Contratos Internacionais de Transferência de Tecnologia: Aspectos Gerais, Know-How e a Proteção Jurídica ao Patrimônio Tecnológico


27/10/2016 às 20h47
Por Lorena Mendes Advocacia

Resumo: A matéria dos contratos de transferência de tecnologia é ampla e digna de atenção por parte da comunidade mundial. Este estudo visa compreender seus aspectos gerais e entender seu processo de formação, além de contextualizá-lo no ambiente global. Destaca-se o instituto do know-how, visando refletir sobre questões inerentes a esse tipo de negócio jurídico, bem como acerca das dificuldades geradas pela precariedade ou mesmo pela falta de padronização e legislação nesse tipo de acordo.

Palavras-chave: direito internacional privado; propriedade industrial; contratos; transferência de tecnologia, know-how.

1 INTRODUÇÃO.

O progresso social e econômico de uma sociedade está eminentemente relacionado ao seu desenvolvimento tecnológico, o que torna compreensível uma preocupação das nações quanto ao modo de aquisição e proteção dessa tecnologia, bem como os instrumentos de intercâmbio e transmissão desta[3]. De fato o receio quanto a essas questões vem crescendo, ao se verificar no contexto global o vertiginoso aumento das transações e relações internacionais, tal qual o fluxo de tecnologia internacional.

O processo de obtenção de tecnologia pode se dar através de dois meios, como pontua Marcelo Prado[4]: a) quando a transferência de tecnologia é resultado do contrato, tal como acontece na compra e venda de equipamentos; b) quando a transferência de tecnologia é a finalidade do contrato, v.g. nos contratos de licença de know-how ou de cessão de patentes. Para melhor delimitar este estudo, referimo-nos ao segundo processo citado.

A transferência de tecnologia envolve, em um pólo, o controlador da tecnologia e, no outro, aquele que dela depende, carece dessa tecnologia e a necessita. Denominam-se os primeiros de transferente ou concedentes, e os segundos de receptores ou adquirentes.

2 QUESTÕES PRELIMINARES

Sabendo-se que a o contrato de transferência de tecnologia envolve o intercâmbio de informações entre o adquirente e o transferente, é necessário delimitar alguns conceitos prévios para melhor compreendê-lo.

2.1 Tecnologia

Para entender o Contrato de Transferência de Tecnologia é necessário, por óbvio, delimitar e conceituar tal termo.

A tecnologia é o conjunto de conhecimentos, experiências e competências técnicas necessárias para a fabricação de um ou mais produtos[5]. Esses conhecimentos, teóricos ou práticos, auxiliados pelo equipamento adequado, permitem a realização de instalações ou serviços condizentes à obtenção de um produto, projeto e/ou construção de um equipamento, verificação ou aperfeiçoamento de produtos já fabricados, organização, controle e/ou melhoria de sistemas de manutenção e transporte[6], ou ainda utilizados de forma sistemática para o desenho, desenvolvimento e fabricação de produtos ou a prestação de serviços[7].

2.2 Modalidades do Contrato de Transferência de Tecnologia

As transferências de tecnologia podem ocorrer entre sujeitos de um mesmo Estado soberano, chamadas de ‘’internas’’, ou entre diferentes Estados soberanos, as ‘’internacionais’’, essas últimas, objeto do presente estudo.

Primeiramente, cumpre diferenciar a transferência homogênea e a heterogênea. A primeira acontece entre empresas que compartilhem uma igualdade de potencial e capacidade tecnológica (v.g. empresas de operam em setores próximos ou análogos). A segunda refere-se a entes de capacidade tecnológica visivelmente inferior, tal qual ocorre em contratos de empresas de países industrializados com países em desenvolvimento.

Os contratos de transferência de tecnologia podem ser unilaterais, quando uma parte se limite somente a adquirir ou transmitir tecnologia, ou bilaterais, quando há troca mútua de informações. Podem ainda ser de natureza pública, mista ou privada, quando o contrato é contraído entre entes de Direito Público, entre um ente público e uma empresa privada, e somente entre participantes regidos pelo Direito Privado, respectivamente[8].

Quanto à duração do contrato, este pode ter caráter definitivo ou temporário. Nos contratos definitivos ocorre a cessão, no qual o transferente é o cedente e o adquirente, o cessionário. Ressalva Fran Martins que o detentor não pode ceder a tecnologia a terceiros sem a anuência do cedente. No outro tipo, o mais comum, o contrato dura somente por um lapso de tempo, através da licença[9].

