SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.. {C}10{C}{C}
CAPÍTULO I. {C}13{C}{C}
1.0 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DA PENOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO PENAL MODERNO.. {C}13{C}{C}
1.1 ORIGEM DAS PENAS. 13
1.2 TEORIAS JUSTIFICADORAS DA PENA.. 18
1.2.1 Teorias absolutas ou retributivas da pena. {C}19
1.2.2 Teorias relativas ou preventivas da pena. {C}20
1.2.3 Teoria mista ou unificadora da pena. {C}23
CAPÍTULO II. {C}25{C}{C}
2.0 PRISIONIZAÇÃO E O DILEMA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO.. {C}25{C}{C}
2.1 SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: PRINCIPAIS DESAFIOS E PERSPECTIVAS. 25
2.2 LEI DE EXECUÇÃO PENAL Nº 7.210/84: PARADOXO ENTRE OS OBJETIVOS DA PENA E A REALIDADE CARCERÁRIA.. 30
2.3 DA PRISÃO E SEU CARÁTER DESSOCIALIZADOR.. 35
2.3.1 Estado de coisas inconstitucional {C}40
CAPÍTULO III. {C}43{C}{C}
3.0 MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO GARANTIA CONTRA A DESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO.. {C}43{C}{C}
3.1 FINALIDADES E SISTEMAS OPERACIONAIS DA VIGILÂNCIA ELETRÔNICA.. 43
3.2 APLICAÇÃO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO DIREITO INTERNACIONAL {C}46{C}{C}
3.3 ADVENTO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: DISPOSITIVOS LEGAIS ACERCA DESTE INSTITUTO.. 49
3.3.1 Lei nº 12.258/2010. {C}49
3.3.2 Lei nº 12.403/11. {C}50
3.3.3 Drcreto nº 7.627/11. {C}51
3.3.4 Projeto de Lei nº 8045/2010: novo código de processo penal {C}52
3.4 VIGILÂNCIA ELETRÔNICA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 53
3.4.1 Breves considerações acerca do princípio da dignidade da pessoa humana. {C}53
3.4.2 Uso da monitoração eletrônica e a potencial ofensa a dignidade humana do preso. {C}56
3.5 APLICABILIDADE DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO 60
3.5.1 Viabilidade econômica do uso do monitoramento eletrônico. {C}60
3.5.2 Viabilidade do sistema de vigilância eletrônica no Brasil: críticas e sugestões. {C}63
3.6 UTILIZAÇÃO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO GARANTIA CONTRA A DESSOCIALIZAÇÃO DECORRENTE DA PRISÃO.. {C}66{C}{C}
CONSIDERAÇÕES FINAIS. {C}69{C}{C}
REFERÊNCIAS. {C}73{C}{C}
ANEXO.. {C}79{C}{C}
INTRODUÇÃO
É evidente a crise do sistema prisional brasileiro. A prisão, principal manifestação do ius puniend do Estado está em processo de falência e não há otimismo quanto a sua reabilitação. O preso, cada vez mais destratado e desrespeitado nos presídios é participante de um círculo vicioso em que os índices de reincidência aumentam a cada ano o que, por sua vez, provoca o aumento da população carcerária e a crescente dessocialização.
Tal situação exige providências que sejam eficazes no enfrentamento do problema, tendo por base a ideia de que é imprescindível buscar a ressocialização do preso e, por conta disso, a minoração de problemas como a superlotação carcerária e o desrespeito a vários direitos inclusos na dignidade da pessoa humana.
Nesse contexto, surge como medida alternativa à prisão o monitoramento eletrônico de presos condenados ou provisórios consistindo, basicamente, em monitorar o indivíduo à distância através de equipamentos tecnológicos que permitem indicar sua exata localização.
A presente pesquisa exploratória buscará analisar o monitoramento eletrônico como meio de minimização dos efeitos da dessocialização dos custodiados, sendo para tanto utilizada como procedimento técnico à pesquisa bibliográfica. Imperioso reforçar que o método a ser empregado será o dedutivo a partir de análise de jurisprudência, legislação, artigos e doutrina.
Dessa análise busca-se resposta para seguinte problemática: O sistema de monitoramento eletrônico configura-se meio de detenção da dessocialização dos custodiados no Brasil?
Como possível resposta parte-se da seguinte hipótese: O monitoramento eletrônico é meio alternativo ao encarceramento e medida altamente tecnológica e moderna, podendo ser considerado como medida anti-dessocializadora de custodiados, permitindo-se a proteção de vários outros direitos devassados pela reclusão dos encarcerados, bem como a tutela da dignidade da pessoa humana. Isso porque, ao contrário do caráter retrógado e antissocial das prisões brasileiras, bem como o tratamento desumano e medieval oferecido a tais pessoas, percebe-se na vigilância eletrônica uma garantia à liberdade vigiada e ressocialização do custodiado.
Nesse sentido, o primeiro capítulo trará um estudo sobre a origem das penas partindo-se da fase primitiva até a fase científica, observando seus principais mecanismos de punição, dando-se ênfase a teóricos como Kant, Beccaria, Ferri e Lombroso.
Também serão abordadas as teorias justificadoras das penas, quais sejam: teorias retributivas, preventivas e mistas. Por conseguinte, a análise será feita comparando as principais diferenças entre tais teorias, observando-se a teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro bem como algumas críticas a essa teoria.
No segundo capítulo será feito um estudo sobre o sistema prisional brasileiro, primeiramente analisando-se dados estatísticos que demonstrem a realidade carcerária, partindo-se para a identificação dos principais problemas que assolam tal sistema bem como possíveis soluções.
Serão contrapostas a realidade do sistema prisional e as garantias previstas na Lei de execução penal nº 7.210/84 apontando-se, sobretudo, o desrespeito a princípios como a humanidade da pena e a dignidade da pessoa humana. Será também abordada a característica dessocializadora carreada à prisão, mostrando-se mediante críticas de renomados teóricos, entre eles Alessandro Baratta e Michel Focault, que a prisão por si é instituto que descultura o indivíduo, levando-o a reincidência.
Ainda no segundo capítulo será feita menção a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF nº 347, movida em desfavor da União em que se pretende que o sistema prisional brasileiro seja declarado um estado de coisas inconstitucional, devido a ocorrência de generalizada violação de direitos humanos.
O terceiro e último capítulo abordará a monitoração eletrônica, partindo-se do histórico e utilização desse instituto em outros países, passando-se para o enfoque operacional do sistema. Serão também listados os diplomas legais em vigência e em processo legislativo sobre o monitoramento eletrônico, analisando-se as hipóteses de utilização do sistema no Brasil.
Adiante, abordar-se-á em linhas gerais o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a potencial ofensa que lhe causaria a utilização do monitoramento eletrônico em indivíduos presos provisórios ou definitivos, como também a aplicabilidade desse sistema no Brasil.
Por fim, se encerrará a pesquisa com algumas considerações acerca da viabilidade da vigilância eletrônica como medida atuante contra a dessocialização do custodiado, levando-se em conta todo o contexto relativo aos efeitos intrínsecos à prisão e a questões estruturais como a superlotação e a quantidade de presos sem condenação no Brasil.
Carece salientar a importância da pesquisa para o meio jurídico, uma vez que trará estudo sobre a viabilidade da monitoração eletrônica frente a realidade carcerária e à potencial capacidade do instituto de ser eficaz na minimização dos efeitos desculturantes da prisão.
A confrontação de dados estatísticos que revelam os custos dispendidos pelo Estado com o custodiado preso ou sob o uso do monitoramento eletrônico, bem como a sua utilização no regime aberto convertido em prisão domiciliar e a explanação da possível diminuição que o uso do sistema de monitoramento eletrônico implicaria no sistema carcerário constituem abordagens importantes desta pesquisa.
É cediço que a temática é recente no Brasil e sua implantação ainda é tratada com descrédito por parte dos magistrados brasileiros, sendo a presente pesquisa, portanto, meio eficaz para elucidar possíveis dúvidas acerca do instituto da vigilância eletrônica no Brasil.
CAPÍTULO I
{C}1.0 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DA PENOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO PENAL MODERNO
1.1 ORIGEM DAS PENAS
De acordo com doutrina majoritária divide-se a história do direito penal em três fases distintas: períodos primitivo, humanitário e científico.
A fase primitiva, de início, evidenciou a chamada vingança divina em que, conforme ensina Nucci (2014, p. 85-86) [...] “aplicava-se a sanção como fruto da liberação do clã da ira dos deuses em face da infração cometida, quando a reprimenda consistia, como regra, na expulsão do agente da comunidade, expondo-o à própria sorte”.
Nesse período, acreditava-se que somente com a expiação do pecado ou delito cometido por alguém poderia a ira dos deuses ser aplacada. Essa ira manifestava-se quase sempre por intermédio de fenômenos da natureza como raios, ventanias e chuvas.
Na visão de Mirabete (2010) tais fenômenos da natureza foram atribuídos pelos homens primitivos a seres sobrenaturais que teriam o poder de premiá-los ou castigá-los a depender de como se comportavam. Atribuiu-se a esses seres o nome de totens, cuja violação ou descumprimento de regras relativas a eles eram punidas com sansões rigorosas. Diante disso, é possível que as primeiras regras de proibição e as primeiras penas tenham advindo de relações totêmicas e dos chamados tabus, palavra de origem polinésia que significa ao mesmo tempo aquilo que é sagrado e proibido.
Nessa etapa de vingança divina era punido, portanto, quem de algum modo quebrasse ou violasse os tabus, uma vez que, enquanto tal indivíduo não fosse punido, a ira divina recairia sobre todo o clã.
Passada a era da vingança divina, avançou-se para chamada vingança privada como forma de punição do delinquente pela comunidade. Conforme Bitencourt (2012, p. 134)
[...] Evoluiu-se, posteriormente, para a vingança privada, que poderia envolver desde o indivíduo isoladamente, até o seu grupo social, com sangrentas batalhas, causando, muitas vezes, a completa eliminação de grupos. Quando a infração fosse cometida por membro do próprio grupo, a punição era o banimento (perda da paz), deixando-o à mercê de outros grupos, que fatalmente o levariam à morte. Quando, no entanto, a violação fosse praticada por alguém estranho ao grupo, a punição era a “vingança de sangue”, verdadeira guerra grupal.
É óbvio que essa forma de punição não teria como se alongar muito na história, uma vez que sua prolongação poderia levar rapidamente a extinção da raça humana. Se toda vez que alguém de uma tribo ofendesse algum regramento de outro clã fosse existir uma guerra, não tardaria muito e os seres humanos se autodestruiriam.
Com a evolução social, passou-se a considerar essa possibilidade de extinção da raça humana, vindo á vingança privada o advento da lei do talião, que na visão de Nucci (2014), se traduz em a sanção ser igual ao mal praticado, ou seja, implicando no “olho por olho, dente por dente”. Nessa linha de pensamento, merecia o infrator receber o mesmo mal que praticou em desfavor da vítima, embora tal pena fosse desprovida de qualquer finalidade útil que não fosse acalmar os ânimos da sociedade, alterados em virtude do delito cometido. Decerto, porém, que a adoção da lei do talião pode ser considerada uma evolução no direito penal, vez que a partir daí começou a existir equilíbrio entre o delito praticado e a pena atribuída ao agente.
Mais adiante, passou-se a considerar apenas o chefe da tribo, que na maioria das vezes era o membro mais ancião do clã, como sendo legítimo para aplicar penalidades a quem descumprisse as regras proibitivas do grupo. A essa modalidade de punição denominou-se vingança pública, que mais tarde seria usada com o objetivo de propiciar “a segurança do soberano ou monarca pela sanção penal, que mantêm as características da crueldade e da severidade, com o mesmo objetivo intimidatório”. (BITENCOURT, 2012, p. 135)
Note-se que nesse período da história a religião ainda ocupava grande espaço no Estado, sendo o fator que legitimava o poder absoluto do monarca e trazia o temor aos súditos.
Durante o século XVIII, também conhecido como século das luzes, começou-se a mudar a concepção da pena intimidatória pura para um sentido mais humanitário, daí o inicio da fase humanitária do direito penal. Assim, em meados do século XVIII já eram tecidas críticas públicas ao punitivismo vigente, enfatizando a necessidade de observância das liberdades individuais e dignidade humana (BITENCOURT, 2012).
Nota-se que somente com os ideais iluministas se cogitou a ruptura com o antigo modelo punitivo pautado na vingança, tecendo-se contra o sistema severas críticas exigindo-se, principalmente, que fossem respeitadas a dignidade e liberdades humanas, bandeiras defendidas por vários pensadores da época. Esse movimento de severas críticas ao sistema vigente à época, em todos os sentidos e esferas, trata-se justamente do Iluminismo, sobre o qual explicita Bitencourt (2012, p.147)
As correntes iluministas e humanitárias, das quais Voltarie, Montesquieu e Rousseau foram fieis representantes, realizam uma severa crítica dos excessos imperantes na legislação penal, propondo que o fim do estabelecimento das penas não deve consistir em atormentar a um ser sensível. A pena deve ser proporcional ao crime, devendo-se levar em consideração, quando imposta, as circunstâncias pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzir a impressão de ser eficaz sobre o espirito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel para o corpo do delinquente. Esse movimento de ideias, definido como Iluminismo, atingiu seu apogeu na Revolução Francesa, com considerável influência em uma série de pessoas com um sentimento comum: a reforma do sistema punitivo.
Compreende-se, nesse contexto, o início da preocupação com a dignidade física dos delinquentes, situação até então inquestionável e legítima segundo o viés do sistema punitivo até então vigente, bem como em todos os que o antecederam.
Defendiam os iluministas a descaracterização do viés vingativo da pena, ou seja, não mais era concebível que a pena tivesse o objetivo de atormentar o indivíduo que delinquiu. Defendia-se, por conseguinte, penas proporcionais ao delito e que levassem em consideração as características pessoais do agente sem, contudo, deixar de dar à sociedade a sensação de realização da justiça.
O sentimento comum de anseio pela reforma do sistema punitivo partia da necessidade de separação entre religião e razão, até porque deveria ser a razão a mola propulsora para o progresso, tanto na seara penal como em qualquer área da vida.
Nesse contexto da fase humanitária da pena se faz necessária menção ao pensamento do precursor do direito penal moderno, o Marquês de Beccaria, que apresenta em sua obra “Dos Delitos e das Penas” uma denúncia às arbitrariedades das penas aplicadas no período da Escola Clássica.
No que se refere à origem das penas, entendia Beccaria ter essa surgido com o advento das leis, as quais, segundo o chamado contrato social formulado por Hobbes e Locke são fruto da união de homens fadigados pelo contínuo estado de guerra e incertezas quanto à manutenção da até então liberdade plena e irrestrita de que dispunham. (BECCARIA, 1996)
Diante dessa união entre os homens, aduz Beccaria (1996, p. 21)
parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranquilidade. A soma de todas essas porções de liberdades, sacrificadas ao bem de cada um, formaria a soberania de uma nação e o Soberano é seu legítimo depositário e administrador.
Observa-se que diante do pacto estabelecido, tem-se o início do Estado, detentor e responsável pela tutela e manutenção das liberdades a ele confiadas. Nessa ideia inicial de Estado, surgiu a pessoa do Monarca ou Soberano como aquele que representaria o Estado, sendo-lhe legítimo dispor das prerrogativas de Nação.
Nessa perspectiva referente ao poder concedido ao Monarca, Beccaria não reconheceu como legítima a teoria do contrato social de Hobbes por essa pregar que os homens deveriam se desapegar de todas as suas liberdades e confiá-las ao Soberano, podendo este utilizá-las como bem entendesse.
Diante disso, aponta Gomes (2014) que Beccaria sustentou-se na versão de Lock do pacto social, em que apenas porções das liberdades de cada indivíduo são transferidas ao Estado, restando ao Soberano administrá-las e defendê-las.
Nesse ínterim, para defender as liberdades e evitar que as usurpassem, surge a ideia dos motivos sensíveis que justificariam a imposição pelo Estado de penas aos indivíduos que intentassem invadir a porção de liberdade do outro.
Sobre as ideias de Beccaria relacionadas à pena, aduz Bitencourt (2012, p. 150)
Beccaria tinha uma visão utilitarista da pena. Procurava um exemplo para o futuro, mas não uma vingança pelo o passado, celebrizando a máxima de que “é melhor prevenir delitos do que castigá-los”. [...] Defendia a proporcionalidade da pena e a sua humanização. O objetivo preventivo geral, segundo Beccaria, não precisava ser obtido através do terror, como tradicionalmente se fazia, mas com a eficácia e certeza da punição. Nunca admitiu a vingança como fundamento do ius puniend.
Como se vê, para Beccaria, não era necessário impor terror à pena, bastando-lhe ser certa e eficaz no alcance do seu objetivo, que nada mais era do que prevenir novas condutas delitivas.
Não se fazia necessária a utilização do terror, portanto, para que se chegasse ao objetivo da prevenção, devendo a pena, por outro lado, ter a característica humanitária e a proporcionalidade em relação ao delito praticado.
Além disso, para Nucci (2014) Beccaria defendia a estrita aplicação das penas estabelecidas pela lei, não cabendo ao juiz interpretá-las, mas somente aplicá-las. Foi também defensor do princípio da individualização das penas, sendo totalmente contrário a pratica, até então comum, de punir, além da pessoa do infrator, também seus familiares.
