A economia política tem sido uma disciplina marginalizada nos cursos jurídicos do Brasil, assim como a própria economia sofre críticas por não tratar dos grandes problemas da economia real, embora tenhamos neste momento a repercussão do livro do economista francês Thomas Piketty O Capital no Século XXI onde faz um grande levantamento teórico e estatístico em torno da desigualdade na história, particularmente, na fase da economia capitalista, chamando a atenção para valores como a meritocracia e como desigualdade e democracia se correlacionam.
A economia se torna ciência separada da filosofia com Adam Smith, profundamente influenciado pelo trabalho dos fisiocratas franceses liderados por Quesnay; estes últimos viam na terra a grande fonte de riqueza, advindo destes a ideia de liberdade frente ao Estado para aumentar e aperfeiçoar a produção. Smith fora decisivamente influenciado pelo Iluminismo do seu século e, com isso, pela ideia de progresso, a mão invisível do mercado, o próprio mercado encontraria sua perfeição se deixado agir livremente, a base da riqueza das nações era o afastamento do Estado das atividades econômicas[1]. O Liberalismo econômico e o Liberalismo Político, ainda seriam depois fortemente influenciados pelo “darwinismo social” de Herbert Spencer, o qual adaptara a teoria da evolução de Darwin para o campo social.
A grande inovação trazida por Smith com relação aos fisiocratas fora estabelecer o conceito de trabalho abstrato[2], isso significa que a partir da publicação de A Riqueza das nações não mais se verá a riqueza como relacionada com apenas uma atividade econômica (no caso da fisiocracia a riqueza viria da agricultura), o trabalho em si que seria a fonte de toda a riqueza.
A economia política prossegue no início do século XIX com as obras de dois importantes teóricos, Thomas Malthus e David Ricardo; com esses dois o tema desigualdade adentrava a economia. Malthus enxergou no crescimento populacional o grande perigo para a estabilidade política em virtude de este superar a produção de alimento, propôs um drástico controle de natalidade. Já Ricardo, aproveitando o que escrevera Malthus, fora além e passou a afirmar que o aumento da população aumentaria a demanda por terras, a fonte básica de riqueza, levando ao encarecimento desse bem e uma conseqüente concentração nas mãos de poucos, propõe a tributação das rendas da terra como política de contenção[3].
Mas a grande ruptura dentro da economia política clássica fora operada por Karl Marx. Fora este alemão, primeiramente filósofo neo-hegeliano, que aperfeiçoou a tese de seu mestre até encontrar nas classes sociais o motor da dialética; da economia política Marx absolvera o conceito de trabalho abstrato de Smith, a tese de uma concentração infinita baseada em Ricardo[4] além da teoria da evolução do biólogo Charles Darwin. Marx rompe com a ideia de equilíbrio perfeito do sistema econômico ancorado na liberdade de mercado e vai além, propondo que a fase do capitalismo industrial seria substituída pela economia socialista.
O mundo geopolítico acabou-se por dividir durante o século XX entre duas concepções de modelos econômicos, mas, além disso, o mundo vira-se rachado por aquilo que os filósofos iluministas davam como superado, a ideologia, e em torno de suas próprias teses. Isso abrira espaço para um conflito com um fundo ideológico, embora se insista no material, a Segunda Guerra Mundial, depois de o mundo já ter sido geopoliticamente redefinido durante o outro conflito mundial anterior.
Outro grande da economia, Max Weber, foi buscar no surgimento do capitalismo ocidental uma ética ultrapassando a sociedade tradicional em que o tempo, por exemplo, não é marcado como da nova maneira, e que reunia as condições para que o sistema econômico emergisse. Weber passa além das condições matériais que levaram ao nascedouro do moderno capitalismo e coloca traços culturais que desembocam nesta origem, a condenação da usura que veio de Aristóteles passando pelas obras dos escolásticos da doutrina católica, por exemplo, é rompido dentro da “ética protestante” nascente[5].
