ALIMENTOS PARA O NASCITURO: UM ESTUDO À LUZ DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DA TEORIA CONCEPCIONALISTA.


01/08/2015 às 10h39
Por Advocacia Oliveira

ALIMENTOS PARA O NASCITURO: UM ESTUDO À LUZ DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DA TEORIA CONCEPCIONALISTA.

Lindomar Rodrigues de Oliveira[1]

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Do início da personalidade: das perspectivas legal e doutrinarias. 3. Nascituro e concepturos: realidade diversa. 4. Teorias sobre a personalidade e os seus desdobramentos jurídicos. 5. Alimentos como forma de resguardar a vida do nascituro. 6. Conclusões.

RESUMO

Palavras-chave: Alimentos. Nascituro. Possibilidade. Problemas jurídicos. Direitos da personalidade.

ABSTRACT

This work explores new scientific techniques that now make it possible with a degree of certainty to determine the rights of an unborn child and when the foetus can be recognised as a human being with all the rights that this entails. It will seek to explore balancing the relationship between health issues of the mother and the right to life and health of the foetus.

Keywords: Aliment. Unburn child. Possibility. Law situations. Personality rights.

{C}1. INTRODUÇÃO

O artigo busca demonstrar que com as novas técnicas científicas e a possibilidade de determinar com maior certeza o início da vida do ser humano, ou seja, do nascituro, é necessário um alargamento dos direitos desses, principalmente no que tange a sua personalidade. Buscará demonstrar que a necessidade dos alimentos está diretamente ligada ao direito à vida e ao desenvolvimento saudável.

2. Do início da personalidade: das perspectivas legal e doutrinária.

Hodiernamente, tem-se buscado uma afirmação dos direitos das pessoas em detrimento das questões patrimoniais, nesse âmbito é totalmente salutar a indagação sobre o início da vida e da personalidade jurídica da pessoa. Quanto ao nascituro a pergunta que se coloca é: tem o nascituro uma personalidade que não se circunscreve à tutela dispensada pela lei no art. 2º do CCB-2002? O que se busca é com base no personalismo ético, que tem como consequência primeira o reconhecimento da personalidade jurídica e se dirige a uma efetiva proteção dos direitos provenientes da personalidade (VASCONCELOS, 2010, p. 13). A pergunta se coloca pois, com os novos enfoques trazidos pela Lei dos Alimentos Gravídicos (LAG), principalmente, no que tange ao deferimento de alimentos, vez que, para parte da doutrina, os alimentos são deferidos para a mulher; e outra que delega no sentido de os alimentos serem deferidos para o nascituro, tendo em vista que esse já concebido possui uma personalidade que por si só já o legitima, por meio de sua mãe a requerer os alimentos.

Para que se possa entender a argumentação sobre o tema dos alimentos gravídicos, é necessário que se proceda a uma conceituação sobre o início da personalidade jurídica do ser humano. Para tanto, nos valeremos dos entendimentos doutrinários e do extraído do texto legal, em especial o CCB-2002.

O início da personalidade do ser humano ou pessoa natural, segundo expõe o Código Civil de 2002, começa do nascimento com vida (art. 2º). É a partir do nascimento com vida, de acordo com a doutrina tradicional, que a pessoa se torna sujeito de direito, deveres e obrigações na ordem jurídica. Sob o prisma dessa doutrina, o ser humano está condicionado ao nascimento com vida para adquirir personalidade, sendo possível formular através dessa visão, a máxima: sou sujeito de obrigação, deveres e de direitos na ordem civil, logo sou pessoa. Aqui é visível a ocorrência de uma inversão do valor humanidade em detrimento de termos adstritos ao âmbito obrigacional ou patrimonial. No nosso entendimento, a proposição deveria ser: sou pessoa, portanto, sou passível de figurar como sujeito de obrigações, ser titular de direitos e ter deveres diante da ordem jurídica. Nessa toada, Gustavo Tepedino leciona que:

a personalidade humana deve ser considerada antes de tudo como um valor jurídico, insuscetível, pois, de redução a uma situação jurídica-tipo ou a um elenco de direitos subjetivos típicos, de modo a se proteger eficaz e efetivamente as múltiplas e renovadas situações em que a pessoa venha se encontrar, envolta em suas próprias e variadas circunstâncias. (2003, p. XXII).

Para que surja a personalidade, a doutrina tradicional, apregoa que o nascituro nasça com vida, e para tanto, o nascimento com vida se dá com a respiração pulmonar de forma autonôma. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Saúde[2] em sua resolução n. 1/88, art. 29, aduz quando ocorrerá o nascimento com vida. É a dicção do inciso 6: “Nascimento Vivo – é a expulsão ou extração completa do produto da concepção quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos (grifo nosso), tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não desprendida a placenta.” De acordo com Tepedino citando San Tiago, se o nascituro “não conheceu outro veículo respiratório senão aquele que a distribuição do sangue materno lhe dava, então ele não viveu, (…), a sua personalidade não chegou a se formar.” (San Tiago apud Tepedino, 2007, p. 7), nesse caso teríamos a figura do natimorto.