Afirma Bitencourt (2012) que a grande contribuição de Beccaria foi conseguir se comunicar com o grande público, muito devido a sua grande capacidade de eloquência. Sua obra sistematizou e tornou claras as principais ideias contratualistas e utilitaristas, incentivando os operadores do direito à época a reivindicarem uma urgente reforma penal.
Diante disso, por ter sido o grande sistematizador dos conceitos dos contratualismo e do utilitarismo, principais ideias iluministas da época, com o fim de afastar o caráter vingativo da pena e legitimar à pena o caráter preventivo, pode ser considerado o Marquês de Beccaria como sendo um marco na história humanitária do direito penal.
A fase científica do Direito Penal evidenciou-se principalmente com o surgimento da chamada Escola Positiva, capitaneada por Cesare Lombroso e por seus discípulos Ferri e Garófalo. Nessa linha, Nucci (2014) sustenta que a publicação do livro O homem delinquente, em 1876, pode ser vista como o marco inicial da Escola Positiva, quando se passou a considerar que o homem já nascia criminoso devido a características próprias, oriundas de anomalias fisicopsíquicas. Tais características impediriam o indivíduo de se adaptar ao meio social, surgindo o crime como consequência.
Isto é, no entendimento de Lombroso, caraterísticas corporais e psíquicas definiam potenciais delinquentes, que a qualquer momento culminariam na pratica criminosa.
Garófalo, por sua vez, defendia a ideia de o delito ser fruto da degeneração da natureza do indivíduo, não importando se tal degeneração fosse recente ou antiga. Dessa forma, afirmava que o crime se tratava de anomalia moral ou psíquica, sendo a periculosidade o que impulsionava o delinquente a cometer crimes. Defendia também a necessidade de se impor tratamento ao criminoso, apresentando a medida de segurança. (SUMARIVA, 2014)
Destaca-se que Garófalo, a seu turno, estabeleceu conceitos criminais relacionados ao campo da psicologia e, assim como Lombroso, acreditava na criminalidade nata, sendo possível a constatação a partir de características fisionômicas inerentes ao indivíduo.
Segundo Nucci (2014) Ferri, por sua vez, defendeu a proteção social como fundamento da pena, além de considerar a prevenção como sua finalidade principal. Defendeu também que o ser humano não cometia delitos em razão de seu livre arbítrio, mas por viver em sociedade.
Tanto que Ferri defendia a reeducação e reabilitação do preso:
[...] Visto que na maioria dos casos o delinqüente é corrigível e educável, quer moralmente, quer tecnicamente, o problema final na adaptação executiva da sanção tem em vista a cessação da periculosidade criminal e, portanto, a colocação em liberdade do condenado. E isto tanto mais com o sistema geral do sequestro por tempo indeterminado. (FERRI, 2003, p. 333)
Nesse sentido a prisão, chamada por Ferri de sequestro, tinha que ao seu final cessar a periculosidade do condenado, visto serem estes, na maioria dos casos, corrigíveis. Curiosamente era defensor da prisão por tempo indeterminado, por não haver como o juiz definir objetivamente em quanto tempo se daria a cessação da periculosidade do delinquente.
Como visto, as fases do Direito Penal remontam em si a história e evolução das penas, demonstrando que foi preocupação da sociedade punir aqueles que transgrediam as normas de convivência, ficando a cargo dos teóricos e pensadores reunir argumentos filosóficos, sociológicos, psicológicos, científicos e jurídicos que legitimassem e justificassem a atuação do Direito Penal e a imposição de penas aos delinquentes.
1.2 TEORIAS JUSTIFICADORAS DA PENA
Ao longo da história dos delitos, as penas foram objeto de estudos relacionados à sua justificação no contexto social, objetivos, características e efeitos sobre a pessoa do apenado.
Ora, em se tratando de ser a pena revestida de um caráter limitante da liberdade individual denota-se imprescindível que sua aplicação no meio social seja muito bem embasada teoricamente com argumentos que a justifiquem.
Nesse sentido, de início tinha se na imposição de pena ao individuo que cometesse delitos apenas o entendimento de que o mal deve ser retribuído com o mal. Retratam-se nessa linha de pensamento as chamadas teorias absolutas ou retributivas da pena.
Num segundo momento mudou-se o entendimento para a questão da utilização da pena para prevenção dos delitos, o que culminou nas teorias relativas ou preventivas da pena.
Todavia, foram elaboradas as chamadas teorias mistas da pena, que buscaram de maneira geral unir de forma equilibrada os conceitos das extremadas teorias anteriores.
1.2.1 Teorias absolutas ou retributivas da pena
As teorias absolutas ou retributivas da pena embasam-se principalmente nas ideias de Kant e Hegel vistas, sobretudo do ponto de vista filosófico ético/moral e jurídico. Nesse sentido, explicita Mirabete (2010, p.220) que
as teorias absolutas (de retribuição ou retribucionista) têm como fundamentos da sanção penal a exigência da justiça: pune-se o agente porque cometeu o crime (punitur quia pecatum est). Dizia Kant que a pena é um imperativo categórico, consequência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao mal do crime impõe-se o mal da pena, do que resulta a igualdade e só esta igualdade traz a justiça. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral.
Nessa visão, a pena nada mais teria como objetivo a não ser pagar o mal com o mal. Trata-se de um sistema de compensação em que o indivíduo que cometeu delito agiu em desfavor da ordem social e que, por isso, merece retribuição jurídica.
Na ótica da teoria retributiva, a pena de certo modo reparava o dano causado pelo apenado, trazendo à sociedade a sensação de justiça, cuja consequência jurídica violenta restauraria a ordem jurídica violada, traduzindo-se não em objetivo, mas sim em compensação.
De acordo Nucci (2014), para Kant as penas dispensavam qualquer finalidade, sendo apenas a justa retribuição pelo mal causado de maneira em que esta compense o delito cometido, uma vez se tratar o ser humano um ser moralmente livre e autodeterminável.
De outro lado Hegel, “embora inserido na mesma corrente, possuía visão diferenciada, afirmando que deve a pena ser considerada retribuição apenas no sentido de que se contrapunha ao crime”. (NUCCI, 2014, p. 94)
Nesse sentido, enquanto que para Kant a pena seria uma retribuição ética autorizada pela lei penal transgredida, para Hegel a retribuição seria jurídica, pautada na necessidade de se impor ao criminoso uma espécie de violência legal que se contrapusesse ao delito cometido, restaurando-se assim o direito e trazendo ao status quo ante o ordenamento jurídico afetado.
A crítica quanto a esta teoria incorre em sua deficiência de, em momento algum, tentar justificar a aplicação das penas, buscando somente demonstrar que são elas necessárias para o controle da ordem social. Prado (2008, p. 526) justifica o completo desuso dessa teoria nos dias atuais ao lecionar que
[...] a idéia de retribuição jurídica significa que a pena deve ser proporcional ao injusto culpável, de acordo com o princípio de justiça distributiva. Logo, essa concepção moderna não corresponde a um sentimento de vingança social, mas antes equivale a um principio limitativo, segundo o qual o delito perpetrado deve operar como fundamento e limite da pena, que deve ser proporcional à magnitude do injusto e da culpabilidade.
Diante disso, demonstra-se que tais teorias encontram-se superadas, sendo incabível que a pena apenas tenha o condão de ser vingança pelo mal causado pelo delinquente à sociedade, destituída, dessa forma, de qualquer objetivo que a justifique.
1.2.2 Teorias relativas ou preventivas da pena
Ao contrário das teorias retributivas, que defendiam a pena como um fim em si mesma, nas teorias preventivas ou relativas da pena a ideia central reside na concepção da pena como instrumento na prevenção de novos delitos. De outro modo, significa que de acordo com essa teoria a pena tem caráter essencialmente preventivo e obstrutivo no sentido de evitar que o apenado volte a delinquir.
Por conseguinte, esse pensamento preventivo da pena pode ser dividido quanto aos seus destinatários em geral e especial. Destarte, merece destaque a lição de Zaffaroni e Pierangeli (2011, p. 98)
Para uns a prevenção se realiza mediante a retribuição exemplar e é prevenção geral, que se dirige a todos os integrantes da comunidade jurídica. Para outros, a prevenção deve ser especial, procurando com a pena agir sobre o autor, para que aprenda a conviver sem realizar ações que impeçam ou perturbem a existência alheia.
Nesse sentido, conquanto doutrina majoritária subdivide-se a prevenção geral em negativa e positiva. Entende-se por prevenção geral negativa o condão dado a pena de evitar novos delitos impondo medo no restante da sociedade, fazendo-a entender que não é vantajoso cometer determinada infração delitiva por ser severa a punição para tal ato. Por outro lado, considera-se positiva a prevenção geral dotada de caráter educativo, que disciplina o cidadão a manter-se fiel ao Estado.
Para Ferrajoli (2014) a prevenção geral negativa parte do pressuposto mediato de que a pena se trata de uma ameaça legal a quem se sinta tentado a praticar delitos, pautando-se nessa premissa para dissuadi-lo a desistir.
Ressalte-se que embora tais ameaças legais funcionem em alguns casos, longe estão de alcançar todas as motivações que culminam no cometimento de um delito. Por mais que a lei penal tente impor medo ao candidato a delinquente, várias outras motivações podem lhe injetar coragem para delinquir, a exemplo da ponderação feita entre a violência da pena e as vantagens pecuniárias do serviço prestado por um indivíduo que está prestes a assassinar uma pessoa a troco de boa quantia em dinheiro.
No que tange a prevenção geral positiva ressalte-se que parte de três efeitos principais, a saber:
[...] aprendizagem, confiança e pacificação social. Aprendizagem consiste em recordar as regras sociais que não devem ser infringidas, pois, tal ordem de transgressões não é tolerada pelo Direito Penal. A confiança implica que os cidadãos acreditem e confiem no Direito quando ele se impõe. E, por fim, a pacificação social obtida quando a desviação social é resolvida pelo Direito (PRADO, 2008, p. 491)
Observe-se que na prevenção geral positiva busca-se evitar novos delitos por uma via um tanto quanto mais amena que a prevenção geral negativa. Nesse caso, sob a perspectiva dessa teoria, o cidadão é doutrinado a não cometer crimes sempre que vê pelo noticiário algum delinquente ser condenado a determinada pena, aumentando-se sua confiança na efetividade das leis penais para os fins de pacificação social.
Entretanto, não é correta a pretensão de impor ao cidadão determinados padrões éticos, de maneira coativa, vez que parte-se da premissa que o Brasil é um Estado social e democrático de Direito.
De acordo Bitencourt (2011) é legítima a crítica a essa teoria no que tange a eliminação dos limites do ius puniendi do Estado a serviço da intimidação ou educação dos indivíduos em relação aos delitos. Tal erro acaba sempre culminando e tornando legítima a elaboração por parte do Estado de politicas criminais antidemocráticas.
Quanto à prevenção especial, também se costuma dividi-la em negativa e positiva. Nesse sentido, a vertente positiva credita ao indivíduo que cometeu delito características de inferioridade social que somente será eliminada com a imposição da pena. Ao passo que a vertente negativa assevera que a pena deve ser dura para ser considerada solução e capaz de neutralizar a consequente inferioridade do delinquente. Merece destaque lição de Greco (2014, p. 482) sobre a prevenção especial positiva e negativa.
Pela prevenção especial negativa, existe uma neutralização daquele que praticou a infração penal, neutralização que ocorre com sua segregação no cárcere. A retirada momentânea do agente do convívio social o impede de praticar novas infrações penais, pelo menos na sociedade da qual foi retirado. Quando falamos em neutralização do agente, deve ser frisado que isso somente ocorre quando a ele for aplicada pena privativa de liberdade. Pela prevenção especial positiva, segundo Roxin, “a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos”. Denota-se, aqui, o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros.
Consiste a prevenção especial negativa, por outra forma, no isolamento daquele que delinquiu em local que o impeça de conviver com o restante da sociedade por determinado período de tempo, evitando-se assim, momentaneamente, que este volte a cometer delitos.
Quanto à prevenção especial positiva, nela se traduz a tão discutida ressocialização do delinquente, que em tese, ao ser condenado a determinada pena, deverá ponderar e refletir sobre a maleficência da sua conduta e o fim que esta lhe proporcionou, procurando a partir daí buscar não mais delinquir. Nesse sentido,
pretende-se, então, com sua reeducação, tornar a prevenção eficiente e definitiva (prevenção especial positiva). É a busca da reeducação e da ressocialização do condenado, afinal, é o expressamente disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos: as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados” Art.5°, 6). (NUCCI, 2014, p. 108)
Como visto, a ressocialização do apenado é vista como sendo a principal finalidade da pena privativa de liberdade, pelo menos é essa a ideia da Convenção Americana de Direitos humanos.
Reeducação e ressocialização associam-se, uma vez que não podem acontecer dissociadas uma da outra. O delinquente que se ressocializou, precisou necessariamente se reeducar, visto que cometer delitos é ato contrario a educação.
Nesse sentido, será completa e definitiva a prevenção especial individual que não apenas impede a reincidência por manter o apenado longe da sociedade por determinado período de tempo, mas sim o reeduca para que continue sem delinquir ao cessar a prevenção especial negativa.
1.2.3 Teoria mista ou unificadora da pena
A teoria mista ou unificadora da pena é a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 59 segundo o qual, in verbis:
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e (sic) conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (BRASIL, 1940, on-line)
Trata-se, como o próprio nome indica, de uma unificação das teorias retributivas e preventivas da pena. Nesse sentido, o juiz, atendidas uma serie de requisitos, deverá aplicar a pena com o fim de reprovar a conduta delitiva do agente e, ao mesmo tempo, evitar que novas condutar delituosas ocorram.
Segundo Bitencourt (2011, p. 183) “as teorias unificadoras partem da crítica às soluções monistas, ou seja, às teses sustentadas pelas teorias absolutas ou relativas da pena”. Nessa esteira, em ambos os extremos (retribuição e prevenção), não haveria como alcançar todos os fenômenos sociais interessantes ao Direito Penal. Tal problema somente poderia ser solucionado com a aproximação dos principais conceitos retributivos e preventivos da pena, o que culmina nas teorias unificadoras ou mistas.
Ainda sobre as teorias mistas Shecaira e Corrêa Júnior (1995, p. 101) fazem severa crítica ao enfatizar que
da combinação entre os diferentes aspectos das correntes acima mencionadas surgem teorias mistas ou ecléticas. Estas, no mais das vezes, prevêem a pura justaposição das diversas teorias destruindo a lógica imanente a cada concepção, como também aumentando o âmbito de aplicação da pena, convertendo a reação penal estatal em meio utilizável para sanar qualquer infração à norma.
Na concepção do citado autor, há erro em justapor teorias que sempre se contrapuseram vez que tal junção tem o condão de anular as lógicas próprias de cada teoria. Há também a crítica em relação ao objetivo das teorias unificadoras de alcançar todos os fenômenos sociais.
Nesse sentido, tais teorias violam preceito básico do Direito Penal, qual seja a ideia de que este é a ultima ratio, ou seja, nessa concepção de maior abrangência do Direito Penal, há o risco de desconstituir a natureza deste de ser a última saída no ordenamento jurídico. (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 1995)
Entretanto, entende-se que a falha não está na junção das teorias monistas da retribuição e prevenção, mas sim na inaplicabilidade da prevenção na realidade carcerária brasileira, que por sua vez, conforme se verá adiante, demonstra-se incapaz de alcançar essa finalidade.
O enfoque deve ser realístico, voltado para a real situação prisional em que o País se encontra, ou seja, deve-se “abandonar, de uma vez por todas, o terreno dos dogmas, das teorias, do dever-ser e da interpretação das normas”. (BITENCOURT, 2011, p. 197)
A partir daí se poderá buscar fazer com que as penas tenham realmente o caráter retributivo e preventivo, atuando com a função de ressocializar o infrator e inseri-lo novamente no normal convívio social.
CAPÍTULO II
2.0 PRISIONIZAÇÃO E O DILEMA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO
2.1 SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: PRINCIPAIS DESAFIOS E PERSPECTIVAS
É indubitável que o sistema prisional brasileiro atravessa um período caótico. Diante de todos os fins a que a pena se destina, nota-se que não há relevante melhoria e sim, ao contrário, majoração dos problemas que a cada dia têm ocupado mais espaço nos telejornais e mídias sociais pelo Brasil e em alguns casos, na mídia internacional.
No cenário atual são frequentes as rebeliões, motins e chacinas relacionadas ao problema da superlotação dos presídios. Exemplo notório e recente foram os períodos de horror ocorridos no presídio de Pedrinhas no município de São Luís no Maranhão. Sobre esse presídio, foi exibida reportagem pelo Jornal Folha de São Paulo por Bianchi (2015, s/p), informando:
O complexo penitenciário de Pedrinhas é palco de diversas rebeliões e tentativas de fuga desde 2013. Desde então foram registradas 79 mortes de detentos. Como a Folha revelou no ano passado, alguns presos foram decapitados por outros detentos. A violência no sistema prisional gerou uma crise de segurança na gestão da então governadora Roseana Sarney (PMDB), que deixou o cargo no fim de 2014, e críticas de organizações internacionais.
