João Paulo Oliveira Maia{C}[1]
Cid Augusto da Escóssia Rosado{C}[2]
RESUMO
A humanização das penas aplicadas ao longo da história foi fundamental no processo de valorização da dignidade da pessoa humana e ferramenta importante na busca da ressocialização dos que cometem crimes. Ocorre que as penas nem sempre apresentaram esse viés, sendo por muito tempo marcadas pelo sentimento de vingança, crueldade, suplícios públicos, com caráter apenas retributivo e voltada a evitar novos delitos. Assim, as penas restritivas de liberdade e o seu processo de humanização serão tratadas neste artigo com o objetivo de descrever a evolução desde o período da vingança à busca pela ressocialização dos apenados. A partir do método bibliográfico de pesquisa, vimos que o Estado como único detentor do ius puniendi utiliza-se da aplicação de penas para punir quem incorre em crimes. Porém o Estado que hodiernamente busca com tais reprimendas alcançar a ressocialização desses indivíduos, já comportou-se de forma despótica, tendo como única meta punir o mal com o mal. Entretanto, a atual precariedade do sistema penitenciário tem se mostrado uma barreira quase intransponível para a almejada pacificação social e consequente diminuição taxa de criminalidade.
Palavras-chaves: Pena. Humanização. Ressocialização.
ABSTRACT
The humanization of penalties throughout history was instrumental in the enhancement of human dignity and important tool in the pursuit of those who commit crimes resocialization process. Is that the feathers do not always show this bias, and long marked by a sense of revenge, cruelty, public tortures, and with just remuneration geared to prevent new crimes character. Thus, the penalties restricting freedom and its humanization process will be treated in this paper in order to describe the evolution from the time of Revenge quest for the rehabilitation of inmates. From the literature search method, we saw the state as the sole holder of the ius puniendi used if the application of penalties to punish those who incurs crimes. But in our times that the state seeks to achieve such reprimands the rehabilitation of these individuals have acted in a despotic manner, with the only goal to punish evil with evil. However, the current precariousness of the penitentiary system has proved an almost insurmountable barrier to desired social pacification and consequent decrease the crime rate.
Keywords: Pena. Humanization. Resocialization.
1 INTRODUÇÃO
Aplicação de penas àqueles que cometem crimes se configura como uma tentativa do estado em retribuir a sociedade o mal por ele causado, bem como promover a ressocialização nesses indivíduos para que estes não voltem a cometer crimes. As penas previstas em nossa lei penal são as penas privativas de liberdade, penas restritivas de direitos e multa. No entanto, no presente trabalho iremos nos ater somete a primeira.
Contudo, o intuito da ressocialização das penas nem sempre existiu, como conta a história, a ideia de punir, aplicar uma pena ou sanção a aquém comete um mal a outrem ou a um grupo social, existe desde a antiguidade. Onde as mesmas eram dotadas de crueldade e recaiam não somente sobre a liberdade, mas sobre seu corpo e sua vida.
Os primeiros registros de penas remontam que estas ocorriam mediante graves castigos físicos, tortura, morte e representavam na maioria das vezes vingança da própria vítima e familiares.
Um dos primeiros sistemas de aplicação de penas conhecido foi instituído pelo rei Hamurabi da Babilônia, baseado na Lei do Talião que impunha penas cruéis como lançamento ao fogo, mutilações entre outros meios cruéis, lei essa que também ficou conhecida como “olho por olho dente por dente”.
Penas como a crucificação aplicada por Pôncio Pilatos, presidente do Império Romano a Jesus, a Santa Inquisição na época em que o poder da igreja era equivalente ou superior ao do Rei, são registros de alguns sistemas de penas aplicados na história.
No Brasil e na Europa tivemos os enforcamentos e esquartejamentos públicos contra aqueles que contrariavam os interesses das monarquias, dentre outros modos cruéis que foram utilizados pelo homem no curso de sua história.
Ocorre que já na Roma antiga podemos observar os primeiros passos da chamada Humanização da pena, mesmo que de forma involuntária. Aqui não mais se pagava os crimes com a vida. Mas com a transformação do criminoso em escravo, não havendo mais mutilações e penas de morte temos assim um avanço em favor da vida, surge ai os primórdios da valorização da dignidade da pessoa humana.
