Na sistemática processual penal vigora o princípio da obrigatoriedade da ação penal (também nomeado como princípio da legalidade, da oficialidade, da necessidade ou indisponibilidade), a teor dos artigos 24, 28 e 29, todos do Código de Processo Penal, sendo defeso, via de regra, ao acusador, avaliar a conveniência e oportunidade da ação penal, não lhe sendo permitido, perquirir a utilidade da medida proposta ou, ainda, por “motivos de política criminal”, pautando-se na eventual insignificância do resultado para deixar de exercer o seu poder-dever de instaurar a ação penal.
Cabe mencionar que o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal de 1988, apenas estabelece que a ação pública é de titularidade do Ministério Público, determinando-lhe a função institucional, mas não impõem a obrigação de exercê-la. Assim, parte dos membros do Parquet entendem que, em que pese a sistemática da indisponibilidade prevalecer na doutrina e na jurisprudência, o ordenamento jurídico brasileiro não prevê de forma expressa a obrigatoriedade da ação penal, sendo esta, inclusive, uma afronta a prerrogativa da autonomia funcional.
Sem embargo, tal sistemática de obrigatoriedade não se aplica a todas as modalidades de ação penal, sendo preponderante os princípios da oportunidade e da disponibilidade nas ações de iniciativa privada e naquelas condicionadas à representação do ofendido. Assim, nestas hipóteses, em razão da conveniência, economicidade, interesse e utilidade processual, mostra-se possível a desistência do processo, a renúncia ao direito de desencadear a ação penal contra o autor do fato, bem como o perdão do ofendido e a perempção.
Outrossim, nas palavras de Pacelli (2017, p. 45), “[...] na existência de ações penais públicas o Ministério Público não exerce direito de ação, mas dever dela”. Tal afirmação indica que se trata do exercício de um dever, posto que a ação penal pública é submetida ao princípio da obrigatoriedade, isto é, tendo o Ministério Público se convencido da existência de materialidade e indícios de autoria, e desde que julgue presentes as condições da ação penal, deve submeter a questão penal ao exame do Judiciário.
Portanto, na ação penal de iniciativa pública prevalece o entendimento que não existe margem de atuação entre denunciar, requerer diligências complementares ou pleitear pelo arquivamento do Inquérito Policial. Ademais, uma vez iniciado o processo, não pode o Parquet desistir ou dispor da ação penal (princípio da indisponibilidade).
Ocorre que tal obrigatoriedade, porém, não é absoluta, sendo mitigada no âmbito das infrações sujeitas ao Juizado Especial Criminal ao possibilitar um certo poder discricionário para avaliar a conveniência, oportunidade do exercício e exaurimento do direito de ação, conforme dispõe os artigos 61, 76 e 89, todos da Lei nº. 9.099/95, a fim de concretizar a justiça consensual.
Adota-se, neste último caso, o princípio da obrigatoriedade regrada ou da discricionariedade regrada, viabilizando-se ao Ministério Público, diante da presença dos requisitos legais, deixar de propor a ação penal e oferecer ao autor do fato a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, encerrando-se, assim, o procedimento (AVENA, 2017, p. 223-224).
Nesse enfoque, o princípio da intervenção mínima também denominado de princípio da subsidiariedade indica que o direito penal deve atuar de forma subsidiária (direito penal de última ratio), como meio necessário de proteção do bem jurídico.
Para Luiz Flávio Gomes:
O Direito penal, em suma, é a última ratio, isto é, o último instrumento que deve ter incidência para sancionar o fato desviado (em outras palavras: só deve atuar subsidiariamente). Quando houver a falência do sistema de controle social, então o Direito Penal deverá agir. E, por conseguinte, somente nesse momento é que o legislador estaria amparado a incluir no Direito Positivo uma conduta reprovável e sancionável através de penas previstas no ordenamento penal. É o que se chama de controle social penal, ou seja, uma das formas de submeter os indivíduos às regras, mas com maior rigor. (GOMES, 2007, p. 24).
Nesse enfoque, Pacelli (2017, p. 315) indica que a Lei nº. 9.099/95 deve ser interpretada no contexto de um movimento despenalizador, ou, ainda, mais especificamente, desencarcerizador (tais são os seus propósitos). Esse movimento procura afastar, quanto possível, a imposição da pena privativa de liberdade.
Desse modo, a obrigatoriedade da ação penal pode coexistir com critérios de oportunidade e conveniência, autorizando a utilização de meios alternativos ao processo, consensuais ou não, sem que isso signifique a perda de legitimidade do sistema jurídico-penal. É necessário, contudo, que o Ministério Público atue dentro das limitações constitucionais, sem que ocorra excesso e violações legais na condução dos casos criminais.