Por conseguinte, acontecimentos como esse, com cobertura ampla da mídia, tem o escopo de elevar o sentimento de insegurança da população, que por sua vez horroriza-se ao ver as cenas de violência que tem dominado cada vez mais o ambiente penitenciário da maioria dos presídios brasileiros.
O caos vivenciado no presídio de Pedrinhas é só o reflexo do que acontece rotineiramente no sistema, evidenciando que existem problemas e a necessidade de solucioná-los.
Em junho de 2015 o Ministério da Justiça publicou pesquisa realizada pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), sintetizando informações sobre a atual situação dos estabelecimentos penais brasileiros e sobre a população carcerária. (DEPEN, 2015)
Nessa pesquisa do Depen (2015), apresentou-se um panorama geral da população prisional brasileira, e constatou que durante o primeiro semestre do ano de 2014 alcançou-se a marca de 607.731 presos.
Como o sistema prisional possuía até a conclusão dessa pesquisa 376.669 (trezentos e setenta e seis mil seiscentos e sessenta e nove) vagas, nota-se o déficit de 231. 062 (duzentos e trinta e uma mil e sessenta e dois) lugares, o que se traduz em uma taxa média de ocupação de 161%. (DEPEN, 2015)
Em outras palavras imagina-se que, a título exemplificativo, determinado estabelecimento prisional possua 100 vagas. Nessa situação, estarão presas nesse estabelecimento 161 pessoas, número consideravelmente superior a sua capacidade.
Por conseguinte, o Depen (2015, p.13) comparou os números gerais da população carcerária do Brasil com a de outros países, chegando a conclusão de que
em números absolutos, o Brasil tem a quarta maior população prisional, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Cotejada a taxa de aprisionamento desses países, constata-se que, em termos relativos, a população prisional brasileira também é a quarta maior: somente os Estados Unidos, a Rússia e a Tailândia têm um contingente prisional mais elevado. A taxa de ocupação dos estabelecimentos prisionais brasileiros (161%) é a quinta maior entre países em questão. As Filipinas (316%), o Peru (223%) e o Paquistão (177%) têm a maior taxa de ocupação prisional. Apesar de os Estados Unidos contarem com a maior população prisional do mundo, e a Rússia com a terceira maior, a taxa de ocupação desses países é relativamente pequena. Enquanto os estabelecimentos prisionais russos operam, em média, aquém de sua capacidade, com cerca de 94% de ocupação, os estabelecimentos dos Estados Unidos operam somente um pouco acima (102%).
Diante das estatísticas citadas, percebe-se que Rússia e EUA mesmo estando entre os primeiros no que tange ao tamanho da população carcerária, não contam com elevada taxa de ocupação, enquanto países pobres ou emergentes como o Brasil possuem além de grandes populações prisionais, elevadas taxas de ocupação. Nesse sentido, tais números reiteram as diferenças econômicas, sociais e políticas entres os países considerados desenvolvidos e os chamados pobres ou emergentes.
Foram levantados e comparados na pesquisa do Depen (2015) dados referentes a taxa de prisionização dos primeiros quatro países na lista de maiores populações carcerárias do mundo, EUA, China, Rússia e Brasil, entre os anos de 2008 e 2014. Neste caso, o Brasil foi o único dos quatro países pesquisados que não diminuiu sua população carcerária, mas pelo contrário, aumentou-a em 33%. Por outro lado a Rússia, no mesmo período, diminuiu sua população carcerária em 24%.
Fica evidente a diferença entre os países pesquisados no que se refere a medidas ou políticas do Poder Público para enfrentar o problema. No Brasil a tendência é a construção de novos presídios, ou seja, políticas emergenciais, tomadas com o objetivo de diminuir a taxa de ocupação, minorando o problema da superlotação a curto prazo, o que na verdade se traduz apenas em trazer uma resposta rápida à sociedade, pois sendo a taxa de prisionização crescente a cada ano, torna-se o problema um círculo vicioso, em que não se vê ações que propiciem resultados positivos a médio e longo prazos.
A superlotação dos estabelecimentos prisionais brasileiros, que traduzida em números equivale a 161%, está entre os mais graves problemas do sistema carcerário atual, vez que é em grande parte responsável pela dessocialização do preso, seja ele condenado ou cautelar.
Essa dessocialização tende a levar o preso a delinquir novamente, pois ao sair da prisão é grande a possiblidade de este estar em condições piores do que entrou, visto que passou grande período de tempo em contato com os malefícios oriundos do cárcere, que problemas como a superlotação carcerária ajudam a coexistir no dia a dia das prisões.
Assim, insurge como desafio buscar humanizar as prisões sob a perspectiva de diminuir os índices de reincidência, os quais de acordo Bitencourt (2012, p. 1053)
[...] tem sido, historicamente, invocados como um dos fatores principais da comprovação do efetivo fracasso da pena privativa de liberdade, a despeito da presunção de que, durante a reclusão, os internos são submetidos a um tratamento ressocializador.
Perceba-se a antítese existente entre os fins teóricos da pena privativa de liberdade e os fins concretos que dela emanam. Por isso ser a reincidência comprovação de que a prisão não ressocializa, mas dessocializa a ponto de contribuir para reincidência do delinquente.
Outro fator citado na pesquisa do Depen (2015, p. 20) que merece análise é o que quantifica e compara números de presos por tipo de regime e natureza da prisão.
[...] constata-se que cerca de 41% das pessoas privadas de liberdade são presos sem condenação, a mesma proporção de pessoas em regime fechado. Apenas 3% das pessoas privadas de liberdade estão em regime aberto e 15% em semiaberto. Para cada pessoa no regime aberto, há cerca de 14 pessoas no regime fechado; para cada pessoa do regime semiaberto, há aproximadamente três no fechado.
Note-se que no Brasil existe praticamente a mesma quantidade de presos provisórios que presos definitivos. Evidencia-se nesse índice, mais um problema e outro desafio a ser corrigido, a exemplo de políticas públicas que ensejam alternativas para desinchar o sistema carcerário evitando manter presos acusados que ainda não foram condenados com sentença transitada em julgado.
Há situações em que, por exemplo, o indivíduo é processado pelo cometimento de crime que em caso de condenação, possa ter a pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direitos, mas que em virtude de tentativa de suborno a testemunha, tenha contra si prisão preventiva decretada. Perceba-se, que no caso em comento, pode ser que o ato de encarcerar o acusado e fazê-lo sentir os efeitos nocivos do cárcere tenha maior gravame que a própria pena em definitivo.
Bem verdade que o artigo 319 do Código de Processo Penal estabelece alternativas de medidas cautelares diversas da prisão, entre elas a monitoração eletrônica. (BRASIL, 1941)
Sobre essa modalidade de medida cautelar inserida no CPP pela Lei nº 12.403/2011, assevera Fonseca (2012, p. 83):
Como se vê, a utilização dessa medida, mesmo que de cunho processual, tem o lastro de diminuir sensivelmente o efeito dessocializador da prisão, que já começa durante a fase em que o agente ainda se trata de um preso provisório quando, ao contrário, com o monitoramento é possível fazer com que o processo tenha a mesma eficácia mantendo o réu, seus laços familiares e, em alguns casos, conforme a situação concreta, seus vínculos, sociais com o trabalho, estudo, além de ser uma manifestação do principio da proporcionalidade, adequando-se ás exigências cautelares requeridas em cada caso concreto.
De forma nítida, repara-se que as medidas cautelares diversas da prisão, em especial a monitoração eletrônica, tem o condão de evitar que o acusado entre em contato com os efeitos nocivos do cárcere, como também possui a capacidade de diminuir a população carcerária significativamente, uma vez que, conforme já visto os presos provisórios correspondem a 41% do total de presos do País.
Como se verá, o desafio está na transição entre os métodos tradicionais e o uso de métodos tecnológicos nas áreas penal, processual penal e de execução penal. Lentamente estão sendo inseridas essas tecnologias, embora a previsão legal já exista desde 2011.
Entretanto, podem ser vistas algumas ações no campo penitenciário que tem conseguido resultados consideravelmente bons e motivadores. Um exemplo é a introdução do sistema Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) nas instituições prisionais.
Sobre essa modalidade alternativa, lecionam Falcão e Cruz (2015, p.9)
APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – constitui modalidade alternativa ao sistema prisional tradicional, sendo um modelo de cogestão penitenciária. Surgida em 1974 como uma ação de voluntários cristãos na cidade de São José dos Campos – São Paulo, a APAC é, segundo Mário Ottoboni (2006), seu criador, uma entidade que dispõe de um método de valorização humana e evangelização, para oferecer ao condenado condições de recuperar-se e com o propósito de proteger a sociedade, socorrer as vítimas e promover a justiça. Ainda, a obra do criador da metodologia, A Ottoboni, vai balizar a descrição das Associações e de suas peculiaridades.
Nota-se que a APAC trata-se de associação privada, voltada para ações de cunho humanitário, e que pretende atuar na gestão das penitenciárias de forma compartilhada com o Poder Público.
Com objetivos claros e em consonância com os fins da pena adotados pelo ordenamento jurídico, quais sejam a punição e a prevenção, esse modelo de gestão é exercido pela própria comunidade voluntária. Trata-se, na verdade, de uma entidade civil de direito privado e sem qualquer fim lucrativo que, por intermédio de convênio com o Estado, assume a administração da unidade prisional objeto do convênio.
Vale salientar que o convênio prevê, em contrapartida, que o Estado arque com a construção da unidade prisional, além de todas as outras despesas inerentes ao estabelecimento (FALCÃO e CRUZ, 2015)
Os resultados desse projeto já são significativos, na medida que relata Vasconcellos (2015, s/p):
Atualmente, existem 46 Apacs no país. São centros de ressocialização distribuídos entre os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Maranhão, Paraná e Espírito Santo. O método utilizado tem trazido resultados importantes para a reinserção social dos detentos, principalmente em relação à reincidência criminal, cujo índice é inferior a 10% nas unidades prisionais que o adotam.
Perceba-se que é um sistema de gestão penitenciária promissor, pois conseguiu uma taxa de reincidência duas vezes menor que a média ponderada nacional de 24,4% divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – (IPEA, 2015). Notável o fato de que ainda são poucas as Apacs no Brasil, o que demonstra a insegurança do Poder Público quanto a sua real eficácia.
Fato perceptível que comprova a eficácia do sistema Apac de gestão foi noticiado pelo CNJ, na visão de Vasconcellos (2015, s/p)
A primeira universidade dentro de uma unidade prisional de Minas Gerais foi instalada em 30 de junho, na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) do município de Nova Lima. Os próprios detentos participaram da construção do prédio da Universidade Aberta Integrada (Uaitec), que vai oferecer cursos profissionalizantes e de graduação e pós-graduação. A ressocialização do preso é uma preocupação constante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que incentiva iniciativas voltadas à redução da reincidência criminal.
Conforme noticiado, os próprios presos foram responsáveis por ajudar na construção da universidade, demonstrando que a aceitação do projeto dentro da penitenciaria foi alcançada. Tal projeto demonstra nova perspectiva para o Sistema prisional brasileiro, qual seja a parceria com associações privadas que de fato busquem a reinserção do custodiado à vida normal em sociedade.
Alternativas como a do monitoramento eletrônico de presos provisórios e a gestão penitenciária a partir das APACs merecem maior aceitação do Poder Publico, que culminem em sua utilização em maior escala, visando por óbvio a melhoria do sistema carcerário e o respeito aos direitos do preso.
2.2 LEI DE EXECUÇÃO PENAL Nº 7.210/84: PARADOXO ENTRE OS OBJETIVOS DA PENA E A REALIDADE CARCERÁRIA
A lei de execução penal nº 7.210/84 pode ser considerada um dos mais perfeitos diplomas legais no que concerne a execução da pena. Diante disso, entre seus 204 artigos podem ser vistas uma série de garantias aos apenados.
Essas garantias embasam-se em vários princípios relacionados à execução penal como o princípio da humanização e aos objetivos da pena, dispostos no artigo 59 do Código Penal, que por sua vez prevê como objetivos da pena a retribuição e a prevenção.
Nesse sentido, leciona Greco (2014, p. 483, grifo do autor) que
em razão da redação contida no caput do art. 59 do Código Penal, podemos concluir pela adoção, em nossa lei penal, de uma teoria mista ou unificadora da pena. Isso porque a parte final do caput do art. 59 do Código Penal conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime, fazendo, assim, com que se unifiquem as teorias absoluta e relativa, que se pautam, respectivamente, pelos critérios da retribuição e da prevenção.
Adotada a teoria mista da pena, nota-se que a prevenção especial positiva, em que o Estado busca a ressocialização do delinquente, vem sendo ignorada na prática da execução penal brasileira.
A execução penal, segundo Nucci (2014), pode ser considerada como um processo essencialmente jurisdicional, que objetiva fazer valer a pretensão punitiva do Estado.
Nessa linha, a efetividade da sentença penal transitada em julgado, em que se traduz a pretensão punitiva do Estado em determinado caso concreto, somente passa do plano abstrato para o plano físico por intermédio da execução penal.
Execução Penal é a fase da persecução penal que tem por fim propiciar a satisfação efetiva e concreta da pretensão de punir do Estado, agora denominada pretensão executória, tendo em vista uma sentença judicial transitada em julgado, proferida mediante o devido processo legal, a qual impõe uma sanção penal ao autor de um fato típico e ilícito. (CAPEZ, 2004, p. 16-17).
Apesar de tratar-se de meio para efetivar a intenção estatal de punir o malfeitor devidamente processado e condenado, merece destaque a finalidade de reintegrar socialmente o apenado, mediante disposição da segunda parte do artigo 1º da Lei 7.210: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. (BRASIL, 1984, on-line)
No entanto, a ressocialização tem se tornado cada vez mais utópica, uma vez que a realidade dos sistemas prisionais brasileiros conota violação de praticamente todos os direitos dos apenados, inclusive aqueles não atingidos pela sentença penal. Note-se que o artigo 3º da Lei de execução penal é cristalino em conservar todos os direitos do preso que não foram alcançados pela sentença condenatória. (BRASIL, 1984)
Nucci (2014, p. 945), sobre a preservação dos direitos individuais do preso assim afirma:
Na esteira do preceituado pelo art. 5.º, XLIX, da Constituição, e pelo art 38 do Código Penal, o sentenciado deve conservar todos os direitos não afetados pela sentença condenatória. Quando se tratar de pena privativa de liberdade, restringe-se apenas ao seu direito de ir e vir – e os direitos a ele conexos, como, por exemplo, não ter prerrogativa integral à intimidade, algo fora de propósito para quem está preso, sob tutela e vigilância do Estado diuturnamente -, mas o mesmo não se faz no tocante aos demais direitos individuais, como a integridade física, o patrimônio, a honra, a liberdade de crença e culto, entre outros.
Evidente que tal norma está fora da realidade dos presos que se amontoam nos presídios brasileiros, os quais diariamente têm direitos que não foram restringidos na sentença condenatória violados. A integridade física, por exemplo, é constante alvo de desrespeito no âmbito prisional, em que apenados são torturados pelos próprios presos ou pelos próprios servidores do estabelecimento penal, muitas vezes resultando em lesões corporais definitivas ou até a morte.
Merece destaque fazer alusão a um Princípio constitucional inerente ao Direito da execução penal denominado Princípio da humanidade das penas que, no dizer de Nucci (2014, p. 942),
[...] é adotado, constitucionalmente, envolvendo não apenas o Direito Penal, como também o Direito da Execução Penal. Dispõe o art.5º, XLVII, que “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XLX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”. Além disso, estabelece a Constituição da República outras regras regentes da execução penal: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (art. 5.º, XLVIII), “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (art. 5.º, XLIX), e “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (art. 5.º, L).
Assim, sabe-se que a adoção do Princípio da Humanidade das Penas no Direito Brasileiro está protegida pela Carta Maior de 1988. Destaque-se a proteção constitucional a integridade física e moral do apenado, que mesmo com a proteção da Constituição Federal tem sido rotina nas superlotadas prisões do Brasil a sua violação.
Cumprindo pena sem a observância desse princípio, os condenados a penas privativas de liberdade que adentram aos presídios são ignorados pelo Poder Público, inexistindo respeito e dignidade vez que são obrigados a se instalar em celas com capacidade ultrapassada, cheiros horríveis de excrementos humanos, além da violência física e psicológica a que são submetidos da parte de outros presos e também das autoridades públicas internas ao presídio.
Para Greco (2014), embora a pena seja um mal necessário, não há qualquer legitimidade para o Estado tratar o apenado como se um animal fosse. Não há que se falar em ressocialização num sistema carcerário cruel e desumano que é o brasileiro, em que a todo momento se tem notícias de motins, rebeliões, mortes, tráfico de drogas e armas. Ainda assim, o Estado finge que executa e respeita a lei, enquanto que o condenado é quem recebe carga negativa da má administração das entidades estatais, corrupção dos poderes públicos e a ignorância da sociedade.