3. O Nascituro e o concepturos – realidade diversa.

Antes de adentrar às discussões que envolvem o nascituro e dos desdobramento jurídicos carreados pela sua condição, é mister que se proceda a uma conceituação do mesmo para que se tenha um discernimento entre figuras jurídicas que, muitas vezes se confundem. Isto, para o caso de aparecerem terminologias como concepturos e nascituros juntas (grifo nosso).

Cabe destacar, a priori, que o tema é um terreno fértil a produzir discussões tão acirradas quanto apaixonadas no campo do direito e das ciências biológicas. Pois a essa, principalmente, no campo da biologia e genética, dentre outros ramos, têm-se buscado uma definição de quando começa a vida.

Quanto a ciência do direito, é imprescindível, a determinação de tal conhecimento para que se atribua uma personalidade jurídica e se proceda a demarcação da capacidade tanto de fato quanto de direito, dependendo da visão que se adote quanto ao nascituro, visão consignadas em várias teorias como veremos mais a frentre. Para tanto é importante que se saiba, afinal quem é o nascituro?

De acordo com o dicionário Português online Léx;co (sic) o nascituro é “Aquelle que há de nascer, (falando-se dos seres concebidos e ainda não dados á (sic) luz).
(Lat. nasciturus)[3] (grifo nosso). No mesmo sentido, Queiroz aduz: “urge saber que o nascituro é o ser concebido, mas que ainda não nasceu.” (2010, p. 26), Capelo de Souza adiciona a este conceito, a probabilidade de que o nascimento ocorra, para tanto, utiliza-se do termo “nascimento provável” (2003, p. 265). Esse termo é utilizado pelo doutrinador lusitano pelo fato de que esta é uma das hipóteses elencadas na Lei número 16/2007, na qual permite o aborto[4]. Segundo Vasconcelos os nascituros são:

(…) aqueles que já foi foram concebidos e tem vida no seio da mãe, mas ainda não nasceram. Trata-se de uma situação transitória e limitada no tempo porque os nascituros não podem manter-se nessa situação mais do que o tempo da gestação. (Vasconcelos, 2010, p. 72)

Quanto aos concepturos, Vasconcelos, destaca a necessidade de não se confundir sua figura com a do nascituro, pois de acordo com autor os concepturos são uma expectativa do devir, é um ser que pode vir a existir[5], portanto, ainda está no campo das incertezas, é um ser que pode vir a existir no futuro. Diferente é a condição do nascituro, pois este já existe no seio de sua mãe. Os concepturos não habita o campo da existência (Vasconcelos, 2010, p. 73)

Ribeiro, ainda sublinha, outra distinção entre nascituros e concepturos, “a capacidade sucessória, posto que o concepturo somente pode participar da sucessão testamentária, ao tempo que o nascituro pode participar da sucessão legítima.” (Ribeiro, 2011, p. 102) quanto a legitimação dos concepturos, é peremptório o artigo 1.799 do Código Civil brasileiro de 2002 ao expor que: “Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;” o entendimento da doutrina quanto a este dispositivo, coloca os concepturos dentro do grupo chamado de prole eventual.

Dispõe ainda a novel lei de 2002: “art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.” E demarca o limite temporal para que os nascituros façam jus ao recebimento da parte que lhes tocam na herança ou partilha. Assim expõe o legislador no “art. 1.800, § 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição do testador, caberão aos herdeiros legítimos.”

Portanto, a tutela dirigida aos concepturos, no sentir de Capelo de Souza, são de fácil interpretação, pois é uma construção legal, pura hipótese de ser. “Daí que os direitos ou formas de tutela jurídica de interesses ligados à figura do concepturo sejam muito pontuais e se restrinjam ao campo patrimonial.” (2003, p. 281).

Entretanto, quanto ao nascituro, destaca o Código civil brasileiro de 2002: “art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.”. É visível a diferença, e importância dada aos nascituros, pois a lei o destaca como um titular da sucessão legítima.

{C}4. Teorias sobre a personalidade e os seus desdobramentos jurídicos.

Com o desenvolvimento científico e a busca por novos critérios para assegurar os direitos do nascituro, uma vez que o Código Civil comporta discursões díspares sobre a temática, pois segundo o artigo 2º desta lei, “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” e a doutrina dominante quanto aos seus direitos e o início de sua personalidade civil, apregoa que esta, só começa do nascimento com vida e, assera ainda, que é a partir do momento, do nascimento com vida, que este passa a ser sujeito de direito, deveres e de obrigações (Nery Junior, 2007, p. 185; Tepedino e outros, 2007, p. 6).

Na mesma toada do código brasileiro, o código chileno se manifesta, e vai além, delimitando o momento em que ocorre o nascimento com vida. Portanto, ao contrário à doutrina brasileira, que apregoa que basta, tão somente, que haja uma respiração para se configurar o nascimento com vida, o código chileno, assevera que o fato de uma simples respiração não bastaria para que seja considerada como pessoa existente. Tal entendimento é visível pela dicção do artigo 74[6], pois esse afirma que é necessário um período maior do que uma simples respiração. Senão vejamos:

Art 74. A existência legal de cada pessoa começa ao nascer, isto é, ao se separar,
completamente, de sua mãe.
A criatura que morre no ventre materno, ou que morre antes de ser separado completamente de sua mãe, ou não que tenha sobrevivido um momento se quer após a separação é
considerada como se não existiu. (Tradução nossa)

Neste mesmo sentido, também, o Código Civil português dispõe em seu artigo 66.º, n.º 1, quando expõe sobre o começo da personalidade: “A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.” Quanto aos direitos dos nascituros explicita no seu inciso segundo: “Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento.[7]” A doutrina portuguesa deu interpretação no mesmo sentido que a maioria dos doutrinadores brasileiros, pois de acordo com Capelo de Souza “A aptidão para se ser titular de direitos e obrigações, ou de relações e outras situações jurídicas, é reconhecida às pessoas singulares (homens e mulheres em concreto), nos termos do art. 66.º, nº. 1, «no momento do nascimento completo e com vida».” (2003, p. 263).

