OS DIREITOS DA OBRA DO AUTOR EM FACE DAS ATRIBUIÇÕES DO ECAD


11/08/2014 às 09h46
Por Adv. Antonio Junior Silva Bastos

1. INTRODUÇÃO

Existem muitas interrogações com relação à lei de direitos autorais. Muitas vezes vemos comerciantes vendendo aparelhos de som e de TV tocando música para o público. Algumas vezes pode ocorrer desses comerciantes serem abordados por pessoas que se dizem membros de uma associação de músicos, dizendo ser proibido que mantenham estes aparelhos em seus estabelecimentos sem que paguem pelos direitos autorais dos músicos, alegando que o movimento intenso de pessoas que entram e saem gera a divulgação dos artistas sem que estes recebam por isso.

O mesmo pode ocorrer em escritórios e consultórios de profissionais liberais que tocam música em seu ambiente de trabalho, pois também estariam violando os mesmos direitos ao divulgar o trabalho em público, sem a prévia autorização dos autores.

As pessoas encarregadas de fiscalização destes direitos autorais são representadas por uma sociedade de arrecadação e distribuição, conhecida como ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) que possui autorização legal para exercer suas atribuições. Porém, surgem dúvidas quanto à forma de cobrança exercida pela mesma e quanto ao repasse feito aos artistas detentores destes direitos.

Para o ECAD, apenas obras musicais de titulares filiados às associações é que serão identificados e receberão os devidos direito autorais. Se forem tocadas apenas músicas próprias, sendo que o cantor/compositor não for filiado e nem suas obras forem protegidas e registradas, então, não se tem como cobrar. No caso de músicas protegidas, inclusive autores já falecidos ou qualquer outro filiado, a cobrança será feita. Também se abre um questionamento de sobre como é feita a distribuição para os autores e titulares.

Passado mais de 10 anos de sua publicação, a Lei 9.610/98 não prevê, de forma clara e concisa, sobre como os autores devem receber o valor que é cobrado pelo ECAD. Ela tem o objetivo de proteger os direitos do autor ou propriedade intelectual no tocante das obras artísticas e literárias, mas não estabelece critérios ou uma forma efetiva destes autores de terem seus direitos autorais preservados.

Diante dos fatos mencionados é que se baseia a presente pesquisa para o desenvolvimento do projeto de artigo científico intitulado “Os Direitos da Obra do Autor em Face das Atribuições do ECAD”, cujo tema é delimitado nos direitos da obra musical do autor e as atribuições do ECAD no tocante aos critérios de cobrança, arrecadação e distribuição destes direitos para o autor.

Emana, daí, o problema que irá nortear este trabalho: O ECAD representa, de fato, os autores no que concerne à cobrança, arrecadação e distribuição dos direitos da obra musical diante da falta de critérios de sua cobrança na lei 9.610/98? É partindo desta questão que serão discutidas algumas questões como: a representação do ECAD, se esta mesma entidade possui legitimidade ativa para cobrar os direitos de autor da obra musical, a legalidade de sua atuação, além de saber se o ECAD pode arbitrar valores dos direitos da obra musical.

O objetivo geral deste artigo científico consiste em definir o ECAD enquanto entidade de gestão coletiva, discutindo suas atribuições, sua atuação, sua legitimidade ativa na representação dos autores da obra musical, bem como o seu poder de cobrar valores que tem, como fato gerador, a execução da música de forma arbitrária, pautando-se na Lei 9.610 de 1998 que trata dos Direitos de Autor e seus Conexos.

O tema da pesquisa tem sido muito debatido, mas pouco explorado. Um claro exemplo é o artigo que aborda a discussão no tocante ao ECAD e Cidadania[1], do professor Hélcio Armond Júnior onde fala dos mirabolantes critérios de cobrança utilizados pela referida entidade que colocam em xeque a inteligência do cidadão. O artigo mencionado serviu de base para a realização da presente pesquisa, buscando compreender as atribuições do ECAD e analisar os critérios utilizados para cobrança dos direitos da obra musical do autor.