Dessa forma, a situação carcerária do Brasil agrava-se cada vez mais. É indiscutível que a Lei de execução penal é teoricamente protecionista em favor da dignidade e humanidade aos apenados. Entretanto é o Estado que é descompromissado com a efetivação dos direitos inerentes ao executado penal. Nucci (2014, p. 942) argumenta que,
na prática, no entanto, lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas ultimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autênticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física e moral dos presos, direito constitucionalmente imposto.
Como demonstrado, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria mista, segundo a qual são objetivos da pena a retribuição e a prevenção. De modo geral a retribuição é vista como uma espécie de paga ao infrator por seu descumprimento de norma legal enquanto que a prevenção traduz-se no sentido de evitar que o apenado volte a delinquir, deste modo, ressocializando-se.
Muito embora sejam esses objetivos incontestáveis na legislação pátria, há verdadeiro paradoxo entre eles e a realidade carcerária, uma vez que o ambiente carcerário do Brasil é insalubre, no sentido de não permitir que o apenado retorne ao bom convívio social e sim, ao contrário, propício a revolta e rancor no preso, tornando-se motivadores naturais para a crescente dessocialização e reincidência criminal.
Diante deste paradoxo, evidencia-se o ápice da crise penitenciária brasileira, em que se vê o ordenamento jurídico abstrato trilhar por um lado enquanto que as políticas públicas atuantes direta e concretamente no problema por outro.
Desta feita, enquanto isso os encarcerados vão sendo privados de seus direitos, a maioria deles dispostos em rol exemplificativo no artigo 41 da Lei de Execução Penal:
Art. 41 - Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II- atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003) Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. (BRASIL, 1984, on-line)
O respeito a esses direitos e a outros previstos no ordenamento jurídico pátrio e em tratados internacionais remonta a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, que será à frente mais profundamente estudado. No entanto, como já demonstrado, na maioria dos casos, poucos são os direitos efetivamente respeitados que, em outras palavras, significa a negativa do mínimo de dignidade humana a quem delinquiu.
Consoante a utopia que é atualmente a Lei de Execução Penal, a vivência carcerária é regida pelas autoridades representantes do Estado que muitas vezes atuam de forma ilegal como também pelos líderes entre os próprios presos, os quais estabelecem suas próprias regras de convivência acompanhadas de duras penas em caso de desobediência.
Nesse sentido esclarece Bitencourt (2011, p. 228)
A influência do código do recluso é tão grande que propicia aos internos mais controle sobre a comunidade penitenciária que as próprias autoridades. Os reclusos aprendem, dentro da prisão, que a adaptação às expectativas de comportamento do preso é tão importante para seu bem-estar quanto a obediência às regras de controle impostas pelas autoridades.
O aludido código do recluso tem regras rígidas que devem ser prontamente seguidas sob pena de duríssimas sanções. Diante disso, os detentos ficam sujeitos a todo tipo de humilhações, inclusive a abusos sexuais, além de todo tipo de violência física e até mesmo a morte.
É evidente que o Estado, como detentor do ius puniend precisa a todo custo resolver esse imbróglio em que é o responsável principal. É necessário que a legalidade e a observância dos regramentos e princípios nacionais e internacionais se concretizem no setor penitenciário brasileiro, para que a partir daí, seja possível que a dupla finalidade da pena deixe de ser mera utopia.
Como se verá com maior afinco, a prisão possui a característica de dessocializar o preso, ainda mais quando aliada aos problemas que maculam o sistema prisional brasileiro.
É necessário, portanto, que o Estado procure observar o respeito mínimo à dignidade da pessoa humana, ao princípio da humanidade das penas e a ideia de que “o preso não é condenado para ser castigado, a condenação é o próprio castigo” (BITENCOURT, 2012, p. 1084), e só assim estará o Estado livrando os apenados de qualquer tipo de estigma e dessocialização, reinserindo-os ao normal convívio social
2.3 DA PRISÃO E SEU CARÁTER DESSOCIALIZADOR
Como já visto, nem sempre a prisão foi a principal resposta do Direito Penal aos desvios de conduta definidos como crime e, portanto, passíveis de punição. Foi visto que durante parte da história a morte do delinquente foi considerada como a principal e corriqueira pena.
Segundo Bitencourt (2011, p. 197) a partir do momento em que a prisão passou a ter a característica de principal resposta penológica,
[...] especialmente a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser um meio adequado para reforma do delinquente. Durante muitos anos imperou um ambiente otimista, predominando a firme convicção de que a prisão poderia ser meio idôneo para realizar todas as finalidades da pena e que, dentro de certas condições, seria possível reabilitar o delinquente.
Como se vê, acreditava-se no poder reformador que a prisão poderia exercer sobre o apenado, como também na possibilidade de nela poderem ser concretizadas as finalidades retributiva e preventiva inerentes à pena.
Todavia, descobriu-se com o tempo que os ideais de ressocialização atribuídos à privação da liberdade não passavam de puro sofisma, ou seja, na realidade a prisão tinha efeito contrário sobre o indivíduo, causando-lhe verdadeira desculturação.
Denota-se a crise da prisão, de modo que Shecaira e Corrêa Junior (1995, p. 64) discorrem acerca dos motivos que deflagraram tal crise, argumentando que “um dos fatores que contribuíram para a crise da pena de prisão e o descrédito na eficácia de suas finalidades, é o efeito criminógeno deflagrado com o encarceramento e o subsequente convívio com uma nova realidade dentro do ambiente prisional”.
Com efeito, o ambiente em que se vive nas prisões brasileiras induz o encarcerado ao crime, favorecendo a manutenção de atos criminosos dentro do próprio cárcere, demonstrando o quão nocivas tem se tornado as cadeias brasileiras, nas quais muitas das vezes os indivíduos adentram como criminosos eventuais e saem como criminosos profissionais, mantendo-se longe do objetivo de reeducação do preso.
Diante dessa realidade, nota-se a perda de identidade da pena de prisão, uma vez que tem cumprido papel de formadora de delinquentes, papel totalmente contrário ao que, em teoria, deveria cumprir.
Nessa mesma perspectiva, Reale Junior (2003) também discorre sobre o fator criminógeno que circunda a pena de prisão, a qual cria uma sociedade paralela, que tem seus próprios códigos de conduta e honra. Constitui-se, dessa maneira, uma subcultura carcerária que facilita a criação de facções, a perda de identidade e a mudança de personalidade que afeta o apenado, quando ele adentra nesse mundo paralelo. Reitera, ainda, que a prisão não reeduca, apenas corrompe cada vez mais os valores do homem.
No mesmo iter, Bitencourt (2011) leciona que a prisão, ao invés de frear o crescimento da criminalidade, fomenta-a, transformando-se em um propulsor para todo tipo de atrocidade, partindo-se dos fatores que impõem a vida carcerária o já comentado efeito criminógeno.
Essas atrocidades fomentadas pela prisão têm gerado grandes revoltas sociais, impulsionadas pela velocidade de informação das mídias sociais e pela ampla cobertura pela mídia de variados casos de comoção social, oriundos, quase sempre, de casos envolvendo egressos do sistema penitenciário que demonstram na prática o fracasso da ideia de ressocialização do apenado.
Quando aos fatores que caracterizam o efeito criminógeno do cárcere, Bitencourt (2011) classifica-os em: materiais, psicológicos e sociais.
Os fatores materiais, conforme o referido autor, são aqueles inerentes à estrutura física dos presídios. A superlotação e a má alimentação contribuem para a proliferação de doenças. E, quando aliadas à falta de higiene e ao ócio excessivo, não produzem apenas danos à saúde do apenado, mas também danos psíquicos. As condições sub-humanas em que vivem são fatores clássicos, que não contribuem em nada para a ressocialização do preso. Consoante a esses fatores materiais, Shecaira e Corrêa Junior (1995, p. 65) assim lecionam:
A começar pelas condições materiais das penitenciárias, os efeitos causados sobre os condenados são desastrosos. Muitos desenvolvem doenças como tuberculose, enfermidade por excelência das prisões, e outras complicações fisiológicas resultantes das más condições de higiene, alojamentos e alimentação.
Mormente tais considerações reforça-se o caráter sub-humano que impera nas instituições prisionais brasileiras, em que o cárcere é chamariz de doenças graves devido a falta de higiene, celas com muitos mais pessoas do que suportam e alimentação por vezes estragada.
Quanto aos fatores psicológicos, nota-se que estão ligados ao fato de a prisão poder ser considerada uma sociedade paralela desprovida de valores, dessa forma, é natural que se minta e dissimule-se lá dentro. Os costumes de mentir e dissimular funcionam como suplementos que automatizam a capacidade de cometer delitos do apenado, fazendo com que o recluso se afunde cada vez mais nas suas tendências criminosas. (BITENCOURT, 2011)
Mentir nesses casos, diante da realidade carcerária, torna-se imprescindível para sobrevivência do apenado dentro da prisão, que a todo momento terá sua vida posta em risco. Tal hábito potencializa a tendência delitiva do delinquente para delitos em que a astúcia e a dissimulação são imprescindíveis para o obter êxito dentro do próprio cárcere.
Shecaira e Corrêa Junior (1995, p. 65) definem os efeitos psicológicos de maneira um pouco diferente, mas não menos condizente com a realidade, ao afirmarem que “O efeito psicológico deve também ser considerado negativo e infrutífero à medida que se formar associações criminosas dentro do cárcere e planos são feitos a fim de garantir uma futura ação delitiva quando colocados em liberdade”.
De acordo essa visão, o fator psicológico está relacionado a união de mentes já consumidas pelo processo de prisionalização com o fim de planejar a prática de crimes fora do cárcere.
Fatores sociais podem ser definidos como o distanciamento do convívio em sociedade e a rotulação inevitável de ex- presidiário. Tais fatores tornam quase impossível a reinserção social deste, pois agem de forma negativa, em um utópico processo de tentativa de ressocialização, levando o preso a se incorporar de vez ao mundo do crime. (BITENCOURT, 2011)
Em síntese, o indivíduo que cumpre sua pena e deixa a prisão, mesmo que saia com a intenção de não mais delinquir, não será mais uma pessoa bem vista na sociedade. Embora estando longe do sistema carcerário será sempre chamado de ex-presidiário, como se houvesse em seu corpo uma tatuagem indicando sua condenação e a lembrança do delito cometido.
Por outro lado, Baratta (2002) percebe a temática sob dois pontos de vista: processo de desculturação e prisionalização. O primeiro consiste na perda de valores e distanciamento do senso de realidade causado pelo cárcere, acarreta este, dessa forma, uma desadaptação do apenado para o convívio em liberdade.
Nota-se que são comuns situações em que o individuo passou um tempo considerável cumprindo pena em regime fechado ao sair da prisão não consegue se readaptar ao mundo exterior às grades do cárcere, cometendo outros crimes só para poder voltar ao presídio em que passou grande parte da vida.
O processo de prisionalização está diretamente ligado à assunção e internalização dos valores da subcultura carcerária. Alerta o autor que a interiorização desses valores é inversamente proporcional às chances de reabilitação do condenado. (BARATTA, 2002)
Quanto mais presentes os traços de prisionalização, mais rara será a possiblidade de reabilitação do preso. Significa, em outras palavras, afirmar que quanto mais o indivíduo estiver envolvido com a realidade paralela do cárcere, estará cada vez mais distante da reabilitação.
Nessa linha, Foucault (2001) leciona que a ideia primária da pena de prisão deveria vir calcada na comparação com instituições que realmente funcionassem, como a escola e a caserna. Interpretando as considerações do autor em sua obra Microfísica do Poder, vê-se que o que ocorreu foi um enorme fracasso quanto a essa primeira ideia. Assim relata: “Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos, ou para afundá-los ainda mais na criminalidade”. (FOUCAULT, 2001, p. 131)
Mais uma vez a constatação é inequívoca: a pena privativa de liberdade está longe de produzir os efeitos a que teoricamente se destina. No máximo, pode causar algum temor social, justamente por seus efeitos nefastos, adequando-se na prevenção geral negativa, que prega o temor causado pela pena àqueles que estejam intentando cometer delitos.
Baratta (2002) afirma que o cárcere é o principal instrumento para a criação de uma população criminosa, recrutada, em sua maioria, dos estratos sociais mais baixos, ou seja, do proletariado. Percebe-se que o fracasso das tentativas de fortalecimento dessa instituição decorre da incapacidade da instituição carcerária em cumprir suas funções precípuas de reabilitação e reeducação do apenado.
A crítica cinge-se na questão de grande parte da população carcerária ser composta por membros de classes sociais mais baixas e menos escolarizadas. Estatisticamente, tal proposição é verdadeira no que tange aos estabelecimentos prisionais brasileiros, uma vez que segundo dados do Depen (2015) cerca de 53% (cinquenta e três por cento) dos presos no Brasil são analfabetos, e outros 12% possuem nível fundamental incompleto.
Imagina-se o estigma formado em torno do apenado analfabeto e pobre que sai da prisão rumo à sociedade. Com carga negativa lhe sobrepujando, será sério candidato a reincidência, brevemente voltando ao cárcere.
Por sua vez, Reale Júnior (2003) frisa que a pena de prisão não pode levar o apenado à perda de sua identidade. Dever-se-ia, acima de tudo, buscar a manutenção da higidez física e mental do apenado. Devem os presídios, além de impedir fugas, permitir que neles adentrem valores positivos.
No entanto, não é o que acontece na realidade. O apenado perde sua identidade social, pois acaba praticamente perdendo os valores construídos ao longo de toda a vida e acaba agregando a si os valores que imperam no cárcere.
Zaffaroni e Pierangeli (2004) tecem uma sagaz crítica quanto às penas privativas de liberdade, reforçando o conceito de que estas, no plano sociológico, trazem consigo uma elevada carga criminógena. Afirmam que as penas de prisão são resultados de uma “justiça seletiva”, pois alcançam aqueles desprovidos de quociente intelectual e de bens materiais. Isso faz transcender o conceito de caráter discriminatório que elas possuem, convalidando, assim, o conhecido jargão popular de que cadeia é para os “PPPs”: pretos, pobres e prostitutas.
Após o levantamento desses dados, entende-se sobre o que Zaffaroni e Pierangeli (2004) quiseram referir ao dizer que as penas de prisão decorrem de uma “justiça seletiva” ao verificar-se que as penas privativas de liberdade punem os realmente desprovidos de quociente intelectual e os verdadeiramente pobres.
Como já dito, além de criminógeno, o sistema prisional é também seletivo. Adentram seus muros uma grande maioria negra, pobre e analfabeta. Isso faz crescer o sentimento de impunidade para os mais favorecidos, incentivando o preconceito e o aprofundamento das desigualdades sociais.
A respeito desse tema, merecem ainda destaque os apontamentos de Michel Foucault, assinalados no século XVIII, quanto à pena de prisão, os quais se mantêm na atualidade. Nesse sentido, Foucault (2001, p. 32) defende que
a) As prisões não diminuem a taxa de criminalidade; b) Provoca a reincidência; c) Não deixa de fabricar delinquentes, mesmo porque lhe são inerentes o arbítrio, a corrupção, medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração (dentro dela nascem e se desenvolvem as carreiras criminais); d) Favorece a organização de um meio de delinquentes, solidários e hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras; e) As condições dadas aos detentos libertados condena-nos fatalmente à reincidência; f) A prisão fabrica indiretamente delinquente, ao fazer cair na miséria a família do detento.
Resumidas as contradições da pena privativa de liberdade reitera-se que não é meio hábil para ressocializar o delinquente, servindo apenas de meio para o aperfeiçoamento da sua capacidade delitiva. Há também a questão da marginalização da família do apenado, que fica a mercê das mais variadas interpéries sociais como a miséria, prostituição, uso de drogas, etc. Tal situação propicia, por exemplo, a delinquência juvenil do filho condenado e preso, transformando-o em mais um a adentrar os muros do cárcere.
Todos esses argumentos explanados pelos mais diversos estudiosos, entre eles Cezar Roberto Bitencourt e Alessandro Baratta, se resumem em afirmar que o que acontece nos presídios brasileiros se traduz na generalizada violação de direitos humanos e à própria Constituição Federal. Tal situação é denominada na ADPF 347 de estado de coisas inconstitucional.
2.3.1 Estado de coisas inconstitucional
Como o Estado ainda mantêm-se inerte no tocante a clara e indiscutível violação aos direitos humanos dos presos, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pede que seja o sistema penitenciário brasileiro declarado um estado de coisas inconstitucional, categoria formulada pela Corte Constitucional colombiana. É o que consta na Arguição de Preceito Fundamental-ADPF nº 347 em trâmite no Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2015)
Consoante trecho da petição inicial proposta pelo Psol, a declaração de estado de coisas inconstitucional trata-se de técnica
[...] que não está expressamente prevista na Constituição ou em qualquer outro instrumento normativo, permite à Corte Constitucional impor aos poderes do Estado a adoção de medidas tendentes à superação de violações graves e massivas de direitos fundamentais, e supervisionar, em seguida, a sua efetiva implementação. (BRASIL, 2015, p. 8)
Requer o Psol que o STF declare todo o sistema prisional brasileiro um estado de coisas inconstitucional, em virtude da violação dos direitos humanos dispensados aos presos provisórios e definitivos. Diante disso, almeja o autor que o Supremo imponha aos outros Poderes medidas que sejam efetivas na resolução do problema.