Para tentar resolver essa discussão, que ainda se encontra longe de solução, surgiram várias teorias com o intuito de explicar a condição do nascituro e os desdobramentos jurídicos advindos dessa condição. Essas teorias têm clara influência das ciências biológicas e se interpretam, muitas vezes, pelo contexto social na qual estão inseridas. Com base nesta linha de raciocínio Ribeiro aduz:

O início da personalidade humana nas legislações civilistas recebe notória influência do pensamento e ensinamento científico-biológico acerca do início da vida. Na medida em que as ciências biológicas traçavam e demarcava a linha de surgimento do ser humano, a ordem jurídica abraçava a teoria que mais se coadunava com o pensamento vigente na sociedade da época. (2011, p. 81)

A teoria natalista acredita que a personalidade da pessoa natural começa do nascimento com vida. De acordo com Queiroz, “Para os natalistas, a personalidade do ser humano se inicia com o nascimento com vida, não se exigindo mais nenhuma característica como a forma humana, viabilidade de vida ou tempo de nascido.” (2010, p. 25; Tepedino e outros, 2007, p. 6; Ribeiro, 2011, p. 81) nessa toada, também assevera o jurista lusitano Capelo de Souza, no entanto, para o mesmo, é necessário que o nascituro tenha o nascimento viável ou provável (2003, p. 265) (grifo nosso).

Com base nesta teoria o tribunal de Santa Catarina rejeitou um pedido de indenização por morte de nascituro. Assim dispõe a ementa do acórdão[8]:

"APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO DO SEGURO

OBRIGATÓRIO DPVAT. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AUTORA COM

35 (TRINTA E CINCO) SEMANAS DE GESTAÇÃO. NASCITURO QUE SOMENTE COM O NASCIMENTO COM VIDA IRIA ADQUIRIR

PERSONALIDADE JURÍDICA E TITULARIDADE DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES, EM TERMOS DE LEI SUCESSÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º (sic) DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. PREQUESTIONAMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ALTERAÇÃO EX OFFICIO DA SENTENÇA 'A QUO' QUE CONDENOU AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO PELO PRAZO DE 5 (CINCO) ANOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 12 DA LEI N. 1.060/50. RECURSO DESPROVIDO.

Na fundamentação da sentença, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, descrito no relatório do Ministro, do Superior Tribunal de Justiça, Massami Uyeda, assim aduz:

O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja

aquisição até então ficara sob condição suspensiva. Consequentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no artigo 3º da Lei n. 6.194 (seguro obrigatório para o benefício da vítima fatal)' (TJSC, Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. julg. Em 29/06/2006). RECURSO ESPECIAL Nº 1.120.676 - SC (2009/0017595-0)

no seu próprio voto, o Ministro Massimo Uyeda expõe de forma clara a adoção da teoria da natalista:

O nascituro, pois, como realidade jurídica distinta da pessoa natural, não titulariza os mesmos direitos desta, nem com ela se confunde. O nascituro, como assinalado, titulariza todos os direitos imprescindíveis para que este ente venha, em condições dignas, a nascer vivo. A diversidade destas realidades jurídicas (nascituro e pessoa natural), no que se refere a sua proteção jurídica, é revelada pelo artigo 2º do Código Civil que adota, expressamente, como marco definidor para a aquisição da personalidade civil, o nascimento com vida. É, pois, pessoa natural aquele que sobreviveu ao parto, nasceu com vida, adquirindo, com isso, personalidade civil.

e arremata com um posicionamento legalista para negar provimento ao Recurso:

Por fim, reputa-se bem demonstrada a existência de dissenso jurisprudencial. Porém, nos termos ora assentados, tem-se que a solução conferida pelas Instâncias ordinárias à controvérsia encontra-se consentânea com o sistema legal em vigor.

Assim, nega-se provimento ao presente recurso especial. (grifo nosso).

Em comentários ao novo Código Civil brasileiro, Tepedino e outros, diz que embora a doutrina maioritária, tem-se inclinado para a teoria natalista, “Há quem discorde, lembrando a existência de dispositivos legais que consideram o feto, desde a concepção como possível sujeito de relações jurídicas, ou seja, sujeito de direitos” (2007, pp. 6 e 7) e arremata citando o jurista Francisco Amaral, que afirma que “só pode ser titular de direitos quem tiver personalidade, donde concluir-se que, formalmente, o nascituro tem personalidade jurídica. O nascimento não é condição para que a personalidade exista, mas para que se consolide.” (Chico Amaral apud Tepedino e outros, 2007, p. 7) (grifo nosso).