Estando esta pesquisa na área de concentração das ciências jurídicas e centrada na linha de pesquisa versando sobre o Direito de Autor, o eixo temático pauta-se no Direito da Obra Musical do Autor, onde serão abordadas as relações de representação de gestão coletiva entre o ECAD e seus associados.

A importância deste estudo pauta-se em levar ao público o conhecimento e a compreensão dos critérios utilizados pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) para cobrar, arrecadar e distribuir os direitos da obra musical aos seus autores devidos, haja vista que há uma inquietude por parte dos compositores e artistas, bem como de profissionais ligados à área da música e do Direito de Autor que divergem quanto a legitimidade ativa da referida instituição como entidade de gestão coletiva para representar seus autores e propor ação de cobrança em juízo.

A seguir, abordarei o conceito do ECAD com suas atribuições e finalidades, discutindo sua representação e legitimidade ativa. No outro ponto iremos compreender uma noção sobre direito de autor e sua classificação e como é feita a tutela dos direitos da obra musical do autor em relação à lei 9.610/98. Finalizando o trabalho, irei trazer as discussões sobre os critérios de cobrança pelo ECAD e algumas soluções apresentadas para dirimir as insatisfações e preocupações dos autores da obra musical.

2. O ECAD

O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição conhecido como ECAD é uma sociedade civil, de natureza privada, constituído para reunir as associações da área musical. Com sede no Rio de Janeiro, foi instituído pela Lei 5.988 de 1973, artigo 115, passando a funcionar quatro anos depois e é mantido pelo atual estatuto do direito autoral: a Lei 9.610/98.

Congregando cerca de 10 associações de músicos, autores e compositores que, em assembléia, definem os rumos da instituição, empreendendo um processo de unificação da cobrança dos direitos de execução musical. Ou seja, regimentalmente, eles cobram e podem cobrar direitos de autor por qualquer tipo de execução pública de música. E compete exclusivamente ao ECAD, as atribuições de arrecadação e a distribuição dos direitos relativos à execução pública, inclusive através da radiodifusão e da exibição cinematográfica de composições musicais ou lítero-musicais e de fonogramas, conforme o artigo 99 da Lei 9.610/98.

Ainda no que se refere à cobrança dos direitos de autor relacionados à música, o ECAD utiliza uma tabela de preços aplicada nacionalmente, onde os valores devidos pela execução de uma obra musical irão variar em decorrência do tipo, classe e nível de usuário, como também, pela capacidade socioeconômica da região onde está situado o usuário. Sendo os valores devidos depositados em conta bancária, por meio de guias de recolhimento, procedimento este que eliminou os desvios dos valores devidos, até a mão do autor, compositor, executante ou intérprete.

2.1 Atribuições e finalidades

Sabemos que os motivos que levam a tanta insatisfação dos compositores, músicos e profissionais ligados à área musical apontam para a Lei 9.610/98 que trata e regula os Direitos do Autor e seus Conexos no Brasil, remetendo ao ECAD a atuação de representar os seus associados no resguardo de seus direitos. E esta discussão volta para a sua forma de atuação no ato de representar os autores e a inexistência dos critérios na lei para que a entidade possa exercer suas atribuições que, atualmente, encontra-se legalmente autorizada para o exercício da cobrança, arrecadação e distribuição dos valores, proveniente de sua criação pela Lei Federal 5.988/73.

Entretanto, é necessário frisar que as atribuições legais e estatutárias do ECAD dizem respeito à proteção dos direitos de execução pública musical[2]. Já em relação à defesa de outros tipos de direitos musicais, tais como sincronização, fonomecânicos, entre outros, é exercida diretamente por seus titulares ou por meio de outras associações de gestão coletiva. Desta forma, entendemos que, na sua essência, as atribuições do ECAD visam a proteção dos direitos dos titulares legítimos das obras musicais contra terceiros.

