ESTUPRO DE VULNERÁVEL: ASPECTOS POLÊMICOS EM RELAÇÃO AOS MENORES DE 14 ANOS


11/01/2016 às 18h21
Por Luara Correa Pereira

RESUMO

O presente trabalho aborda aspectos relevantes trazidos pela nova redação da Lei 12.015 de 2009, que incluiu o crime de estupro de vulnerável. Tem como enfoque a vítima de estupro menor de 14 anos, e faz-se uma breve exposição acerca das características jurídicas do vocábulo “vulnerável”. Busca, ainda, descrever o tipo penal que regulamenta o estupro de vulnerável e, como era tratado antes de 2009 como um subtítulo, ou seja, apenas um parágrafo que descrevia a punição, pois, atualmente, o estupro de vulnerável é tratado como um tipo penal próprio. Realiza-se uma breve abordagem histórica, e as alterações trazidas pela nova legislação. Mostra-se que as constantes mudanças da sociedade, no que diz respeito aos menores de 14 anos, que estão se adiantando para a vida sexual, abriu brechas para relativização da natureza jurídica dessa vulnerabilidade em casos excepcionais.

Palavras-chaves: Estupro de Vulnerável. Relativização da Vítima. Aspectos Polêmicos.

ABSTRAT

This paper discusses important aspects brought by the new wording of the Law 12.015 of 2009, which brought the crime of rape vulnerable. Its approach to a rape victim under 14 years and it is a brief explanation about the legal characteristics of the word "vulnerable. Search also describe the type regulating criminal rape of vulnerable and how it was treated before 2009 as a caption, or just a paragraph describing the punishment as currently vulnerable to rape is treated as a criminal type itself.
Performs a brief historical approach and the changes introduced by the new legislation. It is shown that the constant changes in society, with regard to the under-14s who are advancing to the sexual life, opened loopholes for relativization of the legal nature of this vulnerability in exceptional cases.
Keywords: Rape Vulnerable. Relativization of the Victim. Controversial Aspects.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo analisar os aspectos polêmicos do estupro contra os vulneráveis. Esse assunto foi escolhido por opção, em razão da relevância social contida nesse tipo de delito, e pela tutela que resguarda as pessoas vulneráveis. Enfoca-se no vulnerável menor de 14 anos, os quais, na visão do legislador, merecem maior proteção do Estado.

A figura do vulnerável será apresentada de maneira sucinta e geral, inclusive no âmbito jurídico, apresentando as concepções da Constituição Federal e do Código Penal, com maior enfoque nos menores de 14 anos.

Abordou-se a evolução histórica, como se entendia e julgava os crimes de estupro no direito Romano, e nos costumes da Igreja. Discute-se o advento da Lei 8.072 de 1990 que transformou o estupro em crime hediondo, pois deu mais ênfase a crueldade desse crime, no qual a vítima é, muitas vezes, repudiada pela sociedade.

Em virtude da proteção, almejada pelo legislador, surgiu a Lei n° 12.015 de 07 de agosto de 2009 que tratou de penalizar, de maneira mais rígida, aquele que, de qualquer forma, atentar contra a dignidade sexual dos que se encaixarem na descrição do legislador como sendo “vulneráveis”. Ademais, a nova redação trouxe grandes transformações, como a mudança do título que passou dos “Crimes contra os costumes” para “Crimes contra a dignidade sexual”. Percebe-se que, com a mutação da legislação em apreço, o enfoque da proteção também mudou, nota-se que a tutela não está mais voltada aos costumes da sociedade, mas à dignidade da própria pessoa que sofreu o abuso sexual. Essa maior proteção, que o legislador almejava, deu origem ao fato de que a Constituição, em seu artigo 227, protege mais rigorosamente o abuso sexual contra a criança e o adolescente.

Nesse contexto, outra alteração significante foi a do antigo atentado violento ao pudor, o qual foi excluído do artigo 224 e embutido no artigo 217-A, pois antes se tipificava o delito com a junção dos artigos 213 e 224 “a”, classificando-se a presunção de violência contra o menor de 14 anos.

A importância do estudo desse tema, que se verá a seguir, recai, basicamente, no fato de que a vulnerabilidade é baseada em um critério puramente interpretativo. Veem a possibilidades de relativização do menor de 14 anos em se tratando de casos excepcionais, pois, nos demais, aplicar-se-á a natureza absoluta. Pois, com as mudanças que vêm sofrendo a sociedade, torna-se necessária a criação de mais leis para sanar os novos conflitos surgidos.

2. VULNERABILIDADE

Entende-se que, vulneráveis são pessoas que não podem se defender sozinhas, ou que, em determinado momento, estejam desprotegidas. No dicionário (Ferreira, 2010) vulnerável significa: “Diz-se do ponto pelo qual alguém ou algo pode ser atacado”.

Observa-se que, quando alguém abusa de um menor de 14 anos com o objetivo de praticar atos libidinosos, ou manter conjunção carnal, trata-se de um crime visto como cruel por toda a sociedade. As vítimas desses crimes, e sua família, muitas vezes não têm meios para se defender, acabam não tomando atitudes por ter vergonha do que lhes aconteceu e, temem passar por um julgamento antecipado.

