utilizando-se, para tanto, o poder de polícia.

É, pois, pelo conceito moderno, “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público” (DI PIETRO, 2012, p. 118).

Já para Marcelo Caetano (1977, p. 339), conceitua-se como o modo de atuar da autoridade administrativa, com intervenção no exercício de atividades individuais que ponham em risco interesses gerais, de modo a se evitar que produzam, generalizem ou ampliem danos sociais.

Segundo os ensinamentos de Cavalcanti (1956, p. 71), “o poder de polícia constitui limitação à liberdade individual, mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais do homem”.

Cumpre ressaltar que o poder de polícia não é um poder político, privativo dos órgãos constitucionais do Estado, mas sim um poder administrativo difundido entre toda a Administração Pública, na medida das necessidades de suas funções. Enquanto os poderes políticos identificam-se com os Poderes do Estado e só são exercidos pelos respectivos órgãos constitucionais do governo, os poderes administrativos difundem-se por toda a Administração e se apresentam como meios de sua atuação. Aqueles são poderes imanentes e estruturais do Estado; estes são contingentes e instrumentais da Administração.

Dentre os poderes administrativos figura, com especial destaque, o poder de polícia administrativa, que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade.

No tocante ao surgimento do instituto ora analisado, os estudiosos apontam que as origens do poder de polícia remontam às cidades gregas da Antiguidade (polis), onde a vigilância pública fora tão necessária como o é, presentemente, nas modernas metrópoles. Da polis grega esse poder de vigilância se transladou para a urbe romana, sob a designação latina politia, que nos deu o vocábulo português polícia (MEIRELLES, 2003, p. 189).

Não é demais observar que a origem etimológica da palavra polícia vem do latim politia, termo que por sua vez vem de uma associação entre dois termos gregos polis e politéia. Inicialmente o termo polícia foi utilizado para designar toda a administração pública, mas, segundo, à doutrina como ressalta Mello (2006, p. 666) e Meirelles (2003, p. 189-192), a partir da Revolução Francesa o termo passou a passou a se restringir ás atividades da administração que se referiam a manter a paz e a tranquilidade, a ordem e a salubridade pública.

Com o passar do tempo o termo foi sendo usado associadamente com termos adjetivantes. Polícia Administrativa para definir a expressão polícia judiciária na França, por exemplo, já nos Estados Unidos a expressão police power que significa poder de polícia e é usada para designar o poder dos estados membros quando da confecção de suas leis referentes aos benefícios do interesse público. No Brasil utiliza-se tanto a expressão "poder de polícia", tal qual o termo norte americano, quanto a expressão de origem francesa Polícia Administrativa e também Polícia Judiciária e que tem significados diferentes.

Substancialmente, esse poder de vigilância não se modificou, ganhando apenas maior extensão, com o correr dos tempos e a crescente ampliação das funções do Estado Moderno, cada vez mais ativo, mais constrangedor das liberdades públicas, mais intervencionista, no bom sentido da expressão.

A evolução do poder de polícia acompanhou não só o desenvolvimento das cidades, como também a multiplicação das atividades humanas, a expansão dos direitos individuais e as exigências do interesse social. Daí a extensão do poder de polícia a toda conduta do homem que afete ou possa afetar a coletividade. Com essa abrangência, o Estado, em sentido amplo, alcançando a União, Estados Membros, Distrito Federal e Municípios, pode exercer esse poder administrativo de controle sobre todas as pessoas, bens e atividades, nos limites da competência institucional de cada Administração, visando sempre à preservação dos interesses da comunidade e do próprio Estado (MEIRELLES, 2003, p. 189).

Desta forma, poder de polícia “é a atividade exercida pelo Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”, conforme leciona Di Pietro (2012, p. 220).

O poder de polícia reparte-se entre legislativo e executivo, baseando-se no princípio da legalidade, ou seja, a Administração Pública somente poderá atuar impondo obrigações ou proibições em virtude de Lei.

Neste sentido, Mello (2006, p. 772) conceitua:

A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando- as aos interesses coletivos,designa-se “poder de polícia”. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere- se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa.

Assim, a satisfação dos direitos fundamentais exige uma atuação estatal conformadora da autonomia privada, não mais de forma absolutamente repressiva, mas através de medidas ativas, adequadas, buscando equalizar o uso de direitos individuais em prol dos coletivos.

1.2 FUNDAMENTO DO PODER DE POLÍCIA

O poder de polícia tem sua razão de ser na defesa do interesse social. A Constituição da República de 1988, assim como as normas de ordem pública, fundamentam a existência do poder de polícia dando a faculdade para a autoridade pública diferenciar, explicitar ou implementar, a cada momento, o poder de fiscalizar, controlar, restringir o uso de bens, as atividades individuais, o exercício de direitos do indivíduo para beneficiar a sociedade.

Segundo os ensinamentos de Gasparini (2003, p. 120), o fundamento da atribuição do poder de polícia, afirma tratar-se da supremacia geral da "Administração Pública em relação aos administrados", consubstanciado no "o exercício da liberdade e o uso, gozo e disposição da propriedade estão sob a égide dessa supremacia, e por essa razão podem ser condicionados ao bem estar público ou social".

Semelhante é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 773), para quem o fundamento do poder de polícia é:

O poder expressável através da atividade de polícia administrativa é o que resulta de sua qualidade de executora das leis administrativas. É a contraface de seu dever de dar execução a estas leis. Para cumpri-lo não pode se passar de exercer autoridade – nos termos destas mesmas leis – indistintamente sobre todos os cidadãos que estejam sujeitos ao império destas leis. Daí a supremacia geral que lhe cabe. O poder pois, que a Administração exerce ao desempenhar seus encargos de polícia administrativa repousa nesta, assim chamada, “supremacia geral”, que, n fundo, não é senão a própria supremacia das leis em geral, concretizadas através de atos da Administração. Os doutrinadores italianos distinguem – com proveitosos resultados – esta “supremacia geral” da “supremacia especial”, que só estará em causa quando existam vínculos específicos travados entre o Poder Público e determinados sujeitos.

Acrescenta Gasparini (2003, p. 120) que o "fundamento da atribuição de polícia administrativa está centrado num vínculo geral, existente entre a Administração Pública e os administrados", atribuição esta que se consubstancia no uso, gozo e disposição da propriedade e da liberdade em prol de um interesse comum, pois somente assim o interesse público será privilegiado.

Ou seja, as normas administrativas são criadas e citadas pelo vínculo geral e em favor do interesse público ou social, não se fundando em privilégio ou favor individual buscando igualdade na utilização e limitação de direitos. Sendo assim, ato de polícia só será caracterizado mediante a presença de três elementos: por ser editado pela Administração Pública, fundado por vínculo geral (coletivamente) e por último, incide sobre a propriedade e/ou sobre a liberdade dos indivíduos.

Ainda, é mister frisar que trata-se de poder regulamentador exercido pela Administração Pública, no sentido de propiciar a coerção dos particulares, limitando o exercício de liberdades, estando, portanto, sujeito às normas constitucionais disciplinadores da democracia republicana brasileira.

Desta forma, seu objetivo é o interesse público e o bem estar social, de maneira que não haja prejuízo aos direitos individuais, para pessoas físicas e jurídicas. Prevenindo e mantendo o uso e prática dos direitos individuais pelos cidadãos para que nenhuma conduta resulte em dano ao meio social.

1.3 CARACTERÍSTICAS

Como poder de polícia é ato da Administração Pública que, através de restrições a direitos individuais, busca evitar a ocorrência de danos à direitos coletivos, diz-se se tratar também de poder negativo. Destarte, para sua melhor compreensão, é mister analisar as suas características, já que em virtude do poder de polícia é que a Administração Pública impõe a obrigação ao particular de não fazer algo.

Odete Medauar (2008, p. 376) arrola algumas características do poder de polícia:

[...] a) É a atividade administrativa, isto é, conjunto de atos, fatos e procedimentos realizados pela Administração;

b) É atividade subordinada à ordem jurídica, ou seja, ao é eminente, nem superior, mas regida pelo ordenamento vigente, em especial pelos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, sujeitando-se ao controle jurisdicional;

c) Acarreta limitação direta a direitos reconhecidos aos particulares;

d) Pelo poder de polícia a Administração enquadra uma atividade do particular, da qual o Estado não assume a responsabilidade, distinguindo-se do serviço público, onde o Estado é responsável pela atividade;

e) O limite ao direito do particular significa, de regra, um obstáculo ao exercício pleno ou a retirada de uma faculdade pertinente ao conteúdo do direito ou uma obrigação de fazer;

f) No atual contexto da Administração Pública, dividido entre uma face de autoridade e uma face de prestadora de serviços, o poder de polícia situa-se precipuamente na face autoridade;

g) Abrange também o controle da observância das prescrições e a imposição de sanções em caso de desatendimento.

Ao tratar das características do poder de polícia, Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 780) disserta:

Caracterizar o poder de polícia como positivo ou negativo depende apenas do ângulo através do qual se encara a questão. Com efeito, tanto faz dizer que através dele a Administração evita um dano, quanto que por seu intermédio ela constrói uma utilidade coletiva.

E mais adiante o autor complementa:

[...] o poder de polícia tem, contudo, na quase totalidade dos casos, um sentido realmente negativo [...] É negativo nos sentido de que através dele o Poder Público, de regra, não pretende uma atuação do particular, pretende uma abstenção. (MELLO, 2006, p.780).

Nesse contexto, pode-se afirmar que o poder de polícia possui três principais características, como discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade.

A discricionariedade está presente na maior parte das medidas de polícia. Porém, ressalva-se que muitas vezes há margens deixadas pela lei, quanto à liberdade na apreciação de determinados elementos, cabendo à Administração analisar nos casos concretos qual o melhor momento para agir, qual ação mais adequada, qual sanção a ser aplicada, etc.