Como entidade de gestão coletiva, o ECAD possui as seguintes finalidades:

1. Autorizar a utilização de obras intelectuais, mantidas sobre a sua guarda;

2. Arrecadar e distribuir os direitos relativos à execução pública das obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão, transmissão por qualquer modalidade e a da exibição audiovisual;

3. Realizar atividades de assistência social, de estímulo à criação intelectual e outra discriminadas em seu estatuto;

4. Atuar judicial ou extrajudicialmente, em nome próprio, para a consecução de suas finalidades e defesa dos direitos morais e patrimoniais dos autores e titulares de direitos autorais ligados à música.

2.2 Representatividade e legitimidade ativa

A preocupação dada a esta pesquisa emana pela seguinte questão: O ECAD representa, de fato, os autores no que concerne à cobrança, arrecadação e distribuição dos direitos da obra musical diante da falta de critérios de sua cobrança na Lei 9.610/98?

Ora, sabemos que a referida lei, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre Direitos Autorais, visa regular os direitos de autor e os que lhe são conexos, conforme prevê seu artigo 1°. Além disso, assegura em seu artigo 22 que “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”.

Atualmente, o Direito Autoral encontra-se moldado em função quase exclusivamente de critérios de rentabilidade que provém, historicamente, dos direitos patrimoniais do autor. Em outras palavras, o Direito Autoral, desde sua primeira lei em 1710, sempre priorizou o aspecto monetário em detrimento do elemento moral. A tutela sempre esteve muito mais a serviço dos direitos patrimoniais, relegando-se os direitos pessoais por parte de muitos doutrinadores autoralistas.

A discussão que se predomina é essencialmente patrimonialística, girando muito mais em torno dos investimentos e do lucro, do que no reconhecimento do autor-criador da obra, especialmente no meio musical. No Brasil, por exemplo, reclama-se muito da contrafação e dos valores cobrados pelo ECAD e pouco se fala do direito pessoal do autor.

A Lei 9.610/98 busca proteger o direito do autor, o que já é claro para todos. Na prática, porém, os autores não recebem este valor cobrado pelo ECAD, haja vista que a lei não prevê de forma clara como isto deve ocorrer. Com isso, acaba por ter a sua aplicabilidade comprometida, já que não estabelece uma forma efetiva dos autores terem seus direitos autorais preservados.

Quanto à legitimidade ativa do ECAD para cobrança dos direitos, encontra divergências em nosso ordenamento jurídico para representar seus associados. Uma parte dos juristas tem dado entendimento de que a entidade possui legitimidade para promover ação de cobrança, como substituto processual; outros têm defendido que ela possui entidade apenas no tocante à fixação dos valores das contribuições devidas pela execução das obras musicais. O impasse encontra-se na escolha do ECAD como escritório central de arrecadação em todo o território nacional, eliminando o poder de outras associações de titulares dos direitos do autor de terem legitimidade para arrecadar e cobrar os direitos de seus representados, o que caracterizaria violação à norma do artigo 99, da Lei 9.610/98. Tal norma citada sofreu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que foi indeferida pelo STF.

Dada a representação de gestão coletiva, interessante ressaltar a opinião de Vanisa Santiago, em sua palestra sobre “Gestão Coletiva dos Direitos do Autor e Conexos, Associação de Titulares e o ECAD e Associação de Direitos no Exterior”, segundo nota dada por Eliane Abrão[3]:

“(...) O legislador brasileiro, ao determinar a centralização da gestão coletiva, ocupou-se apenas do campo onde se produziam os problemas mais sérios na prática do direito autoral, ou seja, com o sistema dos direitos de execução pública de obras e fonogramas, muito embora, segundo a opinião de importantes juristas brasileiros, a primeira intenção do legislador, ao determinar a organização dessa entidade, seria a de criar um tipo de federação que abarcasse todas as categorias de direitos, o que afinal não se concretizou”.