2.3 Objeto de Estudo

De acordo com Assafim, constitui objeto de tecnologia as criações técnico-industriais protegidas por direitos de propriedade industrial (patentes de invenções, modelos de utilidade, desenhos, modelos industriais e topografias de circuitos integrados) e as criações técnico-industriais protegidas por outros meios (know-how e programas de computador)[10]. Focaremos este presente estudo nos contratos de transferência de tecnologia envolvendo o know-how e suas peculiaridades. Apesar de ser largamente utilizado na prática, não é um assunto tão explorado pela doutrina, tampouco goza de um respaldo jurídico devido, como se verá adiante.

Revela-se imprescindível para a melhor compreensão acerca do contrato internacional de tecnologia, analisar inicialmente a fase pré-contratual, na qual será possível visualizar os objetivos, e, também, os riscos que as partes – transferente e receptor – enfrentam, e quais as condutas que são adotadas por ambas as partes nesse momento.

3 CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

De acordo com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o contrato de tecnologia:

‘’É o comprometimento entre as partes envolvidas, formalizado em um documento onde estejam explicitadas as condições econômicas da transação e os aspectos de caráter técnico’’.

Os contratos podem envolver tecnologia total e exclusivamente protegida pela legislação de propriedade industrial, como é o caso das patentes. Entretanto, há contratos em que a tecnologia se apresenta na forma exclusiva de know-how; e há, ainda, os contratos denominados como mistos, pois parte dele está protegida por patentes e outra não, possuindo natureza jurídica de know-how.

3.1 Know-How

Segundo Irineu Strenger[11], contrato de know-how é uma convenção pela qual uma pessoa, física ou jurídica, se obriga a proporcionar ao co-contratante os direitos que ela possui sobre certas fórmulas e procedimentos secretos, durante certo tempo e mediante certo preço que este se obriga a pagar-lhe.

A natureza jurídica do contrato de know-how apresenta uma dicotomia, isto é, conforme ensina Irineu[12], é de grande importância conhecer se o contrato a ser celebrado é um contrato de empreitada de obra ou, se, ao contrário, trata-se de uma convenção análoga a um contrato de licença de patente. Considera-se mais correta aquela que considera o contrato de know-how como uma avença de concessão de um bem móvel, visto que é um elemento do patrimônio de um indivíduo. Sendo que, a justificativa dessa colocação reside no fato de que o concedente tem direitos sobre as formulas e procedimentos secretos. Esses direitos constituem bens móveis, o qual estão ligados pelo concedente ao concessionário. Sobre essa questão, a Câmara de Comércio Internacional de Paris se manifestou a respeito no doc. 450/198 de nove de Janeiro de 1961: “A característica do know-how apresentando ou não um caráter de invenção é que ele constitui um direito de propriedade industrial cujo titular se esforça por guardar a exclusividade, de maneira que um terceiro não licenciado não possa disso beneficiar-se.”

Outrossim, o contrato de know-how tem como objeto fórmulas e procedimentos, de caráter desconhecido no setor e que devem ser mantidos em segredo pelo receptor. Nota-se que o contrato de know-how é baseado essencialmente na comunicação de conhecimentos, procedimentos técnicos e fórmulas que adquiriram consistência bem precisa no momento em que o contrato é concluído. É mister diferenciá-lo do instituto da patente, que:

‘’é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação[13]’’.

Para Irineu[14], o contrato de know-how tem como principais fundamentos elementos abstratos, que podem ser classificados segundo suas afinidades em dois grupos: a habilidade e a experiência técnica, os conhecimentos técnicos e os procedimentos utilizados. Esses elementos se apresentam exteriormente de formas distintas, uma vez que a habilidade e a experiência técnica concretizam-se nos técnicos hábeis e experientes, dos quais são indissociáveis. Destaca-se que, somente se o conteúdo da experiência técnica é tal que possa ser objeto de uma descrição precisa, ou seja, pode materializar-se em documentos sirvam de suporte. Importante ressaltar os ensinamentos de Maurício Prado de que ‘’a tecnologia adequada é aquela capaz de atender a uma necessidade objetiva da empresa, observando suas características próprias, como competência técnica, capacidade de investimento e fontes de recursos (insumos e outros materiais), propiciando a otimização da eficiência do setor produtivo e a formação de ambiente favorável à implantação de inovações tecnológicas[15]’’.