Há uma proteção maior do Estado quando se trata de uma pessoa vulnerável. Nota-se que, até mesmo a sociedade, quando se depara com um indivíduo que está em estado vulnerável, dispõe-se a ajudá-lo, motivo por que o instinto humano, automaticamente, repele atos desagradáveis para o próximo. Ademais, a Constituição Federal resguarda e protege, rigorosamente, o vulnerável conforme vislumbra seu artigo 227, § 4°:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

Ressalta-se ainda que o legislador, ao criar a Lei 12.015/2009, quis proteger aos menores de 18 anos. Essa proteção buscou repelir os abusos sexuais e a multiplicação da prostituição infantil. Conforme trouxe o Código Penal vulnerável, primeiramente, é aquele menor de 18 anos de idade que esteja exposto, ou seja, sujeito aos abusos sexuais. Também são vulneráveis aqueles menores de 14 anos e por enfermidade ou deficiência mental não tem discernimento para pratica de atos sexuais. (MIRABETE; FABBRINI, 2012).

Nota-se, claramente, a definição de vulnerável trazida pela redação do artigo 217-A do Código Penal, nos seguintes termos: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. Além disso, o parágrafo 1° abrange mais uma definição de vulnerável, conforme se aduz “incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

Vale ressaltar que o vulnerável trazido à baila, nesse estudo, será aquele vulnerável com idade inferior a 14 anos. Passará ao próximo tópico, que tratará um pouco da história do crime de estupro.

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA “DOS CRIMES CONTRA O COSTUME” PARA “CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL”

No direito Romano, percebe-se que havia uma grande repressão para esse tipo de crime, pois qualquer ato lascivo praticado contra alguém já representaria a pratica de um crime de estupro, tanto se fosse praticado contra um homem ou contra uma mulher. Verifica-se que essa repressão se manteve mesmo com a alteração da legislação até nos dias hodiernos.

Para Prado (2013, p. 813) “o termo estupro, no Direito Romano, representava, em sentido lato, qualquer ato impudico praticado com homem ou mulher, englobando até mesmo o adultério e a pederastia”.

Nos costumes da igreja, se um homem mantivesse conjunção carnal, com uma mulher virgem, praticada na cidade onde ele a encontrasse, tanto o homem que abusou quanto a mulher seriam apedrejados. A diferença é que se o homem encontrasse a mesma donzela só que no campo e a obrigasse, mediante violência física, a manter relação com ele, somente este seria apedrejado (PRADO, 2013).

Com o advento da lei 8.072 de 25/07/1990 tornou-se o estupro simples crime hediondo. A dúvida plainava se o estupro com presunção de violência também seria crime hediondo, o que entendeu que sim, pois, a Lei não diferenciava as formas de violência. Porém, revogado o artigo 224 pela lei 12.015/09, foi criado um tipo penal próprio, sob a nomenclatura “estupro de vulnerável”. Portanto, como a nova nomenclatura passou a ter suas formas qualificadas, acabou por alterar a Lei dos Crimes Hediondos, a qual passou a considerar a hediondez do crime de estupro de vulnerável em sua forma simples (CAPEZ, 2012).

Frisa-se também que, com a nova redação da Lei 12.015/2009, o título que antes se denominava “Dos crimes contra os costumes”, passou para “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Essa mudança foi uma grande revolução a respeito da proteção que se buscava com a antiga denominação. Isso porque antes se visava uma proteção aos bons costumes, uma moral almejada pela sociedade, ou seja, buscava-se saciar o interesse de terceiros como bem relevante. Com a constante evolução da sociedade, fez-se necessária a concepção de um novo bem jurídico a ser tutelado, sem ter como relevância os padrões éticos buscado pela antiga sociedade já defasada, mas sim a relevância da dignidade do indivíduo que sofre o risco dos atos sexuais (CAPEZ, 2012).

Tutelou-se, com maior afinco, a dignidade sexual que faz parte da dignidade da pessoa humana. Portanto, sobre o assunto pontifica Greco (apud Sarlet, 2013, p. 453) que a dignidade é:

A qualidade intrínseca e distributiva de cada ser humano que faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

O capítulo I – Dos crimes contra a liberdade sexual se subdividia em cinco crimes: estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude e assédio sexual. Com a nova redação da lei, restaram apenas três crimes: estupro, violação sexual mediante fraude e assédio. Observa-se que ficaram apenas três crimes: o de estupro que, já mencionado, fundiu-se com o antigo atentado violento ao pudor; a violação sexual, que incluiu a ex-posse sexual mediante fraude e o ex-atentado ao pudor mediante fraude; e o assédio sexual, que incluiu o assédio praticado contra o menor de 18 anos, pois o pensamento foi de que as pessoas se incluem no mercado de trabalho mais cedo.

Com a união dos artigos 213 e 214, o atentado violento ao pudor, artigo 214 foi vetado, englobando-se no artigo 213 que passou a ter a seguinte redação: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Destarte o fato de que, antes da referida Lei de 2009, o crime de estupro só se consumaria com a conjunção carnal, realizada por um homem com uma mulher, sendo que hoje, com a mutação da legislação em apreço, há a possibilidade de se falar em uma lei que abrange, não só o gênero feminino, mas também o masculino. Conclui-se que a mulher pode ser autora de um crime de estupro, o que causaria até motivo de sátira para alguns em outros tempos. Ressalta-se também que, na antiga redação da lei, o crime de estupro só se consumaria caso houvesse a cópula vagínica e não apenas com a prática de qualquer ato libidinoso, que surgiu com a nova redação.

Além disso, uma importante alteração foi a ação penal, que antes era ação privada e passou a ser ação pública condicionada à representação da vítima. Nota-se que, tratando-se de um crime danoso, quis o legislador não deixar a apresentação do crime parado nas mãos da vítima, preocupou-se em tornar a ação pública, mas condicionada à representação da vítima. Essa representação da vítima nada mais é que uma autorização da própria parte passiva para que se possa dar continuidade à apuração da infração.

Nos crimes constantes nos capítulos I e II, “Dos crimes contra a dignidade sexual”, a ação penal será pública condicionada à representação da ofendida, salvo nos casos que a pessoa for menor de 18 anos ou for considerada vulnerável (NUCCI, 2013).