Nos anos 1990 o economista weberiano David Landes também escrevera um livro de muito sucesso, A Riqueza e a Pobreza das Nações; pouco mais de 200 anos depois de Adam Smith ter escrito A Riqueza das Nações, Landes quis colocar também no debate a pobreza. Abordou com grande esforço intelectual a origem das grandes civilizações sobre a terra e, na sequência, passa a se perguntar por que a Revolução Industrial ocorrera na Europa e por que na Grã-Bretanha e também, por que não na China ou na Índia. Para ele teria sido possível ocorrer uma Revolução Industrial no Japão. Aborda todos os continentes e desfaz a idéia de pobreza pautada sobre a dependência de fatores externos, não nega a existência destes, mas procura demonstrar que podem ser rompidos com caracteres sociais e culturais do povo de dada nação.
Evidentemente, que isso pode provocar mais um determinismo; os pobres não podem culpar os outros de sua pobreza assim como não podem ser culpados por ela e serem deixados sozinhos para resolver os problemas; os dois lados causam “dependentismos”, como dizia Landes. Por sinal, o escritor moçambicano Mia Couto em oração de sapiência proferida em uma universidade de Maputo intitulada “Despir os Sete Sapatos Sujos” descreve sete pontos que o continente africano precisa se livrar para poder evoluir social e economicamente, um deles é responsabilizar outros pela própria pobreza.
As questões da economia política se transferem para a política, com a economia informatizada a próprio fluxo de informação ou interfere na economia ou na política. Um surto do Ebola em países do litoral atlântico africano causa alarme em 2014 sob risco de uma pandemia global, em 2015 um fluxo de imigrantes partindo de regiões asiáticas castigadas por conflitos causa um debate generalizado em torno de questões nacionais e globais.
- Economia em rede
De acordo com Manuel Castells a nova economia propiciada a partir dos anos 1970 é baseada sobre três grupos de características fundamentais para se compreendê-la; é uma economia informacional, global e em rede, em suma:
É informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimentos. É global porque as principais atividades produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus componentes (capital, trabalho, matéria-prima, administração, informação, tecnologia e mercados) estão organizados em escala global, diretamente ou mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos. É rede porque, nas novas condições históricas, a produtividade é gerada, e a concorrência é feita em uma rede global de interação entre redes empresariais. (CASTELLS. 1999. P. 119)
Essa nova economia, de acordo com a abordagem sociológica de Manuel Castells, nasce a partir dos desdobramentos políticos dos anos 1970, permeado o processo por uma vontade de fazê-lo, mas somente viável em boa medida pelas novas tecnologias. Segundo ele, a crise econômica ocorrida na década de 1970, chamada Crise do Petróleo, atribuída por muitos à elevação dos preços da commoditie pela Opep e para outras apenas um dos fatores, mas o fato é que houve a crise, se seguiria a uma reestruturação dos mercados e das empresas; seria também o início do endividamento de países do Terceiro Mundo, no caso do Brasil se verifica uma expansão da dívida externa; o país tinha feito uma profunda abertura para o mercado internacional em 1968.
No entanto, para Manuel Castells esta nova economia é global, mas não planetária, isto é dizer, “a economia global não abarca todos os processos econômicos do planeta, não abrange todos os territórios e não inclui todas as atividades das pessoas, embora afete direta ou indiretamente a vida de toda a humanidade”[6].
Para chegar e este estágio econômico era preciso abrir todos os mercados e isso se deu, conforme Castells, não por uma mão invisível do mercado, mas sim “pela interação entre mercados e governos e instituições financeiras agindo em nome dos mercados”[7]. Bom, as vantagens seriam para as empresas americanas e se usa instituições financeiras, como o FMI, para forçar essa abertura; sem liberalização da economia não há crédito.
Liberalização, como empregado, não significa meramente comerciar com todos os povos o que é impossível não ocorrer, mas sim desregulamentar a economia nacional. Seguiu-se David Landes para Piketty[8], isso depois da grande crise de 2008. Nesse interregno a América Latina passou a ser governada por governos mais nacionalistas, chamados desenvolvimentistas, com o continente ainda enfrentando problemas sociais graves, como a fome, a violência e a má educação.