Neste sentido são os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 783), in verbis:

Dado que o poder de polícia administrativa tem em mira cingir a livre atividade dos particulares, a fim de evitar uma conseqüência anti-social que dela poderia derivar, o condicionamento que impõe requer frequentemente a prévia demonstração de sujeição do particular aos ditames legais. [...] “Em outras hipóteses incumbe à Administração manifestar-se discricionariamente, isto é, examinando a conveniência e oportunidade de concordar com a prática do ato que seria vedado ao particular à falta de autorização. É o caso do porte de arma, por exemplo. Estes atos de polícia administrativa apresentam-se com um cunho preventivo bastante acentuado.

Importa esclarecer que o poder de polícia se sujeita as determinações legais a fim de exercer sua força de fiscalização, sendo vinculado ou discricionário. Certo, portanto, afirmar que tais atribuições se efetivam por atos administrativos expedidos através do exercício de competência.

Tem-se, ainda, a auto-executoriedade, que é a possibilidade que a Administração Pública possui de, através de seus próprios meios, executar as suas decisões, sem necessidade da intervenção do Poder Judiciário.

Por fim, conforme ainda explica Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 783), a coercibilidade confunde-se com a auto-executoriedade, pois o ato de polícia só será autoexecutório por possuir força coercitiva. Neste sentido, aponta-se o poder de polícia ser uma atividade negativa, já que impõe uma obrigação de não fazer ao particular, ou seja, evitar dano advindo do mau exercício do direito individual.

1.4 MEIOS DE ATUAÇÃO

O Estado, para exercer seu poder de polícia, utiliza-se de atos normativos e atos administrativos. Atos normativos, implica dizer que, pela lei, criam-se limitações administrativas ao exercício dos direitos e atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas, disciplinando assim a aplicação da lei.

Ao tratar do tema, Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 785) pontua:

A polícia administrativa manifesta-se tanto através de atos normativos e de alcance geral quanto de atos concretos e específicos. Regulamentos ou portarias – como as que regulam o uso de fogos de artifício ou proíbem soltar balões em épocas de festas juninas -, bem como as normas administrativas que disciplinem horário e condições de vendas de bebidas alcoólicas em certos locais, são disposições genéricas próprias da atividade de polícia administrativa.

Evidencia-se, portanto, que o ato administrativo é a aplicação da lei aos casos concretos, com medidas preventivas e repressivas, com a finalidade de coação ao cumprimento da lei.

1.5 COMPETÊNCIA

Ao poder de polícia atribui-se competência legislativa, visto seu exercício depender da análise e obediência às normas vigentes e pertinentes.

Segundo Justen Filho (2008, p. 469), ao poder de polícia é dada competência legislativa, senão:

O chamado poder de polícia se traduz, em princípio, em uma competência legislativa. Afinal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. O princípio da legalidade significa que a competência de poder de polícia é criada, disciplinada e limitada por lei. Até se poderia aludir a poder de polícia legislativa para indicar essa manifestação da atuação dos órgãos integrantes do Poder Legislativo, em que a característica fundamental consiste na instituição de restrições à autonomia privada na fruição da liberdade e da propriedade, caracterizando-se pela imposição de deveres e obrigações de abstenção e de ação.

Geralmente, ao poder de polícia é atribuído seu exercício ao órgão ou entidade a quem a Constituição da República determina. E no caso, é expressa competência administrativa dada ao Município para que se responsabilize e fiscalize tudo que se refira ao interesse local.

Neste sentido, Justen Filho (2008, p. 472) explica sobre a competência de polícia administrativa dos Municípios:

Se não houver regra específica, o princípio supletivo a ser aplicado será vincular a competência ao interesse envolvido. Assim, a competência municipal de poder de polícia envolve eventos cuja repercussão se limite ao âmbito do Município. Quando um evento ultrapassa os limites de um Município, a competência é atribuída ao Estado. Enfim, a União detém a competência para exercitar o poder de polícia relativamente aos eventos que transcendam os limites de um único Estado-membro. Nesse caso, existe um critério territorial para a fixação da competência de poder de polícia.

Resta claro, portanto, que a competência do poder de polícia é conferida segundo o interesse, ou seja, compete à entidade a quem a Constituição outorgou a competência para legislar sobre determinada matéria, sendo da União, Estado membro, Distrito Federal ou Município segundo as regras de competência estabelecidas pelo constituinte.

2 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2.1 DO CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SEU OBJETIVO

A Administração Pública, no ordenamento jurídico brasileiro, pode ser conceituada sob dois enfoques: em sentido subjetivo e em sentido subjetivo e em sentido objetivo.

No sentido subjetivo, a Administração Pública é focada sob a figura do sujeito da administração, ou seja, nas palavras de Cunha Júnior (2003, p. 34-35), "a a Administração Pública corresponde a um conjunto de pessoas jurídicas [...], de órgãos públicos e de agentes públicos, que formam o aparelhamento ou estrutura da Administração".

No sentido objetivo, ou também denominado funcional, a Administração Pública está sendo observada pelo desempenho ou concreção de suas atividades, portanto, o foco é seu objeto de atuação, a função que está desempenhando, trata-se como esclarece Carvalho Filho (2011, p. 9), “[...] da própria gestão dos interesses públicos executados pelo Estado, seja através da prestação de serviços públicos, seja por organização interna, ou ainda pela intervenção no campo privado".

Sobre o tema leciona Cunha Júnior (2003, p. 36), in verbis:

Conjugando os dois sentidos [...], pode-se definir a Administração Pública, objeto do Direito Administrativo, como um conjunto de pessoas, de direito público ou de direito privado (ex.: autarquias, fundações públicas [...], sociedades de economia mista e empresas públicas), de órgãos públicos e de agentes públicos que estão, por lei, incumbidos do dever-poder de exercer a função administrativa, consistente em realizar concreta, direta e imediatamente os fins constitucionalmente atribuídos ao Estado.

Um detalhe peculiar sobre o termo Administração Pública é que, ao ser grafado com letras minúsculas, a conotação dada a ele é outra, significando tão somente a atividade administrativa.

Importa esclarecer, ainda, que dentre os inumeráveis conceitos de Administração Pública, descritos nas obras que abordam o tema, alguns se destacam pela objetividade e pontualidade no desempenho desta tarefa, desta forma, interessante registrar:

Para a Constituição de 1988, portanto, a Administração Pública equivale a um conjunto orgânico, mediante o qual temos a administração direta, indireta e fundacional das entidades federativas, submetidas aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, como também aos ditames relativos à licitação e à organização do pessoal administrativo. Nesse ínterim, a Administração Pública se expressa através da pessoa de direito público ou órgão político, que detém a competência para exercer atividade de natureza administrativa (BULOS, 2003, p. 616).

Na organização administrativa brasileira há uma divisão vertical, que não importa hierarquia entre os níveis, decorrente da forma federativa. Segundo esse critério, existe a Administração Federal, a Administração Estadual, a Administração do Distrito Federal e a Administração Municipal.

Por sua vez, no aspecto horizontal, em cada uma dessas Administrações, quando o grau de complexidade admitir, reparte-se a Administração Pública em Administração direta e Administração indireta (MEDAUAR, 2008, p. 48).

Anote-se, ainda, que o Estado tanto pode desenvolver por si mesmo as atividades administrativas que tem constitucionalmente a seu encargo, como pode prestá-las através de outros sujeitos. Nesta segunda hipótese ou transfere a particulares o exercício de certas atividades que lhe são próprias ou, então, cria outras pessoas, como entidades adrede concebidas para desempenhar cometimentos de sua alçada.

Ao criá-las, a algumas conferirá personalidade de Direito Público e a outras personalidade de Direito Privado. Por meio delas, então, descentralizará as sobreditas atividades, pois como salienta Mello (2008, p. 139), "quando as desempenha ele próprio, o Estado, estará mantendo tais atividades centralizadas".

Portanto, pode-se concluir que, no Brasil, a Administração Pública caracteriza-se por uma estrutura organizacional, na qual se encontram inseridos os agentes públicos que, por sua vez, devem despenhar as funções estatais de forma impessoal, em nome e na defesa dos interesses do órgão que representam, devendo, seus atos estarem em conformidade com as atribuições a eles conferidas pela legislação aplicável, atuando de forma transparente e eficiente no gerenciamento das atividades administrativas do Estado.

Importa registrar, ainda, que quando se lê Administração Pública, necessário observar que esta expressão não diz respeito apenas ao Poder Executivo estatal, mas aos três Poderes previstos na Constituição da República de 1988, quando no desempenham de suas atividades administrativas.

Nesse sentido são os ensinamentos de Carvalho Filho (2011, p. 10), in verbis:

A Administração Pública, sob o ângulo subjetivo, não deve ser confundida com qualquer dos Poderes estruturais do Estado, sobretudo o Poder Executivo, a qual se atribuiu usualmente a função administrativa. Para a perfeita noção de sua extensão é necessário pôr em relevo a função administrativa em si, e não o Poder em que é ela exercida. Embora seja ao Poder executivo o administrador por excelência, nos Poderes executivo e Judiciário, há numerosas tarefas que constituem atividade administrativa [...]. Desse modo, todos os órgãos e agentes que, em qualquer desses Poderes estejam exercendo função administrativa, serão integrantes da Administração Pública.

Por fim, cumpre registrar que a Administração Pública, inclusive, deve ser considerada não só no ente federativo denominado União, mas em todos os entes federativos previstos na Constituição da República de 1988.

2.2 ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Inicialmente cumpre registrar que ao se tornar República, o Brasil optou por forma de Estado o regime federativo, como se extrai da análise dos arts. 1º e 2º, da Constituição da República de 1891, que assim dispunha:

Art. 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.

Art. 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte (BRASIL, 1981).