Atenta-se para o capítulo II que sofreu maior alteração, pois este continha apenas dois artigos: artigo 217 que já era revogado pela Lei 11.106 de 2005 e o artigo 218 que tratava da corrupção de menores. Porém, com a mudança, introduziram-se ao capítulo II mais artigos totalizando quatro novos crimes. O primeiro crime é o estupro de vulnerável do artigo 217-A, pois, ao invés do legislador utilizar o já revogado artigo 217, ele quis criar o 217-A. O segundo crime é a mediação para satisfazer a lascívia de outrem, envolvendo vulnerável. O terceiro é satisfazer a lascívia própria na presença de um vulnerável. O quarto e último crime introduzido foi a prostituição envolvendo vulnerável.

Ainda nesse contexto, com a alteração da norma, a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso contra menor de 14 anos, que antes era apenas uma modalidade do tipo penal de estupro, passou a ser encontrada no capítulo II “Dos crimes sexuais contra vulnerável”, além de ter uma nova categoria própria de tipo penal: “estupro de vulnerável”.

Percebe-se que, antes da alteração da lei, se lia no artigo 224 do Código Penal:

Presunção de violência

Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima:

a) não é maior de 14 (quatorze) anos;

b) é alienada ou débil mental; e o agente conhecia esta circunstância;

c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

Observa-se que, com a nova lei, o legislador quis fazer valer o espelhado artigo 227 da Carta Magna, isto é, proteger mais essas pessoas classificadas como vulneráveis. Essa proteção dada pelo legislador pode-se extrair do fato de ele ter aplicado uma pena mais extensa, pois elevou a pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão. Além disso, a ação penal, para o crime de estupro cometido contra o vulnerável, é pública incondicionada à representação, conforme artigo 225 do Código Penal. Assim, resguardando ainda mais o vulnerável.

Depreende-se que, para que houvesse a tipificação do crime estupro contra o menor de 14 anos, por exemplo, era feita a junção do artigo 213 com o artigo 224, “a”, ambos do Código Penal. Isso presumiria a violência sofrida pela vítima. Porém, com a nova categoria do estupro de vulnerável não há mais essa presunção de violência. Portanto, eliminada a presunção de violência, desclassificaria a falsa aferição de possibilidades concretas contra os interesses do acusado (NUCCI, 2013).

A presunção de violência abria um leque de opções para a defesa do acusado, o qual alegava que a vítima não teria sofrido violência, pois teria consentido o ato sexual.

Independente da modificação feita pela Lei 12.015 de 2009, o crime de estupro de vulnerável, ainda, desperta debates no que se refere à presunção de violência. Agora, aplicado ao termo vulnerável, assim como a presunção de violência o termo vulnerável também pode ser relativa ou absoluta. Nesse vértice, será possível considerar um menor de 14 anos vulnerável, considerando sua experiência sexual ou seu consentimento? Preocupar-se-á responder essa indagação no item a seguir.

4. VULNERABILIDADE É UMA PRESUNÇÃO ABSOLUTA OU RELATIVA?

Como citado acima o termo vulnerável, também, se deixou levar pela mesma discussão, que havia em relação à presunção de violência. Tal discussão se refere ao fato de que a vulnerabilidade pode ser considerada absoluta ou relativa, dependendo do caso concreto.

Atenta-se para os termos de presunção de vulnerabilidade quando for absoluta, não há como se fazer prova ao contrário; já a presunção de relativa admite provar em contrário, logo, o acusado terá direito à defesa (NUCCI, 2013).

Assim, quando se entendesse ser a vulnerabilidade relativa, poder-se-ia levar em consideração a vida pregressa da vítima, seu grau de experiência com a vida sexual. Pois bem, quando o entendimento fosse de forma absoluta não teria chance alguma de levar em consideração, por exemplo, o consentimento da vítima. Seria enquadrado no crime de vulnerável e pronto, acabou.

Percebe-se que a infância mudou, na verdade a infância encurtou tudo isso, porque as crianças dos dias atuais estão muito mais informadas. Essas crianças têm computadores, tecnologia avançada, acesso fácil à internet, televisão com programas diversificados, dentre outros que estimulam o seu amadurecimento precoce. Sabe-se, ainda, que o mundo está mais liberal para os ensinamentos sexuais, consequentemente, as crianças estão cada vez mais cedo entrando na vida sexual.

Com essa constante mudança da sociedade, tem-se a necessidade de fazer mais alterações legislativas. Foi o que ocorreu com a Lei 12.015 de 2009 que, para uma maior proteção ao menor de 14 anos, transformou a presunção de violência para o termo vulnerável. Essa transformação buscou dar um basta aos entendimentos, que surgiam com a antiga presunção de violência, que podia levar em consideração o consentimento da vítima e sua experiência sexual, consequentemente, não haveria a pratica do crime de estupro, portanto, o acusado sairia impune de um crime cometido.

Nota-se que os ensinamentos, do professor Rogério Greco, parte do entendimento de que a Lei 12.015 conseguiria por um basta na relativização da presunção de violência, observam-se seus ensinamentos:

Hoje, com louvor, visando acabar, de uma vez por todas, com essa discussão, surge em nosso ordenamento político penal, fruto da Lei n° 12.015, de 7 de agosto de 2009, o delito que se convencionar denominar de estupro de vulnerável, justamente para identificar a situação de vulnerabilidade que se encontra a vítima. Agora não poderão os Tribunais entender de outra forma quando a vítima do ato sexual for alguém menor de 14 (quatorze) anos.