Este entendimento supra, mais adequada com o desenvolvimento científico, é a base da teoria da corrente concepcionalista. “Para os concepcionalistas, a personalidade se adquire desde a concepção, e o nascituro já possui personalidade jurídica:” (Queiroz, 2010, p. 26). Já a conceituação que Ribeiro dá a esta teoria é mais abrangente. Segunda a autora, essa teoria

Consiste na defesa de que o início da vida ocorre no momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide, sendo irrelevante ter o encontro dos gâmetas ocorrido naturalmente no útero, ou mesmo através do emprego das técnicas cientificas de reprodução assistida, ou in vitro. Dessa forma, o surgimento de um novo ser alcança, nos tempos atuais, uma fase distinta da experimentada há tempos atrás, posto que o conhecimento humano científico foi capaz de possibilitar que a fusão dos gâmetas masculino e feminino acontecesse fora do corpo humano. (2011, pp. 74-78)

Mais avançado em questões do direito do nascituro, e consentânea com a ideia defendida pelos concepcionistas, o código Civil argentino, trata no livro primeiro, Título IV, sobre o direito das pessoas, mesmo antes de nascer (“ de la existência de las personas antes del nacimento”), e desta forma expõe no seu artigo 70[9], que desde a concepção no seio materno começa a existência das pessoas; e que antes de nascerem podem adquirir alguns direitos como se já houvessem nascidos (…) (tradução nossa).

Boas razões há para se deferir proteção integral ao nascituro concebido, pois na esfera penal se proíbe a interrupção da gravidez em quaisquer modalidades. Dessa forma dispõe o Código Penal sobre as formas de aborto, seja o aborto provocado pela gestante (auto-aborto) ou com seu consentimento:

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de 1 a 3 anos.;

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 3 a 10 anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de 1 a 4 anos.

§ único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

E nos artigos subsequentes, excetuam, taxativamente as hipóteses de excludentes de ilicitudes, como no caso de “aborto necessário” (art. 128, I, CP) e do “aborto por motivo sentimental (art. 128, II, CP)

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Ribeiro afirma que a norma penal vem resguardar o direito do nascituro (2011, p 75) e ainda, outros mecanismos, existem na esfera civil para que sejam efetivadas as garantias dos direitos dos nascituros.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, dispõe que o nascimento é um direito fundamental do nascituro, pois assim apresenta: “Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.” (grifo nosso).

Portanto, é possível aferir de acordo com o exposto, que o nascituro é sim titular de direitos da personalidade, visto que, o ordenamento assim o acolheu através de diversos dispositivos ao longo do Código Civil, legislação penal, Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Magna de 1988. Quanto a essa, desta forma dispõe em seu Art. 5º, caput:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (…) (grifo nosso).

Tal dispositivo deve ser conjugado com os direitos da personalidade e dessa forma cobrir o nascituro com a titularidade de direitos, pois os dispositivos civilistas devem ser interpretados de forma constitucionalizada. Sobre essa base foi o voto do Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, na sua fundamentação do Recurso Especial supra citado, de acordo com Exmo. Ministro

A polêmica central do presente recurso especial situa-se em se estabelecer o enquadramento da situação ocorrida no presente processo, em que a vítima, que estava no ventre de sua mãe no momento do sinistro de trânsito, veio a falecer quatro dias depois, nascendo sem vida (e-STJ, fls. 24 e 25). Em outras palavras, deve-se estabelecer se o presente caso enquadra-se na expressão "indenizações por morte" estatuída no enunciado normativo acima transcrito. (grifo nosso).

Na conclusão de seu voto, o Exmo. Ministro, arremata com o entendimento defendido por Francisco Amaral e pela corrente concepcionalista:

Tenho que a interpretação mais razoável desse enunciado normativo,

consentânea com a nossa ordem jurídico-constitucional, centrada na proteção dos direitos fundamentais, é no sentido de que o conceito de "dano-morte", como modalidade de "danos pessoais", não se restringe ao óbito da pessoa natural, dotada de personalidade jurídica, mas alcança, igualmente, a pessoa já formada, plenamente apta à vida extra-uterina, embora ainda não nascida, que, por uma fatalidade, acabara vendo a sua existência abreviada em acidente automobilístico.

Expõe ainda, o Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que a diminuta capacidade do ser humano não o torna menos ser que os outros:

Pouco defensável a tese de que quem esteja temporária ou definitivamente sob uma capitis diminutio não seja pessoa na mesma extensão daquele que não vê sua capacidade reduzida.

Adiciona, ainda a sua fundamentação a citação o entendimento do Exmo. Sr. Ministro Gilmar Mendes. De acordo com o Ministro,

Independentemente da concepção que se tenha sobre o termo inicial

da vida, não se pode perder de vista - e isso parece ser indubitável diante de qualquer posicionamento que se adote sobre o tema - que,

em qualquer hipótese, há um elemento vital digno de proteção jurídica. Muitas vezes passa despercebido nos debates que não é preciso reconhecer em algo um sujeito de direitos para dotar-lhe de proteção jurídica indisponível.

(...)

Assim, a questão não está em saber quando, como e de que forma a

vida humana tem início ou fim, mas como o Estado deve atuar na proteção desse organismo pré-natal diante das novas tecnologias,cujos resultados o próprio homem não pode prever.(Gilmar Mendes apud Paulo de Tarso Sanseverino)[10].