Uma peculiaridade é que, ao contrário do país berço desta forma de Estado, qual seja, os Estados Unidos da América, o regime de federação, adotado no Brasil, se caracterizou pela segregação das unidades federadas que o compunham a época da Constituição de 1891.

Sobre o tema cumpre trazer à baila os ensinamentos de Carvalho Filho (2011, p. 4-5):

A federação, como forma de Estado, foi instituída pela primeira vez nos Estados Unidos, após a luta empreendida pra libertação das colônias inglesas pelo julgo britânico (século XVIII). No Brasil, porém, resultou de processo de segregação, uma vez que durante o Império era adotado o regime unitário, com apenas um único poder político.

Bulos (2003, p. 74), sobre o modelo federativo, esclarece que:

Federação significa pacto, interação, aliança, liame entre unidades componentes do todo. [...]. A Federação ou o Estado federal brasileiro compreende a interação de coletividades parciais autônomas. Revela-se, pois, pelo pacto de ordens jurídicas regionais, as quais são conhecidas como Estados federados, Estados-membros ou, sucintamente, Estados. Essa composição evidencia a repartição regional de poderes autônomos. Nesse ponto, distingui-se da forma unitária de Estado.

Não se pode deixar de citar, neste ponto, a questão histórica, pois como salienta Andrade (2006, p. 234), o modelo federativo foi um dos temas mais ardorosos durante os debates no Congresso Nacional, para a elaboração da primeira Constituição. E acrescenta:

A polêmica central se feriu acerca das competências que deveriam pertencer à União e aos estados; formando-se sobre o assunto duas correntes antagônicas nas discussões do plenário. O texto oferecido pelo Governo Provisório ao Congresso Nacional dividiu os constituintes em unionistas e federalistas; os primeiros inclinados a dar mais poderes a União, os segundos em transferir para os estados o centro de gravidade das competências, dando-lhes, por conseguinte, o máximo possível de autonomia e de recursos tributários.

Desta feita, esta singularidade histórica detém considerável importância, cabendo, portanto, seu registro, pois dela decorrem outras circunstâncias que caracterizam e justificam a estrutura administrativa brasileira.

Feitas as digressões históricas acima, pode-se afirmar que, a sociedade politicamente organizada, independentemente da forma de Estado que adote, terá de gerenciar os interesses da coletividade que representa.

Da mesma forma, dentro da sua estrutura organizacional, deverá prever um meio capaz de correlacionar, eficazmente, suas mais variadas atividades, de maneira a equilibrar o exercício das diversas funções institucionais que desempenha.

No caso específico da República Federativa do Brasil, considerando o sistema normativo vigente após a promulgação da Constituição da República Federativa de 1988, a estrutura administrativa aplicável, embora não codificada, tem previsão normativa consolidada, estando, inclusive, traçada no texto constitucional vigente uma série de princípios e regras a serem obedecidos pelo administrador da coisa pública.

Este detalhe, cabe registrar, decorre da história política do Brasil, que, após longos anos de ditadura, inspirou os legisladores da constituinte a traçarem regras bem claras sobre certos aspetos envolvendo a Administração Pública, como pontua Andrade (2006, p. 455):

É de todo impossível compreender a missão cumprida pela Assembléia Nacional Constituinte sem o preliminar exame de suas nascentes políticas, tão decisivamente definidoras da natureza, do cunho e da qualidade desse colégio soberano, o mais singular de toda a história constitucional do País. Com efeito, foi ela a primeira constituinte brasileira que não se originou de uma ruptura anterior das instituições; esta, portanto, a primeira constatação que a mais superficial analise histórica de nosso passado prontamente descobre. Mas é constatação, sem dúvida, apenas aparente, porquanto, se a Carta Magna não foi procedida de um ato de independência, com a carta política do império, de 1824, ou da queda de um império, como a de 1891 [...], nem por isso a ruptura deixa de ser a nota precedente do quadro constituinte instalado em 1987, visto que ela se operou na alma da Nação, profundamente rebelada contra o mais longo eclipse das liberdades públicas: aquela noite de 20 anos sem parlamento livre e soberano, debaixo da tutela e violência dos atos institucionais, indubitavelmente um sistema de exceção, autoritarismo e ditadura cuja remoção a Constituinte se propunha fazê-lo, como em rigor o fez, promulgando a Constituição ora vigente.

Semelhante são os ensinamentos de Bulos (2003, p. 615), que ao tratar da estrutura da Administração Pública no ordenamento jurídico brasileiro, na atual ordem constitucional, salienta que:

A Constituição de 1988 deu tratamento sistemático aos princípios e normas atinentes à Administração Pública. Nesse particular, inovou em relação ao Texto Constitucional passado, que apenas trazia prescrições relacionadas aos servidores civis e militares.

Nesse ponto é mister refletir sobre a importância que detém uma regulamentação concreta sobre o gerenciamento da coisa pública, neste particular, mormente porque o "Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito, porque é o Direito que regula o comportamento da Administração. É ele que disciplina as relações entre a Administração e o administrado", como ressalta Mello (2006, p. 47).

E o autor, mais adiante acrescenta:

[...] o Direito Administrativo, não é um Direito criado para subjugar os interesses ou os direitos dos cidadãos aos do Estado. É, pelo contrário, um Direito que surge exatamente para regular a conduta do Estado e mantê-la afivelada às disposições legais, dentro desse espírito protetor do cidadão contra descomedimentos dos detentores do exercício do Poder estatal. [...]. Deveras, as bases ideológicas do Direito Administrativo, são as que resultam das fontes inspiradoras do Estado de Direito, e neste se estampa a confluência de duas vertentes de pensamento: a de Rousseau e a de Montesquieu. A de Rousseau, firmando o princípio da igualdade de todos os homens, e como decorrência disso a soberania popular. [...], o de Montesquieu, mais pragmático, mais técnico [afirmava] [...], que todo aquele que detém Poder tende a abusar dele e que o Poder vai até onde encontra limites (MELLO, 2006, p. 48-49).

Assim, considerando que a forma de Estado adotada pelo Brasil é a federativa, e que a característica chave desta forma de Estado é a descentralização política, a Constituição da República Federativa do Brasil, no seu art. 18, declinou as entidades que compõem a República, da seguinte forma: "A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição" (BRASIL, 1988).

Ainda, a Constituição de 1988 prevê expressamente a autonomia de cada um destes entes federados, o que, por sua vez:

[...] significa ter a entidade integrante da federação capacidade de auto-organização, autogoverno e auto-administração. No primeiro caso, a entidade pode criar seu diploma constitutivo; no segundo pode organizar seu governo e eleger seus dirigentes; no terceiro, pode ela organizar seus próprios serviços (CARVALHO FILHO, 2011, p. 5).

Diante do até aqui exposto, cumpre trazer à baila a distinção entre Administração Pública Direta e Indireta, o que passa a ser feito no próximo item.

2.2.1 Da Administração Pública Direta e Indireta

Uma das características da Administração Pública brasileira é a descentralização, da qual decorre a divisão da Administração em Direta e Indireta.

Esta divisão, ou classificação, integra o nosso ordenamento jurídico a longa data, restando prevista já no texto do Decreto-lei nº 200/1967, que em seu art. 4º, assim dispõe:

Art. 4° A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista.

d) fundações públicas.

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade (BRASIL, 1967).

Por Administração Pública Direta pode-se entender o ente federado em si, por exemplo, a União e seus órgãos auxiliares, no caso, ministros de Estado. Já a Administração Pública Indireta, seria a descentralização da atividade administrativa para pessoas jurídicas criadas por lei - ou com sua criação autorizada pela lei - objetivando que o exercício da atividade administrativa do ente federado, alcance uma maior eficiência, já que a atividade administrativa exercida de forma descentralizada, seria específica e teria um aparato organizacional também específico para o seu desempenho.

Sobre esta divisão da Administração Pública em direta e indireta, disserta Bulos (2003, p. 624):

Administração direta é o conjunto de órgãos ligados à estrutura do Poder Executivo de cada uma das esferas governamentais autônomas que formam a administração centralizada. [...] Na esfera estadual a administração direta é formada da Governadoria e das Secretarias de Estado. Incumbe às constituições estaduais preverem a estrutura fundamental da Administração dos Estados-membros, deixando às leis a tarefa de minudenciar a conformação de seus órgãos específicos.

No tocante as tarefas e atribuições da Administração Pública Direta, esta serão executadas através de uma divisão entre os órgãos, surgindo, assim, à desconcentração.

Segundo Medauar (2008, p. 61), “a desconcentração ocorre do chefe do Executivo para seus auxiliares diretos e, destes, para órgãos e autoridades que, por sua vez, são seus subordinados”.

Esses entes políticos da Administração Direta (União, Estados Distrito Federal e Municípios), podem atribuir uma parcela de suas atribuições e competências administrativas a outros sujeitos de direitos, que criados mediante autorização legal, não se tornam entes políticos, tampouco titulares de poderes atribuídos diretamente pela Constituição. Esses entes, meramente administrativos, são os denominados, Administração Indireta.

A Administração indireta é a que compreende os órgãos integrados nas entidades personalizadas de prestação de serviços ou exploração de atividades econômicas, vinculadas ao Poder Executivo federal (União), Estadual (Estados-membros), municipal (Municípios) e distrital (Distrito Federal), que formam a administração descentralizada (BULOS, 2003, p. 625).

Segundo Silva (2003, p.363), a Administração Indireta trata-se da descentrazilação da Administração Pública, sendo órgãos integrados nas muitas entidades personalizadas de prestação de serviços ou exploração de atividades econômicas, vinculadas a cada um dos Poderes Executivos.

A Administração Indireta, como já apontado alhures, veio positivada no Decreto-lei nº 200/1967, art. 4, inciso II, definindo sua composição com as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. No entanto, a Lei nº 11.107/2005, acrescenta no rol das entidades da Administração Indireta os consórcios públicos; e, para melhor compreensão do tema, examinar-se-á, em breves palavras e conceitos, o que são cada uma dessas entidades.