Contudo, foi na Revolução Francesa de 1789, com a declaração dos Diretos do Homem e Cidadão, que surge a preocupação com os direitos humanos e houve uma tendência a uma lenta diminuição da crueldade na aplicação das reprimendas e consequente humanização das penas que passaram a incidir sobre a liberdade da pessoa humana, certamente um dos maiores e importantes direitos do homem.
As penas restritivas de liberdade e o seu processo de humanização, serão tratados neste artigo que tem o seguinte objetivo geral, descrever a evolução das penas desde o período da vingança à busca pela ressocialização do apenado, apresentando os seguintes objetivos específicos; apresentar o conceito de pena a luz da doutrina, identificar os principais estágios de evolução da pena, compreender a necessidade de aplicação da pena e analisar a humanização da pena como elemento de ressocialização.
Para alcançarmos esses objetivos utilizaremos o método bibliográfico, com uma metodologia voltada na pesquisa baseada na doutrina penalista brasileira, bem como no material disponibilizado na rede de computadores.
Assim teremos como ponto de partida o estudo da pena de acordo com a doutrina, conhecendo o conceito de pena. Adiante será descrito os principais estágios do processo de evolução da pena, desde o período das penas corporais as penas que visam a ressocialização do preso.
Ao final faremos uma abordagem sobre a necessidade das penas, visto a real necessidade de pacificação social, bem como iremos discutir o seu processo de humanização e o respeito às garantias fundamentais como ferramenta de ressocialização, sendo este o grande objetivo a ser alcançado pela pena atualmente. Porém as nossas prisões ainda estão longe de proporcionar que tais objetivos possam ser alcançados.
2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
2.1 Método
O presente trabalho será desenvolvido pelo método bibliográfico de pesquisa, e será amparado na doutrina e em entendimentos dos nossos tribunais. Esse método de trabalho é definido por GIL (2010), da seguinte maneira,
A pesquisa bibliográfica é elaborada com base em material já publicado. Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso, como livros , revista, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científico. Todavia, em virtude da disseminação do novos formatos de informação, estas pesquisas passaram a incluir outros tipos de fontes, como discos, fitas magnéticas, CDs, bem como o material disponibilizado pela internet. (GIL, 2010, p. 29)
Dessa maneira, buscamos partir dos parâmetros tradicionais da doutrina penalista brasileira, sem perder de vistas os mais recentes entendimentos dos tribunais superiores, bem como nos materiais disponibilizados na rede mundial de computadores.
2.2 Metodologia
Este artigo é de natureza básica, uma vez que busca entender, descrever, explicar e objetiva a discussão, o conhecimento e a compreensão.
O presente artigo tem como objetivo geral descrever a evolução das penas desde o período da vingança à busca pela ressocialização do apenado, e ainda os seguintes objetivos específicos, apresentar o conceito de pena a luz da doutrina, identificar os principais estágios de evolução da pena, compreender a necessidade de aplicação da pena e por fim analisar a humanização da pena como elemento de ressocialização.
Para alcançarmos tais objetivos serão adotados procedimentos, de cunho bibliográfico, pois se utilizamos de levantamentos de bibliografais sobre a temática junto às bibliotecas, períodos sites da internet e entendimentos jurisprudenciais.
Portanto, a pesquisa aqui apresentada não se esgota em si mesma, pois buscamos contribuir com o aporte teórico já estudado sobre o tema discutido e, além disso, subsidiar os pesquisadores que venham estudar essa mesma temática.
2.3 Revisão da literatura
Estre trabalho foi desenvolvido com base na doutrina clássica brasileira acerca do direito penal e do instituto da aplicação da pena restritiva de liberdade, destacando-se a obra de Greco e de Mirabete, analisando-se, ainda, a Constituição Federal de 1998, o Código Penal e a Lei das Execuções Penais.
3 A PENA
3.1 A pena a luz da doutrina
Pena é a sanção imposta pelo Estado a aqueles que cometem crimes, sendo definida pelo Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999, p.1533, 1534) como:
Punição imposta pelo estado ao delinquente ou contraventor, em processo judicial de instrução contraditória, por causa de crime ou contravenção que tenha cometido, com o fim de exempla-los e evitar a prática de novas infrações. 6. Sanções de caráter civil, fiscal ou administrativo, pecuniária ou não proveniente de infrações previstas nas respectivas leis, e, quanto às civis, também nos contratos.
