ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE


13/10/2015 às 10h11
Por Lvb Advogados Associados

Inicialmente, cumpre esclarecer que no ordenamento jurídico brasileiro a Constituição Federal é a “Lei Maior”.

É o que ensina o doutrinador LENZA:

A ideia de controle, então emanada da rigidez, pressupõe a noção de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos do sistema.[1]

Assim, o controle de constitucionalidade tem por objetivo resguardar a compatibilidade das leis com a respectiva Constituição.

Nesse sentido é a lição de ARAÚJO e NUNES JÚNIOR:

(...) a Constituição da República criou o controle de constitucionalidade dos atos normativos, cujo objetivo consiste, num primeiro momento, em instituir barreiras à introdução de normas inconstitucionais no cenário jurídico. Caso, no entanto, essas barreiras revelem-se ineficazes, estará armada uma segunda etapa do controle, onde a meta passará a ser o reconhecimento da inexistência da norma inconstitucional no sistema.[2]

Portanto, cabe ao controle de constitucionalidade analisar se a lei ou ato normativo impugnado obedece aos parâmetros formais e materiais de compatibilidade vertical com a Constituição, conforme ensina ARAUJO e NUNES JÚNIOR:

O parâmetro formal diz respeito às regras constitucionais referentes ao processo legislativo, vale dizer aos meios constitucionalmente aptos a introduzir normas no sistema jurídico. A inobservância dessas regras procedimentais gera a inconstitucionalidade formal ou nomodinâmica desse ato normativo.

O parâmetro material refere-se ao conteúdo das normas constitucionais. Assim, o conteúdo de uma norma infra-ordenada não pode ser antagônico ao de sua matriz constitucional. (...) Essa é a chamada inconstitucionalidade material ou nomoestática.[3]

Importante mencionar que uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma lei ou um ato normativo, deve ele ser reconhecido como inválido, consagrando a adoção pelo Brasil da teoria da nulidade, conforme explica LENZA:

A ideia de a lei ter “nascido morta” (natimorta), já que existente enquanto ato estatal, mas em desconformidade (seja em razão de vício formal ou material) em relação à noção de “bloco de constitucionalidade” (ou paradigma de controle), consagra a teoria da nulidade, afastando a incidência da teoria da anulabilidade.[4]

Exposto os parâmetros de constitucionalidade e a consequência da lei ou ato normativo declarado inconstitucional, cabe acrescentar que no Brasil existem duas vias de controle de constitucionalidade – a difusa e a concentrada, conforme a leciona LENZA:

O sistema difuso de controle significa a possibilidade de qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência, realizar o controle de constitucionalidade.

Por seu turno, no sistema concentrado, como o nome já diz, o controle se “concentra” em um ou mais de um (porém em número limitado) órgão. Trata-se de competência originária do referido órgão.[5]

Portanto, da lição exposta denota-se que no controle difuso de constitucionalidade a parte pode discutir a constitucionalidade da lei ou ato normativo de forma incidental no processo, podendo ser realizado por qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência.

Já o controle concentrado de constitucionalidade é exercido somente pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que a arguição de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, pela via concentrada, por se tratar de processo objetivo somente pode ser feita pelos chamados legitimados do artigo 103 da Constituição Federal.[6]

Conceituadas as duas vias existentes de controle de constitucionalidade, resta-nos o estudos dos efeitos da decisão em cada uma das referidas vias.

Para tanto, cabe alertar que como regra geral, os efeitos de qualquer sentença valem somente para as partes que litigaram em juízo, não extrapolando os limites estabelecidos na lide.

Neste ponto, afirma LENZA que:

No momento que a sentença declara que a lei é inconstitucional (controle difuso realizado incidentalmente), produz efeitos pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito. Produz, portanto, efeitos retroativos.

Assim, no controle difuso, para as partes os efeitos serão: a) inter partes e b) ex tunc.[7]

Portanto, se a decisão no controle difuso de constitucionalidade produz efeitos somente entre as partes litigantes e retroage à edição da lei ou ato normativo declarado inconstitucional, conclui-se que na via concentrada, por se tratar de processo objetivo (onde não há partes litigantes), o efeito da decisão, além de ser ex tunc, seria, ao contrário do controle difuso, erga omnes (contra todos).

Assim, percebe-se que o ponto em comum entre ambas as vias de controle é o efeito ex tunc, que vale como regra geral nas duas modalidades de controle de constitucionalidade.

Entretanto, o STF já entendeu ser possível, mesmo no controle difuso, atribuir à decisão efeito ex nunc ou pro futuro, tendo como leading case o julgamento do RE 197.917, conforme segue a respectiva ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.[8]

No referido julgamento, acima ementado, o STF entendeu que a previsão de 11 cargos para vereador no Município de Mira Estrela era inconstitucional, porquanto, desrespeitava o critério constitucional de proporcionalidade entre o número de habitantes do município e a respectiva quantidade de cargos para vereadores.

Assim, o STF, por entender se tratar de uma situação excepcional, declarou a inconstitucionalidade da lei, modulando os efeitos da decisão para que só vigorasse na próxima legislatura, criando com isso a possiblidade de alterar a regra geral do efeito ex tunc.

Sabe-se, portanto, como visto, que a decisão do STF pela via concentrada de controle de constitucionalidade, vale contra todos, vinculando inclusive a Administração Pública Direta e Indireta.

Cabe nesse momento, discutir a existência ou não de um mecanismo capaz de tornar a decisão de inconstitucionalidade, feita pela via difusa (efeito inter partes), valer contra todos, inclusive a administração pública.

Tal mecanismo existe e a competência para seu uso é do Senado Federal, conforme previsão do artigo 52, X da Constituição Federal, in verbis:

Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

(...)

