RESUMO
A Constituição de 1988 endossou o que já havia sido dito na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Obra de Villela acerca do novo modelo de família, embasado pelo afeto. Junto a esse novo modelo de família, modificações também são verificadas quanto ao significado e à representatividade da paternidade, que sai do campo do determinismo biológico para instalar-se tão somente no âmbito afetivo. É nesse ponto que se vê surgir na doutrina, e especialmente na jurisprudência, uma distorção acerca da ideia de paternidade desbiologizada, inicialmente cunhada por Villela, vez que é criada uma visão dicotômica sobre a temática, fazendo com a paternidade seja ora afetiva, ora biológica, o que vai totalmente contra os dizeres de Villela, que afirma ser a paternidade uma única, aquela alicerçada no afeto, serviço e desvelo independente de relação consanguínea, o que está consubstanciado na expressão Desbiologização da Paternidade.
Palavras-Chave: Família; Filiação; Desbiologização da Paternidade.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
2. FAMÍLIA
2.1 A família como fundamento da Sociedade
2.2 Código Civil de 1916 às Inovações da Constituição de 1988
2.3 O Modelo Atual
3. A FILIAÇÃO
3.1 Conceituação
3.2 Filiação no Ordenamento Jurídico Brasileiro
3.3 O Reconhecimento dos Filhos
3.4 Modos de Reconhecimento de Filiação
3.4.1 O Reconhecimento Voluntário
3.4.2 O Reconhecimento Judicial
4. PATERNIDADE
4.1 O Esvaziamento Biológico da Paternidade
4.2 A Paternidade dentro do Direito
4.3 O Fundamento da Paternidade
4.4 A Paternidade e a Procriação: um vínculo necessário?
4.5 Paternidade Socioafetiva e Paternidade Biológica, Opostos ou Complementos?
4.6 Procriação: A quem Incumbe a Responsabilidade?
4.7 O que Representam os Alimentos
4.8 A Paternidade e o Exame de DNA
4.9 Por uma Única Paternidade
5. A RESPOSTA DOS TRIBUNAIS
5.1 A Função do Direito
5.2 A Visão Dicotômica do Tribunal Mineiro Acerca da Paternidade
6. CONCLUSÃO
A Desbiologização da Paternidade e a sua atual dicotomia dentro do Tribunal Mineiro
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
Matriz fundante da sociedade, a família passou ao longo dos tempos por grandes transformações, até chegar, hoje, ao conceito de modelo aberto, em que o alicerce das relações encontra-se no afeto e na realização pessoal de seus membros. Junto a ela, porque matéria fundamental ao próprio Direito de Família, o conceito de paternidade também se modifica.
Assim, cada vez mais as questões envolvendo a paternidade são levadas ao conhecimento do Judiciário, que vê, no advento do exame de DNA, pela técnica por ele usada, que, por sua vez, identifica o código genético das pessoas, uma solução para dirimir o problema de “quem é o pai”, identificação que passa a ocorrer com base no determinismo biológico.
Contudo, tal medida já não tem sido suficiente para designação da paternidade, posto que as situações que se apresentam à Justiça são cada vez mais complexas e estão para muito além de uma simples determinação genética, abrindo espaço às relações construídas sobre o domínio do afeto. Nesse prisma é que surge a visão dicotômica da paternidade trazida pela doutrina e endossada pela jurisprudência, que a identifica como sendo ora biológica, ora socioafetiva, muitas vezes entendida como duas vias antagônicas e excludentes.
Todavia, com base nos dizeres da obra de Villela, tem-se, na verdade, que trata a paternidade de um fenômeno que, para além do determinismo biológico, consiste, antes, em um ato de escolha, constituído pelos mais profundos laços de afeto. Portanto, o ato de ser genitor não implica necessariamente o ato de ser pai, na medida em que a procriação é um convite à paternidade, que pode ser aceito ou não. Assim, a paternidade é única – aquela baseada no afeto, serviço e desvelo. Daí a ideia da Desbiologização da Paternidade.
A título de conhecer a aplicação da teoria da Desbiologização da Paternidade, dentro do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, foram analisadas noventa decisões, dentre as quais há notória presença de uma visão dicotômica acerca da teoria, na medida em que as decisões são proferidas, ora salvaguardando a paternidade biológica, ora a paternidade socioafetiva, o que não condiz com a Obra de Villela, onde o conceito de paternidade é um único.
2. FAMÍLIA
2.1 A família como fundamento da Sociedade
A família no último século sofreu inúmeras alterações. Assim, pouco ou nada resta no cenário contemporâneo, da família patriarcal, havendo, pois, uma “passagem de um organismo preordenado a fins externos para um núcleo de companheirismo a serviço das próprias pessoas que dela são membros”[1].
Do Código de 1916 à atual consolidação do Direito Civil moderno (referência ao Código Civil de 2002 e jurisprudência), modificações são notadamente vistas no que tange a essa nova entidade familiar, que agora é referência de afeto, não estando mais presente na sociedade a fim de preencher um fim social imposto pelas próprias regras por ela criadas, através, principalmente da influência religiosa que sofrera, mas sim está para cumprir uma finalidade individual, em que o indivíduo inserido no seio familiar, procura e é capaz de encontrar sua própria realização.
Assim, a família é referência de afeto, e o Código atual, acolhendo os princípios da Constituição de 1988, apresenta basicamente três eixos modificativos, os quais sejam, o reconhecimento da família fora do casamento, saindo do singular (casamento) para o plural (casamento, união estável, família monoparental, por exemplo; Extinção da família patriarcal, adotando a igualdade jurídica de homens e mulheres em direitos e obrigações; e, por fim, a isonomia filial, igualando juridicamente os filhos qualquer que seja a origem da filiação (legítimo, natural ou civil), sem distinção[2].
Portanto, atendendo às mudanças imprimidas pela própria transformação da sociedade, frente à evolução dos tempos, estas relacionadas aos costumes e pelo próprio direito, a família é uma união de indivíduos, não mais sendo importante a origem, mas tão somente os laço de afeto que os une.
É possível dizer atualmente, que a entidade familiar é cada vez mais uma instituição recreativa, e muito menos procriativa. Não que tenha a procriação perdido o seu valor, mas ao contrário, nas palavras do professor Vilella, “ganhou em importância e atenção, porque é algo que os parceiros de uma experiência afetiva buscam espontaneamente e não mais algo a que não se podem subtrair, seja por imposição social, seja como salário do sexo”[3].
Desse modo, sendo a matriz fundante da sociedade, a família se apresenta como espaço onde os indivíduos encontram respaldo para o desenvolvimento de seus mais profundos vínculos de convivência, que por sua vez se refletirão em todas as ações por ele praticadas enquanto ser humano[4].
Mas nem sempre foi assim, visto que, a família como espaço de realização individual, consiste em nova forma de visualizar-se a instituição.
2.2 Código Civil de 1916 às Inovações da Constituição de 1988
Reportando ao Código de 1916, tem-se que a família se estruturava sobre união formada apenas pelo matrimônio, em que somente essa possuía legitimidade. Dentro dessa instituição era do marido o poder maior, de modo a permitir a tomada de decisões de maneira unilateral, fosse com relação à prole, ou mesmo com relação à vida do casal. Nesse sentido, pode-se citar como claro exemplo, o caso da outorga uxória, utilizada no Código Civil vigente de forma diferenciada, mas que era trazida pelo mesmo dispositivo de lei de 1916 como outorga marital, afirmando a hierarquia do marido dentro do ambiente familiar, principalmente no que tange à esposa. Cite-se como exemplo:
Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):
I. Praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher (art. 235).
II. Alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens (arts. 263, nº II, III, VIII, 269, 275 e 310).
III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outra.
IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.
V. Aceitar tutela, curatela ou outro munus público.
VI. Litigiar em juízo civil ou comercial, anão ser nos casos indicados nos arts. 248 e 251.
VII. Exercer profissão (art. 233, nº IV).
VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.
IX. Acceitar mandato (art. 1.299). [Incluído pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919][5].
[Destacou-se]
A família nessa época [início do século XX], voltava-se para a procriação. Nela, cônjuges, filhos legítimos, e os próprios escravos que compunham a grande família, participavam das atividades de trabalho inerentes à manutenção desta, ensinavam-se ofícios, o que era de suma importância para a preservação e transmissão do patrimônio. Desse modo, pode-se perceber que eram relegados à segundo plano, a realização e o interesse individual de cada um dos membros. Não havia a ideia do ambiente familiar como meio de realização do indivíduo, de modo que prevaleciam os interesses da instituição familiar.
No início do século passado, tinha-se:
uma estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao grupo originário do casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos[6].
O Código de 1916 regulamentava e privilegiava a família constituída exclusivamente pelo casamento. Nele, limitava-se a família ao grupo formado pelo matrimônio. Assim, segundo a lei, o casamento era indissolúvel, e havia discriminações e diferenciações entre os filhos havidos dentro e fora do casamento, de modo a existir qualificação específica para estes.