3. A TUTELA AO DIREITO DA OBRA DE AUTOR NA LEI 9.610/98

Para clarear o presente debate, é necessária uma compreensão sobre os direitos de autor, sua classificação e a tutela conferida ao direito da obra musical de autor pela referida lei em análise.

Os direitos de autor, atualmente considerados como um direito especial sui generis que vem sendo reconhecido como um direito autônomo, dividem-se em direitos morais e direitos patrimoniais. O primeiro consiste no direito de o autor ter seu nome vinculado à obra. Sendo um direito indisponível, personalíssimo, é ligado à sua esfera íntima: sua criatividade, seu pensamento, seu intelecto. É irrenunciável, inalienável e imprescritível.

Já os direitos patrimoniais consistem no direito de obter ganho econômico com a obra. É um direito disponível que pode ser cedido ou transferido por manifestação escrita. Presume-se onerosa e prescreve em 70 anos após a morte do autor, quando a obra ganha status de "domínio público".

Pela letra constitucional verifica-se uma proteção apenas dos direitos patrimoniais, a teor dos incisos XXVII e XXVIII do artigo 5º. Porém, a ofensa ao direito autoral também atinge a esfera personalíssima do autor, chegando a violar sua honra e imagem, de forma a atrair a proteção do inciso X do referido artigo. Logo, o direito do autor, que é regido pela lei n.º 9.610/98, é também um conjunto de direitos fundamentais amparados pela Constituição.

A referida lei traz o conceito de autor e titular de direitos no caput do artigo 11 e artigo 14[4]. Quanto às obras, a lei denomina de intelectuais que encontram protegidas as criações de espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro e elenca, em rol exemplificativo, todos eles no seu artigo 7º.

A obra musical, objeto do presente trabalho, pertence ao domínio das artes, sendo uma obra artística e caracteriza-se por constituir de três elementos que são o ritmo, a harmonia e a melodia, sendo esta, essencial e peculiar em relação ao seu processo de criação. O requisito da originalidade estaria na sua harmonia. Quando a obra é formada apenas pela melodia, harmonia e ritmo, denominamos música; quando além destes três elementos existem o título e a letra, denominamos obra lítero-musical; e, quando a obra é transformada e fixada em suporte, denominamos fonograma. Sendo uma obra intelectual, recebe proteção como dispõe no artigo 7° da Lei 9.610/98.

Segundo o professor Carlos Bittar (2008), para utilização da obra e a posterior percepção dos rendimentos correspondentes, temos dois sistemas de cobrança: institucional e contratual. No primeiro, inspirado no modelo francês, encontra aparato em dois campos tradicionais que são o sistema do “grande direito” (representação de obras dramáticas e dramático-musicais) e “pequeno direito” (execução pública de músicas) e os regimes de cobrança são distintos, cada qual sujeito a uma esquematização própria. Já no sistema contratual, são usados contratos de prestação de serviços no âmbito da criação (para criador autônomo) e contrato de trabalho (para autor assalariado), entre outras modalidades.

O regime das obras musicais tem sua representação no sistema de “pequeno direito” onde o acompanhamento das execuções é feito por um método de pontuação, através do sistema de compreensão global ou forfetário[5]. Neste sistema, são reunidos, na cobrança, os direitos de todos os titulares existentes, baseados em valores aproximados, recolhidos por amostragem através de certos mecanismos de aferição para apuração dos direitos autorais. Cabe ao ECAD, às associações a ela vinculadas e aos próprios interessados, o acompanhamento e o controle desse regime, além da fiscalização desse regime.

Assim, a Lei 9.610/98 visa garantir os direitos de uma obra ao seu autor. No caso específico de uma música, o que acontece é que ele vende e negocia os seus direitos a uma gravadora que, por sua vez, vende os discos aos consumidores. Quanto mais a música é executada, se torna mais conhecida e popular, o que significa grandes vendagens e, conseqüentemente, gera maior lucro para a gravadora e ao compositor.

