A Decadência no Direito do Consumidor
Superado o tema “decadência” sob a visão do Direito Civil, trataremos, então, de direcionar o assunto para o Direito Consumerista, mais precisamente para o artigo 26 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), o qual estabelece:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II – VETADO[8];
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Como observamos, o artigo 26 e seus parágrafos 01º até 03º, do Código de Defesa do Consumidor regulamenta a extinção do direito de reclamar em face de vícios aparentes ou de fácil constatação, bem como os vícios ocultos, os quais fazem com que os bens adquiridos ou os serviços prestados sejam inadequados ou impróprios para o consumo (DENARI, 1996, p. 149).
Conforme se depreende pelos parágrafos 01º até 03º da supra mencionada norma, os prazos estabelecidos dão evidentemente decadenciais, vez que tratam da extinção do direito.
Em primeira análise ao referido artigo, nos dirigimos ao seu caput, onde nos deparamos com a expressão “vícios aparentes ou de fácil constatação”, a qual sofreu crítica – acertada, no nosso entendimento – do professor Rizzatto Nunes, o qual esclarece que o termo “aparente” não é dos melhores se analisado pela semântica, vez que tal palavra tem o sentido de “aparência”, daquilo que não é real; sendo que o vício, pelo contrário, é algo bem real. Segundo Rizzato Nunes, o legislador tinha a intenção de aproveitar do vocábulo o sentido de aparecimento, do que aparece, mas ele não se presta a isso. Por conseguinte, o emérito Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça Paulista, optou por abandonar o seu uso e permanecer tão somente com a outra expressão, “de fácil constatação”, a qual, realmente, diz respeito ao sentido desejado pela norma (NUNES, 2009, p. 376 e 377).
Ressalta o professor Rizzatto Nunes que “O que pretende a lei é que a garantia legal com seus curtos prazos seja exercida pela fácil constatação da existência do vício, isto é, pelo singelo uso e consumo do produto e do serviço” e exemplifica o caso em que “[...] o consumidor adquire um televisor que não sintoniza os canais”, caso em que, a bem da verdade, “o vício é evidente e decorre no mero uso” (NUNES, 2009, p. 377).
Portanto, o vício abarcado pelo “caput” do artigo 26 do Código de Processo Civil refere-se àquele que é facilmente constatado em relação ao bem e ao serviço quando de sua utilização normal ou regular consumo.
Tratando-se de bens e serviços prestados de natureza “não durável”, o Código de Processo do Consumidor estabelece o prazo decadencial de 30 (trinta) dias para o interessado reclamar quanto aos vícios de fácil constatação (ou “aparentes”, de acordo com a norma), conforme determina o inciso I do seu artigo 26.
Com relação a bem ou serviço “não durável”, podemos conceituá-los como “[...] àqueles que se exaurem após o consumo [...]” (GARCIA, 2008, p. 164).
Os bens ou serviços não duráveis “[...] são àqueles que perecem ante um ato isolado do consumidor. A sua utilização implica necessariamente a sua deterioração, como ocorre com os medicamentos, produtos alimentícios etc.” (NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p. 122).
No entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“Entende-se por produtos não-duráveis aqueles que se exaurem no primeiro uso ou logo após sua aquisição, enquanto que os duráveis, definidos por exclusão, seriam aqueles de vida útil não-efêmera”. (STJ, REsp. 114473/RJ, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ 05/05/1997).
Portanto, em contraposição, os produtos duráveis, “[...] àqueles que não se exaurem após o consumo, mas que também não se perpetuam, tendo sua vida útil” (GARCIA, 2008, p. 164), são regrados pelo inciso II, do mencionado artigo 26, que concede um prazo decadencial três vezes maior, de 90 (noventa) dias, para que o interessado reclame de um vício mais facilmente constatável.
Ocorre que a distinção entre bens duráveis e não duráveis, em alguns casos especiais, se torna uma empreitada mais complexa que apenas se mostra viável após a melhor análise do caso concreto, conforme podemos depreender pelo julgado que se segue:
“Decadência – Inocorrência – Ação indenizatória – Sementes de graminídeas – Entrega de produto diverso do comprado – Bem que não pode ser equiparado ao não-durável, pois não se consome ou se destrói pelo simples lançamento ao solo – Espécie sui generis de peculiaridades correlatas com produtos duráveis, uma vez que o fim a que se destina somente vem a ser conhecido após relativamente longo processo reprodutivo – Circunstâncias que transcendem à conceituação binária do art. 26 da Lei 0.078/90” (RT 767/260).