Denominava-se legítima a família que era proveniente do casamento, tendo como membros o marido, a esposa, os filhos, e em alguns casos específicos, algum parente. Já as demais formas familiares, as que não se conformavam com as descrições do Código Civil de 1916, eram intituladas como ilegítimas, incluindo nesse rol até mesmo os filhos, de acordo com o nascimento que se desse conforme se desse dentro (legítimo), ou fora (ilegítimo) da relação matrimonial.
Contudo, a instituição familiar foi mudando os seus moldes, à medida que a própria sociedade se modificava, a partir do surgimento de novos paradigmas, marcados pela emancipação da mulher, através da descoberta dos métodos contraceptivos e da evolução genética, os quais acabaram por ocasionar o desfazimento do elo necessário entre casamento, sexo e reprodução. Desse modo, a entidade familiar caminha da conformação de grande família, marcada pela presença dos cônjuges, filhos legítimos, parentes e os próprios escravos, para basear-se na tríade pai – mãe – filhos, com foco no desenvolvimento de vínculos afetivos criados entre os seus membros[7].
A Constituição Brasileira de 1988, em dois únicos dispositivos, comprova o abandono das antigas regras preconceituosas que permeavam a família, passando a apresentar a igualdade entre homens e mulheres e passando a proteger de maneira igualitária, todos os membros da entidade. Nesse sentido a Constituição (artigo 226):
Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus ascendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações[8].
O Direito de Família, atualmente, não mais se alicerça na legitimidade da instituição família, pois, com a evolução e as próprias imposições e anseios da sociedade contemporânea, o foco é voltado para os aspectos afetivos e individuais.
A Constituição de 1988 reconheceu, por meio do disposto nos seus artigos 226 e 227, modelos outros de formação familiar que não o oriundo exclusivamente do casamento. Nestes termos as famílias se apresentam hoje, das mais variadas formas:
pais separados com filhos, casal separado sem filhos, casal junto sem planos para ter filho, casal gay sem filhos, mãe separada que casou de novo, mãe separada que não quer casar de novo nem amarrada, pai separado que casou de novo e separou de novo e casou de novo, pai solteiro com filha, mãe solteira com filho, mulher solteira que não quer filho e pronto. E até pai e mãe juntos e com filhos, por que não[9]?
Os filhos que não eram contemplados no antigo Código Civil com os direitos a eles inerentes, enquanto concebidos fora da relação de casamento, podendo ser citado o disposto no artigo 358, em que os filhos incestuosos e adulterinos não podiam ser reconhecidos, também foram privilegiados pela Constituição Federal de 1988. O artigo 227 caput, que se refere aos direitos inerentes aos filhos, que são ainda trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 25 a 27, proporciona-lhes o direito ao reconhecimento do estado de filiação, sendo este um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível do indivíduo.
Tem-se, então, que, sobretudo a partir da Constituição de 1988 [vez que as inovações acerca da família já vinham sendo trabalhadas na Declaração Universal de Direitos Humanos, na própria doutrina e jurisprudência, além é claro do texto de Villela sobre a Desbiologização da Paternidade, que data de 1970, portanto anterior à constituição], a ideia de família está relacionada a uma instituição cujo núcleo é formado por indivíduos de parentesco afetivo que ali encontram apoio, de modo a sentirem-se protegidos por acreditarem que a entidade familiar irá lhes ofertar o carinho, amor e assistência essenciais para que a pessoa tenha condições de construir a si própria, sua personalidade, que por sua vez é fator determinante do conjunto de características do ser humano, representando uma força ativa que ajuda a estabelecer os tipos de relacionamentos, além de ajudar o indivíduo a encontrar o papel que ocupa dentro da sociedade. É dentro do ambiente familiar que a pessoa aprende a se inteirar, construir e conhecer a si próprio. Interação esta, capaz de propiciar discernimento e aquisição de autonomia, o que implica em capacidade para desenvolvimento de suas próprias regras. A família então passa a ser entendida como um modelo aberto, dotado de capacidade para atender aos mistérios de amor e afeto baseados no convívio, que habita cada indivíduo.
2.3 O Modelo Atual
A entidade familiar moderna se identifica e se constrói pelos laços de afeto, dando lugar ao que pode ser chamada de família eudemonista[10] em que é almejada a felicidade individual, através de um processo de emancipação dos seus membros[11].
Antes voltada para atender a finalidades que eram muito mais do entorno social do que dos seus próprios membros, a família atual, eudemonista, volta-se à autorrealização dos seus membros[12]. Abre espaço às bases afetivas, de modo a transpor a ideia de instituição e assumir a postura de grupo, unido pelos laços da intimidade[13].
O melhor modelo de família, portanto, deve ser aquele em que o objetivo fundante seja o de construção de espaço de liberdade e autorrealização, feito através das escolhas dos próprios indivíduos que a compõe, de modo a estabelecerem os contornos que entenderem mais adequados para a sua conformação, o que, por conseguinte, está diretamente relacionado à ideia da escolha do exercício da paternidade.
3. A FILIAÇÃO
3.1 Conceituação
Relação que mais fortemente se encontra no âmago das pessoas[14], a filiação, pela qual se torna evidente o estado de filho, tem o seu fundamento no envolvimento afetivo, independentemente do vínculo consanguíneo.
O termo filiação carrega como significado a relação que envolve pais e filhos, podendo ser pai/mãe aquele que gerou ou aquele que, por meio do afeto e do amor, escolheu ser pai de outrem.
A ciência, cada vez mais avante em suas descobertas, usando de métodos reprodutivos extremamente avançados, tais como a reprodução assistida, seja ela homóloga ou heteróloga, os cada vez mais conhecidos bancos de doação de material genético, onde é possível que se use do material genético de outrem para a realização do sonho da maternidade/paternidade, tem tido o condão de provocar verdadeiras mudanças no campo dos vínculos que envolvem a filiação.
Frente a essas inovações, o Direito estabelece três critérios para o estabelecimento do vínculo parental:
(a) critério jurídico – previsto no Código Civil, que estabelece a paternidade por meio da presunção, independentemente da correspondência ou não com a realidade (CC 1.597); (b) critério biológico – é o mais conhecido e adotado, tendo em vista a popularização do exame de DNA; (c) critério socioafetivo – tem seu fundamento no melhor interesse da criança e na dignidade da pessoa humana, segundo o qual pai é o que exerce tal função, mesmo que não haja vínculo de sangue[15].
A filiação passa a ser conhecida também pela presença dos laços de afetividade, assim como ocorreu com a entidade familiar, que, abandonando sua estrutura voltada para o caráter social, econômico e religioso, passa a fundar-se como grupo ligado pelos vínculos de afetividade e companheirismo.
Nesses termos, a identificação dos vínculos de paternidade não pode mais ser buscada exclusivamente no campo genético, pois situações fáticas idênticas ensejam soluções substancialmente diferentes[16].
A filiação é entendida como relação de parentesco, que, de origem consanguínea ou não, cria vínculo entre o filho e aquela pessoa que gerou, ou mesmo aquela que não tenha gerado, mas que o recebeu como se assim fosse.
Desse modo, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227 §6º resguarda a igualdade absoluta entre todos os filhos, não mais sendo aceita qualquer distinção relacionada a filhos legítimos ou ilegítimos, que era feita de acordo com a condição de nascimento da criança, ou seja, o fator determinante era o seu nascimento na constância ou não do casamento, diferenciação esta presente no Código Civil de 1916. Atualmente, todos os filhos são simplesmente filhos, independente da origem, que, segundo o próprio Código Civil de 2002 (artigo 1.596), poderá ser havido dentro da relação matrimonial, ou fora dela, ou ainda por meio de adoção. Sendo-lhes resguardado, entretanto, em todos esses casos, igualdade de qualificação e direitos.
Nas atuais circunstâncias em que se encontra a sociedade, não há mais espaço para atribuir-se importância ímpar à origem da filiação, “[c]abe ao direito identificar o vínculo de parentesco entre pai e filho como sendo o que confere a este a posse de estado de filho e ao pai as responsabilidades que decorrem deste exercício”[17].
É preciso que se observe, portanto, que as alterações vividas pelo Direito de Família ao longo dos anos, mormente diante dos consideráveis avanços científicos ligados às técnicas de reprodução, exige implementação de novas maneiras de entender e viver as relações entre pais e seus filhos.
Assim sendo, pode-se obter o estado de filho através do nascimento em uma família constituída por meio do casamento, ou ainda por uma família mantenedora de união estável. Obtém-se também o referido estado, por meio da adoção, e do reconhecimento da paternidade, reconhecimento ainda que não tenha sido o vínculo consanguíneo o fato gerador da relação entre pai, mãe e filho.
3.2 Filiação no Ordenamento Jurídico Brasileiro
O Direito Brasileiro, no que tange à filiação, tem sempre se utilizado, ao longo dos anos, de presunções quando da atribuição da paternidade. Essa tradição tem origem no modelo de família patriarcal, que, por sua vez, tem como pressuposto de existência o casamento.
Assim, a legislação conferia legitimidade exclusivamente aos filhos provenientes do matrimônio, restando às margens do ordenamento, excluídos de qualquer direito, os filhos havidos fora desta relação. Como dizia Clóvis Beviláqua “a falta é cometida pelos pais, e a desonra recai sobre os filhos”[18].