Nesse contexto, em parecer juntado a esta ADPF nº 347, o professor Juarez Tavares separa em dois os conceitos para a pena no atual cenário prisional brasileiro, são eles “pena ficta” e “pena real”:
A pena ficta, como se pode inferir, possui um valor numérico, o qual reflete, primariamente, um valor abstrato decorrente da avaliação discricionária do Poder Legislativo e, secundariamente, uma medida da intensidade lesiva – na melhor das hipóteses – conduta realizada. [...] Assim vale reconhecer a existência de um outro tipo de punição, isto é, a pena real. Tal conceito deve assimilar realisticamente as condições locais de cumprimento da privação de liberdade, tais quais a superlotação, as deficiências infraestruturais, a escassez de recursos, a falta de pessoal especializado, etc. esse reconhecimento, pois, implica um necessário redimensionamento do valor nominal da pena, ou seja, uma redução proporcional desse valor, de forma a equiparar a aflição ficta à aflição real. Há precedentes nesse sentido. A Corte Suprema de Israel, por exemplo, já decidiu que uma pessoa condenada por roubo, que teve que ficar em isolamento, em razão da sua condição de transgênero, deveria ter a sua pena diminuída em 1/3 do total da condenação, haja vista a rudeza excepcional das condições carcerárias. (BRASIL, 2015, p. 42, grifo do autor)
Vale dizer que tais considerações encaixam-se perfeitamente na realidade vivenciada por milhares de presos, onde acabam cumprindo penas mais gravosas do que lhes foram cominadas, pois lhe são restringidos não só a liberdade e direitos a ela correlatos, mas praticamente todos os direitos inerentes ao ser humano.
Trata-se de situação em que, de acordo com o autor supracitado, requer-se a adequação entre a aflição ficta e a aflição real, cominando na diminuição do valor nominal da pena.
Mesmo ainda estando em curso, já foi concedida parcialmente pelo STF cautelar solicitada em que foram pedidas providências imediatas para a crise prisional do País. Foi determinado, portanto, que todos os juízes e tribunais passem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, permitindo que o preso se apresente a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão. Foi também definido que o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional fosse liberado para utilização para a qual foi criado, sem qualquer tipo de limitação, sendo vedados novos contingenciamentos. (BRASIL, 2015)
Diante disso, espera-se com o julgamento em definitivo desta ação ocorram mudanças significativas na gestão penitenciária brasileira, de modo que sejam respeitados os direitos humanos. Não é enfadonho ressaltar que em meio a esse quadro caótico do sistema prisional, medidas contrárias ao encarceramento devem ser vistas como alternativas viáveis a resolução do problema entre elas o monitoramento eletrônico.
É cediço que a declaração do estado de coisas inconstitucional legitima o monitoramento eletrônico como medida apta à ressocializão e tutela dos direitos humanos do preso, pois é essencialmente contrário à prisão intramuros que, como já visto, é a grande responsável pelo caos prisional do Brasil.
CAPÍTULO III
3.0 MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO GARANTIA CONTRA A DESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
3.1 FINALIDADES E SISTEMAS OPERACIONAIS DA VIGILÂNCIA ELETRÔNICA
Os fins da vigilância eletrônica comportam mais de uma interpretação. Mariath (2007, s/p), sustenta que o monitoramento eletrônico deve ser utilizado para a obtenção de três fins:
Detenção: O monitoramento visa manter o indivíduo em local pré- determinado (geralmente em casa). Esta foi a primeira forma de utilização da tecnologia permanecendo até hoje a mais comum; Restrição: Alternativamente, o monitoramento é utilizado para evitar que o indivíduo não entre (frequente) determinados lugares, ou ainda se aproxime de determinadas pessoas, mormente testemunhas, vítimas e coautores; Vigilância: Nessa ótica, o monitoramento é utilizado para que se mantenha vigilância contínua ao indivíduo, sem restrição de sua movimentação. (Grifos do autor)
Nessa esteira, embora sejam possíveis três objetivos com a utilização deste instrumento, nota-se que ainda é mais corriqueira a sua utilização no sentido de manter o apenado em determinado lugar, anteriormente definido pela autoridade judicial. Por outro lado, o crescimento da tecnologia permitiu, além de deter o individuo no lugar prefixado, restringir sua entrada em locais que lhe foram proibidos, tornou-se possível vigiar o condenado sem que para isso fosse necessário impedir sua liberdade de locomoção.
Diante disso, tal vigilância pode ser vista como medida que objetiva a ressocialização do apenado, sendo utilizada como ferramenta penal que evita ou substitui o encarceramento, como na Espanha, onde é utilizada como forma substitutiva das penas de curta duração, ou como forma de adiantar a saída do condenado do cárcere, sendo parte de um programa de supervisão intensiva ou reforço da pena de prisão domiciliar.
Os sistemas de monitoramento eletrônico também podem ser chamados de sistemas de primeira, segunda e terceira gerações. Sendo assim, a primeira geração divide-se em ativo e passivo. Nesse sentido, aduz Manfroi (2013, s/p):
O sistema passivo, também conhecido como programa de contato programado, nada mais é do que uma simples ligação telefônica para a residência do condenado ou outro lugar que deva estar para verificar se ele realmente está no endereço previsto. Um funcionário faz ligações aleatórias para o local que o condenado deve estar, as quais devem ser atendidas pessoalmente por ele. Como formas de comprovar que quem está do outro lado da linha telefônica realmente é o condenado, pode ser criada uma senha, um código pré-estabelecido ou o reconhecimento de impressões digitais, de íris ou de voz. O sistema ativo, nada mais é do que o monitoramento contínuo, que permite saber a localização do condenado a qualquer momento. Pode e é usado para impedir que o condenado se aproxime de determinadas pessoas (vítimas em potencial, testemunhas, coautores, partícipes...) ou o acesso a determinados lugares. Este procedimento necessita de um bracelete transmissor, um receptor, um centro de vigilância e um terminal de controle.
Consoante tais ensinamentos percebe-se a simplicidade do sistema passivo, que consiste simplesmente em determinar horários em que serão feitos determinados contatos com o apenado, devendo este por sua vez, atender aos tais contatos, os quais, podem ser comprovados como legítimos por intermédio de tecnologias de reconhecimento de identidade tais como reconhecimento de voz e íris.
No que tange ao sistema ativo, demonstra-se ser um pouco mais sofisticado que o passivo, e consiste no uso, pelo condenado, de um bracelete interligado a um receptor, que emite sinais para um centro de vigilância e um terminal de controle.
Por outro lado, a segunda geração, também chamada de controle móvel, utiliza-se do sistema Global Position System (GPS) e, em locais onde o sinal GPS é interrompido devido a complexidade urbana, tem sido usado o sistema Global Servisse Mobile (GSM). Tais tecnologias permitem a exata localização do individuo monitorado, denominando-se “zonas de exclusão” as áreas de acesso proibido ao condenado. (MORAIS, 2014)
Essa tecnologia permite maior precisão em delimitar se o monitorado está ou não dentro da área pré-estabelecida, diminuindo-lhe as chances de burlar o sistema. Noutro giro, têm-se noticias de tecnologias ainda mais precisas que o sistema de GPS americano, ao passo que aponta Greco (2014, p. 535)
A tecnologia de segunda geração foi implantada inicialmente nos EUA a partir de 2000, sendo utilizada posteriormente no Canadá e na Grã-Bretanha, cujo referente europeu é o denominado sistema Galileo, que foi concebido desde o início como um projeto civil, em oposição ao GPS americano, ao GLONASS russo e ao Compass chinês, que são de origem militar tendo várias vantagens, a exemplo da maior precisão, maior segurança, sendo menos sujeito a problemas.
Observe-se que apesar de ser mais conhecida a tecnologia de GPS americana, demonstra-se mais eficiente o sistema europeu Galileo, uma vez que possui maior confiabilidade no que tange a precisão, segurança e durabilidade.
A novidade fica por conta dos de terceira geração, ainda em fase de testes. Os sistemas de terceira geração adentram no campo das investigações biomédicas para controle da violência. Especialmente em relação a crimes sexuais, quando há possibilidade de se ministrar choques, ou estimular áreas cerebrais capazes de conter a neurobiologia do sujeito. Existe também a possibilidade de se implantar um alcoolímetro no sujeito, a fim de coibirem-se delitos, como crimes de trânsito, por exemplo. Trata-se de tecnologias muito novas, mas que parecem estar a caminho do Direito Penal do futuro, sob a ressalva de potencialmente ferirem princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana. (MARIATH, 2007)
A discussão quanto a potencial violação de princípios constitucionais de proteção a pessoa, será mais adiante estudada. Por hora, apenas reitera-se a evolução da tecnologia a ponto de se antever a possíveis ações delitivas dos monitorados, atuando, nesse sentido, primordialmente no sentido de prevenir o crime.
Sobre a temática, leciona Greco (2014, p. 535)
Assim mesmo, ante qualquer descumprimento das obrigações acordadas judicialmente, algumas versões têm capacidade para realizar uma intervenção corporal direta no vigiado por meio de descargas elétricas programadas, que repercutem diretamente no sistema nervoso central, ou por meio da abertura de uma cápsula que lhe injeta um tranquilizante ou outra substância, para o caso de neuróticos agressivos, esquizofrênicos ou adeptos do álcool.
Entende-se que o sistema de terceira geração, mesmo estando propenso à violação de direitos individuais do monitorado, propõe-se a atuar de forma preventiva, resguardando as potenciais vítimas de lesões a bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal como a vida e a integridade física.
Atualmente, existem quatro opções técnicas de monitoramento: pulseira, tornozeleira, cinto e microchip subcutâneo. A tendência é que os dispositivos de vigilância eletrônica fiquem cada vez mais imperceptíveis. (PRUDENTE, 2011)
A tendência de que tais dispositivos se tornem progressivamente imperceptíveis advém de exemplos de tecnologias que com o passar do tempo tem se tornado compactas. É o caso, por exemplo, dos aparelhos celulares que tinham tamanho em muito superior aos aparelhos atuais. Outro exemplo está nos computadores, que em curto espaço de tempo diminuíram consideravelmente seu tamanho, transformando-se até em maquinas portáteis.
Mais imperceptível deles, o microchip subcutâneo já é uma realidade que, consoante Greco (2014), tem o condão de evitar que terceiros sequer desconfiem que o monitorado esteja utilizando o equipamento.
Como se vê, a tecnologia avança no sentido de esconder ao máximo os dispositivos que monitoram os passos do apenado, evitando-se que este sofra com os efeitos estigmatizantes oriundos da condenação penal.
3.2 APLICAÇÃO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO DIREITO INTERNACIONAL
O monitoramento eletrônico consiste, em regra, no uso de um dispositivo eletrônico pelo condenado. Esse dispositivo indica a localização exata do indivíduo, permitindo sua fiscalização em tempo integral, com o escopo de verificar se o condenado está ou não respeitando as regras a ele impostas. (PRUDENTE, 2011)
Note-se que tal tecnologia tem o condão de coibir o monitorado de transpor os limites que lhe foram impostos, mesmo que não haja presença física de qualquer pessoa lhe vigiando.
O primeiro relato sobre monitoramento eletrônico foi por volta dos anos 60, quando o psicólogo Robert Schwitzgebel criou uma máquina composta por uma bateria e um transmissor, capaz de emitir sinais a um receptor. O objetivo do psicólogo era criar uma alternativa mais humana e com menor custo em relação à custódia de pessoas envolvidas criminalmente com a justiça. (MARIATH, 2007)
Nessa perspectiva, já na década de 60 buscavam-se alternativas para humanizar as penas e torna-las menos custosas aos cofres estatais, inovando-se com uma invenção capaz de indicar a posição do individuo a partir de sinais emitidos pelo transmissor a um receptor instalado a determinada distancia.
Apesar de Robert Schwitzgebel ser considerado o criador do monitoramento eletrônico, o título de grande precursor é do Juiz Jack Love, do Estado do Novo México. Conta-se que sua inspiração veio após a leitura de um episódio do “Spider man” em 1977, em que o rei do crime havia prendido um bracelete ao herói, a fim de monitorar seus passos. O Juiz Jack Love procurou seu amigo Mike Gross, técnico em eletrônica, no intuito de persuadi-lo a criar um dispositivo capaz de monitorar os presos sob custódia. Cinco anos após, em 1983, depois de ter testado em si mesmo, o Juiz Jack Love determinou o monitoramento de cinco delinquentes na cidade de Albuquerque, maior cidade do Estado do Novo México. (PRUDENTE, 2011)
Este foi o primeiro passo para disseminação da ideia e possibilidade de vigiar condenados à distância, sem, para isso, tirá-los do convívio social. Note-se que muitos anos se passaram entre a primeira experiência da década de 60 e os testes promovidos pelo Juiz Jack Love realizados em 1977, evidenciando o lento amadurecimento das ideias de introdução de tecnologias também no processo penal.
Em apenas cinco anos, a ideia do monitoramento eletrônico de condenados se espalhou por cerca de trinta estados americanos, contando-se, só no Estado da Flórida, 4.750 pessoas monitoradas. A partir de 1997, Flórida, New Jersey, Michigan e Texas iniciaram os experimentos com criminosos sexuais e violentos. (REGHELIN, 2010)
Em 1998, os Estados Unidos haviam alcançado a marca de 95.000 pessoas monitoradas. Atualmente, o monitoramento eletrônico é uma realidade mundial, sendo utilizado em diversos países, como, por exemplo, Inglaterra, Canadá, Portugal, Suécia, França, Holanda, Nova Zelândia, entre outros. (PRUDENTE, 2011)
Percebe-se que a ideia espalhou-se rapidamente entre os estados americanos, não demorando a se espalhar também por vários países da Europa que notaram a praticidade e economia que poderia advir desse novo instrumento de vigilância.
Assim, na Inglaterra, o Programa Home Detention Curfew foi implantado com o objetivo de facilitar a transição dos condenados do cárcere à convivência com a comunidade. Cerca de 90% dos condenados que iniciaram o programa concluíram com sucesso. (MARIATH, 2007)
Vê-se que, na Inglaterra o monitoramento eletrônico do apenado funcionou como uma espécie de estágio transitório que antecederia a soltura definitiva daqueles que estivessem já finalizando suas penas. Ademais, compreende-se que a implantação desse programa na Inglaterra ensejou a possibilidade de preparar o indivíduo, que passou grande parte da vida no cárcere, para a convivência social antes de liberá-lo definitivamente.
No ordenamento jurídico sueco, o monitoramento foi aplicado através da Lei sobre Vigilância Intensiva mediante controle eletrônico. Inicialmente, foi aplicado como substitutivo às penas de curta duração (menores do que três meses), combinado com o programa de reinserção social, que previa testagens de consumo de álcool e outras drogas. Em 1999, o programa já havia se espalhado por todo País, abrangendo, inclusive, penas de prestação de serviços à comunidade, já no âmbito de pena substitutiva à privativa de liberdade. (REGHELIN, 2010)
Em Portugal, o programa de monitoramento eletrônico tinha como objetivo reduzir as taxas de prisão preventiva. Lá, a vigilância eletrônica teve forte adesão por parte dos magistrados, advogados e demais operadores do direito, bem como dos presos e seus familiares. O monitoramento eletrônico mostrou ser uma real alternativa à prisão provisória, alcançando altos índices de operacionalidade e eficácia. (MARIATH, 2007)
Nota-se que em Portugal o sistema foi de pronto aceito pela maioria dos juristas, além de ter boa recepção dos próprios presos e familiares, que por sua vez, viram nessa forma de vigilância um alívio, pois não precisariam se submeter ao crivo e degradação moral do cárcere.
O monitoramento eletrônico foi introduzido na França, em 2000, no tocante à prisão provisória como medida de natureza cautelar. Em 2004, estabeleceu-se o monitoramento eletrônico como pena e, em 2005, o projeto foi ainda mais longe, agregando o controle virtual para apenados que já haviam cumprido suas penas, o que gerou polêmica no que tange às finalidades da pena. (REGHELIN, 2010)
De fato, continuar a monitorar o indivíduo mesmo depois de cumprida a pena constitui afronta a seus direitos, bem como à finalidade ressocializadora da pena, em que se espera que com o fim da execução penal tenha o apenado condições de se reintegrar à sociedade e ao convívio social.
Na América Latina, a Argentina é pioneira na implantação da vigilância eletrônica, com cerca de 300 presos provisórios sendo monitorados em suas casas. O programa de monitoramento reduziu em cerca de 50% os gastos em comparação ao que se gastaria se o sujeito estivesse recluso. (MARIATH, 2007)
Como se constata a Argentina conseguiu diminuir os custos pela metade com os 300 presos que retirou do cárcere passando a monitorá-los em suas próprias casas.
No Brasil, o monitoramento eletrônico ganhou contornos legais somente em 2010, com a promulgação da lei 12.1258/10, autorizando a “fiscalização” do condenado por meio de vigilância eletrônica. (CAPEZ, 2010)
Diante de tantos exemplos bem sucedidos da utilização da citada medida tecnológica, passou também o Brasil a discutir a implantação desse instituto no sistema prisional pátrio, como se verá a seguir.