Devido a proteção integral dispensada aos nascituros, através da defesa de que estes, possuem uma personalidade jurídica, e são legitimados para figurarem numa relação jurídica, significa dizer que o nascituro, terá proteção maior diante de situações que possam ameaçar sua existência.

No sentir de Ribeiro{C}[11]

Seguir a teoria concepcionalista significa considerar vedadas todas as experiências com embriões humanos, cuja manipulação termine por descartá-los ou causar-lhes qualquer diminuição que lhes retire a capacidade de originarem um ser humano com todas as características que lhe são intrínsecas. (2011, p. 76)

Já para a teoria da personalidade condicional ou mista, o nascituro é dotado de personalidade, no entanto, condiciona esta personalidade ao nascimento com vida. Mônica Queiroz entende que para esta corrente de pensadores, o ser humano antes de nascer, possui, apenas uma personalidade juridicamente formal, o que justificaria a proteção dada aos direitos daqueles que hão de nascer e que, somente, a partir do nascimento com vida é que surgiria para estes uma “personilidade material,” que alcançaria os direitos materiais resguardados. (Queiroz, 2010, p. 26) (grifo nosso). No sentir de Ribeiro, “Esta teoria equipara o nascituro ao já nascido por meio de uma ficção, antecipando-se a personalidade, ou através de uma limitação à personalidade do nascituro.” (2011, p. 87).

Ao se apregoar que a personalidade do nascituro está condicionada a um evento, no caso em tela, ao nascimento com vida, é precisa questionar em qual condição ele se enquadra. Pois segundo Ribeiro, “Ao afirmar que o nascimento constitui uma condição resolutiva, admite-se o reconhecimento da personalidade àquele que ainda não nasceu, desde a concepção” (2011, p. 88). Para Queiroz, os partidários da teoria mista ou condicional, enxergam o nascituro sob o ponto de vista de que estes são submetidos a uma condição suspensiva[12], sob este prisma o nascituro não é possuidor de personalidade jurídica, ao menos que esse nasça com vida.

Embora, se busque a proteção do nascituro desde a concepção, a tarefa não tem sido fácil, pelo simples fato, de que determinar quando começa a existência do nascituro depende de comunicação do direito com outros ramos da ciência, e essas ainda tem se deparado com questões complexas que não permite dar um veredito final. Nesse sentido Ribeiro aduz:

Precisar o momento exato de início da vida humana ainda não é uma questão tranquila e pacificada para os pesquisadores das áreas médica, científica e até mesmo para os juristas, uma vez que a maior parte das legislações não faz qualquer referência acerca do instante em que se inicia a vida. Logo, estabelecer esse marco, no qual já se observa o princípio da vida humana, ainda é um dos grandes desafios a serem desvendados pela ciência. (2011, p. 74).

É justamente a partir dessa dificuldade, e a busca por um direito que resguarde aquele que ainda está por vir, é que o nascituro demanda proteção integral desde sua concepção (grifo nosso). Para tanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura que

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (grifo nosso)

E vai além. Prevendo de forma peremptória que a gestante demanda cuidado especial, e que esta deve ser alvo de políticas públicas que resguarde a sua saúde e do nascituro.

Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal.

§ 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema. § 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. § 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. § 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal

Portanto, é importante que a teoria concepcionalista que reconhece, desde a concepção os direitos do nascituro, seja a baliza para as discussões acerca do direito daquele que está por nascer.

Entretanto, não basta adotar tal teoria, mas conjugá-la com a teoria da proteção integral como forma de assegurar, da forma mais ampliada possível, os direitos dos nascituros, pois sem uma proteção integral, desde a concepção não se pode esperar que a criança tenha em todos os casos os seus direitos, a vida, a saúde, ao nascimento, dentre outros assegurados. Maria Berenice Dias é incisiva ao afirmar que:

Com personalidade jurídica, legalmente declarada ou não, existe para o nascituro mais do que simples interesse em jogo. Existem, sim, direitos reconhecidamente protegidos pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mesmo antes do nascimento. A doutrina da proteção integral abraça a criança desde a concepção. Logo, cabe ao juiz, frente a esse parâmetro essencial, partir dessa premissa básica para suas decisões fundamentais.” (2011, p. 536)

Com fito no melhor interesse do nascituro, é com base no próprio direito à vida, constitucionalmente assegurado o nascituro, assim como a criança já nascida gaza de uma proteção especial, guardadas a devida proporção.

{C}5. Alimentos como forma de resguardar a vida do nascituro.

Tendo como baliza, o bem estar da futura mãe e do nascituro, a Lei de Alimentos Gravídicos (Lei 11.804/2008), que disciplina o direito de alimentos da mulher gestante, veio em boa hora, pois apregoa que a mulher gestante pode buscar alimentos para despesas com a gravidez, mesmo antes de comprovada a paternidade, tais alimentos, de acordo com a Lei são devidos desde a concepção até ao parto (art. 2º).

No sentir de Leandro Soares Lomeu “Os alimentos gravídicos pode ser compreendido como aqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, ao longo da gravidez,” contrária, a esta ideia, posicionou-se Maria Berenice Dias, pois segundo a jurista, “A garantia dos alimentos desde a concepção, não significa a consagração da teoria concepcionista, eis que os alimentos não são assegurados ao nascituro mas a gestante.” Questões dissidentes à parte, o importante é que os alimentos gravídicos, tem o condão de resguardar o desenvolvimento saudável do nascituro.