Com o fim de preservar a chamada “instituição-família”, o Código de 1916 adotava uma maneira de estabelecer a paternidade, o que, por conseguinte, atribuía legitimidade aos filhos de acordo com o seu nascimento, a presunção pater is est quem nuptia demonstrant, sendo, portanto, intitulado pai, aquele que se encontrava devidamente casado com a mãe no momento em que o filho era concebido. Nesse sentido, Maria Berenice Dias destaca que:
Pai é aquele que o sistema jurídico define como tal, é a lei que atribui à criança um pai.[19] A finalidade é fixar o momento da concepção de modo a definir a filiação, certificar a paternidade e os direitos e deveres decorrentes.[20] Portanto a filiação matrimonial decorre de uma ficção jurídica: o pai sempre é o marido da mãe. Desse modo, os filhos de pais casados têm, e de pleno direito, estabelecidas a paternidade e a maternidade[21].
Para Vilella, a presunção pater est nada mais é
que um princípio que, quando da sua inclusão no Código, em 1916, tinha dois objetivos eminentemente sociais. De um lado, preservar intacta a harmonia da família, até o limite do direito personalíssimo do marido de contestar a paternidade. De outro lado, assegurar aos filhos o status de legitimidade matrimonial, a um tempo em que a falta desta condição acarretava sérios prejuízos morais e materiais a quem a sofresse[22].
A lei impõe ainda limitações quanto às hipóteses de contestação da presunção de paternidade. Segundo o disposto no artigo 340 do Código Civil de 1916, só haveria de ser contestada a presunção em duas hipóteses: através da impossibilidade de coabitação do marido, dentro do prazo fixado para concepção, ou da ocorrência de separação legal dentro deste tempo[23].
Desse modo, ocorria um privilégio jurídico da filiação, frente às realidades socioafetivas, a título de salvaguardar uma segurança que acabava por não passar de uma ficção.
Graças ao princípio da dignidade da pessoa humana, reforçado pela Constituição de 1988, quando do seu advento, deram-se mudanças significativas quanto aos valores prioritariamente tutelados pelo Direito. Isso porque, sendo tal princípio estrutura basilar do ordenamento jurídico, vem, no contexto do Direito de Família, atribuir prevalência ao direito individual.
Assim sendo, devido à igualdade dada à filiação pela Constituição, a presunção pater is est perde sua força. Através desse enfraquecimento, conferido pela proibição da discriminação entre os filhos, estes certamente terão assegurado o direito a ter declarada sua paternidade verdadeira. Paternidade esta, considerada aqui em seu sentido mais amplo, não estando liga diretamente aos laços de consanguinidade, que por sua vez, tem papel de fato e de direito secundário na configuração da paternidade[24]. A paternidade verdadeiramente não está voltada para vínculos de sangue, mas resulta de um fato cultural – “[e]stá antes no devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen”[25].
No entanto, ainda assim, no que se refere à presunção da paternidade dos filhos concebidos na constância do casamento, o Código Civil de 2002 não alterou o artigo já constante do diploma de 1916, mantendo-o:
Artigo 1.597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I- Nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II- Nascidos nos 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento.
Além disso, o mesmo diploma, sob o olhar de Maria Berenice Dias “retroage cem anos e reproduz institutos já totalmente superados”[26]. Isso porque, a nova lei Civil:
limitou-se a excluir as palavras legítima e ilegítima, reproduzindo, no mais, com ligeiros retoques e pequeníssimos acréscimos, o que dizia o Código anterior. Os filhos decorrentes do casamento, antes tratados no capítulo “Da filiação legítima”, agora estão no capítulo “Da filiação” (CC 1.596 a 1.606). Os havidos fora do casamento, que constavam do capítulo “Do reconhecimento dos filhos ilegítimos”, estão referidos no capítulo “Do reconhecimento dos filhos” (CC 1.607 a 1.617)[27].
A grande melhoria, portanto, foi o fato da lei civil reiterar o que prega a Constituição referente às regras de igualdade.
Tão verdadeira é a manutenção da presunção no diploma civil em vigor, ainda nos mesmos moldes da legislação anterior, que esta, além de reiterar todo o elenco anterior, ainda traz novas hipóteses referentes à inseminação artificial. Assim, tratando-se de fertilização heteróloga, que se dá por meio “da doação de sêmen de um homem que não seja o marido, contando com sua concordância”[28], ou homóloga, em que “o material genético pertence ao casal (homem e mulher)”[29], também se estabelece a presunção pater est.
São presumidos como concebidos na constância do matrimônio os filhos gerados por meio de inseminação artificial homóloga, ainda que se encontre falecido o marido, e ainda que seja hipótese de embrião excedentário, situação disciplinada no Código Civil de 2002. A filiação também se presume em casos de ocorrência de fertilização artificial heteróloga, desde que haja a autorização precedente do marido, conforme o artigo 1.579 do atual Código Civil de 2002.
Tem-se, com isso, que a relação de filiação não mais se atém a critérios exclusivamente biológicos entre os filhos e seus pais, implicando a paternidade, necessariamente socioafetividade, sendo a relação consanguínea uma consequência.
Com base nisso e na própria formação dos núcleos familiares modernos, não cabe mais qualquer tipo de presunção acerca da paternidade, já que esta se compõe pelos laços de amor que unem os pais e seus filhos, não havendo, assim, qualquer possibilidade de ser pai aquele que teve apenas o seu material genético usado conjuntamente ao de sua viúva, ou mesmo aquele que, quando do nascimento da criança, se encontrava casado com sua mãe, mas sem ter com a criança qualquer relação que enseja o exercício da paternidade.
3.3 O Reconhecimento dos Filhos
O reconhecimento voluntário da paternidade independe da prova de origem genética[30]. É um ato espontâneo, solene, público e incondicional. Como gera o estado de filiação, é irretratável e indisponível. Não pode estar sujeito a termo, sendo descabido o estabelecimento de qualquer condição, conforme demonstrado no artigo 1.613 do Código Civil. É ato livre, pessoal, irrevogável[31] e de eficácia erga omnes. Não é um negócio jurídico, é um ato jurídico stricto sensu. Assim, inadmissível arrependimento. Não pode, ainda, ser impugnado, a não ser na hipótese de erro ou falsidade do registro. O pai é livre para manifestar sua vontade, mas seus efeitos são os estabelecidos na lei[32].
Deduz-se, com isso, que apenas é necessário que o pai pratique o ato de registrar, com observância de quaisquer das formas que a lei determina, para que esteja constituído o estado de filiação legal dentro do mundo jurídico, sem que possa ou deva nele interferir qualquer pessoa. O filho é, nessa situação, receptor passivo, não podendo assim abdicar-se ao reconhecimento, resguardada, a hipótese da maioridade estabelecida no artigo 1.614 do Código Civil de 2002.
Nota-se, portanto, que, já tendo sido o filho reconhecido, será invalidado o reconhecimento de paternidade que venha conferir status de filho à mesma pessoa. A lei não permite a dualidade de filiações ao mesmo indivíduo, havendo autorização legal de novo registro apenas em caso de anulação do primeiro, desde que eivado de falsidade ou erro.
É conferida, pela lei, a condição de pai, àquele que efetuou o reconhecimento da paternidade, devendo, por sua vez, arcar com todos os deveres e prerrogativas essenciais ao exercício dela, sem jamais se esquivar dessa condição, já que irrevogável e habilitada para a produção de todos os efeitos legais.
3.4 Modos de Reconhecimento de Filiação
O ordenamento conta atualmente com cinco modalidades de reconhecimento de filho abordadas pelo Código Civil de 2002, podendo ocorrer de maneira voluntária ou judicial, através de instauração de ação de investigação de paternidade. Assim, conforme o artigo 1.609:
o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I – no registro do nascimento; II – por escritura pública ou escrito particular; III – por testamento ainda que incidentalmente manifestado; IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que contém. Embora seja possível que o testamento seja revogado, no que se refere ao reconhecimento do filho pelo testador não poderá ocorrer tal medida, devido, à imposição da lei, e por se tratar de situação que corrobora com a própria vontade do testador.
3.4.1 O Reconhecimento Voluntário
O reconhecimento voluntário é o meio legal do pai, da mãe, ou de ambos revelarem espontaneamente o vínculo que os liga ao filho, outorgando-lhe, por essa forma, o status correspondente[33], segundo especifica o próprio Código Civil de 2002, em seu artigo 1607.
É ato pessoal dos genitores, não podendo ser feito por avô ou tutor, sucessores do pai ou herdeiros do filho[34]. Todavia, terá validade se efetuado por meio de procurador, munido de poderes especiais e expressos, pois, nesse caso, a declaração de vontade já está contida na própria outorga de poderes, de maneira que o mandatário apenas se limita a formalizar o reconhecimento[35].
Vale ressaltar que o reconhecimento voluntário de paternidade não está ligado a qualquer prova de relação consanguínea, posto que se trata de ato solene, público, incondicional e de manifestação espontânea de vontade. É ato irrevogável, não sendo passível de arrependimento.