Ainda, a referida lei traz inúmeras regras em nível organizacional com o fito de adequar as associações e sua estrutura às necessidades do setor. Ou seja, a Lei 9.610 adota o regime legal da liberdade de associação e sem intuito lucrativo do autor, sendo vedado ao autor de associar em mais de uma entidade da mesma natureza[6] para o exercício e defesa de seus direitos. Segundo Bittar (2008):

“Com o ato de filiação, as entidades tornam-se mandatárias dos associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial, de seus direitos autorais, bem como para a sua cobrança (art. 98), entendendo a jurisprudência que estão legitimadas, em nome próprio, a propor, para tanto, as ações cabíveis, em reiterados pronunciamentos. Podem os titulares, todavia, independentemente desse mandato, praticar, por si, os atos referidos (parágrafo único)”.

4. A DISCUSSÃO SOBRE OS CRITÉRIOS DE COBRANÇA DO ECAD

O principal foco da discussão neste artigo refere-se à ausência de critérios de cobrança pelo ECAD na Lei 9.610/98 o que tem gerado discussões acerca da transparência da entidade quanto à arrecadação e cobrança dos direitos autorais, o que implicaria na sua violação. Por outro lado, a própria entidade, através de seu site oficial[7], explica como faz o procedimento:

O ECAD possui uma estrutura preparada para distribuir os direitos autorais mensalmente e trimestralmente, enquanto países estrangeiros fazem suas distribuições adotando maiores períodos de intervalo.

Todos os valores arrecadados pelo ECAD são distribuídos de acordo com os critérios definidos pelas associações musicais que o compõem, baseados nos critérios adotados mundialmente.

Do total arrecadado, 17% é destinado ao ECAD e 7,5% às associações, para administração de suas despesas operacionais. Os 75,5% restantes são repassados para seus titulares filiados. A partir daí, é realizada a distribuição dos valores arrecadados de acordo com os diversos segmentos em que as músicas foram executadas. Caso sua música tenha sido executada, o titular recebe um demonstrativo de pagamento de sua associação, com a descriminação dos valores distribuídos por cada segmento.

Segundo a entidade, os valores que serão distribuídos são diferenciados de acordo com os tipos de utilização. Cabe destacar também três tipos de distribuição, utilizando-se de um sistema de pontuação, para conferir os valores que serão cobrados pelos direitos autorais: Distribuição Direta (valores arrecadados de shows, circo, festas populares, cinema e televisão), Distribuição Indireta (valores arrecadados de rádios, direitos gerais e televisão) e Indireta Especial (valores arrecadados de carnaval, festas juninas e músico acompanhante).

Por esta informação passada pelo ECAD, surgem dúvidas quanto à forma de arbitramento de preços e na elaboração de tabela de preços para cobrança dos direitos autorais. Washington de Barros Monteiro, ao citar Pouillet [8], no capítulo em que tratou da propriedade literária, científica e artística, comentou que:

“A lei não julga as obras. Ela não pesa seu mérito ou importância. A todas cegamente protege; longa ou breve, boa ou má, útil ou perigosa, fruto do gênio ou do espírito, simples produto do trabalho ou da paciência, toda obra beneficia-se com a proteção legal.”

Importante lembrar que a Lei 5.988/73 instituiu o Conselho Nacional de Direito Autoral, sediado em Brasília e vinculado ao Ministério da Cultura, conferindo-lhe organização e suas atribuições, desempenhando funções de fiscalização, consulta e assistência no que se refere aos direitos autorais e conexos. Um dos poderes atribuídos pela lei a este conselho era a de fixar normas para a unificação de preços e sistemas de cobrança e distribuição de direitos autorais, como preceituava o seu artigo 117, IV. Não chegava a estabelecer preços dos direitos autorais a serem cobrados dos usuários de músicas, mas apenas fixava normas para sua unificação.

