Podemos dizer logo de cara que a redução da maioridade é uma ILUSÃO. Por que ? A mesma contraria a Doutrina da Proteção Integral difundida pela Constituição da República Federativa do Brasil de bem como com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ainda, tem-se que é manifestamente inconstitucional quaisquer propostas que modifiquem o sistema constitucional que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes, visto que é direito do ser humano menor de dezoito anos de idade, ser julgado, processado e responsabilizado com fundamento em uma legislação especial diferente daquelas que regem o indivíduos considerados adultos, que no caso é o ECA e o SINASE, e portanto, figura-se como clausula pétrea, impossível de ser modificada pelo poder reformador.
Porém, o problema da redução não se restringe somente a sua inconstitucionalidade. O que vemos atualmente são crianças e adolescentes vítimas por ações e omissões da família e principalmente por parte do Estado, que de acordo com a Constituição Federal, deveria prover todos os meios necessários para que os mesmos cresçam e evoluam de forma digna e responsável. Estes meios são aqueles direitos básicos elencados no artigo 227 da CF, como o direito à vida, saúde, alimentação, educação, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Ainda, diariamente, crianças e adolescentes, principalmente o negro e pobre, sofrem todo tipo de violência e que passa “despercebido” por todos. Sobre essa omissão do Estado, o Promotor de Justiça do Estado do Paraná, Murilo José Digiácomo acrescenta:
Quando um desses vitimizados assume a condição de "infrator", não raro fazendo de seu ato antissocial um verdadeiro pedido de socorro, quando não uma "legítima defesa" contra aqueles que, tendo por mandamento legal e constitucional o dever de protegê-los, lhes negam o exercício de seus direitos fundamentais, passa então - e somente então, a ser o objeto da atenção de todos, que desejam vê-los o mais longe possível, de preferência para nunca mais voltar. (DIGIÁCOMO,2009)
Ao se configurar adolescentes como se fossem adultos, a violência só aumentaria, eis que nessa fase da vida, o ser humano se defronta com vários conflitos, explosão de hormônios, gerando assim uma enorme sensação de insegurança, de forma que essa desconfiança, ao ser tratado como um adulto pelo estado e pelos os que o rodeiam, tende a aumentar o sofrimento de um período já complicado.
Além do mais, é sabido o estado dos estabelecimentos prisionais, que se configura como caótico, incapazes de ressocializar e reintegrar o preso a sociedade, sem que o mesmo volte a reincidir criminalmente, devido principalmente a sua superlotação e a violência presenciada pelos mesmos no interior das instituições. Portanto, os presídios não possuem estrutura e forma de funcionamento em conformidade com os princípios e fundamentos inseridos na Constituição Federal, muito menos no Estatuto da Criança Adolescente e em outras legislações direcionadas para essa faixa etária da população.
Por outro lado, há a revolta da população quando veiculadas notícias de crimes bárbaros cometidos por adolescentes. Porém, o ser humano tem o costume de culpabilizar o outro pelo mal causado por outrem, mas dificilmente, olha para si e encontra a sua própria culpa. Ao defender a redução da maioridade penal, penaliza-se o adolescente, sem que se pense no que levou o adolescente a cometer um ilícito penal. Esquecemo-nos dos males enraizados na sociedade que contribuem para este cenário atual, como o consumismo e a ostentação, a falta de interesse para com o próximo e principalmente o egoísmo das pessoas, que pensam somente no seu próprio bem-estar, passando por cima de tudo e de todos para consegui-lo.
O fato é, até quando vamos nos enganar com discurso simples daqueles que, ao invés de combaterem a violência pela raiz, buscam soluções simplistas e rápidas somente para atender os anseios daquela grande parcela da população sem instrução, visando somente se beneficiar com uma possível reeleição?
O verdadeiro foco da população seria cobrar dos nossos representantes o cumprimento dos dispositivos constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 227 da Constituição Federal, uma atenção especial e prioridade absoluta, que importa, entre outras, na preferência de formulação e na execução das políticas sociais públicas, além da destinação privilegiada de recursos públicos. Existindo essa preocupação por parte do Estado, e atendendo de forma efetiva a toda a demanda, com foco na orientação dos jovens e suas respectivas famílias, informando-lhes a importância do processo de educação, inclusive no sentido de conscientizá-los de que possuem direito e deveres de qualquer cidadão, meio este eficaz para combater o problema aqui apresentado.
O que acontece hoje é como bem descreveu o advogado Ariel de Castro Alves, na reportagem de Adriana Delorenzo: “Quando o Estado exclui, o crime inclui. Se o jovem procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na escola ou num curso profissionalizante e não consegue, na boca de fumo ele vai ser incluído” (DELORENZO, 2013). E é esta situação que precisa ser invertida, combatida, evitada. O adolescente tem de ser incluído no Estado para que não precise procurar o crime.
Somente quando o Estado não mais falhar em fornecer educação, emprego, infraestrutura e saúde de qualidade, e quando o código penal tiver o mesmo peso para condenações de pessoas de qualquer classe social, é que se poderá falar em endurecer penas. Antes disso, será sempre um discurso simplista que desconsidera os diversos fatores esmiuçados no presente artigo.