Assim sendo percebe-se que o ente estatal, utiliza-se da aplicação de penas como uma das formas de punição pelo cometimento de crimes, dentre as quais destacamos a pena restritiva de liberdade. Tal reprimenda é de aplicação exclusiva do Estado o único detentor do ius puniendi, no ordenamento jurídico brasileiro.
Já para a doutrina penalista brasileira temos a mesma conceituada nos seguintes dizeres, “a pena consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi”. (GRECO 2014, p. 477)
Dessa forma sempre que alguém praticar uma conduta definida na lei como crime, receberá uma reprimenda do estado, como forma de punição pela violação as leis penais.
A individualização da pena percorre três etapas distintas até a sua concretização, sendo a primeira fase a legislativa onde, o estado através do poder legislativo define os tipos penais e estipula as penas a eles imposta, ou seja, descreve que condutas que serão taxadas como crime, bem como faz um valoramento, quanto ao tamanho da pena imposta.
Destaque-se ainda que de acordo com o artigo 22, inciso I da Constituição Federal de 1988, temos o seguinte disciplinamento quanto à competência para a edição de leis que tratam sobre direito penal, in verbis “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual...”, (BRASIL, 2014) (grifo nosso), assim temos que o texto constitucional veda a criação de crimes pelos estados federados e pelos munícipios.
Frise-se ainda que a carta de 1988 veda expressamente a criação de crimes mediante Medida Provisória de acordo com o artigo 62, § 1º, I, b (BRASIL, 2014), do texto constitucional.
Temos como segunda fase no processo de aplicação da pena a fase judiciária. Depois de transcorrida toda a instrução processual, que serve para o magistrado forma sua convicção a cerda de uma condenação ou absolvição. O Estado juiz irá individualizar a pena do réu, e em caso de condenação impor uma sanção ao agora condenado, como nos ensina, (MENDES JÚNIOR, 2013, p. 37),
Aqui o poder judiciário, e somente ele, diante do cometimento da infração penal pelo cidadão, e mediante devido processo legal, após a apuração da materialidade e da autoria e diante de um juízo de certeza que possa atribuir ao acusado à prática do fato criminoso, impõe a pena estabelecida pelo tipo penal entre o mínimo e o máximo cominados pelo legislador.
Com a sentença temos então finalizada a segunda fase da aplicação da pena, onde o magistrado após, analisar as circunstâncias agravantes e atenuantes do acusado como determina o artigo 59 do Código Penal (BRASIL, 2014), irá determinar o quantum da pena imposta em caso de condenação, e ainda determinar o regime inicial de comprimento da pena.
Com sentença de condenação, tem-se início a terceira fase da aplicação da pena, que é fase da Execução Penal, aqui o agora condenado é encaminhado ao Juízo das Execuções Penais, para que este adote as medidas necessárias, para o comprimento da reprimenda, ficando este sob a responsabilidade e guarida do estado, que deve propiciar condições dignas durante o tempo que durar sua pena, inicia-se então a execução da pena.
Sobre esta fase da individualização da pena, são essas as lições de (MENDES JÚNIOR, 2013, p. 37), “nesta fase, o condenado deverá ser encaminhado a um dos estabelecimentos penitenciários do Estado para, segundo a quantidade de pena e o regime inicialmente fixado, dar início ao cumprimento da reprimenda concreta”.
Com o recolhimento do infrator e o cumprimento de sua pena espera-se que este, possa refletir, sobre as consequências da prática de crimes, para que quando retorne ao convívio na sociedade, não volte a cometer novos delitos, o que muitas vezes de fato não ocorre.
3.2 Principais estágios da evolução da pena
A punição àqueles que cometem crimes ou desobedecem, os preceitos das sociedades existe desde as primeiras civilizações da humanidade. Inicialmente ocorriam através da vingança ou sobre o próprio corpo do acusado ou criminoso, sendo muito comum as mutilações, penas de morte, enforcamento, esquartejamento, decapitações entre outros meios cruéis de aplicação da pena que por muito tempo serviram de espetáculos públicos para déspotas e população da época.
As penas corporais, no entanto, perderam força ao longo da história, como visto nos dizeres de Foucault (2002, p. 12), “No fim século XVIII e começo do XIX, a despeito de algumas grandes fogueiras, a melancólica festa de punição vai-se extinguido”, essa extinção, todavia, ocorre de maneira lenta e esparsa em toda Europa. Porém, podemos perceber que a vida humana passa a ser valorizada, pois a partir de então a pena vai atingir não mais a vida dos criminosos, mas a sua liberdade e em muitos casos seu patrimônio. Exagero a parte podemos afirmar que mesmo as mais remotas prisões e as penas de prisão perpetua, podem ser vistas como grande passo rumo à humanização, pois a vida o bem mais sagrado do homem estava sendo preservada.