3.3 ADVENTO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: DISPOSITIVOS LEGAIS ACERCA DESTE INSTITUTO
3.3.1 Lei nº 12.258/2010
No Brasil o monitoramento eletrônico ganhou contornos legais somente em 2010, com a promulgação da lei 12.258/10, que por sua vez acabou autorizando a “fiscalização” do condenado por meio de vigilância eletrônica (CAPEZ, 2010).
Antes disso, o debate em relação à vigilância eletrônica surgiu no cenário penal brasileiro após constatar a eficácia do monitoramento eletrônico em diversos países, tais como EUA, França e Portugal. Desta feita, em 2007, o Congresso Nacional iniciou discussões sobre o tema, com uma série de proposituras inerentes à regulamentação deste instituto no ordenamento jurídico penal pátrio. (BOTTINI, 2008)
Consoante tais discussões e debates acerca da temática já utilizada em diversos países, somente em 2010, três anos após o início das tratativas em torno do assunto, que foi promulgada a Lei 12.258/10 marcando a entrada da vigilância eletrônica no ordenamento jurídico brasileiro.
A Lei nº 12.258/10 acrescentou o parágrafo único do artigo 122 da Lei de Execução Penal e os artigos 146-b, 146-c e 146-d. O supramencionado diploma legal, além de outras providências, ressalta a possibilidade de o monitoramento eletrônico poder ser concedido nas saídas temporárias de presos que estiverem cumprindo pena em regime semiaberto e nos casos de prisão domiciliar do artigo 117 da Lei de Execução Penal. (BRASIL, 2010)
Vale ressaltar que a proposta inicial acabou sofrendo vários vetos da Presidência da República, a saber, a possibilidade de aplicar pena restritiva de liberdade a ser cumprida nos regime aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes; aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de horários ou de frequência a determinados lugares; conceder o livramento condicional ou a suspensão condicional da pena. (AZEVEDO e SOUZA, 2014)
Com relação a tais vetos, Oliveira e Azevedo (2012, p. 110) tecem a seguinte crítica:
O veto da Presidência da República traz clara opção de política criminal, tendo em vista que expressamente inviabiliza a possibilidade de uso do monitoramento eletrônico nos demais casos, tendo em vista o caráter restritivo dos direitos da medida, que cria forma de fiscalização para os indivíduos que já se encontram em liberdade, sem enfrentar a questão da superpopulação prisional.
Como se vê, em razão dos vetos, as possibilidades de uso do monitoramento eletrônico se restringiram a apenas aumentar o poder de fiscalização do Estado sobre o apenado que já se encontra em liberdade, medida que em nada altera a crise do sistema prisional brasileiro.
O advento da citada Lei é um marco no Direito Penal brasileiro, adequando-se o sistema penal à era da ciência e tecnologia, podendo ser considerado a porta que insere o poder punitivo na era digital. (PRUDENTE, 2011)
Nessa esteira, mesmo diante de críticas por não promover o enfrentamento a crise de superlotação dos presídios brasileiros, a mencionada lei é importante para o direito pátrio, uma vez que marca o uso na execução penal do Brasil das mesmas tecnologias usadas nos EUA e Europa.
3.3.2 Lei nº 12.403/11
Diante das contrariedades da Lei 12.258/10, que praticamente em nada alterou o quadro da crise carcerária que assola o País ao limitar-se a controlar condenados que já estavam fora da prisão, “merece destaque, ainda, a inovação trazida pela Lei nº 12.403/11, [...] que, ao prever o elenco de medidas cautelares diversas da prisão no inciso IX do art. 319 do Código de Processo Penal, inseriu a monitoração eletrônica”. (GRECO, 2014, p. 536)
Foram assim inseridas no processo penal algumas alternativas à prisão, entre elas o monitoramento eletrônico. Em outras palavras, permitiu-se o uso dessa tecnologia antes da condenação, com o processo ainda em curso, no sentido de ser disposta como medida cautelar diversa do encarceramento.
Nesse sentido Fonseca (2012) aduz que essa alteração no Código de Processo Penal foi significativa no sentido de demonstrar a inquietação do legislador em buscar alternativas que evitassem que o processado penalmente fosse preso cautelarmente, por ser esse tipo de prisão de cunho drástico e invasivo.
Por sua vez, Souza (2014, p. 80) considera que a Lei em comento “[...] atribuiu à prisão preventiva uma nova roupagem, alocando-a como ultima ratio”. Nesse sentido, passou a prisão preventiva a ser exceção, somente podendo ser arbitrada quando frustradas todas as possiblidades de medidas cautelares a ela diversas.
Com o advento desse diploma normativo, nota-se que houve possibilidade de o monitoramento eletrônico ser alternativa para evitar que o acusado tivesse contato com a dessocialização, que como já visto, é mal provocado pelo cárcere. Nesse diapasão pondera Fonseca (2012, p. 84):
Aplicar o monitoramento eletrônico, nesses casos, caminha em total consonância com o respeito à presunção de inocência, exigência inerente a um Estado democrático de direito como é o Estado Brasileiro, no qual a prisão de cunho cautelar só pode ser decretada ou mantida quando extremamente necessária.
Consubstanciado em tal ideia, a inovação de implantar a monitoração eletrônica como medida cautelar diversa da prisão informa a compreensão do legislador pátrio em perceber que a prisão deve ser a todo custo evitada, ainda mais nas atuais condições dos cárceres brasileiros, que como já visto, remonta profundo desrespeito a dignidade da pessoa humana correlata a vários direitos inerentes aos apenados.
3.3.3 Decreto nº 7.627/11
Foi o primeiro diploma legal a conceituar a monitoração eletrônica no Brasil, mais especificamente em seus artigos 1º e 2º, in verbis:
Art. 1o Este Decreto regulamenta a monitoração eletrônica de pessoas prevista no inciso IX do art. 319 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e nos arts. 146-B, 146-C e 146-D da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal. Art. 2o Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização. (BRASIL, 2011, on-line)
Esse Decreto conceitua o monitoramento eletrônico previsto na execução e processo penal como sendo a tecnologia que vigia à distância o monitorado preso cautelarmente ou condenado definitivo a partir de um sistema eletrônico que permite indicar sua exata localização.
Entre outras regulamentações que este Decreto prevê, está o reforço de que a monitoração eletrônica deverá respeitar a integridade física, moral e social do monitorado (art. 5º. Dec. 7.627/11, BRASIL, online), que demonstra a preocupação do legislador em evitar que o sistema torne-se uma violação a dignidade do monitorado.
3.3.4 Projeto de Lei nº 8045/2010: novo código de processo penal
O monitoramento eletrônico encontra-se previsto no Projeto de Lei nº 8045/2010, especificamente na seção III, do artigo 591 a 594, in verbis:
Art. 591. Nos crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou superior a 4 (quatro) anos, o juiz poderá submeter o investigado ou acusado a sistema de monitoramento eletrônico que permita sua imediata localização. Art. 592. A medida cautelar prevista no art. 591 depende de prévia anuência do investigado ou acusado, a ser manifestada em termo específico, como alternativa a outra medida. Art. 593. Qualquer que seja a tecnologia utilizada, o dispositivo eletrônico não terá aspecto aviltante ou ostensivo nem colocará em risco a saúde do investigado ou acusado, sob pena de responsabilidade do Estado. Art. 594. Considera-se descumprida a medida cautelar se o investigado ou acusado: I – danificar ou romper o dispositivo eletrônico, ou de qualquer maneira adulterá-lo ou ludibriá-lo; II – desrespeitar os limites territoriais fixados na decisão judicial; III – deixar de manter contato regular com a central de monitoramento ou não atender à solicitação de presença. (BRASIL, 2010, on-line)
Conquanto as disposições do citado projeto de lei, pretende-se, caso seja aprovado e sancionado, manter a monitoração eletrônica como sendo medida cautelar diversa da prisão.
Noutro giro, importante o disposto no artigo 593 do referido projeto de lei, que por sua vez veda que o dispositivo de monitoração possua forma tendente ou potencial a causar desonra ou humilhação a quem o utiliza. Vale lembrar que conforme já visto, a tecnologia envolvida na elaboração desses dispositivos tende a torna-los cada vez mais imperceptíveis.
Atualmente este Projeto de Lei encontra-se em tramitação aguardando constituição de comissão temporária pela mesa, segundo pesquisa junto ao endereço eletrônico oficial da Câmara dos Deputados, sendo de autoria do Senador José Sarney-PMDB-AP, tendo sido aprovado no Senado Federal sob o número 156/2009. (BRASIL, 2015)
3.4 VIGILÂNCIA ELETRÔNICA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Neste tópico analisa-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana sob uma ótica breve e geral, bem como sua potencial violação a partir do uso do monitoramento eletrônico por presos provisórios ou condenados com sentença penal transitada em julgado.
3.4.1 Breves considerações acerca do princípio da dignidade da pessoa humana
Sabe-se que o Principio da Dignidade da Pessoa Humana é atualmente visto como principio basilar do estado democrático de direito, sendo consagrado na Constituição Federal de 1988 como um dos seus fundamentos abarcando sem si, de certa forma, todos os outros direitos fundamentais consagrados na Carta magna. (BRASIL, 1988, on-line)
Consoante à sua origem, leciona Barroso (2010, p. 4)
A dignidade da pessoa humana, na sua acepção contemporânea, tem origem religiosa, bíblica: o homem feito à imagem e semelhança de Deus. Com o Iluminismo e a centralidade do homem, ela migra para a filosofia, tendo por fundamento a razão, a capacidade de valoração moral e autodeterminação do indivíduo. Ao longo do século XX, ela se torna um objetivo político, um fim a ser buscado pelo Estado e pela sociedade. Após a 2ª. Guerra Mundial, a ideia de dignidade da pessoa humana migra paulatinamente para o mundo jurídico, em razão de dois movimentos.
Como se vê, a ideia de dignidade humana, numa perspectiva religiosa, remonta a criação do homem por Deus à sua imagem e semelhança. Diante dos ideais iluministas, em que o homem passou a figurar como ser central do mundo, dotado de razão e capacidade de autodeterminar-se, a ideia de dignidade humana migrou para a filosofia. No decorrer do século XX esta passou a revestir-se como objetivo político a ser conquistado por Estado e sociedade.
Como perceptível, com o fim da 2º Guerra Mundial, em que o desrespeito com o ser humanos foi marcante, principalmente diante das milhares de mortes ocasionadas pelo holocausto judeu na Alemanha de Hitler, a noção de dignidade humana migrou para o Direito em razão de dois movimentos:
O primeiro foi a relativização da separação radical entre Direito, moral e política imposta pelo positivismo normativista, surgindo-se uma cultura pós-positivista em que houve a reaproximação entre Direito e as filosofias moral e política. O segundo foi justamente a inclusão da dignidade da pessoa humana como conceito jurídico nas mais diversas Constituições e Documentos internacionais. (BARROSO, 2010)
Observe-se que tal inclusão só foi possível mediante a reaproximação entre o Direito e os valores morais e políticos, pois do contrário o Direito continuaria sendo uma ciência indiferente a conceitos como o da dignidade da pessoa humana.
Importante salientar que a noção conceitual do que vem a ser a dignidade da pessoa humana ainda é bastante discutida no mundo jurídico, dando vazão aos mais diversos posicionamentos sobre a temática.
Para Piovesan (2008, p. 147) “A condição humana é requisito único e exclusivo, reitere-se, para a titularidade de direitos. Isso porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de outro critério, senão ser humano.” Nessa visão, basta ser humano para que esteja configurada a titularidade de direitos, inexistindo qualquer outro requisito a se impor para tal.
Conceito semelhante, porém bem mais explicativo, expõe Sarlet (2011, p. 73) ao considerar a dignidade humana como sendo
[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.
Nota-se que o autor busca em seu conceito reunir os atributos apontados na doutrina como sendo inerentes à dignidade humana. Nessa visão fazem parte do conceito os direitos e deveres fundamentais que ao mesmo tempo em que proíbem atos que desonrem ou maltratem, também garantam qualidade de vida mínima para os seres humanos.
Vale dizer que a garantia, a partir da análise desses dois conceitos, é concedida a todos, independente de quem sejam, posição social, etnia ou cor da pele, ocupando posição central no conceito o respeito ao próximo.
Resta saber quando a noção de dignidade humana passou a ser considerada princípio jurídico.
Desta feita Barroso (2010, p. 10) assim leciona
Em um primeiro momento, contudo, sua concretização foi vista como tarefa exclusiva dos Poderes Legislativo e Executivo. Somente nas décadas finais do século XX é que a dignidade se aproxima do Direito, tornando-se um conceito jurídico, deontológico – expressão de um dever-ser normativo, e não apenas moral ou político. E, como consequência, sindicável perante o Poder Judiciário. Ao viajar da filosofia para o Direito, a dignidade humana, sem deixar de ser um valor moral fundamental, ganha também status de princípio jurídico.
É recente a aproximação da noção de dignidade com o Direito. Antes dessa proximidade, tal instituto possuía apenas o valor moral fundamental, vez que já estava revestida pelas filosofias moral e política. Com a aproximação com o Direito, além de manter seu valor moral fundamental, conquistou a dignidade humana o status de princípio jurídico, adquirindo também o conceito deontológico que, em outras palavras, significa dever-ser.
Salienta Rocha (1999) o princípio da dignidade da pessoa humana em seu processo de inserção no ordenamento jurídico constitucional pátrio alterou, de inicio, toda a construção jurídica, ou seja, passou ele a ser a base de criação do Direito, pelo simples motivo de ser ele o elemento fundante da ordem constitucionalizada e colocado como pedra angular do sistema. Dessa forma, a dignidade da pessoa humana é princípio reconhecido como supraprincípio constitucional, sobre o qual se baseiam as decisões políticas estratificadas no estado democrático de direito.
Posicionamento parecido tem Lenza (2008, p. 593, grifo do autor) ao afirmar que:
[...] o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República, Federativa do Brasil e princípio matriz de todos os direitos fundamentais (art. 1º, III, da CF/88). Daí a importância de ser respeitado, pois é trata-se de um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Possuindo posição de destaque no ordenamento jurídico brasileiro, depreende-se da lição supracitada que o mencionado princípio é fundamento normativo dos direitos fundamentais, estando eles inseridos na ideia de dignidade humana.
Por assim ser, entende-se o Princípio da dignidade da pessoa humana como sendo aquele que tem o poder de unificar e centralizar todo o sistema normativo. Desta feita, insurge-se como superprincípio constitucional, dotado de status de norma principal que orienta o constitucionalismo contemporâneo nas suas esferas além de atribuir-lhe racionalidade, unidade e sentido (PIOVESAN, 2008).
Sendo o dito Princípio o orientador do sistema normativo constitucional e que a este agrega racionalidade, unidade e sentido, compreende-se que sua aplicação é intrínseca dos direitos fundamentais. Neste sentido, merece análise o uso da monitoração eletrônica em presos em face da potencial ofensa a direitos fundamentais, esses englobados na dignidade da pessoa humana.
3.4.2 Uso da monitoração eletrônica e a potencial ofensa a dignidade humana do preso
Como já exposto, ficou demonstrado que sobre o Estado paira a suspeita de que ao utilizar a monitoração eletrônica em presos, de potencialmente violar a dignidade humana do vigiado. Mais precisamente estariam sendo ofendidos direitos fundamentais como a intimidade, vida privada, honra e imagem. Diante disso, tornam-se necessários alguns esclarecimentos sobre princípios constitucionais e a técnica da ponderação.
De inicio, imperioso se faz destacar o Princípio da unidade da Constituição, conforme o qual “a ordem jurídica é um sistema, o que pressupõe uma unidade, equilíbrio e harmonia. Em um sistema, suas diversas partes devem conviver sem confrontos inarredáveis”. (BARROSO, 2008, p. 372, grifo do autor)
Desta feita entende-se que o ordenamento jurídico compreende um sistema coerente, completo e unitário, em que está no topo a Constituição Federal. Diante da harmonia contida na ordem jurídica, não são admitidos conflitos irremediáveis, ou seja, em caso de conflitos porventura identificados, haverá critérios para resolução propostos pelo próprio ordenamento jurídico.
Não há que se fazer um estudo sobre regras e princípios ou sobre os vários conflitos entre regras ou entre regras e princípios. Impera a necessidade de se explanar o modo de resolução de conflitos entre princípios constitucionais.
Diante disso urge a técnica de resolução de conflitos denominada Ponderação, que para Alexy (2014, p.92) tem o seguinte fundamento:
Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, princípios tem pesos diferentes e que os princípios com maior peso tem precedência.
Diante disso, em caso de comprovada existência de conflito entre princípios, como por exemplo, quando um determinado grupo pretende fazer uma reunião que paralise ou impeça a circulação de pessoas e veículos de determinada avenida, haverá um conflito aparente entre os direitos constitucionais de reunião e de liberdade de locomoção.
Na resolução do conflito, um dos dois princípios terá que ceder, não significando afirmar que o princípio cedente torne-se ilegítimo. O que acontece no caso em questão, é que um princípio terá prioridade em relação ao outro a partir da análise do caso concreto, destacando-se o peso do princípio naquela determinada situação.
Diante das considerações, argumenta-se que a vigilância eletrônica seria uma ingerência por parte do Estado na vida privada do cidadão, o que é proibido constitucionalmente. Entretanto, deve-se salientar que o direito à intimidade não é absoluto, sendo passível de ter sua aplicação limitada frente a outros princípios, no intuito de garantir a sistematização harmônica das normas vigentes.