A Autarquia é, conforme o Decreto-lei nº 200/1967, art. 5º, inciso I, “o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada” (BRASIL, 1967).

Ante a descentralização da Administração Pública, as Autarquias passaram a exercer atividades que eram, até então, da alçada da Administração Direta. Segundo Meirelles (2003, p.65):

Funcionam e operam na forma estabelecida na lei instituidora e nos termos de seu regulamento. As autarquias podem desempenhar atividades educacionais, previdenciárias e quaisquer outras outorgadas pela entidade estatal-matriz, mas sem subordinação hierárquica, sujeitas apenas ao controle finalístico de sua administração e da conduta de seus dirigentes.

Tem-se como exemplo de Autarquias o Banco Central, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social, o IBAMA, entre outras.

As empresas públicas, devido a importância para o presente estudo, serão analisadas no próximo capítulo, embora integrem a Administração Pública Indireta.

Já as Sociedades de Economia Mista são sociedades anônimas de controle da entidade Estatal, destinando-se à exploração de determinada atividade econômica. Positivou-se, no bojo de art. 5º, inciso III, do Decreto-lei nº 200/1967, o qual dispõe que:

A entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da administração indireta.

Tais sociedades são formadas por capital, onde cada sócio responde pelas ações a qual é titular, tal qual disserta Justen Filho (2008, p. 127) explica:

Uma sociedade anônima é um instrumento capitalista para operação empresarial. Caracterizada como uma “sociedade de capital”, o que significa que o vinculo societário não se funda na chamada affectio societatis — expressão que indica uma relação subjetiva de confiança que vincula em termos personalíssimos os sócio. A identidade dos demais sócios é irrelevante na sociedade anônima, uma vez que o fundamental é a aplicação de recursos econômicos para certo empreendimento. Isso é possível por que cada sócio somente pode ser responsabilidade e pelo preço de emissão das ações de que é titular.

Figuram entre as Sociedades de Economia Mista o Banco do Brasil e a Petrobrás.

As Fundações formam um dos temas mais controversos, a ser estudados, dentre os assuntos relacionados à Administração Pública Indireta.

De origem civilista, vieram definidas no Decreto-lei nº 200/1967, em seu art. 4º, como:

[...] a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recurso da União e de outras fontes (BRASIL, 1967).

Por serem mantidas por recursos públicos e serem de relevante interesse coletivo, as fundações só poderão ser criadas mediante autorização legislativa, não podendo visar lucros. Uma vez obtido lucro, este deverá ser revertido para fins sociais.

A grande divergência doutrinária no que tange as Fundações, encontra-se em sua natureza jurídica, como se extrai dos ensinamentos de Gasparini (2003, p. 358), in verbis:

É inegável que as fundações nasceram sob inspiração do Direito Privado e que essa circunstância tem sido a principal causa da dissensão, entre os estudiosos, no que respeita à existência de fundações de Direito Público. Para uns (Hely Lopes Meirelles, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho), só pode haver fundação de Direito Privado, isto é, ela é criada e instituída segundo as regras do Código Civil(arts. 62 a 69). Para esses autores o Estado não pode criar fundações de Direito Público. Para outros (José Cretella Júnior, Miguel Reale, Geraldo Ataliba, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello), as fundações tanto podem ser de Direito Privado como de Direito Público. A Administração Pública, portanto, pode criar e instituir, de acordo com esse entendimento, tanto uma como outra. Cremos que a razão está com os últimos. Com efeito, o Estado pode criar pessoas de Direito Público, bem como pessoas de Direito Privado para oferecerem aos administrados os serviços que entender sejam-lhes úteis.

Não obstante a controvérsia supracitada, a finalidade das Fundações será sempre de cunho social, uma vez que seus recursos, advém de capital público, destinados aos interesses de uma coletividade em questão.

Ademais, não visará alguma obtenção de caráter econômico, tendo capacidade de auto-administração, gozando de prerrogativas e privilégios para o exercício de atividades da Administração Indireta, nos limites estabelecidos em lei.

Por fim, os Consórcios Públicos que vieram a ser criados, em 2005, pela Lei nº 11.107. Amparados pela Constituição Federal em seu art. 241, somente após a edição do diploma legal supracitado, os Consórcios puderam ser formados como pessoa jurídica de direito privado ou como associação pública.

Sobre o tema, cumpre trazer à baila os ensinam netos de Justen Filho (2008, p. 121):

O consórcio público com personalidade jurídica de direito público consiste numa associação pública, criada por meio de leis editada por entes políticos diversos e investida na titularidade de atribuições e poderes públicos para a sua prestação de modo associado de serviços públicos.

As atribuições e finalidades de um Consórcio ficam adstritas aos entes a qual este foi criado, dessa forma, a criação de um Consórcio operacionaliza a execução de serviços públicos, na forma de cooperação entre os entes criadores.

2.3 OS PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Decorrem dos princípios basilares das funções administrativas do Estado, alguns poderes inerentes à Administração Pública. Sem esses poderes, a Administração Pública não conseguiria fazer valer o interesse público ao interesse privado.

Sobre os poderes da Administração Pública, preleciona Di Pietro (2012, p.81):

Embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis. Todos eles encerram prerrogativa de autoridade, as quais, por isso mesmo, só podem ser exercidas nos limites da lei.

Dentre os poderes autônomos da Administração Pública, destacam-se o poder normativo ou regulamentar, o poder disciplinar, os decorrentes da hierarquia e o poder de policia.

Importante salientar que os poderes discricionário e vinculado não serão analisados neste trabalho, por não serem considerados poderes autônomos, mas sim, atributos de outros poderes ou competências da Administração Pública, como disserta Di Pietro (2012, p.81-82):

O chamado “poder vinculado”, na realidade, não encerra “prerrogativa” do Poder Público, mas, ao contrário, da idéia de restrição, pois, quando se diz que determinada atribuição da Administração é vinculada, quer-se significar que está sujeita à lei em praticamente todos os aspectos. O legislador, nessa hipótese, preestabelece todos os requisitos do ato, de tal forma que, estando eles presentes, não cabe à autoridade administrativa senão editá-lo, sem apreciação de aspectos concernentes à oportunidade, conveniência, interesse público, equidade. Esses aspectos foram previamente valorados pelo legislador. A discricionariedade, sim, tem inserida em seu bojo a idéia de prerrogativa, uma vez que a lei, ao atribuir determinada competência, deixa alguns aspectos do ato para serem apreciados pela Administração diante do caso concreto; ela implica liberdade a ser exercida nos limites fixados em lei. No entanto, não se pode dizer que exista como poder autônomo; o que ocorre é que as varias competências exercidas pela Administração com base nos poderes regulamentar, disciplinar, de policia, serão vinculadas ou discricionárias, dependendo da liberdade, deixada ou não, pelo legislador à Administração Publica.

Passa-se, agora, a uma sucinta análise sobre os poderes autônomos inerentes à Administração Pública.

O poder regulamentar ou normativo é dado ao chefe do poder executivo da União, Estados membros, Distrito Federal e Municípios, para, assim, executar fielmente a lei, ou editar normas complementares a esta.

Meirelles (2002, p. 123) conceitua assim o poder regulamentar:

O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes de Executivo (Presidente da Republica, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, VI), e, por isso mesmo, indelegável a qualquer subordinado.

Desta forma, o Poder Regulamentar é uma expressão de função executiva, privativa do poder executivo e exercido quando a lei trouxer aspectos a serem desenvolvidos pela Administração, dando, a esta, a possibilidade de escolher a melhor forma de executar a lei.

Meirelles (2002, p. 124) complementa:

Os vazios da lei e a imprevisibilidade de certos fatos e circunstâncias que surgem, a reclamar providencias imediatas da Administração, impõem que se reconheça ao Chefe do Executivo o poder de regulamentar, através de decreto, as normas legislativas incompletas, ou de prover situações não previstas pelo legislador, mas ocorrentes na pratica administrativa.

Assim, o poder de regulamentar será um ato administrativo, expedido pelo chefe do executivo, através de um decreto, com a finalidade de explicar a forma e o modo de execução da lei. Será um complemento da lei, não podendo ser, com ela, confundido. A lei é fonte primaria do direito e provem do Legislativo. Já o regulamento é fonte secundaria de direito, provem do Executivo, não possuindo supremacia sobre lei, podendo, apenas, complementá-la.

Importante salientar a existência de dois tipos de regulamentos: o regulamento executivo e o regulamento autônomo ou independente. O primeiro é o que complementa a lei, contendo normas que visam garantir sua fiel execução. Já o regulamento autônomo estabelece normas sobre matérias não disciplinadas em lei, não complementando, nem desenvolvendo nenhuma lei previamente positivada.

Para Di Pietro (2012, p. 84-85):

[...] o regulamento executivo complementa a lei ou, nos termos do artigo 84, inciso IV da Constituição Federal, contém normas para fiel execução da lei; ele não pode estabelecer normas "contra legem" ou "ultra legem". Ele não pode inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme artigo 5°, inciso II da Constituição Federal; ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração. O regulamento autônomo ou independente inova na ordem jurídica, porque estabelece normas sobre matérias não disciplinadas em lei; ele não completa nem desenvolve nenhuma lei prévia. Portanto, no direito brasileiro, só existe o decreto de execução.

Portanto, não se reconhece o decreto autônomo no ordenamento jurídico brasileiro. Dos autores lidos e citados nesta obra, apenas Hely Lopes Meirelles versa o contrario.

o poder disciplinar é aquele que da a Administração Pública o direito de aplicar sanção, por infração funcional cometida por agente público, de forma temporária, permanente, com ou sem remuneração. Não abrange as sanções impostas a particulares que não estão sujeitos à disciplina interna da Administração, cuja punição apóia-se no poder de polícia do Estado.