Apesar da criação das prisões, as penas corporais ainda perduraram por muito tempo, o que tivemos de fato foi o aperfeiçoamento dos equipamentos utilizados para matar os condenados. Assim, as mortes passaram acontecer de forma rápida e com o mínimo de sofrimento e sem dor e ainda um mesmo modo de execução para todos aqueles que fossem condenados à morte. Nesse momento estava saindo de cena as mortes com graus absurdos de sofrimento que ocorriam ou se imaginava por alguns no início do século XVIII na Europa. Como relata Foucault (2002, p. 15),
[...] arrebentar um condenado sobre a roda, depois açoitá-lo até a perda dos sentidos, em seguida suspendê-lo com correntes, antes de deixá-lo morrer lentamente de fome. Não mais suplícios em que o condenado era arrastado sobre uma grade (para evitar que a cabeça arrebentasse sobre o pavimento), seu ventre aberto, as entranhas arrancadas às pressas, para que ele tivesse tempo de as ver com seus próprios olhos ser lançadas ao fogo; em que era decapitado enfim e seu corpo dividido em postas.
Não menos cruel o Brasil também já vivenciou a aplicação de penas aflitivas em praça pública. Temos na história a condenação à forca do inconfidente mineiro, Joaquim José da Silva Xavier conhecido por Tiradentes, que liderava um movimento que buscava a independência do Brasil, da Coroa Portuguesa, que ao ser descoberto foi condenado à morte e teve a seguinte sentença:
[...] Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas publicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde em lugar mais publico della será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde o Réu teve as suas infames práticas e os mais nos sitios (sic) de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infamia deste abominavel Réu...(TRISTÃO, 1999, apud, MENDES JÚNIOR, 2013, p.39)
Tiradentes e os demais inconfidentes mineiros foram sentenciados no ano de 1792, e tiveram sua sentença executa em 21 de abril do mesmo ano, sendo este dia feriado nacional e Tiradentes é visto com herói nacional.
Porém, esses métodos cruéis como esquartejamentos, lançamento ao fogo e mutilações vão sendo substituídos e as execuções passam a ser feitas por instrumentos eficientes que levam o condenado a uma morte sem suplícios e instantânea. É nesse momento que são criadas na Inglaterra em 1760, uma máquina de enforcamento com um fundo falso e a guilhotina passa a ser utilizada em 1792, na França, instrumento letal que tira a vida com apenas um golpe, sem sofrimento e sem dor.
A partir do século, XVIII, a pena vai deixando de ter uma característica aflitiva sobre o corpo do condenado, as penas de morte deixaram de serem grandes espetáculos públicos e passaram a ser executadas de forma rápida e com o mínimo de sofrimento. Essa mudança ocorre sob os reflexos iluministas da revolução francesa.
Assim, o castigo corporal vai perdendo espaço e a aplicação das penas passa aos poucos a recair sobre a liberdade dos que cometem crimes e não mais sobre o seu corpo ou sua vida, sendo os primeiros estabelecimentos prisionais criados na Europa. Desse modo,
[...] a partir do século XVII, os cortesões, ideólogos, de todas as tendências juristas e membros do clero conceberam a ideia de substituir os espetáculos cruéis das execuções penais públicas, pelas internações em estabelecimentos prisionais como forma de punição (SOARES, 2003, p.274).
O início dessa mudança na aplicação da pena pode ser considerado um grande marco rumo à humanização na aplicação da pena. Contudo, deve ser destacado, que incialmente as prisões eram ambientes hostis e degradantes, como ocorre com a maioria das prisões atuais, porém a preservação da vida sempre deve ser vista como um grande passo rumo à valorização e a dignidade da pessoa humana.
No entanto, a história mostra que mesmo as prisões poupando a vida dos condenados, os primeiros estabelecimentos carcerários submetiam os presos a regimes muito severos e muitas vezes de forma perpetua sem perspectiva alguma de voltar à vida comum, como está claro para Soares (2003, p. 274),
Em regra, a permanência na prisão tinha caráter provisório, passageiro, pois o que se visava, precipuamente, era pôr fim a vida do prisioneiro embora existisse masmorras, onde eram lançados os condenados à prisão perpetua, onde definhavam até a morte enlouquecendo.