Para Sarlet (2011) há possibilidade de no conjunto das relações sociais acontecer de determinado indivíduo ter sua dignidade violada por outras pessoas. Paira a dúvida no que tange a possibilidade de lesionar a dignidade dos ofensores com a proposição de proteger a dignidade da vítima, levando-se em consideração que os ofensores são tão dignos quanto o ofendido, pois são todos seres humanos, diferenciando-se por naquela ocasião terem aqueles violado a dignidade de seu semelhante.
Sobre a potencial limitação de direitos fundamentais pela pena leciona Fonseca (2012, p. 121)
[...] o sentenciado a uma pena em face do cometimento de um delito sujeita-se a algumas limitações impostas pelo Estado, limitações estas que podem ser pena de morte, privação de liberdade, patrimônio e outros direitos. Desse modo, não há, prima facie, uma vedação constitucional à restrição da intimidade do agente, eis que pela pena, outros bens também fundamentais e de até maior relevo podem ser cerceados, como a vida e a liberdade.
Como já visto, no choque entre princípios, haja vista não existir entre eles hierarquia, deve-se sopesar qual será o precedente naquele caso concreto. As penas, por exemplo, impõem ao delinquente limitações a direitos fundamentais sejam eles a liberdade, propriedade, patrimônio ou até a morte, prevista no artigo 5°, inciso XLVII, alínea a da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Não há, portanto, caráter absoluto no direito a intimidade, podendo este ser limitado quando em colisão com outro, mediante ponderação no caso concreto. Nesse interim debate-se o monitoramento eletrônico como meio atentatório a dignidade da pessoa humana consubstanciado principalmente no direito a intimidade.
Karam (2007, s/p), por exemplo, faz duras críticas ao monitoramento eletrônico ao afirmar que
[...] o monitoramento eletrônico não é apenas a ilegítima intervenção no corpo do indivíduo condenado, a desautorizada invasão de sua privacidade, a transformação do seu antes inviolável lar em uma quase-prisão, em uma filial daquela que era a instituição total por excelência. Já se anuncia a introdução de minúsculas câmeras nas pulseiras eletrônicas ou a implantação cirúrgica de dispositivos eletrônicos no corpo capazes de fornecer imagens ao vivo do indivíduo controlado ou indicar sua localização a qualquer momento e em qualquer lugar.
Diante de tais críticas é válido considerar que não há ainda a previsão legal de autorização do preso para implantação da vigilância eletrônica, havendo a possibilidade de tal previsão no Projeto de Lei nº 8.045/10 que compreende o projeto do Novo Código de Processo Penal. Caso se converta em Lei o dito PL, não há mais o que se falar em violação ao direito a intimidade, pois, tal qual informa Fonseca (2012) a vontade da pessoa é preponderante sobre a sua própria intimidade, de modo que pode este livremente optar ou não em determinada situação pelo exercício da sua intimidade.
Em que pesem as críticas, frise-se que mesmo sem haver a previsão legal de consentimento do preso, deve-se a partir da ponderação, considerar que nesse suposto conflito entre princípios deve-se levar em consideração a realidade imposta ao apenado que adentra ao cárcere. (MARIATH, 2009)
A possibilidade de estigmatização do apenado, por ele estar usando um dispositivo eletrônico, torna-se um gravame ínfimo frente aos malefícios que encontraria, caso estivesse em contato diário com o sistema penitenciário. (BOTTINI, 2008)
Considere-se que essa possibilidade é praticamente improvável, pois como já visto, os equipamentos de monitoração eletrônica, em consonância com o desenvolvimento tecnológico, tendem a cada vez mais ficarem imperceptíveis.
Ainda na visão de Mariath (2009) não se deve falar em estigma quando a utilização dos instrumentos de monitoração eletrônica, uma vez que, a estigmatização recorrente acontece no processo criminal caso haja o encarceramento.
Diante de tal posicionamento, torna-se notório que o sistema carcerário do jeito que está, demonstra-se difícil ser escolhido frente a qualquer outra alternativa de cumprimento de pena.
Nessa perspectiva surge a pergunta: o que é mais prejudicial para o condenado, ser monitorado ou manter-se encarcerado, dentro da atual situação em que se encontra o sistema penitenciário? Não é preciso ser nenhum especialista em criminologia, para se aferir que o Estado não oferece nenhuma estrutura para o cumprimento de uma pena digna, contrariando os preceitos estabelecidos na Lei Execução Penal e na Constituição Federal. (PRUDENTE, 2011)
Ademais discute-se a violação de tal princípio no que tange ao uso dos instrumentos de vigilância eletrônica utilizados pelo condenado, devido a exposição de tais objetos, o que de qualquer forma identifica-o perante a sociedade como tal.
Sobre tal discussão Greco (2013, s/p) comenta:
Tudo será realizado da forma mais discreta possível, ou seja, a utilização da tornozeleira, da caneleira, do cinto ou mesmo a implantação do microchip será feita de modo a não ofender a dignidade do condenado, evitando-se sua desnecessária exposição. Assim, por exemplo, seria inviável o uso de aparelhos que envolvessem o pescoço do condenado, ou mesmo algum outro que fizesse com que tivesse uma excessiva exposição.
Com efeito, com a tecnologia atual não há mais espaço para instrumentos de monitoramento de tamanho exagerado e quem chamem a atenção, levando a identificação do sujeito apenado.
Sendo assim, resta evidente que o intento da evolução das opções técnicas de vigilância paira na busca por eliminar o constrangimento daquele que utilize algum desses objetos. Isso porque o que se pretende com o sistema de monitoramento não é mostrar para as pessoas que determinado individuo está sendo vigiado eletronicamente, mas sim tornar seguro e efetivo o beneficio dado ao condenado que deixa o estabelecimento prisional mediante restrições.
Nessa esteira, insurge ao Estado o dever de ponderar os limites em que pode ser restringida a dignidade do apenado em benefício da dignidade da coletividade, uma vez que tal direito está consubstanciado ao metaprincípio do estado democrático de direito, a saber, o principio da dignidade da pessoa humana.
3.5 APLICABILIDADE DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
O fascínio que advém acerca da utilização da alta tecnologia no campo da execução penal tem gerado expectativas em relação ao monitoramento eletrônico. Contudo, deve-se ressaltar que tal instituto não deve ser tratado como a panaceia dos problemas que assolam o sistema penitenciário. É necessário fazer uma análise sobre diversos pontos, dentre os quais, destacam-se os custos, a possibilidade e a real aplicabilidade do sistema.
3.5.1 Viabilidade econômica do uso do monitoramento eletrônico
Denota-se imprescindível na análise da utilidade do sistema de vigilância eletrônica saber se tal tecnologia diminui ou aumenta os custos estatais com o sistema prisional.
Nesse sentido, ainda na fase inicial da implantação desse sistema no Brasil, preconizou Reghelin (2010) que caberia a ressalva de que a economia que se teria com a implantação do monitoramento eletrônico é questionável por dois motivos: o primeiro girava em torno da necessidade de pessoal capacitado para a manutenção operacional do sistema. Já o segundo advém de uma simples interpretação das hipóteses contempladas na Lei nº 12.258/10, uma vez que a supramencionada lei prevê a vigilância eletrônica na modalidade de prisão domiciliar. Ora, se o indivíduo já se encontra em liberdade, qual a necessidade de se ter custos com sua fiscalização, estigmatizando-o como apenado, mesmo na modalidade aberta.
Nesse caso, a implantação dessa tecnologia não parte da premissa de alternativa a prisão com objetivo de evitar a dessocialização, mas apenas no enfoque de aumentar o controle estatal sobre o apenado. Do ponto de vista econômico, o uso da monitoração eletrônica em casos de prisão domiciliar aumentaria os custos, que haviam sido reduzidos quando da decisão por conceder a prisão domiciliar ao indivíduo.
Ainda sobre os custos de implantação do sistema, Weis (2012, s/p) alerta que
há dúvidas quanto ao custo e à operação do sistema, sendo certo de que não foi feita auditoria oficial para saber se a propalada economia operacional é verdadeira. Ademais, a tecnologia é privativa de poucas empresas privadas, o que pode deixar a Administração refém quando da renovação dos contratos, no caso de haver milhares de pessoas sendo monitoradas. Acaso seria feito o reccall dos usuários se fosse suspensa a operação ou trocado o fornecedor de serviços?
Ainda em 2012 tais questionamentos eram pertinentes, uma vez que a tecnologia ainda estava em recente uso no Brasil. Atualmente já se vê com otimismo o fator custo-benefício do sistema em relação à manutenção de presos em presídios.
Em que pese dúvida sobre a redução ou não de gastos com a implantação do monitoramento eletrônico, já se tem posição contrária do que foi expendido acima. De acordo pesquisa realizada por Leon (2011), o estado do Rio Grande do Sul elaborou um projeto em que seriam instaladas cerca de quatrocentas tornozeiras com valor total de quatrocentos reais mensais, com o objetivo de ao final de quatro anos a quantidade de tornozeleiras atingir o montante de quatro mil.
Opinião contrária também possui a administração penitenciária do Estado da Bahia (SEAP), em virtude de pesquisas iniciadas em 2012, quando foram visitados outros estados que já se utilizavam da monitoração eletrônica, apresentou projeto para implantação do monitoramento de presos provisórios e já em regime de cumprimento de pena. É o que noticia a Secom (2015, s/p):
O objetivo do projeto como um todo é reduzir do déficit carcerário, gerando novas vagas no sistema prisional, retirando outras pessoas que possam cumprir a pena dessa maneira. Também ser uma opção para magistrados como pena alternativa, além de reduzir gastos do estado com os presos.
Como se vê, entre outros objetivos pretendidos com a implantação do sistema na Bahia, está a redução de custos com o encarceramento de presos. Importante informar que antes da divulgação desse projeto, foi realizada pesquisa sobre a viabilidade e aplicabilidade do sistema de monitoração eletrônica, iniciada ainda em 2012, com visitas a outros estados que adotaram o uso dessa tecnologia (SECON, 2015).
A título de esclarecimento de quanto custa um preso aos cofres públicos, no Estado de Pernambuco desembolsa-se aproximadamente R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) mensais com a manutenção de cada presidiário. Esse valor é oito vezes maior em relação ao que o Estado gasta com a manutenção de um aluno da rede pública de ensino (TV JORNAL, 2015)
É cediço que grande parte das famílias brasileiras não possuem sequer a metade em renda per capita do valor dispendido para manutenção de presos em Pernambuco. É evidentemente um valor alto a ser pago pela coletividade, e que pode ser minorado, por exemplo, com o uso das tornozeleiras eletrônicas, que são bem menos custosas ao Estado, conforme noticia Alves (2015, s/p)
Rio - Por falta de tornozeleiras eletrônicas, equipamentos que monitoram presos em regime de Prisão Albergue Domiciliar (PAD), o estado do Rio gasta hoje pelo menos três vezes mais com a manutenção de um detento encarcerado. Enquanto o governo desembolsa R$ 2,3 mil por mês, em média, para manter um detento atrás das grades, cada tornozeleira tem o custo mensal de R$ 650.
Observa-se que no Estado do Rio de Janeiro, quatro tornozeleiras eletrônicas custam pouco mais do que é gasto com a manutenção de um preso mensalmente. Para se ter noção da viabilidade econômica, suponha-se quatro detentos que saem do cárcere utilizando-se das tornozeleiras eletrônicas, logicamente dentro das hipóteses legais, trariam uma economia de em média R$ 6.600,00 (seis mil e seiscentos reais) ao Estado do Rio de Janeiro, uma vez que em média quatro detentos custariam ao Estado mensalmente R$ 9.200,00 (nove mil e duzentos reais).
Portanto, embora já ter havido, no início da implantação do sistema no Brasil, dúvidas quanto a economia que se teria em relação ao monitoramento eletrônico, atualmente não restam dúvidas que em relação ao custo-benefício, pois o alívio aos cofres públicos trazidos pela implementação desse sistema é notório.
3.5.2 Viabilidade do sistema de monitoramento eletrônico no Brasil: críticas e sugestões
Quanto à aplicabilidade do sistema de monitoramento eletrônico no Brasil, cabe a crítica quanto às poucas possibilidades de implantação da vigilância eletrônica, uma vez que os diplomas legais em vigência pelo País a possibilitaram apenas em hipóteses restritas. Nada se falou de sua utilização em conjunto com as penas restritivas de direitos, ou do livramento condicional, por exemplo.
Embora uma das finalidades do monitoramento eletrônico seja a diminuição da superpopulação carcerária, restou nítida a impressão que essa não foi a intenção primordial do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico a Lei nº 12. 258/10. Ficou implícita, somente, a preocupação do legislador em aumentar o poder de fiscalização do Estado, em vez de enxugar a massa carcerária. (BURRI, 2011)
Por esse mesmo iter, Prudente (2011, p. 17), ainda em relação a Lei nº 12.258/10 leciona: “Em nenhum momento o monitoramento eletrônico se apresenta como alternativa à prisão e sim, como um acréscimo na privação ou restrição da liberdade”.
Ficou provado que a lei em comento pouco contribuiu para o desafogar do sistema carcerário, vez que nas restritas hipóteses de aplicação o apenado já se encontrava fora do presídio, seja em saída temporária do semiaberto ou em virtude de prisão domiciliar.
Quanto à aplicação cautelar do monitoramento eletrônico como medida alternativa à prisão durante o processo torna forçoso a análise se tal medida legislativa surtiu efeitos estatísticos no que tange a população carcerária.
Partindo-se da análise da quantidade de presos provisórios existente em 2011, ano em que foi incorporada ao Código de Processo Penal a Lei 12.403/11 e a quantidade atual de presos será possível ter noção se as medidas cautelares alternativas à prisão, entre elas a monitoração eletrônica, tem influenciado nos números da população carcerária brasileira.
Como descrito pelo Depen (2015) no ano de 2011 o Brasil contava com uma população prisional de 514,6 mil presos, passando para 607, 7 mil em junho de 2014. Não há variação significativa na taxa de crescimento anual da população carcerária desde o ano 2000, mantendo-se sempre um regular crescente anual de 7% em média.
Como se vê a medida legislativa que introduziu medidas cautelares diversas da prisão em 2011 com o intuito de diminuir a incidência do número de presos provisórios no sistema carcerário não surtiu muito efeito.
Souza (2014, p. 197) afirma que o motivo pode estar relacionado à
[...] enorme resistência do Poder Judiciário em relação à aplicação da medida cautelar de monitoramento eletrônico (art, 319, inciso IX, do CPP), que se fundamenta por dois segmentos opostos. O primeiro segmento identifica-se por uma postura punitivista, fruto de uma cultura inquisitorial-encarcerizadora que vem dominando a mentalidade dos atores judiciários (com raras exceções), em que o monitoramento é compreendido como instrumento atentatório à garantia da ordem pública, o que inviabilizaria sua aplicação como medida cautelar. Em contraposição ao primeiro segmento está o pensamento garantista, calcado pela defesa dos direitos humanos contra qualquer espécie de violência arbitrária e pela limitação do poder punitivo do Estado.
Notadamente, além de problemas financeiros e técnicos, existe o problema da não adesão entre grande parte os juízes no que tange ao uso dessa ferramenta tecnológica de monitoração.
Primeiro, parte-se do já cristalizado entendimento da maioria de que o correto após a ocorrência do crime é trancafiar o acusado até que seja julgado e condenado, para cumprir sua pena continuando na prisão. É este sentimento punitivista que tem se alastrado pela sociedade e de igual forma, pelo Poder Judiciário.
Por outro lado, há também o sentimento garantista que coíbe toda forma de violação aos direitos humanos por parte do Estado. Nessa perspectiva, medidas como o monitoramento eletrônico têm sido rechaçadas em grande parte dos tribunais de todo o País, sendo baixo o número de acórdãos que aprovam tal medida. (SOUZA, 2014)
Portanto, o que evidencia a não diminuição da população carcerária depois do advento da monitoração eletrônica como meio diverso da prisão é a sua mínima utilização no País, devido tanto à preferência dos juízes por manter encarcerados os acusados quanto à defesa de direitos potencialmente violados pela monitoração.
Quanto às sugestões destaca-se a possibilidade de implantação do sistema como meio de prisão domiciliar em hipóteses diversas das elencadas no art. 117 da Lei de Execução Penal.