Por fim, entende-se o contrato de transferência de tecnologia como um negócio jurídico cujo objeto é a transmissão de determinados bens imateriais (criações, segredos e software) protegidos por institutos de propriedade ou de determinados conhecimentos técnicos de caráter substancial e secreto não suscetíveis de proteção monopólica[16]. O contrato de transferência de tecnologia envolve, portanto, direito de propriedade que poderá ser desenvolvido através de licença exclusiva ou não. Nota-se que por tratar-se de direitos exclusivos, as empresas “importadoras da tecnologia” conseguem uma melhor posição de mercado, ganhando tempo e experiência para testar e comercializar os produtos em detrimento das demais. De fato, o sentido do contrato de transferência de tecnologia se pauta no caráter secreto desta, e merece uma aproximação mais detalhada.

3.1 A Cláusula de Confidencialidade

A confidencialidade é um dos principais documentos existentes nesse tipo de contrato, tanto em sua fase pré-contratual que vem por meio de acordo, assim como no contrato em que possui a natureza de cláusula. Possui a finalidade de superar os conflitos de interesses e as questões jurídicas envolvidas. Sendo que, ao celebrar esse acordo, as partes trocam informações sobre os pontos relevantes para a negociação, como por exemplo, o conteúdo da tecnologia, capacidade financeira.

A obrigação contratual vincula tanto o receptor como o transferente. Sendo que alcança até os funcionários, mandatários, ou negociadores das partes que venham a ter contato com as informações confidenciais. O que acontece do natural interesse que tem o transferente de preservar o know-how de sua titularidade. O que, também, interessa ao receptor, tendo em vista que a manutenção da confidencialidade lhe assegura vantagem competitiva no mercado internacional, principalmente nos casos em que ocorre exclusividade. Considera-se obrigação de meio, pois, obriga o transferente a adotar conduta diligente, a fim de evitar a disseminação indesejada das informações. Contudo, ele não é responsável pelo resultado que decorra de fatores estranhos a sua vontade e que venham a interferir na conservação do segredo. Uma vez que o transferente não dispõe de meios que lhe garantam a proteção absoluta de tais informações, não podendo adotar compromisso maior, a não ser o de agir cautelosamente.

O conteúdo das informações a serem transferidas varia em cada caso, conforme sua particularidade, podendo-se considerar, genericamente, que o transferente deverá comunicar ao receptor as informações sobre o conteúdo da tecnologia, custos e resultados de sua exploração, como rentabilidade e diferencial competitivo. Paralelamente, cabe ao receptor noticiar sobre a própria infra-estrutura industrial e comercial, sua rede de distribuição e participação no mercado. Evidencia-se, então, o caráter personalíssimo do contrato (intuitu personae).

Ressalta-se que é imprescindível a existência da determinada cláusula, uma vez que o know-how possui caráter de conhecimento restrito, no entanto não encontra suficiente proteção legal. Logo, a disseminação dos conhecimentos sobre ele gera o seu reduzido valor econômico, assim a como quebra da vantagem competitiva que proporcionaria a seu possuidor.

Existe dificuldade na identificação das informações já conhecidas pelas partes antes do inicio das trocas de informações Adota-se, usualmente, o procedimento em que a parte receptora das informações devera alegar o seu prévio conhecimento, devendo realizar a devida comprovação. Convém às partes fixar um prazo para que o receptor da informação alegue o prévio conhecimento.

Maurício C. A. Prado aponta três hipóteses em que é extinta a confidencialidade: a) Fica o receptor da informação igualmente exonerado da obrigação de mantê-la confidencial quando, de forma legítima, venha a adquira-la através de terceiros. Pois, o recebimento da noticia idêntica da parte de terceiros extingue a obrigação anteriormente contraída; b) pode ainda a informação cair em domínio público, o que também fará extinguir a obrigação de resguardo da confidencialidade; c) por fim, quando o receptor que participou de negociações infrutíferas obtém mediante pesquisa independente a informação que lhe fora comunicada a titulo confidencial pela outra parte. A doutrina entende ser possível ao receptor exonerar-se de tal obrigação, desde que a referida pesquisa não haja envolvido informação veiculada durante as negociações.