Posteriormente, veio a Resolução do CNDA n° 46, de 25/02/1987, em seu artigo 14 que alterou e consolidou normas referentes à organização, funcionamento e fiscalização do ECAD, onde atribuiu a competência para a Assembléia Geral de fixar preços de utilização de obras e fonogramas, revisando-os quando entender conveniente.

Sabemos que uma obra artística é um patrimônio de seu autor, cabendo a este de fixar o preço. Porém, o autor ou titular de direitos conexos, ao filiar-se à associação, torna-a sua mandatária para praticar todos os atos judiciais e extrajudiciais relativos a seus direitos, inclusive para cobrá-los. Mas isso não impede o autor de praticar os atos por conta própria, desde que comunique previamente à associação a qual se filiou.

Assim sendo, alguns tribunais têm dado entendimentos diversos sobre a fixação dos valores, bem como da competência para arrecadação e distribuição dos direitos de autor pelo ECAD. Segundo o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do Superior Tribunal de Justiça, entende que é o próprio autor que deve fixar o valor de sua obra musical e não o Estado, por não haver previsão legal (RESP nº 163.543-RS, STJ). Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo entende que é o próprio ECAD, por conta da extinção do CNDA, o órgão competente para fixar a cobrança dos preços das obras musicais, observando normas e critérios objetivos, já que sempre foi encarregado na preparação de elaborar tabelas.

Outros tribunais também têm dado posições divergentes em relação à representação dos autores das obras musicais pelo ECAD quanto à cobrança, arrecadação e distribuição dos seus direitos. Por conta disso é que tem gerado muita insatisfação entre os artistas que desejam ver seus direitos assegurados e que buscam novas alternativas e soluções através de projetos de lei para evitar que seus direitos não venham a ser violados, dada a falta de transparência dos critérios objetivos e pela falta de esclarecimento das normas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algumas alternativas apresentadas para solução deste caso têm sido apresentadas por artistas e pessoas envolvidas com Direito de Autor com intuito de modificar a Lei 9.610/98, entre elas, o Projeto de Lei n° 3133/2012 que se encontra em discussão com propostas para alteração da lei, no sentido de amenizar estas insatisfações. Algumas das propostas apresentadas são: a autorização para reprodução da obra para fins não comerciais, permitir a utilização de pequenos trechos de obras de qualquer natureza (remix e samplers, por exemplo), a proibição do jabá, criar licenças não voluntárias e exige transparência de entidades como o ECAD.

Pela Lei 9.610/98, somente o autor tem o direito de usar, fruir, dispor de sua obra, como também autorizar ou vedar sua utilização por terceiros, total ou parcialmente, por qualquer meio ou processo. Quando se trata de execução pública, cabe ao ECAD a autorização para utilização das músicas autorais, por ser o representante legal dos titulares. Para isso, faz-se necessário cobrar por cada música executada em público para que possa arrecadar financeiramente pelos direitos de execução e distribuir aos autores associados.

Vale ressaltar que a função econômica das entidades de gestão coletiva (incluindo o ECAD) já era importante desde os primórdios, já que seu objetivo era concretizar, através de um trabalho específico de cobrança aos usuários e de pagamentos aos autores associados à participação legal destes últimos nos proventos financeiros que são gerados pelo uso de suas obras.

Portanto, não se justifica a necessidade da cobrança que é paga ao ECAD, simplesmente pelo fato do utilizador que adquiriu um exemplar dum disco utilizá-lo à sua livre vontade. Assim, o ECAD acaba por inviabilizar a realização de vários eventos culturais, devido à dificuldade em se pagar o valor por ele estipulado, deixando de incentivar a expansão da cultura brasileira, como também pela falta de transparência e compreensão dos critérios utilizados para cobrança desses valores.