Embora a intenção fosse colocar fim nas contendas, acerca do grau da incapacidade para consentir os atos sexuais, o legislador não se atentou para o fato de que a sociedade está em constante mutação. Essas mudanças compreendem as crianças tanto em seu aspecto psicológico como em seu aspecto físico, pois muitas crianças que antigamente eram mirradas hoje em dia estão com o corpo praticamente adulto. Percebe-se que essas crianças não querem mais brincar saudavelmente como antigamente, mas, elas querem cada vez mais se comportar como adultas, sempre voltadas para a tecnologia, redes sócias; pois acham legal ao tempo todo tirarem fotos delas mesmas, às vezes despidas, e colocarem em redes sociais. Entende-se que essas mudanças não foram acompanhadas pela redação da nova lei 12.015, pois, nota-se que a lei fechou os olhos para as mutações da sociedade.

Com a nova redação, houve a preocupação do legislador em deixar claro que a pratica de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos seria típico penal, pois, ao criar um título novo para esse delito, o legislador quis que fosse a natureza absoluta, mas, existem casos, excepcionais, em que se aplica a relativização.

Após a publicação da nova Lei (12.015), percebe-se que os números de julgados aplicando a relativização da vulnerabilidade diminuíram, ou seja, em razão da rigorosa proteção aplicada pelo legislador, passou a ter maiores entendimentos, que a presunção seria absoluta, logo, não se discute a vida pregressa da vítima, e sim a sua vulnerabilidade. Conforme mostra essa Apelação criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, publicada em 11/09/2013:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA VULNERÁVEL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL NO ÂMBITO DOMÉSTICO (CP, ARTS. 217-A E 226, II, C/C LEI 11.340/2006). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS. DISCUSSÃO ACERCA DA PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DO MENOR DE CATORZE ANOS. ADVENTO DA LEI 12.015/2009. SUPERAÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE PRESUNÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA DE VULNERABILIDADE. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA CONSTITUI INDIFERENTE PENAL. TIO DA OFENDIDA. INCIDÊNCIA DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA DO ART. 226, II, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA REFORMADA. - O tio que pratica conjunção carnal e atos libidinosos com a sobrinha, menor de catorze anos, ciente da sua idade, comete o crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, c/c art. 226, II, ambos do Código Penal, ainda que a vítima não seja mais virgem e tenha consentido com a relação sexual. - Parecer da PGJ pelo conhecimento e provimento do recurso. - Recurso conhecido e provido.

(TJ-SC - APR: 20130450504 SC 2013.045050-4 (Acórdão), Relator: Carlos Alberto Civinski, Data de Julgamento: 26/08/2013, Primeira Câmara Criminal Julgado, Data de Publicação: 11/09/2013 às 07:55. Publicado Edital de Assinatura de Acórdãos Inteiro teor Nº Edital: 7309/13 Nº DJe: Disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1713 - www.tjsc.jus.br)

Ainda nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal de Justiça através do seguinte Recurso Especial:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.186.708 - MG (2010/0050710-5) RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS RECORRIDO: O DE P DE S F ADVOGADO: ANDREA ABRITTA GARZON TONET - DEFENSORA PÚBLICA E OUTROS DECISÃO [...]. Vale ressaltar, ainda, como muito bem destacou Rogério Greco, que a nova lei dos Crimes Contra a Dignidade Sexual acabou com a discussão acerca da relatividade ou não da presunção de inocência de que tratava o antigo art. 224 do Código Penal, ao tipificar, no novo art.217-A, o chamado "Estupro de Vulnerável" e excluir do tipo a presunção de inocência, trazendo como elementar a menoridade da vítima, que somente pode ser afastada quando restar cabalmente provado o desconhecimento do acusado sobre a sua idade: Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. In casu, conforme se extrai dos autos, a vítima era menor de quatorze anos na data do cometimento dos delitos, pouco importando, portanto, o seu consentimento para a relação, o estilo de vida que levava e a experiência sexual que tinha ou não. [...]. Segundo o entendimento jurisprudencial desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, em se tratando de vítima menor de quatorze anos, seu consentimento é irrelevante para a caracterização dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, uma vez que a presunção de violência prevista no art. 224, a, do Código Penal tem caráter absoluto. 2. Com efeito, consoante entendimento pacificado nos Tribunais Superiores, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, tanto na sua forma simples, incluindo a violência presumida, como na forma qualificada pelo resultado lesão corporal grave ou morte, são considerados hediondos. [...]

Observa-se que a presunção de vulnerabilidade absoluta, não admitindo que fizesse prova em contrário, e não levando em consideração a experiência sexual do agente passivo, ter-se-ia o estupro de vulnerável sempre como um crime.

De outro norte entende o professor Guilherme Souza Nucci (2013) que a natureza da presunção deve ser relativa para aquela pessoa que tem 13 anos e absoluta para o menor de 12 anos como mostra o trecho abaixo:

A tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais, deve ser absoluta, quando se tratar de criança (menor de 12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maior de 12 anos). Desse modo, continuamos a sustentar ser viável debater a capacidade de consentimento de quem possua 12 ou 13 anos, no contexto do estupro de vulnerável. Havendo prova de plena capacidade de entendimento da relação sexual (ex.: pessoa prostituída), não tendo ocorrido violência ou grave ameaça real, nem mesmo qualquer forma de pagamento, o que poderia configurar o crime do art. 218-B, o fato que pode ser atípico ou comportar desclassificação.