3.3 Benefícios e Riscos do Transferente e Receptor

Através da transferência da tecnologia, seu detentor é capaz de alcançar diversos objetivos e assume riscos. Destacam-se como principais benefícios: maximizar a remuneração da tecnologia mediante a otimização de sua exploração e sua utilização como instrumento estratégico para o do transferente ingresso em novos mercados. Sendo assim, quando o transferente consegue atingir esses objetivos, viabiliza que a empresa recupere os custos que teve com o desenvolvimento e aumenta os recursos para financiar investimento em novas tecnologias. Os riscos que o transferente assume são: a perda do controle sobre a tecnologia e a concorrência do receptor.

Na esfera do receptor, os principais benefícios que esse almeja alcançar com o contrato são: a obtenção e inovação tecnológica e a capacitação tecnológica. Tendo em vista que a inovação revela-se fator de suma relevância para o crescimento da empresa. Sendo que outra razão para o receptor buscar essa inovação através do contrato é o alto risco de insucesso incidente na pesquisa para o desenvolvimento de tecnologia juntamente com os enormes custos envolvidos nas pesquisas, assim como a demora que esses resultados possam apresentar. Mostra-se que o sucesso que o receptor almeja alcançar depende da possibilidade que o mesmo tenha para alcançar a efetiva capacitação tecnológica, para que, consiga desfrutar da exploração da tecnologia transferida, podendo-se, então, dizer que o conhecimento realmente está em poder do receptor. Já os principais riscos a qual o receptor esta sujeito são, a principio, a relação de dependência a qual esta sujeito, em virtude da sua falta de capacidade técnica para explorar a tecnologia sem a colaboração do transferente. Assim como os prejuízos financeiros em razão dos riscos que o receptor assume, pois ele não dispõe de estimativa segura da relação custo/beneficio na transferência de tecnologia realizada.

3.4 Cláusulas Contratuais

De acordo com Maurício Prado, as cláusulas podem ser classificadas, partindo da questão central que é a transferência de tecnologia, em três categorias. A primeira contém as questões centrais do contrato, relacionadas com a transferência e exploração da tecnologia; a segunda categoria que abrange as cláusulas complementares que são típicas desse contrato, mas não diretamente ligadas a tecnologia e a terceira categoria que diz respeito às cláusulas usuais dos contratos internacionais.

As cláusulas centrais são o objeto que pode ser a transmissão dos direitos do detentor sobre a tecnologia ou, no caso do objeto determinar um certo período para que o receptor possa explorar a tecnologia, configurando um contrato de licença de uso de tecnologia; a definição de tecnologia que tem por objetivo caracterizar o bem envolvido no negócio jurídico; as garantias de resultado fixam obrigações, ao transferente, de fazer com que o receptor alcance determinados resultados mediante a exploração; melhoramentos que visam a obrigação das partes repassarem os aperfeiçoamentos introduzidos na tecnologia no decurso da vigência do contrato ou apenas durante determinado prazo.

No tocante as cláusulas relacionadas com a exploração de tecnologia, são dispostas assim: território, que estabelece onde o receptor poderá explorar a tecnologia; o sublicenciamento diz respeito a exploração indireta da tecnologia pelo receptor, sendo que só será permitido concretizar após a anuência do transferente; assistência técnica que consiste, basicamente, na facilitação da exploração da tecnologia pelo receptor, através de fornecimento de informações envolvendo conhecimento amplo, cujo acesso por outros meios exigiria relevante esforço e custo para o receptor e a exploração mínima é o patamar mínimo que o receptor deve alcançar, na prática contratual esse critério varia.

Já as cláusulas complementares abrangem as cláusulas de: exclusividade, sendo aquela em que o transferente concede a exclusividade na exploração da tecnologia, que pode ser absoluta ou relativa; remuneração que implica em duas categorias: as regalias (royalties) formam a remuneração variável, com pagamento no curso do contrato e a remuneração fixa que pode ser à vista ou em parcelas, essa cláusula é muito complexa, uma vez que o transferente busca evitar a remuneração variável, em razao da insegurança ou insegurança e pelo não pagamento, já o receptor busca evitar a remuneração fixa, pois, deve ser paga no momento da celebração ou em curto prazo, devido a sua insegurança, já que a transferência de tecnologia ainda não fora realizada, além de que ainda possui um conhecimento superficial da tecnologia no momento da celebração do contrato; licença mais favorecida é encontrada nos contratos de licença e prevê a conferencia da faculdade ao licenciado de modificar certas condições do contrato; confidencialidade, explanada em tópico anterior.

