Recentemente a infelicidade caiu sobre o colo da presidente Dilma Rousseff ao comparar as confissões obtidas sob torturas nefastas no tempo da ditadura com o instituto jurídico da delação premiada, o qual se mostra uma conquista democrática e moderna para a captura de corruptos e corruptores, principalmente daqueles que se instalam como vermes nas mais diversificadas instâncias dos poderes republicanos para fins de praticar crimes que atentam contra toda uma sociedade que apesar de dormir em berço esplêndido clama por uma classe política limpa e menos corrupta.
O instituto da delação premiada não é recente, mas vem ganhando notoriedade com a deflagração da operação lava jato, cabendo destacar que nem de longe as confissões levadas a efeito no inquérito policial se aproximam daquelas confissões obtidas sob torturas no tempo da ditadura, como apregoou a presidente recentemente.
Talvez uma estratégia de defesa ou provavelmente um pensamento decorrente da situação política atual vivida pela ocupante do Palácio do Planalto e de todos aqueles, principalmente políticos, que se encontram em situação delicada, os quais, num ato de desespero, passaram a atacar um instituto de tamanha importância para a desarticulação do crime organizado.
Foi por meio da Lei nº 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, que se passou a adotar no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da delação premiada, cujo objetivo maior é o de possibilitar a desarticulação de quadrilhas, bandos e organizações criminosas de modo a facilitar a investigação criminal e evitar a prática de novos crimes, além de buscar o ressarcimento dos danos patrimoniais causados pela conduta criminosa.
Importante destacar que atualmente o instituto da delação premiada encontra-se previsto em diversos instrumentos legais, dentre os quais: Código Penal (arts. e 159, §4º, e 288, p.u.), Lei do Crime Organizado – nº 9.034/05 (art. 6º), Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional – nº 7.492/86 (art. 25, §2º), Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais – nº 9.613/88 (art. 1º, §5º), Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica – nº 8.137/90 (art. 16, p.u.), Lei de Proteção a vítimas e testemunhas – nº 9.807/99 (art. 14), Nova Lei de Drogas – nº 11.343/06 (art. 41), e, mais recentemente, na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – nº 12.529/2011 (art. 86).
No caso da operação lava-jato, o que se tem constatado é a utilização recorrente do instituto da colaboração premiada, sendo que vem causando movimentação no meio político o fato de alguns investigados/indiciados/réus passarem a contribuir com as investigações após se valerem do direito ao silêncio e até mesmo modificando a versão dos fatos numa segunda oportunidade de depoimento perante os Procuradores da República e autoridade policial.
Assim, muitos tem disseminado nos meios de comunicação a invalidade das delações premiadas que decorram da alteração dos fatos narrados durante o primeiro depoimento prestado perante a autoridade policial/Procuradores da República.
Erram aqueles que pregam a nulidade da colaboração premiada decorrente da alteração dos depoimentos prestados perante a autoridade policial e até mesmo contradições existentes entre os depoimentos, como foi o caso do ex-consultor da Toyo Setal, Júlio Camargo, réu em processo da Operação Lava Jato, o qual acusou o presidente da Câmara Federal, Deputado Eduardo Cunha, de ter exigido o pagamento de propina.
Insta salientar que o investigado/indiciado/réu pode se valer do direito constitucional ao silêncio e até mesmo mentir sem que isso tenha relevância para o momento em que optar pela colaboração com a investigação e com o processo criminal, sendo que é justamente após optar por colaborar voluntariamente que o investigado/indiciado/réu, deverá renunciar ao direito ao silêncio, submetendo-se ao compromisso legal de dizer a verdade.
Cabe destacar que o que se busca com a colaboração premiada o alcance da verdade real dos fatos e, ainda, no caso da operação lava jato, alguns dos resultados previstos no Art. 4º da Lei nº 12.850/2013, o que independe da quantidade de mentiras ou verdades ditas pelo colaborador, sendo que se algumas das verdades possibilitar que da colaboração advenha um ou mais dos resultados previstos na referida lei, poderá o juiz beneficiar o colaborador de acordo com a relevância da colaboração prestada.
Assim, o fato de ocorrer omissão no depoimento do colaborador não tem o condão de anular a prova decorrente da colaboração premiada, interferindo somente na aplicação dos benefícios cabíveis em cotejo com a relevância da colaboração prestada.
Importante frisar, para afastar qualquer tipo de ilação acerca da colaboração premiada no que pertine à possibilidade de que inocentes venham a ser condenados em decorrência dos depoimentos do colaborador, que o juiz não poderá condenar ninguém com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador, razão pela qual não há que se temer condenações injustas e sem contexto fático com aquilo que fora objeto da colaboração premiada.
Portanto, não há óbice para que várias declarações sejam levadas em consideração para a valoração da colaboração premiada, ressaltando que a declaração do colaborador que tenha partes maculadas pela carência da verdade não tem o condão de atingir o instituto da colaboração premiada se da declaração se abstrai fatos considerados verdadeiros e que possam contribuir para o alcance das finalidades previstas na lei para o desmantelamento da organização criminosa.
Assim, só tem interesse em desprezar a colaboração daqueles que conhecem o esquema e dispõem-se a denunciar os coautores e partícipes, os criminosos engravatados que participam ativamente do crime organizado, o qual tem ampla penetração nas entranhas estatais e possui condições de desestabilizar qualquer democracia, não havendo possibilidade de combater o crime organizado, com eficiência, sem a efetividade do instituto da colaboração premiada.