O princípio da presunção de inocência é uma garantia constitucional de todo e qualquer cidadão. Constitui-se em um direito fundamental, ligado a tantos outros, e representa o limite ao poder de punir do Estado.
Parte-se da premissa de que todos são considerados inocentes até que o resultado final do devido processo legal, obtido com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória altere esse estado.
O dispositivo legal que rege o princípio em comento, fora estabelecido na Constituição da República de 1988 - A Constituição Cidadã - com referências significativas nos textos internacionais, quais sejam, Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, Declaração Universal de Direitos Humanos, Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e Pacto de San Jose da Costa Rica.
A Carta Monárquica do Império do Brasil em 1824, caracterizada pelo autoritarismo do imperador, que garantia os direitos apenas aos brasileiros e portugueses residentes do país, reconheceu o princípio da presunção de inocência, de forma implícita, exigindo-se a culpa formada para a permanência na prisão.
Afastando a monarquia e trazendo a república, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 estendeu a garantia aos estrangeiros e manteve a essência do princípio. Além disso, a emenda constitucional de 1926 positivou o habeas corpus como garantia de liberdade de locomoção e a Constituição de 1934 manteve os direitos ora consignados.
Embora tenha conservado as garantias positivadas anteriormente, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 foi marcada pela insegurança quanto à aplicação da lei, visto que no estado de emergência invocado pelo presidente Vargas, a proteção ao direito poderia ser suspensa.
A Constituição de 1946, afastando o autoritarismo do presidente e reorganizando a democracia no país, extinguiu o estado de emergência e assegurou a garantia da presunção de não culpabilidade, bem como dos demais direitos.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 manteve o princípio no texto normativo, mas a ditadura militar impediu a sua concretização. Com o Ato Institucional nº 5, o princípio da presunção de inocência não vigorou, nem mesmo após a aprovação da emenda constitucional nº 1 de 1969.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira que previu, expressamente, o princípio da presunção de inocência. O inciso LVII do artigo 5º, embora tenha uma previsão supostamente taxativa, abre margens para interpretações diversas, ao passo que o Supremo Tribunal Federal proferiu decisões totalmente opostas nos HC 84.078 em 2009 e HC 126.292 em 2016.
O primeiro, Habeas Corpus 84.078 de 2009, interpretou pela literalidade do texto constitucional, impedindo a privação da liberdade antes da imutabilidade da decisão condenatória. Tal posicionamento permitia que a tutela proporcionada pelo Estado preservasse o direito do suposto infrator.
O segundo, Habeas Copus 126.292 de 2016, passou a permitir a execução provisória da pena, entendendo que o estado de inocência deve perdurar enquanto há possibilidade de produção de provas e não até que o direito material seja analisado pelos tribunais superiores.
O imbróglio a respeito do alcance da garantia da presunção de inocência na persecução penal se concretiza no julgamento do HC nº 126.292 (confirmado com a apreciação liminar das ADC’s n. 43 e 44) em 2016. Na oportunidade, por 7 votos a 4, os ministros do STF retomaram o entendimento de que “a presunção de inocência não impede a prisão decorrente de acórdão que, em apelação, confirmou a sentença penal condenatória.”
De plano, há que se admitir que a tese sustentada - observando o art. 5º, LVII da CF em plena harmonia com art. 283 caput do CPP - é uma tese baseada em fundamentos morais. Basta uma simples leitura da decisão, na qual alguns dos Ministros justificam seus votos usando de argumentos pragmáticos e consequencialistas.
O Ministro Teori Zavascki entendeu que “o tema relacionado com a execução provisória de sentenças penais condenatórias envolve reflexão sobre (...) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal”.
No mesmo sentido, o Ministro Luiz Roberto Barroso entendeu que possibilitar a execução provisória de pena contribuirá para a “quebra do paradigma de impunidade”.
O Ministro Luiz Fux, por sua vez, justifica-se argumentando que “se há algo inequívoco hoje, é que a sociedade não aceita essa presunção de inocência de uma pessoa condenada que não para de recorrer.”
“Fundamentar” de tal forma incorre em violação a garantia da jurisdicionalidade (art. 5º, XXXVII), eis que a atuação do juiz num estado democrático de direito não é política, mas constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais, ainda que, para tanto, tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria. Em outras palavras, no caso em análise: disseram como deve ser o Direito Penal. E não como ele é a partir do que o parlamento votou.
Como argumento de reforço, “fundamentaram” a razão de ser da execução provisória da pena partindo da simples leitura de legislações estrangeiras. De fato, algumas Constituições modernas não estabelecem o alcance da garantia da presunção de inocência na persecução penal. Entretanto não é razoável, nem justo que se argumente deste modo trazendo à colação direito estrangeiro tão diferente do nosso.
O constituinte de 1988 seguiu os modelos italianos e português, associando a presunção de inocência ao trânsito em julgado da condenação penal. Importa saber do direito estrangeiro mas este não é essencial para a leitura do que dispõe o art. 5º, LVII. A interpretação do STF deveria ser consoante com a Constituição Brasileira.
Ademais, cabe citar que Brasil, Itália e Portugal não são exceções ao associar presunção de inocência ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
A grave omissão do acórdão reside no não enfrentamento da (in)constitucionalidade do art. 283 do CPP. Como simplesmente não aplicar o art. 283 sem declarar previamente sua inconstitucionalidade?
O diploma legal supracitado assegura que “ninguém poderá ser preso senão (...) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado.” Entretanto, a decisão paradigmática sequer menciona o dispositivo ou enfrenta sua constitucionalidade.
Interessante é que a partir da própria jurisprudência do Ministro Teori Zavascki (relator da v. decisão), enquanto Ministro do STJ, no voto na Rcl. 2.645, extrai-se que não se admite que seja negada aplicação pura e simplesmente a preceito normativo “sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade”. Desta forma é possível que se reconheça que o conteúdo do art. 283 do CPP continua válido.
Portanto, de duas, uma: ou o acórdão viola direta e frontalmente o disposto no caput do art. 283 do CPP, ou o referido dispositivo é inconstitucional e assim precisa ser expressamente declarado, o que não ocorreu até a presente data.