Ademais, as cláusulas usuais dispõem sobre o termo inicial, a lei aplicável, exposta já no decorrer deste trabalho, e a extinção que pode ocorrer em dois momentos: termo final ou antecipado. Em relação à primeira hipótese, entende-se que acontece no instante em que o know-how cair em domínio publico. Em razão da complexidade dessa situação, normalmente os contratos estabelecem expressamente o termo final de sua vigência. A extinção antecipada ocorre, geralmente, em decorrência do inadimplemento de determinadas obrigações por uma das partes ou pela ocorrência de evento que caracterize o descumprimento por força maior.

4 CONTROLE JURÍDICO NACIONAL E INTERNACIONAL NOS CONTRATOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

Para evitar a celebração de um contrato nulo ou anulável, as partes devem ater-se a determinados limites ditados pelos legisladores, tanto no âmbito interno como no internacional.

4.1 Intervenção Internacional

No âmbito internacional, o principal meio de controle aos contratos de transferência de tecnologia se dá pela celebração de tratados e convenções que visam harmonizar as legislações dos países referentes à propriedade industrial e facilitem a livre concorrência. O objetivo é incentivar a atividade de pesquisa e circulação internacional da tecnologia, no qual o ambiente de confiança contribui para o fluxo de investimentos entre os países[17]. De fato, as normas referentes à propriedade industrial são o principal meio de regular as transações dos contratos de tecnologia. Os principais agentes que intervém mundialmente na matéria são: OMPI, TRIPS, MERCOSUL, NAFTA, UE[18].

A Organização Mundial sobre Propriedade Industrial (OMPI), um dos principais foros internacionais acerca das normas de propriedade industrial, foi constituída para administrar a Convenção de Paris (1883). Ao introduzir princípios e garantias, como o tratamento igualitário às partes pelos Estados e regras mínimas referentes à concorrência desleal, preconizou um mecanismo ágil e atualizado na matéria.

O acordo TRIPS (Trade-related Aspects of Intellectual Property Rights), um instrumento muito importante na regulamentação da propriedade intelectual, tem como um dos seus objetivos aproximar desenvolver as leis de propriedade industrial nos países onde esta é menos avançada. Além disso, tem relevante papel na proteção ao know-how, matéria tratada na seção 7 do referido acordo.

O MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) traz no Tratado de Assunção normas programáticas relacionadas à harmonização das legislações, que deverá se dar ao longo do processo de integração dos países-membros. Não há, porém, tratativa de assuntos mais específicos sobre propriedade industrial.

O NAFTA (North American Free Trade Agreement), além de buscar um regime mais unificado aos participantes[19], regula amplamente a propriedade industrial, ao reforçar as proteções já existentes nos ordenamentos jurídicos de cada país. Abarca também os a tutela do know-how, em ser art. 1711.

Ademais, a UE (União Européia) abrange largamente a matéria, possuindo um direito comunitário avançado sobre direito industrial e contratos de transferência de tecnologia. Entre os pontos abordados pelo Tratado de Roma está a questão da propriedade industrial dever estar em consonância com os princípios da livre concorrência e circulação de bens, além do amparar juridicamente os contratos de know-how e patentes e estabelecer regras homogêneas referentes ao conteúdo dos contratos.

Outro marco foi a Decisão n° 24 da Comissão do Acordo de Cartagena (1970) ao estabelecer, em seu art. 8º, que os contratos de importação de tecnologia deveriam ser examinados e submetidos a aprovação do organismo competente do respectivo País Membro[20]. Essa medida foi também adotada por outros países posteriormente.

4.2 Intervenção Interna

Dado a ampla utilização desse tipo de contrato, e os riscos inerentes a este, como foi explanado, interessa à administração pública proteger e resguardar os interesses das partes para obter um equilíbrio nas relações econômicas, principalmente quando o adquirente de país subdesenvolvido importa tecnologia de transferente de país desenvolvido. Os motivos dessa inquietude estão no pagamento de preços e royalties excessivos, a aquisição de tecnologia inadequada ou obsoleta, cláusulas restritivas de concorrência e até mesmo a dependência tecnológica.