Meireles (2002, p. 120), ao tratar do poder disciplinar, salienta:

[...] é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente.

O Poder Disciplinar só abrange as questões voltadas ao serviço público, sendo uma faculdade punitiva da Administração aos seus servidores, não se confundindo, dessa forma, com o poder punitivo do Estado, realizado pela justiça penal.

Nenhuma penalidade poderá ser aplicada a um servidor da Administração Pública sem uma prévia apuração por meio de processo administrativo, sendo assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Já o poder hierárquico é o instrumento que tem a Administração Pública para controlar as atividades de um determinado órgão ou ente, fazendo com que estas sejam realizadas de modo coordenado, harmônico e eficiente, observando a legalidade e o interesse público.

No tocante ao poder hierárquico, pontua Meirelles (2002, p. 117):

Poder hierárquico é o de que dispões o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal. Poder hierárquico e o poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos, por serem os sustentáculos de toda organização administrativa.

Cumpre ressaltar que o poder hierárquico não se confunde com o poder disciplinar, mas é colocado ao seu lado, pois ambos sustentam a ordem administrativa.

Factualmente, a hierarquia esta presente no Poder Executivo, não estando presente nas funções próprias do Legislativo e Judiciário. Ela é a subordinação existente entre órgãos e agentes da Administração Pública, levando ao exercício de poderes e faculdades do superior sobre o subordinado.

São desdobramentos ou decorrências do Poder Hierárquico, dentre as quais o poder de dar ordens ou instruções; de controle sobre atividade dos órgãos e autoridades subordinadas; de rever atos dos subordinados; de decidir conflitos de competência entre subordinados (MEDAUAR, 2008, p. 116).

Por fim, mas não menos importante, tem-se o já analisado poder de polícia, que em linhas gerais é o poder que garante a Administração Pública condicionar os direitos individuais, em beneficio ao exercício dos direitos ao bem-estar coletivo. É o confronto entre o condicionamento da liberdade do indivíduo ao interesse de uma determinada coletividade. Nesse contexto, cabe ao Estado deter toda atividade nociva, contrária ou inconveniente, cometida por particulares, em detrimento ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.

3 EMPRESA PÚBLICA

A empresa pública é uma forma do Estado explorar, economicamente, determinada atividade, advinda de determinado acontecimento eventual ou por interesse da Administração Pública.

Integrante da Administração Pública Indireta, vieram definidas no art. 5º, do Decreto-lei nº 200/1967, e na Lei nº 900/1969, como “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito" (BRASIL, 1967).

Gasparini (2003, p. 375), ao dissertar sobre o tema, conceitua a empresa pública como:

[...] a sociedade mercantil, industrial ou de serviço, constituída mediante autorização de lei e essencialmente sob a égide do Direito Privado, com capital exclusivamente da Administração Pública ou composto, em sua maior parte, de recursos dela advindos e de entidades governamentais, destinadas a realizar imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo.

São exemplos de Empresas Públicas, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafo, a Caixa Econômica Federal, Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, dentre outras.

Importa esclarecer, ainda, que em tais casos, conforme o enunciado, a empresa pública reveste-se, da condição de pessoa jurídica de direito privado. Segundo Medauar (2008), a palavra “pública”, neste caso, não significa tratar-se de pessoa jurídica de direito público, mas sim de empresa estatal. “Deve ter sua instituição autorizada por lei específica, cabendo à lei complementar definir sua área de atuação” (inc. X IX., do art. 37 da CF )”.

Sobre o conceito de empresa pública, Mello (2006, p. 172-173) adverte que existe discussão sobre os termos do Decreto – lei 200/67 e do Decreto - lei 900/69 Observa o autor, que o citado conceito “admite um sociedade “unipessoal" forma, esta, que não existe ou, pelo menos, não existia no Direito brasileiro até a referida definição de empresa pública”.

Mello (2006, p. 173) alerta quanto à impropriedade legal na redação que lhe foi dada pelo art. 1º, do Decreto-lei quando este se refere a composições de capitais em empresas federais “fica visível que, ao contrário da definição com tanta incompetência formulada pelo 'legislador' do Executivo, empresas públicas não são apenas as que se constituem de capital” integralmente da União".

E o autor acrescenta:

Com efeito, não se pode descartar hipóteses em que dita maioria não seja da União, mas sim de uma autarquia sua ou de uma outra empresa pública ou sociedade de economia mista, sobre remanescente de capital da própria União, ou de algum Estado federado, de algum Município ou de entidade da Administração indireta destes. Em tal caso, como se qualificaria a pessoa assim formada? (MELLO, 2006, p. 173).

Convém fazer referência, ainda, ao art. 173, caput, da Constituição da República de 1988, o qual respalda a criação das estatais que realizam atividades econômicas, o qual dispõe que "ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando “necessária aos imperativos da segurança nacional” ou a “relevante interesse coletivo”, conforme definidos em lei” (BRASIL, 1988). Cabe ao Estado, portanto, atuar diretamente no setor econômico, inclusive em monopólios, nos casos apontados na Constituição.

Não é demais salientar que também integra a Administração Pública Indireta a Sociedade de Economia Mista, posto que, em se tratando do exercício do poder de polícia e a sua possibilidade de delegação, as discussões na seara doutrinária e jurisprudencial também permeiam a entidade em comento, sendo mister conceituá-la.

Segundo Mello (2006, p. 177), a Sociedade de Economia Mista é disciplinada também pelo Decreto-Lei nº 200/1967, o qual a define como:

[...] a entidade dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração indireta.

Sobre tal conceito adverte Mello (2006) que para ajustar-se ao espírito de comandos constitucionais, “na redação deveria constar a conjugação de capitais de pessoas governamentais com capitais particulares”, assim como uma maior clareza quanto à expressão “exploração de atividade econômica”, pois, de acordo com o autor, há sociedades de economia mista que são prestadoras serviços públicos e não de atividades caracterizáveis como pertinentes à esfera econômica, no sentido que a Lei Magna atribui a esta expressão.

Factualmente, de acordo com Medauar (2008, p. 87) há incidência precípua de direito privado sobre a atuação das empresas estatais, pois "regidas pelo direito privado, deixariam de usar prerrogativas públicas, podendo, no entanto, se submeter às sujeições pertinentes. Por isso, a presença do poder estatal impede a equiparação total". Logo, conclui-se que as estatais prestadoras de serviços públicos não podem ser regidas somente pelo direito privado, norteando-se, em grande parte, por normas de direito público.

4 O PODER DE POLÍCIA NAS EMPRESAS PÚBLICAS

Nos últimos anos a discussão acerca do exercício do poder de polícia por entidades da Administração Pública Indireta, notadamente empresas públicas tem dividido a opinião dos estudiosos do direito, trazendo à baila os mais diversos argumentos favoráveis e contrários, levando a questão a apreciação dos Tribunais pátrios.

Carvalho Filho (2011, p. 99-100) observa que o poder de polícia pode ser originário ou derivado. Será originário quando exercido pelos entes que integram a Administração Pública nos termos da Constituição; e, será derivado quando a competência para o seu exercício for delegado a um dos entes que integram a Administração Pública Indireta, a exemplo da empresa pública.

E o autor, visando exemplificar, cita a problemática que surgiu no Estado do Rio de Janeiro com a instituição da Guarda Municipal, sob a forma de empresa pública, pessoa jurídica de direito privado, e cujos servidores são subordinados ao regime celetista, que não confere estabilidade, situação que levou inúmeras pessoas a pleitear a anulação das multas ao argumento de que o poder de polícia não poderia ser exercido por tal entidade (CARVALHO FILHO, 2011, p. 99-100).

Nesse ponto cumpre esclarecer que a Constituição da República, em seu art. 144, § 8º, permitiu a criação de guardas municipais para proteção dos bens, serviços e instalações públicas do Município.

E para tornar mais claro o problema aqui apresentado, traz-se à baila os ensinamentos de Braga (2006, p. 30), que ao tratar da possibilidade de instituição das guardas municipais pelos Municípios pontua:

Os bens públicos acham-se (de acordo com os artigos 65 e 66 do Código Civil) divididos com os de uso comum do povo (mares, rios, estradas, ruas e praças), de uso especial (edifícios, terrenos, serviços, estabelecimentos) e bens dominicais (patrimônio real ou de direito pessoal das entidades estatais).

Ainda sim, conforme tal interpretação, o patrimônio público municipal pode ser objeto de proteção da guarda municipal, como ressalta Braga (2006, p. 30), que acrescenta:

[...] caso haja interesse numa exegese que mais convenha a comunidade, as ruas, praças, estradas, os edifícios e estabelecimentos dos Municípios podem ser objeto de proteção pelas Guardas Municipais. Assim, atuando com base na lei, em nome do poder público e a serviço da coletividade, no interesse dos municípios, acha-se ao abrigo da Constituição.

Não há como negar que tal tema e suas interpretações são motivo de diversas discussões e polêmicas na organização dos poderes e atribuições do Estado e, para tanto, cumpre esclarecer alguns detalhes antes de aprofundar as peculiaridades do assunto, pois a cerne do problema é exatamente a possibilidade de delegação do poder de polícia às empresas públicas, pois via de regra as guardas municipais são criadas pelos Municípios como entidades integrantes da Administração Pública Indireta.

Braga (2006, p. 30) ressalta que a problemática das guardas municipais vai muito além, pois envolve o próprio conceito de "polícia", além de envolver os poderes afetos à Administração Pública.