No entanto, existem situações como a trazida pelo artigo 1614 do Código Civil de 2002, em que o reconhecimento da paternidade não está condicionada apenas a vontade dos pais. Desse modo, na primeira hipótese do referido artigo, o reconhecimento da paternidade depende da anuência do filho maior, e, na segunda hipótese, pode ser contestada pelo filho menor dentro dos quatro anos a que se seguirem a sua maioridade ou à emancipação. O reconhecimento pode ser contestado, ainda, quando eivado de erro ou falsidade, desde que esteja devidamente comprovada a ocorrência dessas hipóteses.
Pode o pai reconhecer a paternidade do filho antes do nascimento deste, ou após sua morte, desde que, nesse último caso, o filho tenha deixado descendentes e estes venham a consentir com o registro. A lei adota essa medida para evitar o reconhecimento interesseiro post mortem, uma vez que, se o filho não deixou descendentes, o pai que o reconheceu passa a ser o herdeiro do patrimônio.
É possível, portanto, afirmar que, independente da origem da filiação, o reconhecimento é ato solene e irrevogável, devendo seguir a forma prescrita em lei.
3.4.2 O Reconhecimento Judicial
Nas palavras de Maria Helena Diniz, “o reconhecimento judicial de filho resulta de sentença proferida em ação intentada para esse fim, pelo filho, tendo, portanto, caráter pessoal, embora os herdeiros do filho possam continuá-la”[36]. A ação é privativa do filho, por se tratar de um direito personalíssimo e indisponível. Contudo, tratando-se de menor, este haverá de ser representado pela genitora ou pelo tutor. A sentença declaratória da paternidade produz os mesmos efeitos do reconhecimento feito de maneira voluntária, retroagindo assim à data do nascimento da criança, carecendo de averbação no cartório competente, portanto, de eficácia ex tunc.
Para que se dê o reconhecimento nesse caso, é indispensável o ajuizamento de ação de averiguação de paternidade, aqui entendida em sentido amplo, abrangendo tanto genitor quanto genitora, o que lhes recai a legitimidade passiva, desde que observem os pressupostos legais de admissibilidade de ação, considerados como presunções de fato. Pode ser contestada por qualquer pessoa que tenha justo interesse econômico ou moral, conforme disposto no artigo 1.615 do Código Civil.
Não obstante, frente à nova conformação familiar alicerçada nos laços de amor e afetividade, torna-se totalmente imprudente falar em uma ação de investigação de paternidade ou ação de reconhecimento de paternidade, como é tão comum se ver por aí. O exercício de ser pai está em uma escolha pautada no afeto e no amor, e não em relações consanguíneas. Não existem dois critérios para que seja estabelecida a relação de paternidade, portanto impossível falar em reconhecimento ou contestação de paternidade, pois esta é uma só, fundada no amor que une um pai e seu filho. Ora, aquele que tem verdadeiramente um pai, no sentido estrito da palavra, jamais haverá de pleitear a contestação ou o reconhecimento de outra paternidade.
Não passa, pois, todos os modos de se procurar o reconhecimento da paternidade, e mesmo de contestá-la, de uma tentativa do Direito de atribuir um pai a alguém, como se fosse uma vergonha social não possuí-lo. Fato que, no fundo, não passa de uma ficção, pois é totalmente inconcebível a ideia de dizer que uma pessoa possui um pai[37], pelo simples fato de constar em seu registro de nascimento o nome de um homem com quem jamais teve qualquer contato afetivo, que sabe tanto sobre ela, quanto dele ela sabe – muito pouco, ou nada.
Assim, há que ser cada vez mais endossada a teoria de Villela sobre a Desbiologização da Paternidade[38], pois só assim poderá se entender e conhecer o real sentido do ser pai.
4. PATERNIDADE
4.1 O Esvaziamento Biológico da Paternidade
De maneira errônea, mas que ainda é tradicionalmente usada, a paternidade está fundada no fator biológico da procriação, sendo, portanto, pai, aquele que gerou.
No âmbito jurídico, via de regra, por muito tempo, e, ainda hoje, mesmo frente ao modelo aberto de família, cada vez mais presente, dentro da sociedade, a paternidade é estabelecida por meio de presunções, conforme consta no Código Civil de 2002[39].
Isso porque, diferentemente da mulher, que exterioriza fisiologicamente o seu estado procriativo, a estrutura físico-biológica masculina não permite essa constatação. Tal fato, então, acaba por originar a presunção pater is est, supondo ser o pai o marido da mãe. Ressalta-se, no entanto, que essa presunção não é absoluta, podendo ser desconstituída, desde que presentes as condições descritas nos artigos 340 a 346 do Código Civil de 2002.
Contudo, tal realidade cai por terra frente às novas tendências da tecnologia biomédica, que foram capazes de tornar real a invenção da pílula anticoncepcional, dentre tantos outros métodos contraceptivos, que, além de propiciar a desvinculação entre sexo e reprodução, ofertou às mulheres a tão sonhada liberdade sexual[40].
Além disso, as inovações científicas trabalham hoje com a possibilidade da inseminação artificial, tanto homóloga quanto heteróloga, portanto, extremamente possível a prática de sexo totalmente desvinculado dos fins procriativos, bem como a procriação sem a ocorrência de relação sexual[41].
Nesse sentido,
A possibilidade de obter gratificação sexual sem os riscos da gravidez e, já agora, a possibilidade inversa, de promover a reprodução sem atividade sexual, com a fecundação in vitro, tenderão a fazer da paternidade rigorosamente um ato de opção[42].
Frente a essa realidade tão palpável, questionamentos acerca da perda de valor e sentido da procriação bem como da paternidade são inevitáveis, ainda que a paternidade seja [e deva ser] entendida como uma consequência da procriação.
Na verdade, o que existe com relação a essa situação não é uma perda de valores ou sentido, mas, tão somente, uma mudança, uma transformação, assim como a vivenciada pela entidade familiar, que se abriu a um novo modelo, pautado nas próprias aspirações das pessoas. Desse modo, passa a paternidade a ser encarada com outros olhos, na medida em que a criação de um filho passa a transcender os limites do aspecto econômico-financeiro, para pautar-se no esforço e na dedicação para a construção emocional daquela criança, ofertando-lhe possibilidades de crescer emocionalmente e ser capaz de guiar-se, através de sua liberdade, sobre os caminhos da [e para] a felicidade. A importância da paternidade e procriação está, portanto, no fato de tratar-se de opção, na medida em que são buscadas de forma espontânea, sendo uma experiência única para os indivíduos que nela e por ela estão envolvidos[43]. A paternidade, então, é entendida não como uma imposição da sociedade, mas somente como uma escolha, uma opção.
Tais transformações implicam grandes esforços em prol do esvaziamento biológico da paternidade, na medida em que pai não é aquele que fornece o material genético para a formação de uma criança, mas aquele que imprime esforços para a sua criação, educação, desenvolvimento como pessoa. Ser pai é ensinar a amarrar os sapatos, entendido aqui não como um simples ato de dar um laço em duas fitas, mas a amarrar os laços da própria vida, feitos pelas relações mais profundas de afeto, de amor.
Não há, pois, melhor ambiente do que o familiar para a paternidade, por sua vez percebida “não como a geração biológica, mas como a entrega, o devotamento, que levam um ser pequeno, frágil e desvalido à autonomia e ao encontro da própria identidade”[44].
Portanto, não importa de onde vem os filhos. Seja por meio da adoção hetero ou homossexual, filhos de pais solteiros, gerados por outra pessoa através da barriga de aluguel, enfim, todos eles possuem direitos garantidos constitucionalmente, onde também não se admite qualquer tipo de diferenciação qualificativa entre os mesmos. O que de fato importa não é o modo como foram gerados, mas o modo como a paternidade é exercida: ato de escolha, com total emprego de afeto e amor. É nisso que está fundada a ideia da desbiologização da paternidade.
Desse modo,
[O]os filhos mais do que nunca serão experimentados não como o salário do sexo, mas como o complemento livremente buscado e assumido de um empenho de personalização, que lança suas raízes no mais poderoso dinamismo tranformacional do homem, que é o dom de si mesmo[45].
4.2 A Paternidade dentro do Direito
A paternidade consiste na ligação jurídica entre pai e filho, onde se encontram intricados direitos e deveres, sendo que, para que possam ser exercidos, “pressupõe que os pais estejam no gozo de aptidão específica – o poder familiar”[46].
Não obstante tais deveres e direitos terem fim através da aquisição da maioridade civil dos filhos, a paternidade tanto pressupõe a afetividade por excelência, que permanece surtindo efeitos durante toda a vida, por meio dos vínculos criados. Tanto é assim que o próprio Estado observa a questão do vínculo quando impõe, por exemplo, regras no que tange ao direito de sucessão.
A paternidade, então, conforme constante da própria Constituição em seu artigo 226, §4º e 5º, passa a não derivar exclusivamente dos direitos e deveres inerentes ao poder familiar, podendo ser pai ou mãe aquele que não se encontra no gozo do referido poder. Logo, possível a presença da paternidade em seu sentido estrito, em qualquer tipo de formação familiar.