A intervenção interna, pois, pode se dar: a) através de normas cogentes, que tratem do conteúdo do contrato; b) pelo controle na formação e execução dos contratos; c) pelo controle da remessa de remuneração para o exterior.

No ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com a Lei de Propriedade Industrial[21], atribui-se certa parcela de intervenção por parte do INPI, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, uma autarquia federal responsável pela aplicação da política econômica na área de fiscalização e aprovação dos contratos de transferência de tecnologia.

Para obter um mínimo de amparo jurídico, a contratação tecnológica, tanto aquela realizada entre empresas nacionais como a realizada entre empresa nacional e sediada ou domiciliada no exterior, deve ser avaliada e averbada pelo Instituto.[22]. Ambos os atos são importantes, uma vez que visam: a) produzir efeitos mediante terceiros a partir da data de sua publicação na Revista da Propriedade Industrial; b) legitimar os pagamentos para o exterior mediante contratação, visto que, por delegação do Banco Central do Brasil[23] (BACEN), a aprovação de registro de operações de transferência de tecnologia e ou franquia depende da prévia manifestação do INPI; c) autorizar a dedutibilidade fiscal das importâncias pagas ou creditadas pelas pessoas jurídicas, a título transferência de tecnologia (aquisição de know-how, assistência técnica, cientifica, administrativa ou semelhantes, projetos ou serviços técnicos especializados.

5 IMPORTAÇÃO: PERIGOS E CUIDADOS

É notável que quando comparado com os países mais desenvolvidos, o Brasil ainda possui, uma produção tecnológica pouco significativa. Pois, a não regulamentação da propriedade intelectual somado com a falta dessa regulamentação desmotiva o desenvolvimento e a pesquisa.

Os países desenvolvidos precisam ter a consciência de que para transferir tecnologia de fato, devem auxiliar os países menos desenvolvidos a gerar pesquisas, em razão da discrepância e posição que estes se encontram. A dependência tecnológica cria uma relação de domínio, que compromete inclusive a soberania do Estado, não permitindo uma cooperação que em longo prazo poderia gerar resultados para todas as partes envolvidas. Outro aspecto refere-se ao conflito entre interesses públicos e privados, considerando o sistema capitalista, em que a força do capital não é sensível às necessidades humanas. No Brasil, o interesse público é um dos princípios primordiais do direito administrativo e que deve prevalecer sempre em nosso ordenamento jurídico, sendo indispensável preservar a soberania nacional.

Com o advento da globalização, ocorre o intercâmbio de informações entre diversos países, sendo esse muito rápido e vasto, que, servirá para diminuir a relação de dependência tecnológica e estimular a cooperação entre os países. Através dessa nova dinâmica os países subdesenvolvidos devem buscar uma maior independência tecnológica, e conseqüentemente econômica e social, tornando as relações mais equitativas.

A relevância do tema aumenta na medida em que as relações internacionais e comerciais intensificam-se, sendo assim, o Direito exerce a função de regulamentar e garantir a segurança aos envolvidos nessas tratativas ou aos terceiros que possam ser afetados. Para que, a transferência de tecnologia seja justa e capaz de promover o desenvolvimento social e econômico. Não se pode esquecer que todo esse fluxo necessita de bases jurídicas fortes e comprometidas com o desenvolvimento e não apenas com o lucro, devendo-se agregar à propriedade intelectual conceitos resguardados pelos dos direitos humanos, com o intuito de alcançar a verdadeira transferência de tecnologia e o aprimoramento das cláusulas contratuais.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A transferência de tecnologia é uma ponte ao desenvolvimento econômico das nações, impulsionando o progresso social e econômico.

A falta de legislação bem como a discrepância entre as leis já existentes referentes aos contratos internacionais de transferência de tecnologia operam como verdadeiras travas às engrenagens do fluxo tecnológico mundial. Contribuem para um ambiente nebuloso e de pouca credibilidade, além de permitir abusos sobre a parte em desvantagem tecnológica. Representa prejuízos tanto para os fornecedores de tecnologia como aqueles que dela necessitam.

De fato a comunidade internacional têm atuado de modo relevante e efetivo na problemática exposta, mas seja pela falta de interesse das nações ou pelo conflito de idéias, ainda não se trata da matéria de modo satisfatório. É evidente a necessidade de maior atenção à questão no âmbito nacional e global, principalmente na seara jurídica, como se pretendeu mostrar no presente estudo.