A relativização da vulnerabilidade, em excepcionalidade, ajudaria a situação de determinados casos concretos, pois, se não houvesse um juiz para interpretar e adequar a norma ao caso específico, tornar-se-ia um caos a vida das pessoas. Vê-se nesse próximo julgado, se não fosse a interpretação e a relativização da vulnerabilidade da vítima, ela não teria uma vida normal, observa-se a seguinte apelação, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgada em 26/06/2013:

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. RECURSO DA ACUSAÇÃO. PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO INVIÁVEL. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO QUE NÃO EVIDENCIAM A VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE SEXUAL DA ADOLESCENTE. VÍTIMA QUE NA CONTINUIDADE PASSOU A CONVIVER MARITALMENTE COM O APELADO, CONSTITUINDO UNIÃO ESTÁVEL. GRAVIDEZ POSTERIOR. CARACTERIZAÇÃO DA AUSÊNCIA DE OFENSIVIDADE DA CONDUTA A BEM JURIDICAMENTE TUTELADO. CRIME NÃO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "O mais relevante efeito prático da função dogmática do princípio da ofensividade, em conclusão, consiste em permitir excluir do âmbito do que é penalmente relevante as condutas que, mesmo que tenham cumprido formalmente ou literalmente a descrição típica, em concreto mostram-se inofensivas ou não significativamente ofensivas para o bem jurídico tutelado. Não resultando nenhuma relevante lesão ou efetivo perigo de lesão a esse bem jurídico, não se pode falar em fato típico. (GOMES, Luiz Flávio; MOLIN, Antônio García-Pablos; BIANCHINI, Alice. Direito Penal: introdução e princípios fundamentais - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 508. v. 1).

(TJ-SC, Relator: Jorge Schaefer Martins, Data de Julgamento: 26/06/2013, Quarta Câmara Criminal Julgado)

A sociedade se cobra muito quando se fala em um crime de estupro de vulnerável. Visto que, quando ocorrem tais delitos, o povo quer fazer justiça com as próprias mãos. Essa revolta ocorre por causa da tamanha crueldade dos crimes contra pessoas vulneráveis. Porém, torna-se possível uma relativização da pessoa menor de 14 anos, levando-se em consideração a sua vulnerabilidade, que, às vezes, não está explícita, pois a vítima apresenta experiências sexuais ou seu porte físico avantajado não deixa claro se se trata de uma pessoa de 13 anos, a qual, conforme o Código Penal, não tem como escolher sua vida sexual, pois está em uma posição vulnerável.

Ao criar um capítulo novo aos crimes contra vulneráveis, o legislador mostrou que sua preocupação em proteger esse tipo de pessoa era visível. Porém, com a nova mudança da lei, o Código Penal distanciou os dizeres do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual considera que criança é aquela que tem idade inferior a 12 anos, e o adolescente aquele que tem a idade superior a 12 anos e inferior a 18 anos de idade. Assim, não deixou brechas ao magistrado para decidir a maturidade sexual do menor. Ademais, a presunção relativa de violência ficou prejudicada, tornando-se crime a conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso praticados contra o menor de 14 anos. Importante ressaltar que configura-se crime, mesmo que o menor tenha consciência, ou experiência dos atos sexuais (MIRABETE; FABBRINI, 2012).

Observa-se que a intenção do legislador ao criar um crime próprio de estupro de vulnerável realmente era de proibir o sexo com aquele que tem idade menor de 14 anos. Reforça essa intenção o posicionamento de vários doutrinadores. Como Rogério Greco, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, que entendem que a vulnerabilidade deve ser absoluta, logo, proíbe a pratica sexual com o menor de 14 anos. Pode-se perceber a proteção que buscou o legislador aos menores de 14 anos com essa apelação do STJ de Santa Catarina, como segue:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A). ADVENTO DA LEI 12.015/2009. SUPERAÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE PRESUNÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA CONSTITUI INDIFERENTE PENAL. IDADE COMO ELEMENTO DA TIPICIDADE. ERRO DE TIPO NÃO EVIDENCIADO. ELEMENTOS COMPROVAM CIÊNCIA QUE SE TRATAVA DE MENOR DE 14 ANOS. SENTENÇA CONFIRMADA. - O agente que pratica conjunção carnal com menor de catorze anos, ciente de sua idade, comete o crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A, do Código Penal, ainda que a vítima não seja mais virgem e tenha consentido com a relação sexual. - O agente que mantinha contato com a vítima por algum tempo não pode invocar erro de tipo para eximir-se da responsabilidade penal quando os elementos de prova afastam a tese do suposto desconhecimento da idade. - Parecer da PGJ pelo conhecimento e improvimento do recurso. - Recurso conhecido e improvido.

(TJ-SC, Relator: Carlos Alberto Civinski, data de Julgamento: 08/07/2013, Primeira Câmara Criminal Julgado)

Em suma, a pretensão de que o crime de estupro com os menores de 14 anos fosse totalmente proibido, é clara. Mas, os entendimentos divergentes entre doutrinas e jurisprudências que existiam, não acabaram nem com a nova redação dada pela Lei 12.015. Nesse contexto o que se deve fazer com uma pessoa que se apaixona pelo menor de 14 anos? Fatos esses que serão discorridos no próximo tópico.

5. O QUE FAZER COM PESSOAS QUE SE APAIXONAM PELOS MENORES DE 14 ANOS

É bem provável uma pessoa de 18 anos se apaixonar por uma pessoa de treze anos, ou vice-versa. Isso porque as meninas se desenvolvem mais rápido que os meninos, tanto no aspecto mental como no aspecto físico. Elas amadurecem mais cedo, consequentemente, procuram namorados mais velhos. Motivos por que há a possibilidade de ocorrer uma paixão envolvendo uma pessoa que seja considerada vulnerável pela legislação com uma pessoa maior de 18 anos.