Nesse aspecto, vêm a doutrina e jurisprudência apresentando muitos progressos no que diz respeito à questão da paternidade e filiação socioafetiva, por sua vez compreendida como relação fundada no convívio familiar, independente da origem do filho. Fato ensejador de tais progressos está na observância de duas realidades: o reconhecimento da importância da integração do indivíduo dentro da instituição familiar; e a relação afetiva desenvolvida ao longo da convivência entre aquele que exerce o papel de pai, e o filho.
Tais realidades, separadas, pertenceriam apenas ao mundo dos fatos, não apresentando relevância nos critérios jurídicos. No entanto, a junção das duas provocou e continua a provocar mudanças no mundo jurídico, sendo assunto de extrema importância e que já conta com a própria tutela do Estado. Essa se dá por meio da Constituição de 1988, que endossou as disposições acerca das relações familiares socioafetivas, já constantes da Declaração Universal de Direitos Humanos, por exemplo, e que foram projetadas também no Código Civil de 2002.
O afeto, regado cotidianamente pelo amor, é, portanto, fator basilar do modelo aberto de família a que se propõe, cada vez mais a sociedade, e que já recebe respaldo da própria Constituição.
Neste contexto, de suma importância são as questões pertinentes à paternidade, quando da sua derivação, por excelência, da sociafetividade.
A paternidade é, de forma indubitável, necessariamente socioafetiva, não estando ligada exclusivamente à relação de sangue, podendo dela decorrer, ou com ela não manter qualquer vínculo:
A paternidade, em si mesma, não é um fato da natureza, mas um fato cultural[47], depreende-se que o pai exerce uma predeterminada função, ocupando um lugar específico dentro das várias relações que envolvem o indivíduo. Se o lugar está sendo ocupado e a função exercida a contento, a pessoa estará sendo formada em sua amplitude[48].
Daí a necessidade de explicitar que significado carrega a expressão ser pai e ser genitor, quando o primeiro quer significar a escolha do serviço, da doação, “o devotamento, que levam um ser pequeno, frágil e desvalido à autonomia e ao encontro da própria identidade[49]”, e o segundo o mero ato de fornecimento de material genético para a formação fisiológica de um ser humano.
4.3 O Fundamento da Paternidade
Trata a paternidade de um fenômeno para além dos critérios que estabelecem a biologia e o próprio Direito, estruturando-se, pois, sobre a ótica da livre escolha, independente de qualquer vinculação de ordem biológica.
Muito mais do que contribuição para formação biológica do indivíduo, o ser pai está no apoio, no cuidado, no carinho, desprendido em favor da criança desde o seu nascimento, que perdura durante toda a vida, com bases sólidas no respeito e na confiança fruto desta relação.
A paternidade consiste no ato de suprir as necessidades materiais e principalmente psíquicas de um filho, de modo a fornece-lhe condições de construir a si próprio, sua autonomia, consistente no ato de conhecer a si mesmo. Dessa maneira, não pode jamais ser imposta, mas, muito pelo contrário, é um ato livre, de vontade, em que há o desejo de se assumir o papel de pai e as tarefas provenientes deste ofício. Assim, não ocorrendo a paternidade nesses moldes, ela passa a ser inexistente.
As bases sobre os quais se encontra fundada a paternidade não estão, portanto, vinculadas ao determinismo biológico que envolve a procriação, e sim nas relações criadas, onde a dedicação é algo indispensável e fundamental, tanto para quem a oferece, quanto para quem recebe[50].
4.4 A Paternidade e a Procriação: um vínculo necessário?
De pronto, tem-se que a paternidade e a procriação não são imprescindíveis entre si, apresentando, cada qual, um significado próprio. Ainda assim, não se tratam de ordens desarmônicas, podendo haver uma ligação entre as duas coisas.
Essa ligação está no fato de ser a procriação nada mais que um convite à paternidade, que, uma vez aceito, desdobra-se em um exercício constante de empenho, dedicação, e amor, àquela criança.
A procriação bem como a paternidade estão enraizadas na liberdade, tão fortemente trabalhadas na obra de Villela. Isso porque o ato de procriar envolve uma escolha, na medida em que o homem e a mulher contam com inúmeros métodos para evitar a ocorrência da procriação. Contudo, em não se evitando por qualquer motivo que seja, o ato de procriar dará ensejo à fecundação do óvulo, que, por sua vez, ocasionará modificações no organismo feminino para a formação daquela criança. Assim sendo, não ocorrendo o aborto (provocado), a procriação deixa de pautar-se na liberdade, posto que independe da vontade da mãe o desenvolvimento e nascimento daquela criança.
Nesse contexto, existem somente duas atitudes a serem tomadas pelos genitores perante o nascimento da criança ─ aceitação ou rejeição[51]. A aceitação da criança, desde a concepção, implica livre escolha do exercício da paternidade. Por outro lado, a não aceitação, que pode ocorrer através do abandono, ou mesmo do aborto, desde que tenha sido intencional, sugere não uma rejeição à procriação, mas necessariamente aos ofícios pertinentes ao exercício do ser pai.
Dessa maneira, não representa fundamentalmente a procriação uma etapa para a paternidade. Tanto que, nas hipóteses de adoção, tem-se a vontade por parte do adotante de exercer os ofícios inerentes à paternidade, sem que haja qualquer laço de consanguinidade entre ele e a criança, é puro e simplesmente um ato de amor. Por conseguinte, é extremamente razoável que ocorram situações em que não haja qualquer relação entre a figura do pai e do genitor, na medida em que o vínculo de sangue não se faz suficiente e satisfatório para a ocorrência de um relacionamento sadio e construtivo entre o filho e o pai.
4.5 Paternidade Socioafetiva e Paternidade Biológica, Opostos ou Complementos?
Fazendo nascer uma visão dicotômica, o cenário jurídico tem tido o condão de distorcer os fatos acerca da paternidade e entendê-la de maneira errônea, ou seja, sob dois critérios, o biológico e o socioafetivo.
Considerando a Obra do professor João Baptista Villela, precursor do tema, importante se faz destacar que essa divisão não encontra qualquer respaldo em sua Obra, pois, para ele, o uso do termo “paternidade socioafetiva”, comumente atribuído como de sua autoria, são redundantes, na medida em que a socioafetividade é pressuposto elementar da paternidade. Assim, “um pai, mesmo o biológico, em não exercendo a função de pai, jamais será pai. Isto porque “pai e mãe ou se é por decisão pessoal e livre, ou simplesmente não se é[52]”[53].
Há, portanto, uma só paternidade, qual seja, a socioafetiva, independente do meio pelo qual provém, seja da adoção, inseminação artificial com uso de material genético de outrem, e até mesmo a procriação natural.
O que é, pois, entendido em sua maioria, no mundo jurídico e em especial na jurisprudência como paternidade biológica está muito aquém do que diz a obra de Villela. Tal fato vem ocorrendo porque se faz uso da paternidade biológica para indicar o homem que tão-só ofertou o material genético para a formação de um novo ser, ainda que com ele jamais tenha mantido qualquer tipo de contato e relação. Na verdade, frente à situação, não se está diante de um pai, mas de um genitor, como a própria etimologia da palavra já diz ─ aquele que forneceu genes, que gerou, portanto, absolutamente longe do que significa ser pai, por sua vez, categoria marcada pelo livre ato da escolha, que recai sobre o desprendimento de cuidado, afeto e desvelo.
Nessa medida: “a função de pai definiu que o genitor deveria sentir operacionalizar esse ser pai dentro de si, pois, do contrário, não estaria adotando seu filho e exercendo a paternidade no sentido literal da palavra”[54].
Portanto, impossível impor um paralelo entre a paternidade socioafetiva e qualquer outra, pois a paternidade é um ato uníssono, sendo o aspecto biológico, adotivo ou qualquer outro, meros instrumentos para que ela possa ser concretizada, exercida.
4.6 Procriação: A quem Incumbe a Responsabilidade?
A procriação difere da paternidade, e isso é inquestionável. Todavia, o fato de haver diferença entre ser genitor e pai não exime o primeiro das responsabilidades geradas pelo seu ato, ainda que soe controverso dizer que o genitor, mesmo que tenha optado por não manter qualquer tipo de relação com a criança, ora fruto do seu ato procriativo, tenha responsabilidades quanto à sua manutenção. Assim, “como conciliar o caráter livre e espontâneo da paternidade com a necessidade básica de o nascido ter assegurado o seu sustento material?”[55].
A saber, pelo próprio Direito, todos os atos pelos indivíduos praticados, mesmo que sob o respaldo da liberdade, geram consequências. No caso da procriação, ato normalmente praticado voluntariamente, entre um homem e uma mulher, que sabendo do risco de uma possível gravidez, [mesmo diante do fato de poder contar com inúmeros métodos para prevenção da fecundação], preferem a prática do ato sexual de forma deliberada, hão de arcar com as consequências desse feito.
O que se quer dizer aqui, não é que o genitor, em específico, tenha necessariamente que desempenhar a função de pai para com a criança fruto do seu ato procriativo, posto que como já devidamente explicitado em itens anteriores, a paternidade independe da procriação. Conquanto, o genitor não está imune às responsabilidades geradas pelo seu ato, ou seja, à criança, uma vez que pelo instituto civil, seu ato é permeado de nexo causal, livre atuação e o dano.