A prisão passa a ser utilizada então como instrumento dos estados, para punir quem desobedecia à ordem pública e aos poucos passa a ser usada como instrumento de correção ou ressocialização.
Desde então, se iniciou um período de maior preocupação com a integridade física dos criminosos, a codificação e a edição de leis passa a orientar as situações que podem submeter o indivíduo a prisão. Sendo unanime na doutrina, como nos ensina Greco (2003), que o grande marco para essa mudança de mentalidade quanto da aplicação das penas foi à obra de Beccaria publicada em 1764, intitulada dos delitos e das penas, que mostrava a insatisfação e indignação com a forma que os seres humanos estavam tratando outros seres humanos e sem a mínima observação das leis.
Após o período iluminista na França, passa a ocorrer progressivamente um processo de valorização da vida. A aplicação das penas passa a ter um novo caráter e não somente o de punir o criminoso, mas fazer com que esta seja um mecanismo do estado para recuperar o indivíduo e assim este não volte mais a cometer crimes.
Como vemos, a aplicação da pena ao longo do tempo, sofreu uma grande transformação deixando de submeter o condenado a castigos corporais suplicantes e desumanos, ocorrendo a preservação da vida destes a passando a recair sobre sua liberdade.
Dessa forma à medida que as sociedades foram evoluindo, os sistemas penais passaram por processo de humanização e passaram a valorizar a vida e hoje as penas tem um caráter ressocializador do indivíduo. Porém essa realidade ainda está bem distante de ser atingida.
3.3 A necessidade da pena
Tendo em vista os autos índices de criminalidade e a necessidade de pacificação social, a aplicação de penas aos infratores, se mostra como uma resposta do estado a esses agentes bem como a sociedade, na busca pela diminuição da criminalidade. A aplicação dessas sanções visa ainda reprovar o mal causado e ainda reeducar esses indivíduos, além de efetivar as disposições previstas na legislação.
A lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940, Código Penal Brasileiro em seu artigo 59, prevê que as penas aplicadas pelo estado, além de atender a outros critérios, deverá ser suficiente e necessária para a reprovação do crime, a saber,
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 2014) (Grifo nosso).
O presente dispositivo legal consagra que a aplicação da pena, tem como finalidade reprovar o mal provocado pelo agente, bem como objetiva a prevenção, ou seja, deve servir a exemplo para que outras pessoas não pratiquem novos crimes.
A respeito da aplicação da pena, foram formuladas as teorias absolutas e relativas. Onde a primeira apresenta um caráter retributivo, sendo a aplicação da sanção pelo estado deve retribuir ao condenado o mal sofrido, sendo vista como forma de pagamento pelo mal causado, nos dizeres de, (FABBRINI; MIRABETE, p. 230, 2014), “o castigo compensa o mal e dá reparação à moral. O castigo é imposto como exigência ética, não se tendo que vislumbrar qualquer conotação ideológica nas sanções penais”.
Essa corrente tinha como única preocupação, fazer com que o condenado, retribuísse o mal praticado e não havia assim qualquer preocupação com a pessoa do infrator, não objetiva em momento algum a ressocialização do preso ao convívio a sociedade, por isso que para a melhor doutrina essa corrente recebe muitas críticas.
No entanto para à grande maioria da população, a justiça só é feita quando o condenado é submetido a uma pena restritiva de liberdade sendo aplicadas algumas das penas restritivas de direito como, a prestação de serviço à comunidade, limitação dos finais de semana ou a pena de multa, paira na sociedade o sentimento de impunidade a sensação de que a justiça não foi feita, visto que já fora massificado que a única punição valida é a pena de reclusão, ou seja, quem comete crimes tem que ser preso.
Já a teoria relativista, apresenta outras finalidades que vão além do pagamento pelo mal cometido, mas visa ainda buscar uma prevenção geral, onde os demais membros da população ao verem a condenação de outrem temem, sofrer esse mal e assim não cometam crimes. Outro aspecto importante acerca dessa teoria, é que a pena deve apresentar mecanismos, que promovam à reintegração do preso a sociedade, ou seja, buscar um caráter ressocializador da pena.