Assim, da leitura do artigo supracitado, percebe-se que existe a possibilidade de o Senado Federal fazer valer contra todos a decisão de inconstitucionalidade proferida pelo STF na via difusa de controle, bastando para tanto publicar resolução para proceder à suspensão da execução da referida lei ou ato normativo declarado inconstitucional.

Nesse contexto explica LENZA:

Declarada inconstitucional a lei pelo STF, no controle difuso, desde que tal decisão seja definitiva e deliberada pela maioria absoluta do pleno do tribunal (art. 97 da CF/88), o art. 178 do Regimento Interno do STF (RISTF) estabelece que será feita a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 52, X da CF/88.[9]

Com o mesmo entendimento é a lição de ARAUJO e NUNES JÚNIOR:

(...) o Supremo Tribunal Federal deverá comunicar a decisão ao Senado Federal, que utilizando a competência do art. 52, X, da Constituição Federal, tem a faculdade de, por meio de resolução, suspender a execução da norma.[10]

Ainda, importante esclarecer os efeitos da resolução publicada pelo Senado Federal suspendendo a eficácia da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo, conforme ensina LENZA:

Desde que o Senado Federal suspenda a execução, no todo ou em parte, da lei levada a controle de constitucionalidade de maneira incidental e não principal, a referida suspensão atingirá a todos, porém valerá a partir do momento que a resolução do Senado for publicada na Imprensa Oficial.

O nome ajuda entender: suspender a execução de algo que vinha produzindo efeitos significa dizer que se suspender a partir de um momento, não fazendo retroagir para atingir efeitos passados. (...)[11]

Da lição exposta é possível resumir, portanto, que os efeitos serão erga omnes, porém ex nunc, não retroagindo.

Ocorre, que a suspensão da execução ou não, pelo Senado Federal, da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF é decisão política discricionária, conforme lição de ARAUJO e NUNES JÚNIOR:

Não há dúvida de que o Senado Federal exerce poder discricionário, podendo ou não suspender a execução da norma declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. O momento do exercício da competência do art. 52, X, é ato de política legislativa, ficando, portanto, ao crivo exclusivo do Senado. Não se trata de dar cumprimento à sentença do Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela via de exceção. Na verdade, a decisão do Senado Federal é no sentido de estender a sentença do Supremo, pertinente à inconstitucionalidade (não à prestação de fundo do pleito – caso concreto), para todos. Os efeitos da resolução, portanto, são sempre a partir de sua edição, ou seja, ex nunc.[12]

Na mesma linha de raciocínio, explica LENZA:

Deve-se, pois, entender que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de discricionariedade política, tendo o Senado Federal total liberdade para cumprir o art. 52, X, da CF/88. Caso contrário, estaríamos diante de afronta ao princípio da separação de Poderes.[13]

Portanto, nesse contexto surge a problemática da efetividade do controle difuso de constitucionalidade, na medida em que o Supremo reconhecendo a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, pela via difusa, inclusive por reiteradas decisões no mesmo sentido, não tem competência para fazer valer sua decisão contra todos e vincular a Administração Pública, diferentemente do que ocorre no controle concentrado de constitucionalidade.

Portanto, tal realidade apresentada, fez surgir no STF à aplicação da chamada teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença em controle difuso (ratio decidendi), ou de abstrativização do controle difuso, ou de objetivação do controle difuso.

Tal teoria vem sendo aplicada visando assemelhar, para alguns casos específicos e excepcionais, os efeitos do controle concentrado de constitucionalidade do controle pela via difusa, isto é, determinar em sede de controle difuso de constitucionalidade que a decisão tem efeito erga omnes, relativizando, assim, o disposto no artigo 52, X da Constituição Federal, o qual passaria a ter nova interpretação constitucional.

Nesse sentido afirma LENZA:

Na doutrina, em importante estudo, Gilmar Mendes afirma ser “... possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição Federal de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica ‘reforma da Constituição sem expressa modificação do texto’ (Ferraz, 1986, p. 64 et seq., 102 et seq.; Jellinek, 1991, p. 15-35; Hsü, 1998, p. 68 et seq.).[14]

E continua a lição expondo o entendimento do Ministro Gilmar Mendes:

Como indicado no inf. 454/STF, o Ministro Gilmar Mendes “...reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão da execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82.959/SP (‘progressão do regime na lei dos crimes hediondos’, acrescente-se). Após, pediu vista o Min. Eros Grau” (Rcl 4.335/AC, Rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.02.2007).[15]

Do exposto, percebe-se que há fortes indícios de que venha a ocorrer uma reforma constitucional para modificar a ideia atual de que a análise da constitucionalidade da lei no controle difuso pelo STF não produz efeito vinculante, necessitando apenas pesquisar no sentido de encontrar uma possível forma de evitar a ofensa, por parte do Poder Judiciário, ao princípio da separação dos Poderes.

[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 239.

[2] ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 25.

[3] ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Op. Cit., p. 25.

[4] LENZA, Pedro. Op. Cit., p. 240.

[5] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 266.

[6] Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I – O Presidente da República; II – A Mesa do Senado Federal; III – A Mesa da Câmara dos Deputados; IV – A Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – O Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – O Procurador-Geral da República; VII – O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. (...)

[7] LENZA, Pedro. Op. Cit., p. 274.

[8] RE 197917 / SP – São Paulo. Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA. Jul. 06/06/2002 – Tribunal do Pleno. DJ 07-05-2004.

[9] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 275.

[10] ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 29.

[11] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 277.

[12] ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Op. Cit., p. 29.

[13] LENZA, Pedro. Op. Cit., p. 278.

[14] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 279-280.

[15] Idem, p. 281.

  • Direito Constitucional
  • STF
  • Controle Constitucinalidade

Lvb Advogados Associados

Bacharel em Direito - Pato Branco, PR


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