Factualmente, há uma clara confusão entre os conceitos de polícia administrativa e polícia judiciária. E, ainda, para começo de conversa, União, Estado e Município são pessoas políticas, cada qual tendo competências constitucionais e legais próprias. Não há relação de subordinação entre elas. E como salienta Dallari (apud BRAGA, 2006, p. 30), existe o "vício de aceitar que isso é assim: tudo que é federal é superior ao estadual, assim como o estadual é sempre superior ao municipal. Isso é essencialmente errado, porque na organização federativa não há hierarquia". Desta forma, sempre que o poder público, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, fiscalizar algum setor de atividade social estará exercendo seu poder de polícia.

Assim, Braga (2006, p. 31) determina que, quando se "fala da polícia das construções, polícia dos direitos autorais, polícia das comunicações, polícia sanitária, polícia das profissões, polícia da segurança pública, polícia alfandegária, etc., tudo isso, em sínteses, refere-se à atuação do poder de polícia", em sentido amplo.

Aparentemente, parece incomum atribuir tais tarefas a uma corporação uniformizada de natureza peculiar, como a guarda municipal, por exemplo, mas inexiste impeditivo legal a ser motivado contra o regular exercício de suas funções municipais.

Não obstante, quando há a fiscalização de posturas municipais, como ressalta Bruno (2004, p. 103), com a atribuição de competências, como preconiza a Constituição de 1988, em seu art. 30, inciso I, a "regulamentação de tais atribuições, acaba sendo realizada pela legislação ordinária com o fito de instrumentalização do Município", regulamentação esta que objetiva, antes de mais nada, limitar a atuação privada, que pode ir de encontro aos interesses coletivo. Aqui se encontra a cerne do poder de polícia, ou melhor, o seu próprio fundamento

E o autor, mais adiante, ao tratar da função da polícia administrativa, ressalta que esta constitui-se "em simples mecanismo de frenagem, para contenção de abusos pelo particular e utilizado pela Administração" (BRUNO, 2004, p.103-104), na busca de tornar efetiva as ações realizadas pelo Poder Público.

Destarte, como se viu no primeiro capítulo, não há como negar que o poder de polícia é exercido em prol do interesse social, quando se opõe limitações e restrições a direitos individuais em favor da coletividade, para que determinados atos da Administração Pública a possam permitir e auxiliar o bem estar social, ainda que isso implique, em determinados momentos, limites e/ou restrições a determinadas liberdades, o que decorre sempre do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

Assim, diz-se que os poderes da Administração Púbica, mormente o poder de polícia, se concretiza através de ato administrativo. E quando se trata da problemática da possibilidade de delegação do poder de polícia, pela Administração Pública Direta - União, Estados membros, Distrito Federal e Municípios, a entidades integrantes da Administração Pública Indireta, no caso do presente estudo, as empresas públicas, traz-se à baila, como já apontado, uma das questões que maior discussão fomenta, e que ganhou vulto, como preconiza Carvalho (2011, p. 100), com a guarda municipal na cidade do Rio de Janeiro.

É sabido que o poder de polícia, por se tratar de poder estatal e, portanto, público, tem sua justificativa no interesse social, condicionando ou restringindo direitos individuais em benefício da coletividade, sendo também exercido pela polícia.

Neste certame, caso um integrante da guarda municipal presencie um crime, e nenhuma atitude tome, por ser parte de um órgão público, e por possuir treinamento como policial do Município, poderá responder pelo delito de prevaricação.

Ao tratar do tema Braga (2006, p. 31) exemplifica, elucidando que o guarda municipal, por "ser um servidor público, ter formação específica, usar uniforme e arma do Município, não pode cruzar os braços e fechar os olhos; tem o dever de agir e, exercer o poder de polícia".

Isso se deve porque as guardas municipais devem ter como embasamento um ideal mais moderno de polícia, que não se confunde, como salienta Braga (2006, p. 32), com as polícias militares, e embora não se preconize o "poder da polícia", visam também o bem da coletividade, motivo pelo qual devem exercer suas atividades com zelo, após amplo treinamento, e zelar pelos munícipes e pelo Município, embora não se confunda com a polícia ostensiva, já que sua atuação é sempre preventiva.

Desta feita, cabe aos Municípios treinar os servidores para atuar de modo a evitar danos, diferindo do policiamento ostensivo, que busca combater danos já ocorridos. Por exemplo, o policial que previne está atento a tudo, ao todo, enquanto que o policial ostensivo está apenas focado em um ponto fixo, seu oponente.

Nesse ponto surge a questão da competência para legislar, pois é claro que a polícia, em qualquer sentido, deve existir para auxiliar a sociedade, mantendo-a próxima, para reeducá-la e protegê-la quando preciso for. Mas para que isto aconteça corretamente, os Municípios deverão possuir competência para legislar concorrentemente com a União e os Estados em matéria de segurança pública, podendo organizar-se em acordo as suas necessidades e peculiaridades, para a criação de sua polícia preventiva-ostensiva, de caráter civil, ou seja, suas guardas municipais.

Neste sentido, parece ser equivocado, num primeiro momento, atribuir poder de polícia apenas a polícia militar, pois seu conceito é deveras amplo. Não obstante, é preciso lembrar que não raras vezes as guardas municipais são constituídas em forma de empresa pública, como se deu no Rio de Janeiro.1

4.1 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO

A doutrina, ao tratar da possibilidade do exercício do poder de polícia pelas empresas públicas, parte da discussão acerca da possibilidade de delegação do poder de polícia, como já apontado alhures. E a discussão, como menciona Carvalho Filho (2011, p. 110), centra-se em saber se a Administração Pública Direta, ou seja, União, Estados membros, Distrito Federal e Municípios podem atribuir a outros entes da Administração Pública Indireta, ou seja, aqueles que exercem de forma descentralizada os atos da administração, o exercício do poder de polícia. E o autor afirma, ainda, que se cabe aos entes federados o exercício do poder de polícia de forma direta, resta saber se lhes é lícito legislar conferindo a outrem, de forma derivada, tal poder.

Nesse ponto é mister ressaltar que tem-se o poder de polícia originário, que nasce com o ente federado, e o poder de polícia delegado, ou seja, aquele que é conferido aos agentes ou órgãos do Estado, por força de lei, para o exercício, nos termos da delegação, para os atos executórios (MEIRELLES, 2002, p. 123).

Por isso Meirelles (2002, p. 133) ressalta que o poder de polícia delegado é sempre "imitado aos termos da delegação e se caracteriza por atos de execução”, não podendo compreender, por exemplo, a imposição de sanções, a exemplo de taxas, já que não cabe ao órgão estatal transferir a outro a competência que lhe foi concedida pela Constituição, qual seja, a de arrecadar determinado tributo.

Aragão (2012, p. 193), ao tratar da delegabilidade do poder de polícia, enfatiza que a possibilidade de delegação às pessoas de direito privado vem sendo atenuada, notadamente quando se trata de integrantes da Administração Pública Indireta, e exemplifica citando a guarda municipal da cidade do Rio de Janeiro, exatamente como fez Carvalho (2011), ressaltando tratar-se de entidade cuja personalidade jurídica é de empresa pública.

E o autor acrescenta, citando a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao analisar a constitucionalidade da delegação, pelo Município, do poder de polícia a empresa pública, a guarda municipal daquela cidade, nos seguintes termos:

[...] a guarda municipal do Município do Rio de Janeiro, que é uma empresa pública, considerada constitucional pelo Tribunal de Justiça sob o argumento da autonomia do Município de escolher os meios pelos quais exercerá as suas funções e pelo fato de essas pessoas privadas estarem de qualquer forma sujeitas à supervisão do ente público (ARAGÃO, 2012, p. 193).

Na mesma esteira são os ensinamentos de Gasparini (2003, p. 187), que não visualiza óbice quanto a delegação do poder de polícia às pessoas jurídicas da Administração Pública Indireta, a exemplo das empresas públicas, desde que a Administração Pública Direta o faça por meio de lei própria, pois sendo competente o Município para tal tarefa, e também para legislar sobre ela, pode delegar outrem tal competência. O que não pode ocorrer, segundo o autor, é a delegação a particulares.

Também Maffini (2009, p. 75-76) preconiza a possibilidade de delegação do poder de polícia a integrantes da Administração Pública Indireta, cabendo ao Estado, em sentido amplo, a fiscalização, pois ocorrendo o "mau uso do poder de polícia" deve intervir, pois enquanto titular de tal poder não pode delegá-lo de forma ampla, irrestrita e principalmente irresponsável. Desta feita, a delegabilidade, na visão do autor, clama responsabilização e fiscalização.

Em que pese o entendimento dos autores que preconizem a possibilidade de delegação do poder de polícia às empresas públicas, pessoa jurídica integrante da Administração Pública Indireta, não se pode perder de vista que os empregados estão sujeitos ao regime celetista, regime este que se distancia em muito do Direito Público que rege os servidores integrantes da Administração Pública Direta, o que os torna mais vulneráveis, posto que se encontram sujeitos inclusive à dispensa imotivada, ainda que tenham adentrado no quadro funcional por meio de concurso público.

Destarte, não há o que se falar em estabilidade do integrante do quadro de pessoal da empresa pública, o que lhe coloca, repita-se, em situação de vulnerabilidade se comparado com os servidores que integram a Administração Pública Direta. Estes gozam de autonomia, exercem suas atividades com independência e, por isso, o exercício do poder de polícia se faz possível. Lado outro, sujeitos à incerteza até mesmo da manutenção no quadro funcional, os empregados que integram o quadro de funcionários da empresa pública não devem exercer o poder de polícia, pois se encontram ocupando um cargo de forma transitória.

Nesse contexto é que se preconiza a necessidade do Estado exercer diretamente o poder de polícia, sem qualquer delegação às pessoas jurídicas de direito privado, notadamente as empresas públicas, pois assim estar-se-á dando maior segurança à sociedade, em não havendo transferência de responsabilidades, pois cabe ao Estado, repita-se, a preocupação com o serviço social e a concretização do bem comum.