Ressalta-se, nesse caso, que, em se tratando de uma vida, não se pode tê-la como dano, vindo esse denotar na situação, “perdas e custos”[56] que devem ser suportados pelo seu causador, ora, o genitor.
Por conseguinte, ainda que sob imperioso comando do instituto jurídico da responsabilidade civil, a ideia da responsabilização do genitor pode vir a causar espantos frente ao esquema dogmático vigente[57]. No entanto, tal assombramento não prospera, a partir do momento que se tem a premissa de que cada um é responsável pelas suas atitudes, devendo assumir os riscos delas advindos, pois todos os atos de livre iniciativa, dentro do mundo jurídico, geram ônus.
Dessa maneira, razoável se faz o requerimento de alimentos ao genitor da criança, ainda que nenhum vínculo com esta ele cultive.
4.7 O que Representam os Alimentos
Os alimentos são, por excelência, direito da criança. E, assim sendo, o genitor tem a possibilidade de, ao exercer a função de pai, proporcioná-la, além dos alimentos, o próprio sustento, aqui voltado para aspectos muito além da matéria, vinculando-se ao sustento emocional, o apoio, o afeto.
Não se restringe ao pai apenas o dever de pagar alimentos ao filho, mas de prover-lhe o sustento, restando ao genitor, tão somente, o dever de garantir os alimentos, como medida de responsabilização, tendo em conta os riscos assumidos quando da conduta geradora do procriado.
A função da prestação alimentícia, conforme o próprio Código Civil em seus artigos 1696 e seguintes orienta, é o de fazer com que aquele que é responsável [genitores] pelo alimentado, assumam os custos da sua criação, provendo-lhe meios de suprimentos de suas necessidades básicas. Nessas proporções, para a fixação alimentícia, observa-se o binômio necessidade-possibilidade, imposto pela própria lei, para que o genitor, alimentante, possa garantir à criança o que é essencial ao seu desenvolvimento sadio, dentro, contudo, das suas possibilidades econômicas ─ daí a natureza indenizatória do instituto.
É legítimo para demandar os alimentos aquele que foi procriado, e, em casos envolvendo menor, os requererá através do seu representante legal, a mãe ou tutor respectivo.
Os alimentos, portanto, em nada se relacionam com a paternidade, haja vista que aquele que de fato é pai, não precisa ser demandado em juízo para cumprir com qualquer obrigação relacionada ao bem-estar de seu filho, pois a ele de pronto, já se dedica por inteiro, em todos os aspectos, seja material ou imaterial.
4.8 A Paternidade e o Exame de DNA
Anteriormente, quando se almejava identificar o vínculo de filiação, “além da prova testemunhal, quase nada mais valia”[58], até que, em 1984, surge o exame de DNA, posteriormente divulgado mundo afora.
Viu-se, pois, nessa medida, um meio simples e rápido para que fosse solucionado o problema da paternidade, cada vez mais latente na sociedade, frente inclusive à própria abertura do modelo estrutural familiar, denominando-se pai, por meio do referido exame, aquele que contribuiu com material genético para a formação daquele indivíduo[59].
A prova pericial do DNA passa a ser cabal e definitiva: ─ “[a]s sentenças proferidas por nossos tribunais passaram, neste momento, a ser completamente embasadas no laudo que ora exclui a paternidade a ora a afirma, criando, assim, os filhos do laudo”[60].
No entanto, a questão não é tão simples quanto parece, posto que, “a paternidade expressa e declarada na prova pericial do DNA pode trazer [e na maioria dos casos é o que trás] uma relação de pai e filho que muitas vezes nunca existiu”[61], e isso, como já visto, não constitui característica da paternidade, que para muito além, tem base fundante no vínculo de afeto que se cria entre aquele que assume e desempenha o papel de pai e o filho. Nesse sentido:
o exame de DNA, como meio de prova pericial, deve ser realizado, considerando-se todos os princípios da personalidade humana, como o relacionamento interpessoal, o afeto, a amizade e o amor. Sem isso, a resposta positiva que declare a paternidade em nada alterará a situação do filho, que, certamente, continuará órfão de pai[62].
Assim, pode-se perfeitamente a paternidade ser desvinculada do vínculo genético, vindo o DNA a simbolizar tão-somente uma responsabilidade para o genitor, quanto à prestação de alimentos, e não necessariamente um exercício da paternidade.
4.9 Por uma Única Paternidade
Mesmo diante de tanta repercussão dentro do mundo jurídico quanto à existência de uma única paternidade, esta não deixa de ser um reconhecimento que cada vez mais se impõe, por pautar-se nos vínculos mais profundos de afeto, sob o qual está alicerçada a relação entre as pessoas dentro da própria família.
Constitui, pois, o afeto, matéria prima do próprio Direito de Família[63], devendo a legislação atualizar-se ainda mais nesse quesito, na medida em que deve a lei acompanhar o dinamismo do Direito. Assim:
remeter a paternidade a configurações meramente biológicas, é retornar ao conceito arcaico do “ser pai”, distante, provedor e autoritário, desconsiderando o seu conceito de afeto, que valoriza o espaço da relação filial. A paternidade afetiva é uma transformação do amor, em que o desejo de ter um filho, posteriormente se amplia no envolvimento de afeto, na entrega e no alicerce da compreensão[64].
Desse modo, totalmente inadequado falar-se em duas paternidades, ora biológica e ora afetiva. Primeiramente porque existe apenas uma paternidade, qual seja aquela que se dá por meio do afeto, tendo fundamento no amor e no desvelo. Depois, porque possível a desbiologização da paternidade, posto que a socioafetividade prescinde da relação consanguínea.
5. A RESPOSTA DOS TRIBUNAIS
5.1 A Função do Direito
O Direito constitui-se em matéria voltada à regulamentação das relações humanas. Contudo, sendo serem sociáveis por excelência, dotados de inteligência, os seres humanos deveriam ser capazes de resolver por si os seus próprios problemas, principalmente os de cunho familiar, sem que seja preciso a intervenção coercitiva do Estado.
Deveria fazer parte da consciência humana que não se vive no mundo sozinho, mas, pelo contrário, em sociedade, as quais, culturalmente e costumeiramente se estabelecem regras, os quais, por sua vez, se desdobram em deveres que precisam ser observados e cumpridos, independentemente de coerção.
No âmbito do Direito de Família, a situação torna-se ainda mais crítica, na medida em que as pessoas, cada vez mais, movem o judiciário para a resolução de conflitos familiares, que, por sua vez, deveriam pertencer ao íntimo, a título de que uma autoridade coercitiva, por meio da força que representa, possa fazer-se cumprir dado dever.
Ora, no Direito de Família é praticamente impossível falar em coerção. Não tratam as relações familiares de meros negócios, mas de relacionamentos interpessoais, representando cada caso uma situação diferente.
É nesse contexto, que tem ficado a cargo do Judiciário as questões atinentes à paternidade,
mesmo no campo em que a afetividade tem maior, se não único, relevo, recorre-se ao Judiciário para que se declare ou desconstitua a ‘paternidade’ de uma criança, para que se regulamentem visitas ou para que haja a contribuição para o sustento dos filhos[65]...
Nesse aspecto, importante ressaltar mais uma vez a incapacidade das pessoas em resolver os seus problemas e arcar com suas responsabilidades familiares por si só, na medida em que, responsabilidade é o que se espera das pessoas. E, diante disso, nada mais plausível do que assumir a responsabilidade pela prática de maneira deliberada do sexo, na medida em que dele poderá advir a procriação. Assim, se há o conhecimento da prática do ato bem como do fruto por ele gerado, por que bater às portas do judiciário para a constatação de uma obrigação?
No mesmo sentido, indaga-se o fato de dirigir-se à justiça para averiguar-se a paternidade de uma criança, sendo que a paternidade é única – aquela baseada no amor, no cuidado e desvelo, não havendo uma paternidade biológica, e uma socioafetiva.
5.2 A Visão Dicotômica do Tribunal Mineiro Acerca da Paternidade
Através da enorme demanda judicial acerca da paternidade[66], foi iniciada levantamento, leitura e análise das decisões judiciais proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, especificamente na segunda instância, quanto aos posicionamentos diante das tão comuns investigações e reconhecimentos de paternidade. Para tanto, foram utilizados como critérios de busca no site do TJMG as expressões “desbiologização da paternidade” (dois julgados encontrados) e “paternidade sócio-afetiva/socioafetiva” (oitenta e oito julgados)[67].
Dessa maneira, num número total de noventa julgados analisados, em decisões proferidas do período de 2003 a 2012, foi possível perceber como os julgadores trabalham e, também, distorcem a ideia da paternidade, apesar de colocada com clareza na obra do professor Villela.
Isso porque, distante do que Villela apregoa acerca da paternidade, a jurisprudência, hoje, divide-a em dois âmbitos, sendo ora biológica, ora socioafetiva.
A desbiologização da paternidade está para constatar que a paternidade desdobra-se no afeto, na vontade de amar uma criança, um filho. Assim, o ato de procriar é um convite ao exercício desse amor de pai, de modo que a paternidade é algo que não se impõe, mas que tão somente se deseja e se exercita livre e espontaneamente.