Para que a mulher tenha uma gravidez mais saudável, a lei traz em seu artigo segundo, um rol de despesas que deverão ser custeados pelos alimentos percebidos em virtude do estado gravídico. Portanto, “Neste diapasão, ao se falar em direi­to a alimentos do nascituro, inclui-se o direito a ter um normal desenvolvimen­to até o termo do nascimento.[13]” (Angeluci, 2009, p. 69). É de suma importância que se proceda do entendimento de que os alimentos elencados no art. 2º, não são descrito de forma exaustiva (numerus clausus), mas meramente exemplificativo (apertus) e se for preciso que se incluam outras despesas, a lei assim permite, pois assim aduz: “ (…) demais prescrição preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.” (art. 2º).

O parágrafo único do artigo supra citado, traz algumas discussões relevantes, pois como obrigar ao suposto pai, a contribuir para uma pessoa que ele nem se quer tem a certeza de que dará a luz a um filho seu? Ou como prover os gastas de uma pessoa que, apenas teve um relacionamento frugal? O nascituro pode ser filho de qualquer outra pessoa. Soma-se a esses argumentos a dicção do artigo 8º, § 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente que aduz:

Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal.

(…)

§ 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem.

§ 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. (grifo nosso).

Se o Estatuto da Criança e do Adolescente, que abraça a teoria da proteção integral, dispõe que é dever do estado promover o bem-estar e cuidar para que as gestantes tenham um tratamento que resguarde a saúde do nascituro. Por que, então, a obrigação de um suposto pai arcar com as despesas?

É claro, que tais argumentos não devem prosperar, pois apesar de o Estado ter a obrigação de assegurar o bem-estar da gestante, isso não pode afastar do possível pai os encargos advindos da paternidade, ainda que anterior ao nascimento. Pois deve se ter em mente, que a sociedade evoluiu, e tal entendimento de que é necessária a prova do parentesco para que se defira os alimentos não pode ser adotado, uma vez que a proteção ao nascituro, passa também pela paternidade responsável. É preciso não dar guarita aos possíveis pais que só querem o momento de diversão e não o ônus das consequências advindas de tal ato. É de fácil percepção que a lei não coloca, unicamente, o possível pai como responsável pelas despesas, pois a responsabilidade deve ser mútua, tanto o homem quanto a mulher são responsáveis pelo nascituro, pois a gravidez, convencionalmente, não é algo unilateral.

Para tanto, a lei aduz que os encargos devem ser suportados pelo suposto pai e pela mãe, nesse caso, não aplica-se a regra do binômio, possibilidade de quem vai pagar e a necessidade de quem vai perceber (Código Civil art. 1694, § 1º), mas a capacidade financeira de ambos. Senão vejamos a parte final do § 4º, do artigo 2º, “considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.” (Grifo nosso).

Para a concessão dos alimentos gravídicos, o magistrado deve estar, apenas convencido de indícios de existir a paternidade, conforme dispõe a lei 11.804/08 em seu “Art. 6o Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.” É evidente que o juiz no caso concreto deve analisar os indícios trazidos aos autos para que seja deferidos os alimentos, pois não seria de bom entendimento, que os alimentos fossem deferidos, proveniente do embasamento, apenas, da imputação da paternidade pela mãe a uma determinada pessoa, possível pai. A análise dos indícios devem ser feita de forma criterioso, pois de acordo com o entendimento maioritário, não se deve proceder ao exame de DNA, nessa fase da vida, pois tal exame poderia trazer consequências traumáticas para o nascituro ou mesmo colocar sua vida em perigo, o que iria contra o preceito constitucional que assegura aos mesmos o direito a vida.

A legitimidade ativa para propositura da ação, é da mãe, que promove em nome próprio (Dias, 2001, p.538)[14]. Não há necessidade de que a ação de alimentos gravídicos seja cumulada com a de investigação de paternidade, pois a lei assim não dispõem. Para tanto, fica a critério do possível pai, a possibilidade de ao nascer o possível filho ele propor a devida ação de investigação de paternidade. Há também a possibilidade de que a mãe nada peça no período gestacional, no entanto é possível que ela, logo após comprovada a paternidade, peça reembolso das despesas feitas em virtude da condição de gestante (Dias, 2011, p. 538).

Para os defensores da legitimidade ativa materna, ocorrendo o nascimento, aconteceria uma inversão subjetiva da lide, no entanto, não seria de bom grado que o infante ajuizasse uma nova ação, pois isto carrearia nova demarcação da obrigação alimentar, pois de acordo com a Lei 5.478 de 25 de julho de 1968, Lei de Alimentos, a obrigação alimentar retroage à data da citação (art. 13, § 2º).