Contudo, em 2013, foi aprovada pelo Governo Federal uma das grandes mudanças na gestão coletiva dos Direitos Autorais no Brasil – a Lei n° 12.853/2013 – que traz novas regras para cobrança, arrecadação e distribuição dos recursos advindos desses direitos, sendo fruto de vários debates que duravam desde a publicação da Lei 9.610/98. Dentre as mudanças destacam o aumento do repasse de recursos aos autores de música e a fiscalização ao ECAD por parte do governo. Quase um ano depois da aprovação da nova lei, espera-se que os resultados sejam satisfatórios no sentido de solucionar boa parte dos problemas apresentados.

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Notas de rodapé:

[1] Disponível em: <http://www.sindireceita.org.br/index.php?a=05_tributus/ano2n5/mostra_materia.php&ID_MATERIA=2570>. Acesso em 16/06/2013.

[2] Disponível em <http://www.ecad.org.br/ViewController/Publico/conteudo.aspx?codigo=48>. Acesso em 09/07/2013.

[3] Abrão, 2002 apud Barros, 2007, p. 548.

[4] Art. 11: Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. (Lei 9.610/98).

Art. 14: É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua. (Lei 9.610/98)

[5] BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 62 e 63.

[6] Art. 97, §1º - É vedado pertencer a mais de uma associação para a gestão coletiva de direitos da mesma natureza. (Lei 9.610/98)

[7] Disponível em: < http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx?codigo=25 >. Acesso em 19/05/2013.

[8] Pouillet, apud Monteiro, 1998, p. 251.

  • Direito Autoral

Referências

1. ARMOND JR., Hélcio. ECAD e Cidadania. Tributus. Ano II, n° 05, fev./mar. de 2004. Disponível em . Acesso em: 16 de junho de 2013.

2. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

3. BARROS, Carla Eugênia Caldas. Manual de Direito de Propriedade Intelectual. 1ª ed. Aracaju: Evocati, 2007.

4. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

5. ______. Contornos Atuais do Direito de Autor. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

6. BOBBIO, Pedro Vicente. O Direito de Autor na Criação Musical. São Paulo, Lex, 1951.

7. Brasil, Câmara dos Deputados. Legislação Brasileira Sobre Direitos Intelectuais. 2ª ed. Brasília: Coordenação de Publicações, 2006.

8. Brasil, Ministério da Cultura. Direito Autoral. Coleção Cadernos de Políticas Culturais. vol. 1. Brasília, Ministério da Cultura, 2006.

10. Brasil, Ministério da Cultura. Consulta Pública Para a Modernização da Lei de Direito Autoral. Disponível em: . Acesso em: 22/08/2013.

11. Brasil, Senado Federal. Legislação sobre Direitos Autorais. 2ª ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007.

12. CABRAL, Plínio. A Lei de Direitos Autorais: Comentários. 5ª ed. São Paulo: Rideel, 2008.

13. DIAS, Maurício Cozer. Direito Autoral: Jurisprudência, Prática Forense, Arbtragem, Normas Regulamentares do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). Campinas: LZN, 2002.

14. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. ECAD: Direitos Autorais. Disponível em . Acesso em 09/07/2013.

15. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico: Procedimentos Básicos, Pesquisa Bibliográfica, Projeto e Relatório, Publicações e Trabalhos Científicos. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

16. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, v. 3, 34ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998.

17. O GLOBO. A Atuação dos Grupos de Artistas Que Influenciaram a Aprovação da Lei de Direito Autoral. In: O Globo – Cultura. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/cultura/a-atuacao-dos-grupos-de-artistas-que-influenciaram-aprovacao-da-lei-de-direito-autoral-95658866>. Acesso em 31/08/2013.

18. VEIGA, Rosanie Martins (Org.). Direito Autoral. 3ª ed. Série Jurisprudência ADCOAS. Rio de Janeiro: Ed. Esplanada, 2000.


Adv. Antonio Junior Silva Bastos

Advogado - Feira de Santana, BA


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