É importante destacar que o direito penal brasileiro adota a teoria mista ou unificadora da pena, como nos ensina (GRECO, 2014, p. 483),
[...] a parte final do caput do art. 59 do Código Penal configura a necessidade de reprovação com a prevenção do crime, fazendo assim, com que se unifiquem as teorias absoluta e relativa, que se pautam, respectivamente, pelos critérios da retribuição e prevenção.
Assim, a pena deve apresentar uma dupla finalidade, fazer com que o condenado pague pelo crime cometido, bem como proporcionar, a sua ressocialização a sociedade e ainda que este não volte a incorrer em práticas criminosas.
No entanto, hodiernamente a pena apresenta como principal função, promover a ressocialização do preso ao convívio com a sociedade, após o cumprimento de sua pena, temos assim o seu caráter ressocializador. Sobre esse tema escreve (MENDES JÚNIOR, 2013, p. 38, 39),
Também conhecida como função educativa, é hoje considerada a mais importante e presente em todas as legislações penitenciárias dos Estados modernos. Visa reintegrar o apenado à sociedade após submetê-lo a verdadeiro tratamento social enquanto submetido à execução da pena.
Resta claro assim que quando o Estado submete alguém a uma pena de restrição de liberdade, não objetiva apenas que este possa pagar pelo mal causado, mas sim, de reeducar o indivíduo para que este quando retorne a vida fora do cárcere, possa conviver de maneira saudável com a sociedade, bem como que este não volte a delinquir, como prevê a teoria mista ou unificadora da pena.
Dessa forma essa teoria defende que as penas devem impor um castigo, bem como conter elementos que promovam a reintegração do apenado ao bom convívio social, para com isso o Estado não se comportar como um tirano que puni apenas por punir, tendo em vista que um dia essa pena irar se findar e teremos de volta o condenado à vida em liberdade.
Essa é uma das funções buscadas pela Lei 7.210 de 1984, que institui a Execução Penal em nosso país já em seu artigo 1º In verbis: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. (BRASIL, 2014) (grifo nosso) Como podemos ver a lei que rege o cumprimento das penas no Brasil, tem por premissa básica, reintegrar os apenados ao convívio social, aptos a buscarem uma vida normal distante do mundo da criminalidade.
3.4 A humanização da pena como elemento de ressocialização
Linhas acima, ficou demonstrada a clara mudança na forma de punição imposta aos que incorrem na prática de delitos. Da era da vingança passando pelas penas corporais, prisão perpetua há valorização da vida e o caráter ressocializador das penas, vários foram os seus estágios de evolução.
Asse respeito à Constituição da República de 1988, traz vários dispositivos legais que visam, proteger a dignidade do indivíduo, os quais podemos mencionar, o disposto no artigo 5º, inciso III, do referido diploma que traz o seguinte texto “ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante”.
Ainda nessa problemática a Carta da Republica de 1988, também prevê no inciso XLVII do mesmo artigo onde dispõe que o Brasil não se utilizará das seguintes penas “XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, b) de caráter perpétuo, c) de trabalhos forçados, d) de banimento, e) cruéis.” Ainda no texto constitucional, temos o inciso XLIX, do mencionado artigo 5º o qual traz os seguintes dizeres “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Temos aqui uma clara preocupação do legislador constituinte em garantir que seja atendido o princípio da dignidade pessoa humana bem com a preservação da vida da população carcerária.
Os dispositivos acima citados procuram fazer com que as penas não sejam meros instrumentos de punição ou de retribuição ao mal causado, mas procura preservar a pessoa do condenado para que este ao cumprir sua punição, possa voltar a ter uma vida extramuros dignada e sem a pretensão de voltar a delinquir. Sobre esse moderno entendimento da função da pena escreve Morais (2013, p. 302) “a aplicação de sanção por parte do Estado não configura, modernamente, uma vingança social, mas tem como finalidades a retribuição e a prevenção do crime, buscando, além disso, a ressocialização do sentenciado.”, dessa forma vemos que ao garantir aos condenados direitos humanos fundamentais, o nosso ordenamento jurídico, busca devolver para o convívio social pessoas dispostas a uma vida longe da violação das leis, acarretando assim uma maior chance de pacificação social.