Uma das críticas mais duras que tem-se feito a lei, é quanto ao malfadado artigo 7º que “O réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias.” O que vai contrário ao melhor interesse do nascituro, pois de acordo com a lei que regula as prestações alimentares, e tem aplicação subsidiária (conforme aduz o art. 11 da Lei da 11.804/08) à Lei de Alimentos Gravídicos, dispõe em seu “Art. 9º Aberta a audiência, lida a petição ou o termo, e a resposta, se houver, ou dispensada a leitura, o juiz ouvirá as partes litigantes e o representante do Ministério Público, propondo conciliação.” Como se pode extrair da norma é que a resposta do réu deve ser dada na audiência inicial. Portanto, boa oportunidade, perdeu o Presidente ao não vetar tal dispositivo.

É bom salientar que com base na doutrina da proteção integral e da teoria concepcionalista, que resguarda os direitos do nascituro, desde a concepção, dispõe a Lei em seu artigo 6º, “Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do infante até que uma das partes solicite a sua revisão.” Muito feliz a dicção legal, pois como fora aduzido acima, a propositura de nova ação com base na Lei 5.478/68, deslocaria o termo inicial da obrigação alimentar, isto com certeza traria prejuízo ao alimentado. No entanto, a Lei dos Alimentos Gravídicos, permite que qualquer das partes peçam revisão do quantum, pois, o motivo da obrigação, a partir do momento do nascimento com vida, é outro. Pois como afirma Maria Berenice Dias

Como a obrigação perdura mesmo após o nascimento, oportunidade em que a verba fixada se transforma em alimentos a favor do filho, ocorre a mudança de sua natureza. A partir desse momento passa a ser atendido ao critério da proporcionalidade, segundo o as condições econômicas do genitor. Isso porque o encargo decorre do poder familiar e tem parâmetro diverso, pois deve garantir o direito do credor de desfrutar da mesma condição social do devedor (CC 1.694). (2011, p. 538) (grifo nosso)

Por que, o motivo anterior, que era a condição de gestante, que levava em conta a capacidade financeira dos pais, tendo em vista que as despesas não eram fixas, pois poderia aparecer no decurso da gravidez, despesas não previstas, tais como: exames urgentes, dentre outros. O motivo da revisão deve ser pautado no binômio possibilidade e necessidade.

Uma vez, delineados as possibilidades do deferimento dos alimentos gravídicos, cabe destacar em breves linhas os efeitos, que poderá ocorrer do deferimento de tais alimento quanto a terceiros prejudicados. Com base no princípio de que os alimentos são irrepetíveis, não resta ao possível pai requerer seu ressarcimento, no entanto, cabe sim ao sujeito passivo dessa relação (possível pai) requerer em casos de improcedência da ação, a indenização por perdas e danos.

Entretanto, deve-se verificar quanto a atitude da mãe. Se ela agiu de má-fé, deve sim ela indenizar o sujeito passivo pelos danos materiais. Tal previsão tem como base, o artigo 186 do Código Civil que aduz: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Nesse caso, a prova dos danos já está constituída, ou seja, os próprios pagamentos feitos a gestante ou ao infante quando do seu nascimento. Embora, os alimentos são irrepetíveis, não se pode permitir o enriquecimento sem causa e o pedido aqui em questão não seria a devolução das parcelas pagas a titulo de alimentos, mas o pedido de perdas e danos.

Quanto aos danos morais, se este for comprovado, podem também, o sujeito passivo na ação de alimentos gravídicos, agora, sujeito ativo em sede de ação civil de reparação de danos morais, requerer sua reparação. Tenhamos como exemplo um homem que trabalhou a vida inteira e construiu uma boa fama de pai de família, zeloso com os deveres matrimoniais. Nesse caso, a propositura de tal ação (alimentos gravídicos) causaria muito abalo à sua reputação e vida conjugal. É mister que ele se veja reparado dos danos causados a sua imagem e moral. Esses direitos assegurados constitucionalmente. Senão vejamos:

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Portanto é preciso ter em mente que ao propor tal ação, a mãe deve estar resguardada pelos indícios de que o sujeito passivo da ação é o pai, ou estar respaldada por fortes indícios de que ele possa ser o pai do nascituro.

Feitos tais apontamentos sobre a lei, cabe destacar, que ao nascituro cabe sim, ser protegido, desde a concepção, atribuindo-lhe personalidade e capacidade para configurar nas relações jurídicas[15], pois ele não é menos humano nem menos dependente de sua mãe do que o já nascido. É preciso desvincular a visão romanista que ainda se tem do nascituro, de que ele é apenas uma parte da mulher, mas que ele tem uma vida independente que depende tanto da mãe quanto o já nascido. É preciso ter que a concepção torna o nascituro uma pessoa, e que o nascimento é mais um fato importante na vida do ser humano, assim como as outras fase da vida (Ribeiro, 2011, p. 91), pois é a partir do nascimento que ele começa a interagir com o mundo exterior e a conhecer fisicamente o mundo em que irá percorrer seu caminho. Além disso, é precisar sublinhar que a existência do ser humano também está ligado ao seu caráter ontológico.[16]

{C}6. Conclusões.

O que se busca com teoria da proteção integral conjugada com a teoria concepcionalista, é a efetivação dos direitos da personalidade do nascituro, tais como: a vida, saúde, nascimento, enfim, a plenitude dos direitos. Pois o Código não busca a efetivação de direitos em potenciais, mas sobretudo, do direito concreto. Quanto aos direitos patrimoniais, não vislumbramos nenhum empecilho para que seja efetivado após o nascimento. Entretanto, outros direitos advindos da condição de pessoa humana, deverá ser assegurada aos nascituros como forma de um futuro desenvolvimento saudável.