O parágrafo 01º, do artigo 26 em estudo, discorre sobre o momento em que tem início o prazo decadencial para os vícios facilmente constatáveis, firmando o seu começo no instante da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. Diferente dos vícios ocultos, como veremos em breve.
Com referência aos vícios ocultos, o parágrafo 03º do citado artigo 26, estabelece que o prazo decadencial tem o seu início a partir do momento em que o defeito for constatado.
O Professor Rizzatto Nunes, por sua vez, tece crítica ao mencionado parágrafo, vez que entende existir um de erro de redação ao mencionar a palavra “defeito” em vez de “vício”, sob o argumento de que, sob o sistema do Código de Defesa do Consumidor, “defeito” é diferente de “vício” (NUNES, 2009, 405).
“São considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária” (NUNES, 2009, 180).
Por sua vez, o defeito “é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não-funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago – já que o produto ou serviço não cumpriram o fim ao qual se destinavam [...]” (NUNES, 2009, 181).
Realmente, a existência de um defeito presume que exista um vício, porém, pode acontecer que um vício ocorra sem que haja defeito algum. Ambos estão relacionados, mas, “em termos de dano causado ao consumidor” o defeito “é mais devastador” (NUNES 2009, 181).
No que concerne aos vícios ocultos, estes “[...] são os que não são constatáveis de plano; manifestam-se após algum tempo da aquisição do bem” (NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p. 123).
No cotidiano, muitas vezes adquirimos bens onde não nos é permitido constatar com facilidade a existência de vícios, pois estes estão ocultos aos nossos olhos, a nossa percepção natural.
O vício oculto, portanto, é aquele não detectável normalmente por uma pessoa comum:
“Consumidor – Prestação de serviços – Manutenção de equipamentos duráveis – Reparos em peças internas de tecnologia que não é de conhecimento comum – Constatação de permanência do defeito após o prazo de garantia de três meses – Circunstância que não acarreta em decadência do direito de reclamar pela má prestação do serviço, pois trata-se de vício oculto – Inteligência do art. 26, § 3º, da Lei 8.078/90 (1º TACCivSP)” (RT 800/281).
E, caracterizado o vício oculto, questiona-se qual seria o prazo máximo para que se abra o prazo decadencial de 90 (noventa) dias, na forma do parágrafo 03º do supra mencionado artigo 26, vez que a legislação vigente é absolutamente omissa nesse sentido.
Nas palavras de Héctor Valverde Santana, “a noção em tela deve ser analisada com vista à realidade do mercado que fornece produtos com durabilidade limitada. Não é toda imperfeição do bem de consumo que configura o vício oculto. A questão deve ser enfrentada mediante a consideração da vida útil de cada bem de consumo colocado no mercado [...]” (SANTANA, p. 119, apud NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p. 123).
Trata-se, acima de tudo, de uma questão de bom senso e coerência, haja vista que se um produto possui determinada vida útil, o início do prazo decadencial em face de um vício oculto não poderá estender-se pela eternidade, devendo respeitar o prazo razoável de durabilidade do bem.
Traria evidente desequilíbrio na relação de consumo e conseqüente insegurança jurídica à aplicação do parágrafo 03º do referido artigo 26, no sentido de se perpetuar o começo do prazo decadencial em vício oculto que ocorresse após o tempo habitual de duração de determinado bem, considerando que, com o uso freqüente, certos produtos sofrerão o normal e conseqüente desgaste, o que, ao final da vida útil do bem, escondem a anterioridade ou não do vício, sendo, nas palavras de Cláudia Lima Marques, “causas alheias à relação de consumo como se confundem com a agora revelada inadequação do produto para o seu uso normal” (MARQUES, 2002, p. 1022 a 1023, apud GARCIA, 2008, 165).
Este, aliás, vem sendo o entendimento de nossa jurisprudência:
“RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS MATERIAIS – VEÍCULO AUTOMOTOR – PEÇA – RUPTURA POR FADIGA – CONDUÇÃO ADEQUADA – VÍCIO OCULTO CONFIGURADO. Configura a ruptura da biela por fadiga de material, inexistenmte prova de má condução do veículo por seu proprietário, presente a responsabilidade do fabricante pelas indenizações devidas. VFício oculto configurado. Vida útil do bem de consumo que não pode ficvar restrita ao prazo de garantia do fabricante ” (TJRS, Apel. Cível nº 70014964498. Des. Rel. Jorge Alberto Schreiner Pestana, DJ. 09/04/2007).