Embora a lei deixe claro que o envolvimento com um menor de 14 anos é considerado crime de estupro de vulnerável, muitos são os casos em que há uma relação amorosa com o menor de 14 anos. Com esse escopo se considerar o caso em concreto e ficar demonstrada a questão de amor. Há a possibilidade de se falar em relativização da vulnerabilidade, desde que a pessoa menor de 14 anos se demonstre desenvolvida fisicamente e emocionalmente. Fica, assim, demonstrado a possibilidade da relativização em casos excepcionais, o professor Capez (2012 p. 84) no trecho seguinte:

[...] por exemplo: rapaz de 18 anos, que namorasse uma menina de 12 anos há pelo menos um ano, e com ela mantivesse conjunção carnal consentida. Se a garota tivesse um desenvolvimento bem mais adiantado do que sugerisse sua idade e que ficasse demonstrado o seu alto nível de discernimento, incomum para sua fase da vida[...]

Na situação, vista acima, poderia cogitar a possível relativização da vulnerabilidade do menor de 14 anos. Ademais, pode-se observar, em uma notícia do Tribunal de Justiça, não muito antiga, na qual uma juíza de Goiânia absolveu um rapaz de 18 anos que manteve relações sexuais com sua namorada de 13 anos de idade, segue o texto da notícia:

A juíza da 10ª Vara Criminal de Goiânia, Placidina Pires, absolveu rapaz de 18 anos que manteve relacionamento sexual com menina de 13 anos. A magistrada afastou a presunção de violência ou de vulnerabilidade necessária para a caracterização do estupro, por não vislumbrar lesão ou ameaça de lesão à liberdade sexual.

[...] o casal foi localizado por eles em uma casa desabitada, localizada no Conjunto Vera Cruz II. Os jovens foram flagrados nus e encaminhados para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.

Placidina explica que foi comprovado o consentimento da vítima com o ato sexual, decorrente de uma relação afetiva. “Constituindo o núcleo do tipo o constrangimento, decidi que a presunção de violência, estabelecida pelo revogado artigo 224, “a”, do Código Penal, deveria ser relativizada diante das peculiaridades do caso concreto, haja vista que a vítima, uma garota prestes a completar 14 anos, demonstrou possuir pleno conhecimento e vontade do que estava fazendo ao manter conjunção carnal com um rapaz um pouco mais velho que ela”, esclareceu a juíza.

Para a magistrada, injustiças imensuráveis poderiam ser cometidas se cada ação envolvendo relação sexual com menor não fosse analisada caso a caso. “Com o amadurecimento precoce dos jovens, resultante da avalanche de informações que lhe são transmitidas pelos meios de comunicação social e pelas redes sociais mundialmente difundidas pela internet, não se mostra razoável, desconsiderando as particularidades de cada caso concreto, partir de uma premissa absoluta de que o menor de 14, tão somente em função de sua idade, não possui capacidade suficiente para consentir com a prática do ato sexual”, assegurou Placidina.

Ainda, dentro do contexto, já se manifestou o Supremo Tribunal de Justiça nesse Recurso Especial:

RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. PRESUNÇÃO RELATIVA. SITUAÇÃO CONCRETA A AFASTAR A HIPÓTESE DELITIVA. RELACIONAMENTO ENTRE JOVENS IMPÚBERES. ATINGIMENTO DA MAIORIDADE. MANUTENÇÃO DO RELACIONAMENTO AMOROSO. Em recente decisão da Sexta Turma (HC 88.664/GO), restou afirmado que a violência presumida prevista no núcleo do art. 224, “a”, do Código Penal, deve ser relativizada conforme a situação do caso concreto, cedendo espaço, portanto, a situações da vida das pessoas que afastam a existência da violência do ato consensual quando decorrente de mera relação afetivo-sexual. No caso dos autos, não se era de esperar que, iniciado o relacionamento entre jovens impúberes, e adquirida a maioridade por um deles, as relações sexuais, a partir daí, passassem a configurar a violência presumida só porque prevista a conduta na norma incriminadora. Recurso especial do ministério público desprovido para manter a absolvição do Recorrido.

(STJ, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 27/10/2009, T6 - SEXTA TURMA)

Pode-se concluir que, mesmo a lei tratando como absoluta a presunção de vulnerabilidade dos menores de 14 anos, ela pode, em determinados casos, aplicar a natureza relativa à vulnerabilidade. Dessa forma absolve o agente que não queria praticar nenhum crime, apenas satisfazer o amor que sentia pela suposta vítima. De outro vértice, podem-se relativizar os casos concretos em que o menor de 14 anos usa atos sexuais como forma de ganhar a vida, melhor dizendo, pode relativizar os casos de prostituição? Passa-se a ponderar essa questão no próximo tópico.

6. QUESTÃO DA MENOR PROSTITUTA

Sabe-se que a pessoa que pratica relações sexuais em troca de dinheiro, ou seja, a pessoa que se prostitui no Brasil não pratica crime. Por oportuno, a questão da pessoa menor de 14 anos prostituída é mais uma polêmica existente em nosso ordenamento jurídico. Embora, não seja uma questão difícil de ser resolvida, pois a lei, expressamente, veda a relação sexual com o vulnerável. Por mais que a pessoa menor tenha consentido o ato ou tenha experiências sobre o assunto não vai ter relevância.

Assim, a prática do ato sexual com uma vítima que era prostituída na época da ocorrência do crime, não poderá usar como desculpa a prostituição do menor como argumento de defesa. Nesse sentido vale destacar as palavras do professor Rogério Greco (2013):

Assim, por mais que o fato de estar a vítima, menor de 14 anos, comercializando seu próprio corpo, a população em geral tem conhecimento de que praticar com ela algum tipo de ato libidinoso, aqui incluída, obviamente, a conjunção carnal, é um comportamento ilícito, razão pela qual o agente deverá ser condenado pelo delito em estudo.