Em relação à prisão domiciliar é importante citar o ocorrido em sede de execução da pena de alguns condenados pelo Supremo Tribunal Federal na ação penal 470, conhecida como processo do mensalão. No caso em comento, alguns dos condenados progrediram do regime semiaberto para o aberto, que conforme o artigo 93 da Lei de execução penal deve ser cumprido em casa de albergado. Como só existem 23 estabelecimentos com casa de albergado no País (DEPEN, 2015), a maioria das cidades brasileiras não conta com esse tipo de estabelecimento, o que ensejou vários pedidos de conversão do regime aberto para a prisão domiciliar, mesmo estando fora das hipóteses previstas no artigo 117 da LEP. (BRASIL, 1984)
Merece destaque trecho da decisão do ministro relator Luís Roberto Barroso, ao analisar a progressão de regime do apenado José Dirceu de Oliveira e Silva:
No caso do sentenciado José Dirceu de Oliveira e Silva, como visto, deferi a progressão do regime semiaberto para o aberto no dia 28.10.2014. Deu-se que, em 04.11.2014, como no Distrito Federal inexiste Casa de Albergado, a Vara de Execuções Penais aplicou a jurisprudência pacífica de conceder prisão domiciliar para a continuidade do cumprimento da pena. A prisão domiciliar constitui uma alternativa humanitária para lidar com o déficit de estabelecimentos adequados e de vagas no sistema penitenciário. (BARROSO, 2014, p. 3)
Nessa esteira, no dizer do Ministro do Supremo Tribunal Federal é pacífica a jurisprudência no sentido de não admitir regime mais gravoso ao apenado em virtude da não existência ou insuficiência de estabelecimentos prisionais adequados ao regime de cumprimento de pena aplicado ao condenado. Saliente-se que não é taxativa a lista de hipóteses, devendo-se conceder ao preso o regime imediatamente mais benéfico, no caso em questão, a prisão domiciliar monitorada.
Outra sugestão poderia ser a utilização do monitoramento nas hipóteses de proibição de frequentar determinados lugares. Merece destaque ainda a possibilidade do monitoramento no caso das medidas protetivas de urgência do artigo 22 da Lei Maria da Penha. (FONSECA, 2012)
Convém salientar que estas possibilidades tem apenas o cunho fiscalizatório, não sendo meios para evitar a dessocialização decorrente da prisão.
Deve-se ressaltar que, apesar de, até o momento, parecer apenas placebo, o instituto do monitoramento eletrônico pode se tornar uma eficaz ferramenta na luta pelo fortalecimento do sistema punitivo em geral.
Obviamente respeitando os princípios constitucionais inerentes à execução penal e atentando para as peculiaridades regionais do país, espera-se que o monitoramento eletrônico, mesmo que de forma devagar, encontre espaço e consolide-se no ordenamento jurídico pátrio.
3.6 UTILIZAÇÃO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO GARANTIA CONTRA A DESSOCIALIZAÇÃO DECORRENTE DA PRISÃO
Como já visto o monitoramento eletrônico já é uma realidade no sistema penal pátrio, estando previsto na fase processual penal e também na fase executória da pena. Como já abordado, resta superada a ideia de que o uso do dispositivo é incompatível com a dignidade humana, restando agora investigar se é este meio hábil a minimizar a dessocialização do preso.
Já está evidente também que o cárcere não recupera o delinquente, mas pelo contrário o corrompe cada vez mais. Trata-se do fenômeno da prisionização, que para Sá (2014, p. 121) possui os seguintes efeitos: “perda da identidade e aquisição de nova identidade; sentimento de inferioridade: empobrecimento psíquico; infantilização, regressão.”
Tais efeitos fazem parte do processo de dessocialização a que o encarcerado é submetido, pois ocorre a degradação da aprendizagem, caráter e valores adquiridos ao longo da vida, adquirindo o preso uma nova identidade e cultura inerente à prisão.
É neste contexto que adentra o monitoramento eletrônico como medida tendente a evitar a dessocialização decorrente da prisão. Logicamente a medida não será utilizada fora das hipóteses permitidas por lei, e dessa forma, incidirá em desfavor de indivíduos que algum ato delitivo cometeram ou por ele estão sendo acusados.
Nesse diapasão leciona Rodriguez-Magariños (apud FONSECA, 2012, p. 125):
Tanto o cárcere convencional como o monitoramento eletrônico apresentam-se como medidas restritivas aos agentes que, de algum modo, possuem envolvimento com a prática de delitos sendo pois, um mal necessário, uma vez que não se deve duvidar que todo fato delituoso deve ter alguma consequência a fim de que se possa manter a ordem social e o mínimo de convivência. Portanto, por mais que seja melhorada e evoluída, a instituição carcerária sempre será um mal, já que, induvidosamente, restringe, de alguma forma, a liberdade do agente.
Nesse sentido, por mais que a monitoração eletrônica venha trazer certo incômodo para o monitorado, trata-se de um mal necessário, porém ínfimo se comparado com o da prisão.
A legislação brasileira contempla entre seus objetivos relacionados à pena a ressocialização do apenado, ocorrendo total paradoxo entre o disposto na legislação e a realidade do sistema carcerário. Dessa forma, o monitoramento eletrônico não se trata de privilégio ao preso, mas sim de uma forma mais humana que o cárcere de cumprir a pena.
Visando a humanidade no tratamento aos presos e sendo visto como alternativa apta a minimizar o fator crimonógeno, o monitoramento eletrônico deve ser analisado sob duas óticas:
abandono do delito e a maior humanidade na execução do condenado, de modo que o avanço tecnológico, corretamente utilizado, permite a estruturação do apenado e diminui sua dessocialização, constatando-se que a grande vantagem do monitoramento eletrônico é que permite a inserção social dentro da sociedade, não incorrendo na grave contradição de ensinar a ser livre dentro dos muros da prisão, podendo o apenado mostrar à sociedade, dentro dela, não no mundo artificial e opressivo do cárcere que já pode conviver trabalhando e próximo a sua família. (RODRIGUEZ-MAGARIÑOS, apud FONSECA, 2012, p. 130)
Fora do cárcere, não estará o apenado cingindo-se dos valores invertidos de conduta que culminam na reincidência, evitando-se assim, a dessocialização. Neste sentido, há a oportunidade de o monitorado cumprir sua pena dentro do convívio social, trabalhando e junto à família.
Notadamente que a medida tecnológica em comento, insere-se como alternativa a prisão, sendo para tanto, plenamente humanitária no que tange à evitar o contato do apenado com o cárcere. Bem mais simples a ressocialização nos moldes em que o indivíduo encontra-se já em convívio social, do que trancafiado e em contato com a cultura sub-humana vista nos presídios brasileiros.
Sob esse viés Reghelin (2010, p. 184) assim sustenta: “[...] o sujeito monitorado não pode ser percebido apenas como um objeto de supervisão, mas como alguém dotado, antes de tudo, de dignidade e de liberdade”.
Nesta feita, a crítica é pertinente ao ponto que as opções de monitoração eletrônica não podem ter apenas o condão de fiscalizar o indivíduo, mas devem ter o objetivo de proteger a dignidade desta pessoa, evitando que seja envolvido pelo fator criminógeno.
De toda sorte, conforme lição de Fonseca (2012, p. 132):
[...] partindo-se de um ponto de vista constitucional, de conformidade com a dignidade da pessoa humana demonstra-se claro que enquanto que o cárcere convencional, pelos argumentos amplamente já expostos, não consegue obter o mínimo de condições necessárias ao retorno do apenado á convivência social, ao passo que o monitoramento eletrônico encontra-se potencialmente em condições de obter esse fim, havendo a necessidade de uma tendência legal no sentido de que o monitoramento eletrônico, substitua, paulatinamente, como regra, o cárcere convencional o que, para ocorrer necessita que haja, de forma imprescindível, uma regulamentação do instituto, em que sejam reunidas as garantias legais, havendo estrito respeito [...] a dignidade da pessoa humana.
Reitere-se que da forma em que foi instituído o monitoramento eletrônico na execução penal no Brasil não há como entendê-lo como medida substitutiva da prisão, vez que os casos contemplados abarcam apenas condenados já beneficiários de saída temporária do regime semiaberto e nos casos de prisão domiciliar.
Com a crise do cárcere convencional urge a necessidade da modernização, introduzindo-se o monitoramento eletrônico como forma de prisão sem muros, destituído de qualquer elemento estigmatizante, uma vez que quem estigmatiza é o cárcere nos moldes tradicionais.
Destaca-se que o monitoramento eletrônico é um assunto recente no ordenamento jurídico brasileiro, se comparado aos países estrangeiros que já discutem o tema desde o início da década de 80 do século passado. O monitoramento eletrônico deve ser visto como um real substitutivo à pena privativa de liberdade, para que, assim, venha a surgir os efeitos esperados decorrentes de sua implantação. (BURRI, 2011)
A realidade é que enquanto o Poder Público se mantiver inerte e passível apenas de intervenções improvisadas, atendendo de maneira imediata o clamor social, dificilmente se verão políticas sérias que influenciem na dimensão carcerária.
O monitoramento eletrônico é medida que tem potencial para minimizar as mazelas decorrentes do cárcere, sobrevindo não como a solução, mas uma das alternativas para tal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho se propôs a analisar o monitoramento eletrônico como meio de minimização dos efeitos da dessocialização dos custodiados diante da crise do sistema prisional brasileiro. Os problemas penitenciários tem se agravado com o passar do tempo e denotam a necessidade de medidas que sejam hábeis para resolução ou minoração dos problemas.
Nessa perspectiva, a pesquisa demonstrou a carência no Brasil de políticas públicas eficazes no enfrentamento da crise carcerária, da generalizada violação dos direitos fundamentais dos presos e a sua consequente dessocialização. Para tanto foi analisado o instituto do monitoramento eletrônico como alternativa à prisão, seja ela cautelar ou definitiva.
De inicio traçou-se em linhas gerais a história das penas, dividida em três fases: primitiva, humanitária e cientifica. Notou-se que a pena evoluiu ao longo da história, mudando a cada fase o entendimento quanto ao que, como e quando punir. Houve também a partir da fase humanitária a preocupação em justificar a imposição de penas, traçando-se por intermédio de teorias justificadoras os objetivos que a legitimariam.
Nesse sentido, as primeiras teorias que buscaram justificar a pena foram chamadas de teorias retributivas. Consistiam basicamente em retribuir ao infrator o mal causado por este com a violação de determinada regra. Na verdade, percebeu-se com a pesquisa que em momento algum tais teorias tiveram o dito objetivo de justificar a imposição de penas, demonstrando apenas sua necessidade para o controle social.
Contrárias a concepção retributiva, as teorias preventivas atribuíam à pena como fim ou objetivo prevenir a prática de novos delitos. Essa prevenção poderia ser geral ou especial, cabendo à primeira impor temor (prevenção geral negativa) e educação (prevenção geral positiva) à sociedade. Quanto à prevenção especial, o delinquente deve ser retirado do convívio social por determinado período de tempo, sendo assim impedido de cometer novos delitos (prevenção especial negativa) e ao mesmo tempo ser direcionado a refletir sobre sua conduta e o fim por ela proporcionado convencendo-se a não mais delinquir.
A teoria mista ou unificadora da pena, por sua vez, visa utilizar a pena como retribuição pelo mal causado e, ao mesmo tempo, ressocializar o delinquente para o fim de evitar novos delitos. Verificou-se na pesquisa que é esta a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 59, portando a pena no Brasil como objetivo a retribuição e ressocialização do apenado.
Visto que no ordenamento jurídico brasileiro a pena possui finalidade ressocializora, buscou-se mediante dados estatísticos disponibilizados pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN sobre a atual situação do sistema prisional brasileiro. Diante da análise desses dados e das opiniões de juristas como Cezar Roberto Bitencourt, chegou-se a confirmação da profunda crise do sistema carcerário, motivada principalmente pelo grande número de presos (607.731), déficit de vagas (231.062) e grande quantidade de presos provisórios (41%).
Desta feita evidenciou-se a falência da prisão, sendo necessárias medidas urgentes que surtam efeitos satisfatórios no que tange a diminuição da superlotação carcerária. Portanto, além da lógica construção de novos presídios, atribuiu-se como medidas aptas a auxiliar na minoração do problema a atuação das APACs, Associações de Proteção e Assistência a Condenados que tem produzido ações exitosas na seara da execução penal. Também foi citado o instituto do monitoramento eletrônico, objeto dessa pesquisa, como alternativa à prisão cautelar, visto que quase a metade dos presos no Brasil é provisória.
Tratando-se de execução penal, restou evidente que a realidade prisional do País está distante dos regramentos legais dispostos na lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), ocasionando um verdadeiro paradoxo entre os elementos teóricos previstos na legislação e o que acontece de fato nos cárceres brasileiros. Comprovada, portanto, a inaplicabilidade do fim ressocializador da pena diante das atuais condições penitenciárias, em que direitos como a humanidade da pena e dignidade humana são constantemente violados.
Diante disso, foi possível chegar a conclusão de que a prisão é dessocializante, ou seja, leva o indivíduo que nela adentra a um processo de desculturação consistente na perda progressiva da sua capacidade de se relacionar normalmente em sociedade. A prisão, somada ao desrespeito dos direitos fundamentais dos presos culmina no fator criminógeno no preso, levando-o a reincidência.
Nesse contexto, consoante a generalizada violação dos direitos humanos dos presos, evidencia-se o chamado estado de coisas inconstitucional, arguido na ADPF nº347 perante o Supremo Tribunal Federal, buscando-se entre outras coisas a total e imediata reforma do sistema prisional brasileiro.
Concluídos o primeiro e segundo capítulo da pesquisa, pode-se dizer que há a falência da prisão intramuros e de que nela está intrínseco o efeito dessocializador sobre o preso, evidenciando-se a premente necessidade de alternativas que a substituam.
Portanto, no terceiro capítulo partiu-se para análise do monitoramento eletrônico como medida eficaz na minimização desse efeito dessocializador da prisão. Para isso realizou-se de início um estudo sobre o funcionamento do sistema de monitoramento eletrônico, partindo-se das finalidades de detenção, restrição e vigilância do custodiado até as gerações de uso do dispositivo, em especial a terceira geração que evidencia a intenção do Estado em intervir no sistema neurobiológico do indivíduo, atuando de forma a prevenir o delito.
Traçou-se logo após um breve histórico do monitoramento eletrônico e sua utilização no campo internacional. Evidenciou-se que a medida surtiu efeitos positivos nos países em que foi implantada.
Apesar de o monitoramento eletrônico ser utilizado desde a década de 70, no Brasil as primeiras discussões sobre o tema só chegaram ao legislativo por volta de 2007, vindo a ser editada e sancionada em 2010 a Lei nº 12.258, alterando dispositivos da LEP e tornando legal a utilização do monitoramento eletrônico na execução penal no Brasil. Porém as hipóteses de utilização previstas nessa Lei em nada modificaram a superlotação penitenciária, uma vez que só previu a utilização da vigilância eletrônica em casos de saída temporária do regime semiaberto e nos casos de prisão domiciliar.
Em 2011 incorporou o Código de Processo Penal a Lei nº 12.403, trazendo, entre outras medidas, o monitoramento eletrônico como medida cautelar alternativa á prisão, sobrevindo-lhe no mesmo ano a edição do Decreto nº 7.627 com o objetivo de conceituar o monitoramento eletrônico e regulamentando o seu uso.
Partiu-se então para necessária análise do monitoramento eletrônico com relação a sua potencial violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Para tanto, foram feitas breves considerações acerca desse Princípio e a sua violação relacionada a utilização do monitoramento eletrônico.
Pode-se afirmar que no uso do dispositivo de monitoração pelo custodiado poderá haver a violação do dito Princípio, principalmente no que tange á intimidade. Porém o cárcere é amplo violador de direitos fundamentais, carecendo o Estado, por meio da ponderação, técnica de hermenêutica constitucional, sopesar qual princípio deve prevalecer e impor os limites da restrição da dignidade do custodiado.
Quanto a aplicabilidade do monitoramento eletrônico no Brasil, chegou-se a conclusão de que é medida bem mais econômica para o Estado se comparado aos custos de um preso, embora ainda sejam exíguas as hipóteses de aplicação.
A hipótese de utilização da vigilância eletrônica introduzida no processo penal tem o condão de diminuir a população carcerária ficando, porém, comprovado não ter surtido os efeitos esperados desde a entrada em vigor da Lei nº 12.403/11, uma vez que o crescimento da superlotação prisional manteve-se no mesmo ritmo dos anos anteriores. Chegou-se a constatação de que apesar de prevista em lei, ainda é de pouca utilização a monitoração eletrônica por parte dos magistrados brasileiros, principalmente por dois motivos: postura punitivista e pensamento garantista.
Por último, diante de todo o contexto apresentado na pesquisa é inegável que o instituto do monitoramento eletrônico é medida minimizadora da dessocialização promovida pela prisão. Os efeitos degradantes do cárcere são evidentes e superiores a indisposição a ser suportada pelo indivíduo com a utilização do monitoramento eletrônico.
Dessa forma, diante das poucas formas de uso admitidas na execução penal brasileira, não foi possível afirmar que o monitoramento eletrônico é atualmente medida eficaz contra a dessocialização de apenados, sendo aparato meramente fiscalizatório pois não é utilizado como alternativa à prisão restringindo-se apenas a hipóteses em que o apenado já se encontra fora do cárcere.
Por outro lado, mesmo diante da resistência do Poder Judiciário, a pesquisa constatou que a vigilância eletrônica é meio alternativo ao encarceramento cautelar e medida altamente tecnológica e moderna, podendo ser considerado como medida anti-dessocializadora de custodiados, permitindo-se a proteção de vários outros direitos devassados pela reclusão dos encarcerados, bem como a tutela da dignidade da pessoa humana. Isso porque, ao contrário do caráter retrógado e antissocial das prisões brasileiras, bem como o tratamento desumano e medieval oferecido a tais pessoas, percebe-se na vigilância eletrônica uma garantia a liberdade vigiada e ressocialização do custodiado.