[3] V. Promotion and Encouragement of Techonological Innovation, a Selective Review of Policies and Instruments. UNCTAD, Doc. TB/B/C-6/139, agosto de 1986.

[4] PRADO, Maurício Curvelo de Almeida. Contrato Internacional de Transferência de Tecnologia: Patente e Know-How. p. 11

[5] Cf. NAÇÕES UNIDAS, ‘’Guidelines for the aquisition of foreign technology in developing countries’’, Nova York, Nações Unidas, ID/98, 1973, p. 1.

[6] VIDAURRAZAGA, Zabala, Concepto y Función de La Tecnologia, in INSTITUTOS BANCARIOS Y BURSATILES, Seminario sobre adquisición de tecnologia extrangera, 1975, p. 25.

[7] In MYCT, Manual de da Transferencia de Tecnologia. Madrid, 1992, p.17.

[8] Classificações extraídas de: ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A Transferência de Tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: LUMEN JURIS, 2005. ps. 25 a 27.

[9] MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. p. 503.

[10] ASSAFIM, João Marcelo de Lima. Ob. cit.. p. 19

[11] STRENGER. Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. p. 507.

[12] Idem. Ibidem.

[13] INPI. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Disponível em:<http:// http://www.inpi.gov.br/>. Acessado em 01/10/2011

[14] STRENGER. Irineu. Ob. cit. p. 503.

[15] PRADO, Maurício Curvelo de Almeida. Contrato Internacional de Transferência de Tecnologia: Patente e Know-How. p. 42.

[16] ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A Transferência de Tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: LUMEN JURIS, 2005. p. 41

[17] PRADO, Maurício Curvelo de Almeida. Ob. Cit. p. 72

[18] PRADO, Maurício Curvelo de Almeida. Ob. Cit. ps. 72 a 82.

[19] Canadá, Estados Unidos e México.

[20] Explanação de ASSAFIM, João Marcelo de Lima in ob. cit. p. 28.

[21] Disõe em seu artigo 211, no §1º, que ‘’ O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros’’.

[22] No sítio eletrônico do Instituto ainda são disponibilizados serviços de atendimento e informação aos interessados, bem como toda a legislação brasileira que abarca a transferência de tecnologia.

[23] Para a realização de operações bancárias envolvendo contas no exterior, existe todo um procedimento regulado pelo BACEN que o adquirente de tecnologia deve seguir. É parte deste procedimento a devida aprovação da operação de transferência de tecnologia por parte do INPI.

  • contratos
  • transferência de tecnologia
  • know-how
  • direito internacional privado
  • propriedade industrial

Referências

PRADO, Maurício Curvelo de Almeida. Contrato Internacional de Transferência de Tecnologia: Patente e Know-How. Porto Alegre: LIVRARIA DO ADVOGADO, 1997.

MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 14 ed. ver. e aum. Rio de Janeiro: FORENSE, 1999.

ASSAFIM, João Marcelo de Lima. A Transferência de Tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: LUMEN JURIS, 2005.

STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. São Paulo: LTR, 2008..

SOARES, José Carlos Tinoco. Comentários à Lei de Patentes, Marcas, e Direitos Conexos. São Paulo: REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1997.

SILVEIRA, Newton. Contrato de Transferência de Tecnologia. São Paulo: CADERNOS FUNDAP – Ano 5, julho de 1985.

V. Promotion and Encouragement of Techonological Innovation, a Selective Review of Policies and Instruments. UNCTAD, Doc. TB/B/C-6/139, agosto de 1986.

Cf. NAÇÕES UNIDAS, ‘’Guidelines for the aquisition of foreign technology in developing countries’’, Nova York, Nações Unidas, ID/98, 1973.

VIDAURRAZAGA, Zabala, Concepto y Función de La Tecnologia, in INSTITUTOS BANCARIOS Y BURSATILES, Seminario sobre adquisición de tecnologia extrangera, 1975

MYCT, Manual de da Transferencia de Tecnologia. Madrid, 1992

INPI. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Disponível em:<http:// http://www.inpi.gov.br/>. Acessado em 01/10/2011.

PIRES, Adriana C.. Contrato de transferência de tecnologia. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 nov. 2008. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.21631>. Acesso em: 30 ago. 2011.


Lorena Mendes Advocacia

Bacharel em Direito - Araçatuba, SP


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