Não bastasse isso, deve-se evitar que as empresas públicas se beneficiem do exercício do poder de polícia, quando este encontrar-se vinculado à prestação de um determinado serviço público, a exemplo a aplicação de multas de trânsito, desvirtuando, por conseguinte, a própria finalidade do instituto.

Desta feita, não deve o Estado se limitar a fiscalizar o exercício do poder de polícia, mas sim zelar pelo seu exercício de forma direta, evitando que as denominadas "estatais" possam fazê-lo, uma vez que as empresas públicas são dotadas de personalidade jurídica de direito privado.

4.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

As discussões acerca da possibilidade de delegação do poder de polícia não se restringem à esfera doutrinária, também alcançando os Tribunais pátrios, mormente os Tribunais Superiores. E embora não seja objeto do presente estudo, é mister trazer à baila decisão proferida no ano de 2010 pelo Superior Tribunal de Justiça, que ao analisar questão afeta a empresa privada responsável peça fiscalização de trânsito na cidade de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, alterou posicionamento até então predominante na jurisprudência dos Tribunais Superiores quanto a impossibilidade de delegação do poder de polícia a particulares ou empresas privadas, pois se tratava de atividade típica da Administração Pública.

Nesse ponto cumpre colacionar decisão proferida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1717, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil, Partido dos Trabalhadores e Partido Democrático Trabalhista, para declarar a inconstitucionalidade de alguns artigos da Lei nº 9.649/1998, assim ementada:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade 1717, publ. 28/03/2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000097140&base=baseAcordaos>. Acesso em: 18 set. 2014).

Percebe-se que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, é pela indelegabilidade do poder de polícia a entidade privada, por se tratar de atividade típica da Administração Pública.

Não obstante, no julgamento do REsp nº 817534, em 10/12/2009, o Superior Tribunal de Justiça enfatizou que o poder de polícia comporta quatro aspectos, quais sejam: a atividade legislativa, o consentimento, a fiscalização e o poder de aplicar sanção. E, para o órgão julgador, é possível que a Administração Pública delega a pessoa jurídica de direito privado as atividades de fiscalização e consentimento, a exemplo da concessão de alvarás, embora não possa delegar, em nenhuma hipótese, a atividade legislativa e o poder de sancionar.

Assim encontra-se ementada a decisão em comento:

ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. TRÂNSITO. SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Antes de adentrar o mérito da controvérsia, convém afastar a preliminar de conhecimento levantada pela parte recorrida. Embora o fundamento da origem tenha sido a lei local, não há dúvidas que a tese sustentada pelo recorrente em sede de especial (delegação de poder de polícia) é retirada, quando o assunto é trânsito, dos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro arrolados pelo recorrente (arts. 21 e 24), na medida em que estes artigos tratam da competência dos órgãos de trânsito. O enfrentamento da tese pela instância ordinária também tem por conseqüência o cumprimento do requisito do prequestionamento. 2. No que tange ao mérito, convém assinalar que, em sentido amplo, poder de polícia pode ser conceituado como o dever estatal de limitar-se o exercício da propriedade e da liberdade em favor do interesse público. A controvérsia em debate é a possibilidade de exercício do poder de polícia por particulares (no caso, aplicação de multas de trânsito por sociedade de economia mista). 3. As atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção. 4. No âmbito da limitação do exercício da propriedade e da liberdade no trânsito, esses grupos ficam bem definidos: o CTB estabelece normas genéricas e abstratas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (legislação); a emissão da carteira corporifica a vontade o Poder Público (consentimento); a Administração instala equipamentos eletrônicos para verificar se há respeito à velocidade estabelecida em lei (fiscalização); e também a Administração sanciona aquele que não guarda observância ao CTB (sanção). 5. Somente o atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público. 6. No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para aumentar a arrecadação. 7. Recurso especial provido (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 817534, publ. 22/02/2010. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=7054568&tipo=5&nreg=200600252881&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20091210&formato=PDF&salvar=false>. Acesso em: 18 set. 2014).

Importa registrar que o órgão julgador, ao proferir a decisão supra, enfatizou que o fundamento do poder de polícia é a predominância do interesse público sobre o particular, ou seja, da Administração, que se encontra em posição de supremacia, sobre os administrados. E, ainda, acrescentou que a BHTRANS, pessoa jurídica de direito privado, instituída na forma de Sociedade de Economia Mista, tem por objetivo primordial o gerenciamento do trânsito local e a aplicação de multas aos infratores de trânsitos, nos termos do art. 24 do Código de Trânsito Brasileiro (BRASIL, 2010).

Enfatizou o órgão julgador, ainda, que inexistia, no caso em tela, exploração de um empreendimento pela estatal, com a finalidade empresarial propriamente dita, sendo a característica marcante da delegação do poder de polícia, no caso sub judice, a limitação imposta pela lei que delimitou a atuação do referido órgão, de atuar, decidir e executar as atividades nos termos da legislação municipal. E, assim, reconheceu a constitucionalidade da Lei Municipal que delegou poderes a BHTRANS, posto que o trânsito do Município de Belo Horizonte, no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se equipara a um empreendimento (BRASIL, 2010), ou seja, nem sempre a sociedade de economia mista e a empresa pública exercerá exploração de atividade econômica no sentido literal da expressão, embora seja esta uma prerrogativa.

Em que pese o objeto do presente estudo ser a delegação do poder de polícia às empresas públicas, é imprescindível abordar, como já pontuado anteriormente, a problemática em relação às sociedades de economia mista, também pessoa jurídica de direito privado, e que de igual forma fomenta discussões na seara doutrinária e jurisprudencial, dividindo a opinião dos estudiosos do direito quanto a possibilidade de delegação do poder de polícia pelo Estado, apesar do pronunciamento dos Tribunais Superiores.

No tocante à delegação do poder de polícia às empresas públicas, em recente decisão o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação Cível nº 70058136128, reconheceu a constitucionalidade, e restou assim ementada a decisão:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. EMPRESA PÚBLICA DE TRANSPORTE E CIRCULAÇÃO – EPTC. DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA. CONSTITUCIONALIDADE. AUTORIZAÇÃO DE CRIAÇÃO POR LEI ESPECÍFICA. - Constitucionalidade da delegação do poder de polícia à EPTC, conforme decisão do Tribunal Pleno no incidente de inconstitucionalidade nº 70049790009. - Criação da empresa pública autorizada por lei específica, e não de forma genérica e indeterminada. Atendimento dos requisitos constitucionais previstos no art. 37, inciso XIX, da Constituição da República. Prequestionamento: Há muito que este Tribunal vem decidindo que não se faz necessária a análise expressa de todos os dispositivos e argumentos trazidos pelos recorrentes. Mister é que o acórdão traga, de forma fundamentada, a resposta à controvérsia típica da lide. Negado seguimento ao apelo (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70058136128, Relatora Desembargadora Marilene Bonzanini, 22ª Segunda Câmara Cível, julg. 11/03/2014. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/114096221/apelacao-civel-ac-70058136128-rs/inteiro-teor-114096228>. Acesso em: 18 set. 2014).

No caso em tela a BMDT Transportes Ltda propôs ação ordinária em desfavor da Empresa Pública de Transporte e Circulação S/A, questionando a constitucionalidade e legalidade da referida empresa pública no sistema de fiscalização do Município de Porto Alegre, haja visto a sua natureza jurídica.

Em face da decisão que julgou improcedente a ação, foi interposto recurso de apelação ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, argumentando, em apertada síntese, que a instituição da empresa pública não se deu em conformidade com os ditames constitucionais, mas por lei municipal, de forma genérica, estando eivada de vício de constitucionalidade, o que se agrava pelo fato da referida empresa pública atuar na fiscalização de transito, notadamente através da delegação do poder de polícia.

Ao decidir monocraticamente o recurso, com fulcro no art. 557, do Código de Processo Civil, o Relator trouxe à baila decisão proferida nos autos do incidente de inconstitucionalidade nº 70049790009, julgado improcedente, no qual se questionava exatamente a possibilidade e eventual inconstitucionalidade de delegação do poder de polícia a Empresa Pública de Transporte e Circulação - EPTC.

Assim encontra-se ementado o referido Incidente de Inconstitucionalidade:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 9º DA LEI MUNICIPAL Nº 8.133/98, DE PORTO ALEGRE, QUE CRIOU A EPTC, EMPRESA PÚBLICA DE TRANSPORTE E CIRCULAÇÃO. EMPRESA PÚBLICA COM PERSONALIDADE DE DIREITO PRIVADO SOB A FORMA DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DA FISCALIZAÇÃO E APLICAÇÃO DE SANÇÕES. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. EMPRESA FORMADA EXCLUSIVAMENTE COM CAPITAL PÚBLICO, TENDO COMO ACIONISTAS O MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE E O DMLU, AUTARQUIA MUNICIPAL, O QUE REFORÇA A SUA NATUREZA PÚBLICA. MATÉRIA JÁ APRECIADA PELO ÓRGÃO ESPECIAL EM CASO ANÁLOGO, O QUE DISPENSA A SUSCITAÇÃO DE NOVO INCIDENTE. Por força do artigo 8º da Lei 8133/98, a municipalidade de Porto Alegre foi autorizada a constituir e organizar uma empresa pública, a EPTC, com as atribuições de ser o órgão executivo e rodoviário do município, para o exercício das atividades descritas no artigo 24 da Constituição Federal, nos termos do que permite o Código de Trânsito Brasileiro, o que foi feito, por força da norma citada, dispondo, em seu artigo 9º, que a personalidade da EPTC será de direito privado, o que não é vedado, bastando, apenas, que a empresa seja criada por lei, em atenção ao comando contido no artigo 5º, II, da Constituição Federal, o que foi observado no presente caso. A EPTC, empresa de economia mista que tem participação acionária do município de Porto Alegre e do DMLU, autarquia municipal, com capital societário exclusivamente público, circunstância que reforça, ainda mais, a natureza pública da EPTC, repito, constante no artigo 8º da Lei 8133/98, embora sob a forma de economia mista, para o exercício de atividade estatal. Precedente do Órgão Especial julgando, de forma unânime, improcedente ADIn proposta contra a EBTC de Bagé, o que demonstra a improcedência de novo incidente. INCIDENTE JULGADO IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Incidente de Inconstitucionalidade nº 70049790009, Tribunal Pleno, Relator Carlos Eduardo Zietlow Duro, julg. 13/08/2012).