Depreende-se que a discussão quanto à natureza da vulnerabilidade do menor prostituída não há como ser relativa, pelo fato de toda a sociedade ter a consciência de que manter relações sexuais com o menor de 14 anos, por mais que tenha esse menor experiência profissional no ato, é crime de estupro de vulnerável.

Nesse sentido, segue a Apelação, a qual não afasta a condenação do agente quanto ao crime de estupro, mesmo sendo a vítima prostituta:

APELAÇÃO CRIME - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - VÍTIMA MOLESTADA DOS 10 ATÉ OS 13 ANOS DE IDADE - VIOLÊNCIA PRESUMIDA - ART. 224, ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL - PRESUNÇÃO ABSOLUTA - PECULIARIDADES - PROVA - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL - PALAVRA DA VÍTIMA - COERÊNCIA E HARMONIA COM OS DEMAIS SUBSÍDIOS PROBATÓRIOS - SUFICIÊNCIA PARA A DEMONSTRAÇÃO DA AUTORIA - PENA-BASE - FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL - CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES - REDUÇÃO INADMISSÍVEL - SÚMULA 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REGIME PRISIONAL INTEGRALMENTE FECHADO - IMPOSSIBILIDADE - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI 8.072/90 PROCLAMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - FATO SUPERVENIENTE A SER TOMADO EM CONSIDERAÇÃO NO JULGAMENTO - ALCANCE DA DECISÃO - REGÊNCIA DO CÓDIGO PENAL QUANTO AO REGIME PRISIONAL A SER ESTABELECIDO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSOS DESPROVIDOS.
[...]

Nesse sentido é o escólio de Guilherme de Souza Nucci: Em regra, a presunção não deve comportar prova em contrário, sob pena de se invalidar a norma penal, esvaziando o seu conteúdo protetor e impingindo à pessoa ofendida o dever de provar a sua honestidade e recato, que é, em verdade, presumida pela própria lei. Ocorre que não se pode desconhecer a realidade dos fatos na aplicação do direito. Assim, em hipóteses excepcionais, acreditamos poder o réu demonstrar que a vítima, ainda que protegida pelo art. 224, tinha pleno conhecimento e vontade do que fazia, não se podendo falar em violência ficta. Exemplo: uma menor com 13 anos, prostituída, que já tenha tido inúmeros contatos sexuais, com a ciência geral da comunidade, inclusive de seus pais, não poderia ser considerada incapaz de dar o seu consentimento.... Portanto, por via de regra, a presunção deve ser considerada absoluta, salvo casos excepcionais. ... não há incompatibilidade em buscar uma solução mista, diante da importância e da delicadeza que o caso requer: como parâmetro geral, não devem os juízes imergir na produção de provas acerca de honestidade da vítima e sua capacidade de consentimento, caso sejam menores de 14 anos, pois a presunção é, por via de regra, absoluta, não aceitando prova em contrário. É o que se pode sustentar para evitar a banalização da proteção conferida pela lei penal, evitando-se, com isso, a prostituição infantil e o abuso contra a criança e o adolescente, que a Constituição Federal buscou assegurar (art. 227, § 4º) (Manual de Direito Penal, 2005, RT, p. 775).
Mais radical o entendimento sustentado por Julio Fabbrini Mirabete, ao fundamento de que a falta de amadurecimento psicológico, inerente à idade, subtrai o valor de eventual consentimento: A primeira hipótese de violência presumida, indutiva ou ficta, é de ser a vítima menor de 14 anos. Embora seja certo que alguns menores, com essa idade, já tenham maturidade sexual, na verdade não ocorre o mesmo com o desenvolvimento psicológico. Assim, o fundamento do dispositivo é a circunstância de que o menor de 14 anos não pode validamente consentir, pelo desconhecimento dos atos sexuais e de suas conseqüências, o que torna seu consentimento absolutamente nulo (Código Penal Interpretado, 5ª ed., 224.2, p. 1846).
Com a devida vênia, penso que multiplicidade de hipóteses que a vida oferece recomenda a observância do posicionamento mais versátil, preconizado por Guilherme de Souza Nucci, segundo o qual cada caso há de ser examinado à luz das suas próprias peculiaridades, com o quê se estará atendendo ao princípio segundo o qual, no conflito entre a Lei e a Justiça, a última deve ser privilegiada.
É verdade que a vítima, à época dos fatos mencionados na denúncia, contava com 13 anos de idade (fl. 14), tendo declarado na fase policial que os atos libidinosos eram praticados com o seu consentimento (fl. 09). Sem embargo disso, penso que, na espécie vertente, a presunção de violência é absoluta.
E assim é porque a ofendida, em juízo e com riqueza de detalhes, relata ter sido o recorrente quem a corrompeu - e isso ainda na sua infância. Confira-se: o réu praticava os atos libidinosos desde o ano de 1994; que desde este ano, quando a depoente começou a cuidar da criação de gado da sua mãe, o réu comparecia até a sua residência, oferecendo-lhe doces e a quantia de R$ 10,00...; que após o réu dar o dinheiro à vítima o mesmo convidava a vítima para entrar dentro de sua casa [...].
Conforme assevera Guilherme de Souza Nucci, não se admite a discussão da capacidade de consentimento da ofendida. Seria ilógico debater, nos autos, a honestidade de uma menina de nove anos de idade...Defendemos, pois: presunção absoluta para a maioria dos casos, especialmente para as menores de 12 anos (ob. e pg. citadas). [...]