No entanto, ao analisar os referidos julgados, constata-se que trinta das decisões são dadas com base na paternidade biológica; trinta e cinco, paternidade socioafetiva, e os vinte e cinco casos restantes se referem à situações em que, por falta de produção de prova em Juízo para a averiguação de existência ou não de relação socioafetiva entre pai e filho, os autos são encaminhados ao tribunal de origem para que proceda com a colheita de provas necessárias.
Assim, quando da fundamentação dos votos dos desembargadores, tem-se que existe uma dicotomia dentro do Tribunal no que tange à paternidade, o que, por sua vez, distorce totalmente o sentido do que é ser pai.
Tal fato se verifica quando notadamente a jurisprudência reconhece a importância da socioafetividade, inclusive diante do modelo aberto de família cada vez mais difundido dentro da sociedade. No entanto, ainda que reconheça a sua importância inclusive com relação à paternidade, existem julgados que a desconsideram inteiramente, fazendo valer o critério biológico, a paternidade biológica em detrimento da socioafetividade. Nesse sentido, a posição da Desembargadora Sandra Fonseca, no julgamento do processo de número 1.0707.03.065139-2/003:
O exame de DNA pode ser usado como meio para desconstituir o assento civil, pois constitui prova conclusiva de paternidade, reconhecendo erro essencial sobre o estado da pessoa, tendo em vista o alto grau de precisão em desvendar o código genético humano, que identifica a descendência do indivíduo. - Não obstante a importância da paternidade sócio-afetiva tão difundida na atualidade, não pode essa prevalecer sobre a biológica, em virtude da proteção aos laços de sangue, ao patrimônio genético, e em respeito a segurança jurídica nas relações familiares, mormente se observarmos que não existem normas jurídicas a este respeito[68]. [Destacou-se]
Situação ainda mais dicotômica ocorre quando da existência da paternidade socioafetiva em seu sentido mais estrito, entre o filho, o pai registral e o genitor. Nesse caso específico, a criança dá e recebe afeto tanto ao seu pai registral, que com ela conviveu diretamente, posto que era casado com sua mãe, quanto do genitor, que, após divórcio da mãe com o pai registral, veio com ela a se casar e se descobrir pai biológico da criança. Assim, optou por, além de ser o genitor, ser também pai do menor.
Estando a situação submetida ao crivo da Justiça, houve, pois, a desconsideração pelo desembargador Dárcio Lopardi Mendes da relação de afeto existente entre o pai registral e a criança, e fora considerado como pai tão-somente o genitor, tendo como fundamento o vínculo consanguíneo e a relação afetiva criada entre ele e o menino.
O reconhecimento dos filhos através de registro público é irrevogável. No entanto, tal fato não implica na vedação de questionamentos em torno da filiação, desde que haja elementos suficientes para buscar a desconstituição do reconhecimento anteriormente formulado. A primazia da dignidade humana perante todos os institutos jurídicos é uma característica fundamental da atual Constituição Federal. Nesse sentido, e em face da valorização da pessoa humana em seus mais diversos ambientes, inclusive no núcleo familiar, surgiu o Princípio do Melhor Interesse do menor. A Constituição Federal tornou equivalentes os laços de afeto e de sangue, acabando com a discussão sobre qual dessas é a verdadeira filiação. Na hipótese de conflito entre a paternidade biológica e a paternidade afetiva, deve-se priorizar aquela em detrimento desta, desde que, o filho mantenha também com o pai biológico laços de afeto[69].[Destacou-se]
Ora, assumir tal posição é o mesmo que desconsiderar toda a vivência da criança com aquele que lhe acompanhou e lhe acompanha emocionalmente, proporcionando-lhe apoio, amor e carinho. Se a paternidade esta fundada no afeto, frente a situações como a descrita, por que não privilegiar a criança com seus dois pais, já que, segundo o próprio relator do julgamento, ambos são "pessoas capazes do ponto de vista psicológico, e interessados em participar efetivamente do desenvolvimento psico-social da criança?[70]”.
Se hoje se convive- com o modelo aberto de família, que não mais preconiza a ideia da família formada na tríade pai-mãe-filho, mas nas inúmeras possibilidades da instituição, sendo possível a formação da família com uma mãe e um filho, avós e netos, tios e sobrinhos, duas mães, dois pais, não sendo esse rol taxativo, obste não há de ter para a ocorrência de dois pais no registro civil de uma criança, vez que ambos por ela são amados e reconhecidos como pai. Eles, por sua vez, desejam fazer parte da vida dela e proporciona-lhe toda a estrutura emocional necessária para o seu sadio desenvolvimento.
Todavia, paradoxalmente à situação descrita, [comprovação nítida da dicotomia que tem prevalecido no Tribunal], o(a) desembargador(a) Albergaria Costa profere decisão em caso semelhante, autorizando a inclusão do pai afetivo ao registro da menina, sem a exclusão do nome do genitor, muito pelo contrário, com a anuência deste.
Levando em conta o novo modelo da instituição familiar, o fundamento da decisão conta justamente com o fato de o registro público ter de “conter dados que estejam de acordo com a realidade”[71]. Além disso, o(a) desembargador(a) afirma que:
o patronímico tem a histórica importância de indicar a descendência familiar e por isso o reconhecimento dos filhos através do registro é irrevogável, já que o nome é um direito da personalidade. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que o conceito de família sofreu mutações relevantes, que devem ser particularmente consideradas na aplicação das normas positivadas no ordenamento jurídico[72]. [Destacou-se].
Ressalvada essa única situação em que se tem salvaguardada a paternidade (afetiva) em seu aspecto verdadeiro, o que de resto se vê dentro da jurisprudência Mineira em especial, nada mais é do que uma diferenciação [que não existe] quanto à aplicação da paternidade.
Nesse contexto, são encontradas decisões que reconhecem a relação socioafetiva e outras que reconhecem a relação biológica, não sendo adotado nestas circunstâncias qualquer critério para definição do ser pai.
Isso porque, por muitas vezes, o simples fato de o exame de DNA demonstrar a presença de vínculo biológico, é o suficiente para a manutenção da paternidade biológica, que, na verdade, pouco ou nada se vê de afeto, mas tão-só a presença de um nome em um papel [certidão de nascimento]. Ou seja, já que a criança não mantém relação de afeto com aquele que a registrou e nem com o aquele que a gerou, define-se como pai aquele indicado pelo exame de DNA, sob a justificativa de que:
incabível privilegiar a paternidade sócio-afetiva em detrimento da biológica, se a ação investigatória se ampara justamente na inexistência de vínculo afetivo entre o menor e aquele cujo nome consta do seu registro de nascimento[73].
Além disso, o estabelecimento da dita paternidade biológica, ainda se dá com vistas às questões patrimoniais, voltadas para aspectos sucessórios.
Não confrontando o reconhecimento da paternidade biológica com a realidade sócio-afetiva do infante, não se pode furtar ao menor investigante uma condição condizente com sua realidade biológica, sequer pode o pai parental se eximir das conseqüências patrimoniais advindas da filiação ante a relação de afinidade que se estabelecera com o pai registral[74].
Por outro lado, prevalece, em alguns casos, a relação socioafetiva:
EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO - ANSEIO DO PAI GENÉTICO EM VER REVISTA A QUALIFICAÇÃO PATERNA NO REGISTRO DA CRIANÇA - ESTUDO SOCIAL - DEMONSTRAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO PATERNO-FILIAL ENTRE O PAI SÓCIO-AFETIVO E A CRIANÇA - PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA MENOR - PROVIMENTO NEGADO. A filiação sócioafetiva é aquela em que se desenvolvem durante o tempo do convívio, laços de afeição e identidade pessoal, familiares e morais. À luz do princípio da dignidade humana, bem como do direito fundamental da criança e do adolescente à convivência familiar, traduz-se ser mais relevante a idéia de paternidade responsável, afetiva e solidária, do que a ligação exclusivamente sanguínea. O interesse da criança deve estar em primeiro lugar, uma vez que é inegável que em casos de convivência habitual e duradoura com pessoas estranhas ao parentesco, o menor adquire vínculos de confiança, amor e afetividade em relação a estas pessoas. Esse vínculo não pode ser destruído por terceiro, mesmo que com base em laços sanguineos, se afronta os interesses da criança, colocando-a em situação de instabilidade e insegurança jurídica e emocional[75].
Entendida dessa maneira, a paternidade acaba por ser uma medida imposta, saindo totalmente daquilo que realmente é – uma escolha, um exercício de desvelo e amor. Escolha essa que pode advir do ato procriativo, do vínculo de sangue, mas que dele não é dependente.
Não se tratam de dois critérios, eleitos de acordo com cada caso analisado. Para muito além, a verdadeira paternidade está em saber dar amor a uma criança e proporcionar-lhe condições de se desenvolver como um indivíduo autônomo. Villela, ao tratar da paternidade, não desenvolve dois conceitos necessariamente conciliáveis e complementares (paternidade biológica e socioafetiva, como fenômenos simultâneos), posto que a procriação reside no aspecto natural, e a sociafetiva no aspecto cultural, o que, no entanto, não impede que os dois fatores possam se complementar .