Da análise da referida ementa percebe-se que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já havia sido chamado a apreciar a problemática da constitucionalidade da delegação do poder de polícia à EPTC, enfrentando o problema e afastando a alegada inconstitucionalidade.

Importa registrar que o órgão julgador ressaltou ser possível, e não encontrar nenhum óbice no ordenamento jurídico brasileiro, a delegação do consentimento e fiscalização, pois o poder de polícia é fracionável.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também foi levado a analisar problemática envolvendo a delegação do poder de polícia, notadamente as questões afetadas à fiscalização e aplicação de multas de trânsito por pessoa jurídica de direito privado, qual seja, empresa pública. E assim pronunciou-se:

APELAÇÃO AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA DE TRÂNSITO DELEGAÇÃO DE PODER DE POLÍCIA (Fiscalização e Sanção) À EMPRESA PÚBLICA MUNICIPAL - empresa pública municipal, integrante da Administração Pública Indireta, criada por lei exclusivamente para exercer atividades de interesse da Administração e integrada ao Sistema Nacional de Trânsito - possibilidade de delegação do poder de polícia - aplicação de penalidade aos infratores que está implícita no poder de polícia delegado a Administração Pública, mesmo que Indireta, jamais perde sua condição de estatal, dado que é instrumento do Estado para a consecução do interesse público reconhecida a repercussão geral da matéria controvertida pelo Pretório Excelso (art. 543-B, do CPC) Mérito: prescrição da pretensão punitiva ajuizamento da ação de cobrança após o prazo de cinco anos contados da notificação do condutor do auto de infração e imposição de multa precedentes - sentença reformada. Todavia, ação julgada improcedente, em decorrência da prescrição. Recurso parcialmente provido (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível 00167948420088260562, Relator Paulo Barcellos Gatti, 4ª Câmara de Direito Público, julg. 17/03/2014, publ. 24/03/2014. Disponível em: <http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/121602458/apelacao-apl-167948420088260562-sp-0016794-8420088260562>. Acesso em: 18 ago. 2014).

No caso em tela a Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos - CET Santos interpôs recurso de apelação após ter sua ilegitimidade reconhecida em primeira instância, para a imposição e cobrança de multas de trânsito. O juiz sentenciante entendeu ser "inadmissível a delegação do poder de polícia a entidades integrantes da Administração Pública, tal como o caso da apelante que foi constituída sob a forma de empresa pública municipal" (SÃO PAULO, 2014).

A empresa pública recorrente ressaltou que foi constituída na forma da legislação municipal, com poderes específicos para fiscalizar e arrecadas autuações, estando, ainda, em consonância com o que preconiza o Código de Trânsito Brasileiro.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou a sentença, por entender que foi a ilegitimidade da autora reconhecida de ofício pelo magistrado, que entendeu, repita-se, não ser possível a delegação do poder de polícia a empresa pública. E o órgão julgador ressaltou:

[...] O cerne da questão sub judice está, portanto, em definir se há manifesta inconstitucionalidade ou mesmo ilegalidade nos atos administrativos autuações de trânsito e imposição de multa - emanados pela empresa pública municipal, ora apelante, em virtude de suposta indelegabilidade do poder de polícia (polícia administrativa) estatal (SÃO PAULO, 2014).

Ainda, enfatizou o órgão julgador que a matéria não é de fácil solução e tampouco se encontra sedimentada no âmbito jurisprudência, lembrando que a matéria se encontra, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, pendente de apreciação em sede de repercussão geral.

Nesse ponto importa lembrar que a matéria chegou ao referido órgão julgador nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo nº 662.186/MG, de relatoria do Ministro Luiz Fux, na já citada decisão que envolve a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte - BHTRANS.

Em março de 2012 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência da repercussão geral da questão constitucional suscitada, decisão assim ementada:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PODER DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO DOS ATOS DE FISCALIZAÇÃO E SANÇÃO A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ARE 662.186 RG/MG - Minas Gerais, Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo. Relator Ministro Luiz Fux, julg. 22/03/2012, publ. 13/09/2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARE%24.SCLA.+E+662186.NUME.%29+OU+%28ARE.PRCR.+ADJ2+662186.PRCR.%29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/a2d494y>. Acesso em: 18 set. 2014).

Não é demais salientar que a Empresa Pública de Transporte e Circulação S.A - EPCT, também já mencionada alhures, requereu sua admissão no feito na qualidade de amicus curiae em março de 2013, o que foi admitido pelo órgão julgador.

Por último, cumpre registrar que o processo em comento foi reautuado em setembro do corrente ano, e se encontra tramitando sob o Recurso Extraordinário nº 840.230, sem previsão para julgamento.

Isso posto, não há como negar que a problemática da delegação do poder de polícia às pessoas jurídicas de direito privado, dentre elas as empresas públicas, é tema controvertido no âmbito doutrinário e jurisprudencial, estando pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral, o que evidencia a importância do tema.

Fato é que a empresa pública está sujeita ao regime jurídico aplicável às empresas privadas, embora não se possa ignorar que não se afasta, por completo, das regras e princípios de direito público. Não obstante, conferir as empresas públicas o poder de polícia, que tem por característica marcante limitar o exercício de direitos e liberdades individuais, não se coaduna com a sua própria essência, já que compete ao Estado, ente público por sua natureza, o desempenho da atividade de polícia.

Diante de tais considerações é que se espera um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, de modo a sanar as controvérsias existentes quanto a delegabilidade do poder de polícia às pessoas jurídicas de direito privado, notadamente as empresas públicas, evitando discussões como as acima apresentadas, que acabam por instaurar a insegurança jurídica.

CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo buscou-se compreender a problemática do exercício do poder de polícia nas empresas públicas, pessoa jurídica de direito privado, integrante da Administração Pública Indireta, abordando os aspectos conceituais, bem como a discussão no âmbito doutrinário e jurisprudencial.

Viu-se que o poder de polícia, também denominado pela doutrina de polícia administrativa, é exercido para garantir o funcionamento adequado da máquina estatal, através da inserção de normas e proibições que objetivam sancionar e delimitar determinadas atividades dos particulares, ou seja, estabelece limites aos direitos individuais em prol da coletividade.

Constatou-se, ainda, que o poder de polícia encontra seu fundamento no execução das leis administrativas, ou seja, no vínculo estabelecido entre a Administração Pública e os administrados. Destarte, o particular, em nome do bem estar coletivo, abre mão de parcela de seus direitos individuais para assegurar o bem estar coletivo.

A discussão surge quando se trata da possibilidade de delegação do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado, quando se demonstrou que a instituição das guardas municipais, através de leis municipais, na foram de Sociedade de Economia Mista, foi a "mola mestra" na discussão, que não se restringiu a esfera doutrinária.

Isso se deve porque a poder de polícia é atribuído, pela Constituição da República, aos entes federados, a exemplo dos Municípios, a quem compete fiscalizar e se responsabilizar pelas questões referentes ao interesse local. Logo, quando o Município, por lei, delega a uma empresa pública ou sociedade de economia mista o exercício do poder de polícia, passa-se a questionar a legitimidade de tal entidade, já que tal poder não se limita a atos normativos, mas se materializa, por exemplo, nos atos de fiscalização, atos estes passíveis de causar prejuízos aos administrados.

Em se tratando de empresas públicas, é mister ressaltar que se trata de entidade de direito privado, cujos empregados são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, e são, por conseguinte, mais vulneráveis que os servidores públicos a Administração Pública Direta.

Desta feita, quando se permite que o poder de polícia seja exercido por uma empresa pública, se está permitindo que o interesse de uma estatal se sobreponha ao interesse social, ao bem estar coletivo, o que se evidencia, por exemplo, quando se analisa a problemática de uma empresa responsável pela fiscalização do trânsito de uma grande cidade, que acaba por se beneficiar da "atividade econômica", desvirtuando, repita-se, a finalidade do poder de polícia.

Em que pese as críticas aqui tecidas, fato é que doutrina e jurisprudência vem se firmando no sentido de não visualizar ilegalidade na delegação do poder de polícia às empresas públicas e sociedades de economia mista, desde que se limite a atividade de consentimento e fiscalização, e não a atividade sancionatória. Porém, na análise de casos concretos, o que se tem visto é o reconhecimento da legalidade de delegação do poder de polícia até mesmo em situações em que as empresas públicas e/ou sociedades de economia mista aplicam sanções.

Talvez por isso a questão tenha chegado ao Supremo Tribunal Federal, e teve a sua repercussão geral reconhecida, estando pendente de julgamento. E, assim, espera-se que o pronunciamento do órgão julgador ponha fim às divergências e controvérsias, restaurando a segurança jurídica, atualmente comprometida.

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1 Nos termos do art. 3º, da Lei Municipal nº 1.887, de 27 de julho de 1992, o Poder Executivo da cidade do Rio de Janeiro ficou autorizado a criar a "empresa pública denominada Empresa Municipal de Vigilância, a ser constituída na forma de sociedade anônima, vinculada ao Gabinete do Prefeito e com sede e foro na Cidade do Rio de Janeiro".


    Advogacia Mmjfilho

    Bacharel em Direito - Feira de Santana, BA


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