Depois da crise tivemos ondas de protestos por todos os cantos do planeta, quase todos convocados pela rede. Ocuppy Wall Street, movimento de contestação ao sistema financeiro global; Primavera Árabe, grandes revoltas contra as tiranias árabes, retirando do poder alguns, conseguindo concessões em outros em outros caso, mas o Oriente Médio se torna mais instável ainda com a presença do Estado Islâmico; os Indignados da Europa atuaram contra crise e a recessão.
Manuel Castells escreveu o livro Redes de Indignação e Esperança para tentar caracterizar esses movimentos e conclui que não se deve no todo ao simples fato da presença da rede, há os fatores econômicos, políticos, sociais etc., mas há um ambiente político virtual configurando o tipo de movimento de contestação que usa as redes, busca a horizontalidade e se transfere para as ruas.
- Thomas Piketty e a economia política da desigualdade
A economia política, conforme tentamos expor acima, uma ciência nascida no contexto da modernidade; partindo do pensamento fisiocrático e consolidada por Adam Smith trazia para o campo econômico os mesmos paradigmas iluministas do encontro com uma “ordem” racional livre e alcançando plena harmonia.
Nesta ciência, conforme mostramos, foram se sucedendo grandes teóricos, fazendo dela o centro do embate político por longo período; a economia política e a crítica da economia política dividiram o cenário, mesmo havendo um desenvolvimento espetacular de outras ciências sociais, como a sociologia, todas em grande parte influenciadas pelas ciências naturais, o que levou à morte da filosofia. Nos últimos anos do século XX essa essência moderna da economia política manteve-se apagada. A publicação do livro O Capital no século XXI de autoria do economista francês Thomas Piketty colocou no debate político e econômico um retorno ao tema da desigualdade, essencialmente moderno, embora não utópico.
A proposta desse economista foi elaborar uma análise baseada em dados estatísticos acerca do comportamento da desigualdade de rendas no maior número de países possíveis, sempre retornando ao que escreveram economistas do passado, como Ricardo e Malthus, ou Simon Kuznets, para quem a desigualdade teria o comportamento de evolução no início do desenvolvimento econômico para logo depois tender naturalmente ao declínio.
O gráfico abaixo caracteriza a diferença no crescimento da produção mundial e o do rendimento do capital desde o início da era cristã; verificando-se que a produção na maioria da história crescera muito menos do que as rendas do capital, fazendo com que os rendimentos do trabalho tenham sido quase sempre muito menores. O economista francês faz entender, dessa maneira, que a desigualdade tendeu ao longo da história a se manter.
Figura 4 - O Capital cresce mais rápido do que a produção[9]
O único período onde se vai verificar uma interrupção será no século XX a partir da enorme destruição de capital provocada pelas duas Guerras Mundiais, a reconstrução posterior faz com quê o crescimento supere o “padrão” normal, entre 1-2% (trinta anos gloriosos), tudo isso somado aos ganhos advindos do Estado de bem-estar nos países ricos.
No próprio direito civil se verifica uma evolução da doutrina, passando de uma visão essencialmente liberal, os sujeitos se equivalem em liberdade, para uma visão às vezes chamada de social, onde, surge termos como hipossuficiente, claramente voltada para uma atuação protetiva do Estado. A própria justiça do trabalho é uma justiça protetiva, ainda no século XIX na Inglaterra passa a se instituir uma série de leis trabalhistas[10], de redução de jornada, tentando impor restrições ao trabalho infantil etc.
Piketty visualiza que as desigualdades se mantêm ou podem se alargar desde que não haja uma intervenção política. Essa intervenção se dá mediante transferências em forma de serviços sociais:
[...] redistribuição moderna não consiste na transferência de riqueza dos ricos para os pobres, ou pelo menos, não de maneira tão implícita. Ela consiste em um financiamento dos serviços públicos e das rendas de substituição de forma mais ou menos igualitária para todos, especialmente nos domínios da educação, de saúde e das aposentadorias. (PIKETTY, 2014, p.467)