6. CONCLUSÃO
A Desbiologização da Paternidade e a sua atual dicotomia dentro do Tribunal Mineiro
Embora tenha sido trazida por João Baptista Villela há cerca de quarenta anos atrás, as ideias abordadas pela Desbiologização da Paternidade possuem plena aplicabilidade dentro da sociedade atual, onde cada vez mais é dado lugar ao afeto quando da relação entre as pessoas.
O modelo atual das famílias, sendo um espaço de realização pessoal dos indivíduos que a compõem, portanto, pautada no afeto, abre cada vez mais as portas ao esvaziamento biológico da paternidade, vez que as relações são criadas com base em escolhas provenientes do afeto. Dentro desse prisma, não há melhor lugar que a família para a escolha do exercício da paternidade.
Nesse contexto, não há lugar para presunções, ou se ama e se deseja ser pai, ou não se é, havendo assim uma única paternidade, aquela em que o pai é figura marcante, que faz a diferença na vida da criança, de modo a ser presença, apoiando, educando, ajudando a adquirir autonomia, construindo profunda relação de amor.
A Desbiologização de Villela incidiu e continua a incidir no Direito de Família. Isto porque dotou de relevância significativa o afeto, instrumento base das relações humanas, principalmente no que se refere à paternidade. Desse modo, a legislação, a doutrina e, por conseguinte, a jurisprudência, tem tido cada vez mais contato com o tema, chegando a perceber a necessidade de seu reconhecimento e aplicação.
Entretanto, a aplicação feita pela jurisprudência da teoria da desbiologização causou
interpretações errôneas da Obra, vez que fora criada uma dicotomia no que se refere à paternidade, que ora é vista como afetiva, ora vista como biológica. E, considerando que cabe ao Direito se deixar conduzir pela sociedade a que regulamenta, cabe a ele utilizar de interpretação verdadeira dos fatos a que se dispõe tutelar, assim admitindo que a paternidade é única, a afetiva, que se assenta na premissa popular de que “pai é quem cria, e não necessariamente quem gera”.
Portanto, indispensável se faz o estabelecimento do verdadeiro sentido da paternidade dentro do Tribunal, posto que, em não sendo feito, o ordenamento estará diante não da Desbiologização da Paternidade, mas de um critério duplo de paternidade, que por sua vez não condiz com os ideias da nova instituição família, onde o afeto é o formador elementar das relações.
Letícia Bezerra Peixoto
Advogada. Pós Graduanda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
[1] VILLELA, João Baptista. Família Hoje. In: BARRETTO, Vicente (org.). A Nova Família: Problemas e Perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
[2] CARVALHO, Dimas Messias. Direito de Família. Alfenas: Arte Gráfica Atenas, 2005, p. 8.
[3] VILELLA. Família Hoje. Cit.
[4] CARVALHO, Nara Pereira. A Desbiologização da Paternidade: Uma Releitura da Obra de Villela. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2008 (Monografia de Final de Curso), p. 10.
[5] Tais dispositivos legais foram mantidos até 1962, quando sobreveio a Lei n. 4.121, que modificou a redação do artigo.
[6] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 29.
[7] VILLELA, João Baptista. Liberdade e Família. Belo Horizonte: Faculdade Direito UFMG, 1980, p. 11.
[8] VILLELA. Liberdade..., cit.,
[9] LUNA, Fernando. Só se For a Dois? São Paulo, TPM, Ano 07, n. 76, maio 2008, p. 4.
[10] Expressão que, na sua origem grega, se liga ao adjetivo feliz e denomina a ”doutrina que considera a busca de uma vida feliz, seja em âmbito individual seja coletivo, o princípio e fundamento dos valores morais, julgando eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem à felicidade”. Cf. HOUAISS, Antônio et al. Dicionário Eletrônico Houaiss: Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss/Objetiva, 2009©, eudemonismo.
[11] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 45.
[12] VILLELA. Liberdade..., cit.,, p. 11.
[13] VILLELA. Liberdade..., cit.,, p. 11.
[14] QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 3.
[15] BARBOZA, Heloisa Helena. Direito à identidade genética, p. 384. Apud DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 297.
[16] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 296.
[17] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 297.
[18] BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil Comentado, p. 332. Apud DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 296.
[19] BRAUNER, Maria Cláudia C. Brauner. Novos contornos do direito da filiação: a dimensão afetiva das relações parentais, p. 196. Apud DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 299.
[20] LÔBO, Paulo Luiz Netto, Código Civil Comentado, p. 48. Apud DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 299.
[21] VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e da paternidade, p. 14. Apud DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 299.
[22] VILELLA. Família Hoje. Cit.
[23] Novo Código civil brasileiro/ lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudo comparativo com o Código civil de 1916/obra coletiva de autoria da editora Revista dos Tribunais com a coordenação de Giselle de Melo Braga Tapai. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Pagina 371.
[24] VILELLA. Família Hoje. Cit.
[25] VILELLA. Família Hoje. Cit.
[26] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 310.
[27] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 310.
[28] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 304.
[29] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 186.
[30] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 379.
[31] Lei 8.560/92 art. 1º
[32] DIAS. Manual..., 2006, cit., p. 379.
[33] CHAVES, Antônio Chaves. Filiação ilegítima, p. 290. Apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil brasileiro. V. 5. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 450.
[34] DINIZ. Curso..., cit., p. 450.
[35] DINIZ. Curso..., cit., p. 450.
[36] DINIZ. Curso..., cit., p. 456.
[37] Estende-se paternidade aqui, em seu sentido mais estrito, voltado de fato para o serviço, a doação diária de carinho, afeto e amor.
[38] Cf. VILLELA, João Baptista. Desbiologização da Paternidade. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 271, 1980, p. 45-51.
[39] ALMEIDA, Maria Cristina de. Família e Cidadania, o novo CCB e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família, 2011, p. 450.
[40] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 17.
[41] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 18.
[42] VILLELA. Desbiologização..., cit., p. 49.
[43] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 19.
[44] VILLELA. Liberdade..., cit., p. 22.
[45] VILLELA. Desbiologização..., cit., p. 49.
[46] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 20.
[47] QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 50.
[48] QUEIROZ. Paternidade. Cit., p. 50.
[49] VILLELA. Liberdade..., cit., p. 23.
[50] VILLELA, João Baptista. Paternidade. In: LIMONGI FRANÇA, R. (coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito. V. 57, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 242.
[51] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 28.
[52] QUEIROZ. Paternidade. Cit.,, p. 50.
[53] QUEIROZ. Paternidade. Cit., p. 50.
[54] QUEIROZ. Paternidade. Cit., p. 54.
[55] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 140.
[56] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 34.
[57] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 34.
[58] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 413.
[59] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 37.
[60] QUEIROZ. Paternidade. Cit., p. 56.
[61] BLIKSTEIN, Daniel. DNA, paternidade e filiação. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 171.
[62] BLIKSTEIN. DNA..., cit., p. 173.
[63] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 38.
[64] QUEIROZ. Paternidade. Cit., p. 59.
[65] CARVALHO. A Desbiologização..., cit., p. 42.
[66] Paternidade aqui entendida como um todo, não como o sentido estrito – paternidade socioafetiva.
[67] A listagem das decisões analisadas seguem em anexo a este trabalho.
[68] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Julgamento do processo 1.0707.03.065139-2/003. Relatora Sandra Fonseca. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelho
Acordao.do?&numeroRegistro=41&totalLinhas=88&paginaNumero=41&linhasPorPagina=1&palavras=paternidade%20socioafetiva&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=0&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 22 ago. 2012.
[69] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Julgamento do processo 1.0024.05.737489-4/002. Relator Dárcio Lopardi Mendes. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavras
EspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=86&totalLinhas=88&paginaNumero=86&linhasPorPagina=1&palavras=paternidade%20socio-afetiva&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=
1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 22 ago. 2012.
[70] Idem.
[71] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Julgamento do processo 1.0145.07.399769-7/001. Relator(a) Albergaria Costa. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavras
EspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=18&totalLinhas=88&paginaNumero=18&linhasPorPagina=1&palavras=paternidade%20socio-afetiva&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=
0&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 22 ago. 2012.
[72] Idem.
[73]MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Julgamento do processo 1.0512.05.027839-3/001. Relator(a) Afrânio Vilela. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavras
EspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=7&totalLinhas=88&paginaNumero=7&linhasPorPagina=1&palavras=paternidade%20socio-afetiva&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=
0&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 22 ago. 2012
[74] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Julgamento do processo 1.0024.06.027884-3/001. Relator Fernando Botelho. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavras
EspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=8&totalLinhas=88&paginaNumero=8&linhasPorPagina=1&palavras=paternidade%20socio-afetiva&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=
0&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 22 ago. 2012.
[75] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Julgamento do processo 1.0624.06.010781-7/001. Relatora Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisa
PalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=6&totalLinhas=88&paginaNumero=6&linhasPorPagina=1&palavras=paternidade%20socio-afetiva&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderBy
Data=0&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acesso em: 22 ago. 2012.