Portanto, os casos que um homem pratica atos sexuais com um menor de 14 anos, mesmo que elas estejam vendendo seu corpo e tenha consentido o ato. Esse homem praticará crime de estupro de vulnerável. Pois é inaceitável essa situação, vez que dolosamente esse homem, bem informado, paga para ficar com esses vulneráveis sabendo que é ilegal. Verifica-se que é bem diferente quando se há amor, como já mencionado no item anterior. Veja a situação, da sociedade em que vivemos que ainda é machista para determinados aspectos relacionados à mulher, no próximo tópico.

8. MACHISMO – EM RELAÇÃO AO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Desde os primórdios os homens são considerados machistas. O machismo já vem da pré-história. As mulheres cuidavam da caverna, enquanto os homens saiam para caçar. Antigamente nem direito ao voto a mulher tinha, mas isso mudou graças às muitas conquistas femininas. Os direitos das mulheres vieram gradativamente com o passar dos séculos. A Constituição Federal de 1988, não fez nenhuma distinção entre homem e mulher: “todos são iguais perante a lei”. Por mais que a sociedade tenha evoluído ao longo dos anos, ela não perdeu a característica machista.

O machismo, de acordo com o dicionário (Ferreira, 2010), significa: “Atitude ou comportamento de quem crê que o homem é socialmente superior à mulher”. Assim, pode-se dizer que o machismo nada mais é que a atitude ou o comportamento de alguém que acredita ser a mulher inferior ao homem. Conclui-se também que tanto o homem quanto a mulher podem ter comportamento machista.

Salienta-se que o Direito Penal acaba sendo manipulado da forma que muitos querem. Seja pelo fato de que em determinados casos concretos não se tem a aplicação das regras penais que estão vigentes. Destaca-se o seguinte caso concreto, simulado: o filho, de treze anos, chega a seu pai e lhe conta que manteve relações sexuais com sua namorada, de 18 anos. O pai, todo orgulhoso, bate nas costas do filho e lhe dá os parabéns. Por outro lado, se a filha, com 13 anos de idade, chegasse ao pai e lhe contasse que manteve relações sexuais com o seu namorado, de 18 anos, a reação do pai seria completamente diferente nesse caso. Com certeza, o pai, imediatamente, procuraria as autoridades policiais para tomar alguma atitude. Enquanto que, na hipótese anterior, se fosse o filho, o pai jamais procuraria uma delegacia de polícia.

Essa hipótese é uma prova de machismo que caracteriza os brasileiros, tanto o homem quanto a mulher.

9. CONCLUSÃO

O tema desta pesquisa desenvolveu-se no sentido de estampar aspectos polêmicos do estupro de vulneráveis, dando destaque aos menores de 14 anos.

Apresentou opiniões e entendimentos de doutrinadores acerca dos delitos sexuais e a sua história, passando pelas mudanças, trazidas pela Lei 12.015 de 2009, referentes aos crimes de estupro.

Outrossim, buscou-se demonstrar o significado do vocábulo “vulnerável”, e seu surgimento na legislação. Cabe ressaltar que, para esse trabalho, o vocábulo “vulnerável” abrangeu-se aos menores de 14 anos, os quais para o legislador merecem maior proteção do Estado.

Cabe salientar, ainda, que o ponto central do presente trabalho é indicar aspectos polêmicos do estupro do menor de 14 anos. Aliás, em cada caso concreto, pode-se ter uma interpretação diferente em relação à natureza da vulnerabilidade.

A natureza da vulnerabilidade tem de ser absoluta no geral, mas, cabe relativização quando, por exemplo, se fala em uma relação amorosa entre as partes envolvidas. A análise do julgador, diante do caso concreto, leva em consideração a relação amorosa em que a vítima e seu agressor estavam inseridos, uma eventual gravidez. Fatores esses que acabam levando a uma decisão de absolvição.

Sendo assim, percebe-se que a dignidade da vítima, mesmo menor de 14 anos e, por isso, vulnerável, pode não ser agredida, fato que impede a atuação do Direito Penal no caso concreto.

Percebeu-se um choque de valores, pois, há muitos casos de estupro de vulneráveis que acontecem, mas não são levados ao conhecimento do judiciário. Isso porque, nosso país, tanto os homens como as mulheres, em muitas das vezes, são machistas e viram as costas para a legislação penal.

Ressalte-se, ainda, a existência de julgados que não levam em consideração nenhum fato concreto, aplicam a letra fria da lei, decidindo de maneira absoluta a vulnerabilidade. Exemplo disso são acórdãos que foram colecionados ao longo desse estudo, decidindo nesse mesmo entendimento, até mesmo, o Supremo Tribunal de Justiça. São estes julgados no sentido de condenar o acusado pelo fato de a vítima contar com 13 anos na data dos fatos, independentemente de qualquer envolvimento emocional com o suposto agressor, haja vista o preenchimento do requisito, menor de 14 anos, que representa a sua vulnerabilidade.

Sabe-se que a sociedade muda, assim como os seus conceitos o que impede que o Direito seja imutável. Por esse motivo, situações que envolvam vulneráveis, representados neste momento pelos menores de 14 anos apenas, exigem maior acuidade por parte do julgador, eis que vários outros fatores sociais estão inseridos nos casos concretos levados ao Judiciário, não cabendo aos tribunais apenas aplicar a lei sem fazer uma interpretação do caso concreto.

Em suma, conclui-se que a intensão do legislador era a condenação de réus que, tenham praticado relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso com vítimas menores de 14 anos, pois ofenderam o bem jurídico protegido pela norma. Porém, há poucos casos em que se possa ter a absolvição do acusado, dependendo da excepcionalidade da situação apresentada, por exemplo, quando há amor, pode-se relativizar a vulnerabilidade do menor de 14 anos de idade.

  • Direito penal

Referências

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Luara Correa Pereira

Advogado - Ourinhos, SP


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