REFERÊNCIAS

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DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias / Maria Berenice Dias. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. - 5. ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

QUEIROZ, Mônica. Direito civil: parte geral do direito civil e teoria geral dos contratos / Mônica Queiroz. – São Paulo: Atlas, 2010. – (Coleção concursos jurídicos; v. 5)

RIBEIRO, Ana Cecilia Rosário. Alimentos para o nascituro: tutela do direito à vida./ Ana Cecília Rosário Ribeiro./ Curitiba: Juruá, 2011.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAIS, Maria Celina Bodin. Código civil interpretado conforme Constituição da República – 2. ed. revista e atualizada / Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza, Maria Celina Bodin de Moraes. – Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do código civil: Estudos na perspectiva civil-constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

VASCONCELOS, Pedro Pais de, 1946 – Teoria geral do direito civil. – 6ª ed. – (Manuais universitários), Coimbra: Edições Almedina, SA, 2010.

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[1] Advogado. Pós graduado em Direito e Processo Civil. Mestrando em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Portugal.

[2]{C} http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/01_88.pdf, p. 6, acessado em Dezembro de 11.

[3] Disponível em: http://www.lexico.pt/nascituro/. Acessado dia 15 de out. de 2011.

[4]{C} Lei 16/2007. Artigo 142.o

[. . .]

1—Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida,

quando:

[…]

c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo; (grifo nosso)

[…]

Disponível em: http://juventude.gov.pt/MigratedResources/460000/460890_lei_ivg_16_2007.pdf. acessado em 16 de Out. de 2011.

[5] Vasconcelos, 2010, p. 73.

{C}[6] Art. 74. La existencia legal de toda persona principia al nacer, esto es, al separarse completamente de su madre. La criatura que muere en el vientre materno, o que perece antes de estar completamente separada de su madre, o que no haya sobrevivido a la separación un momento siquiera, se reputará no haber existido jamás. Disponível em: http://copropietarios.cl/leyes/DERECHOC/CODIGO_CIVIL_CHILENO.pdf, p. 15. Acessado em 21 de Out. de 2011.

[8] Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=12374511&sReg=200900175950&sData=20110204&sTipo=91&formato=PDF. Relatório do voto vencido do Ministro Massami Uyeda. Acessado em 15 de out. de 2011.

[9] “Art. 70. – Desde la concepción en el seno materno comieza la existência de las personas: y antes de su nacimiento pueden adquirir algunos derechos, como si ya hubiesen nacido. Esos derechos quedan irrevocablemente adquiridos si los concebidos en el seno materno nacieren com vida, aunque fuera por instantes después de estar separados de su madre.” Disponivel em: http://www.redseguros.com/Descargas/CodigoCivil.pdf, p. 18. Acessado em 21 de out. de 2011.

[10]{C} Recurso Especial Nº 1.120.676 - SC (2009/0017595-0), voto-vista, p. 6. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=13234821&sReg=200900175950&sData=20110204&sTipo=3&formato=PDF. Acessado em 15 de Out. de 2011.

[11] A autora, ainda traz a conceituação de mais duas teorias, além das neste artigo referidas. São elas: a Teoria da Nidação e a Teoria da Gastrulação. Segundo a primeira teoria, a vida humana, inicia-se a partir do momento “em que o embrião é implantado na parede do útero”. E para os defensores da segunda, é o desenvolvimento da gástrula, que marca o início da vida, isto ocorre no “período no qual as células continuam a se dividir e passa a ocorrer o aumento do volume do embrião, havendo a transformação do disco embrionário didérmico (composto por duas camadas) em tritérmico.” (Ribeiro, 2011, pp. 76-77)

[12] Disponível em: http://www.portaldafamilia.org/datas/nascituro/estatuto.shtml. acessado em 21 de out. de 2011.

[13]{C} Disponível em: http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewFile/1130/1228. acessado em 21 de Out. de 2011. P. 69.

[14]{C} Em sentido contrário Leandro Soares Lomeu. Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei 11.804/08. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=467.

{C}[15]{C} Nesse sentido o Código Civil Peruano: “Artículo 1.- Principio de la persona y de la vida humana - La persona humana es sujeto de derecho desde su nacimiento. La vida humana comienza con la concepción. El concebido es sujeto de derecho para todo cuanto le favorece. La atribución de derechos patrimoniales está condicionada a que nazca vivo.” Disponível em: http://www.jafbase.fr/DocAmeriques/Perou/codecivil.PDF. p. 3. Acessado em 23 de Out. de 2011.

{C}[16]{C} ONTOLÓGICO: Segundo este, supõe-se que certas esferas da realidade são autónomas em relação outras. Assim, quando se postula que a esfera da realidade orgânica se rege por leis distintas das da esfera da realidade inorgânica, diz-se que a primeira é autónoma relativamente à segunda. Essa autonomia não implica que uma esfera determinada não se reja também pelas leis de outra esfera considerada como mais fundamental. Disponível em: http://afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Mora,%20Ferrater/Ferrater%20Mora%20-%20Dicionario%20De%20Filosofia%20(port).PDF. P. 26, acessado em 23 de Out. de 2011.

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