Dessa forma podemos vislumbrar que a ressocialização para se concretizar deve conter elementos de humanização, sendo esta a concepção moderna das penas, como estar claro nos ensinamentos do renomado doutrinador (FABBRINI; MIRABETE, 2007, p.25),
Assim, tem-se entendido que à ideia de central de ressocialização há de unir-se, necessariamente, o postulado da progressiva humanização e liberação da execução penitenciária, de tal maneira que, asseguradas medidas como as permissões de saída, o trabalho externo e os regimes abertos, tenham ela maior eficácia. Os vínculos familiares, afetivos e sociais são solidas bases para afastar os condenados da delinquência.
Nessa mesma esteira a já citada lei 7.210 de 1984, Lei de Execução Penal, traz esses elementos como instrumentos legais de pacificação social, os quais sejam, “art. 10. A assistência ao preso e ao interventor é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (BRASIL, 2014). A assistência que a lei se refere será: material, à saúde, jurídica, educacional e social. Além desses fatores busca a lei preparar o recuperando para o trabalho, sendo que este terá uma finalidade educativa, objetivado fazer com o egresso do sistema penitenciário, aprenda um ofício e dessa forma possa viver de forma digna.
No entanto, o grande número de reincidentes, entre aqueles que cometem crimes e a notória precariedade dos estabelecimentos penitenciários brasileiros, com ambientes superlotados, insalubres e promíscuos minimizam o processo de humanização da pena expresso no texto constitucional bem como em outras legislações. Essa dura realidade tem contribuído de forma direta para a ressocialização, daqueles que comprem penas privativas de liberdade, não se concretize de maneira efetiva, na diminuição da criminalidade.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática de crimes existe, desde os primórdios da humanidade, sendo um grande desafio para todas as civilizações reprimi-los, bem como fazer com que tais crimes sejam evitados e ainda não ocorra à reincidência por quem incorre em ações criminosas.
Para isso os estados se utilizaram e ainda hoje se utilizam da aplicação de penas. Inicialmente por meio da vingança e utilização de meios cruéis, que recaiam sobre o próprio corpo do infrator.
A aplicação das, por muito tempo foi aplicada com a retirada da vida do condenado, sendo muito comuns as penas de morte executadas em locais públicos. Tais medidas visavam apenas retribuir aos criminosos o mal que haviam causado, com o cometimento de seus crimes, tinham ainda como objetivo servir de exemplo para que outros membros da sociedade não infringissem as normas e assim não sofrer tais consequências.
Passada essa fase as sanções passam a recair sobre outro bem precioso do homem a sua liberdade, sendo as primeiras prisões ambientes hostis, e inicialmente apresentavam um caráter perpetuo, sem perspectivas de volta ao convívio social.
Até o presente momento, não existia preocupação alguma com a pessoa do condenado, sendo as penas aplicadas com absoluta afronta a dignidade da pessoa humana. No entanto, essa concepção perversa vai aos poucos sendo superada e as sanções aplicadas, passam a ter uma preocupação com a vida do condenado e a pena foi aos poucos ganhando um novo caráter, voltado para a valorização da vida bem como com a recuperação e dignidade humana dos infratores.
Destaque-se que para tal mudança houve, uma forte influência da revolução francesa, que passou a pregar dentre outros princípios o da fraternidade para com o outro. Dessa forma a pena vai perdendo seu caráter retributivo, para buscar não somente a punição, mas também uma tentativa de ressocialização do infrator, para que este após o cumprimento de sua pena possa aprender a conviver de maneira pacifica em sociedade.
Dessa forma os estados democráticos, rumaram a um processo de humanização na aplicação de suas penas, proibindo a aplicação de penas cruéis e degradantes. Passando a buscar a pacificação social através da valorização do homem, ficando ultrapassada a ideia de punir por punir.
Assim a reprimenda estatal busca promover nos condenados a sua reeducação para a vida, após o período de segregação social imposta pela pena de reclusão de liberdade estando claro, pois que o Estado visa atingir a sua ressocialização e o não cometimento de novos crimes.
Contudo, temos hoje um sistema penitenciário deficitário e marcado pela superlotação, promiscuidade e violência física, apresentando dessa forma sérios obstáculos à promoção da ressocialização, o que dificulta sobremaneira o processo de reeducação dos apenados.
Isto posto podemos concluir que o processo de humanização da pena, foi capaz de garantir que os Estados deixassem de se comportar como tiranos. Porém a tão almejada ressocialização dos egressos do sistema penitenciário ainda é uma realidade distante para o homem, visto que além das dificuldades aqui elencadas, existe na sociedade um forte preconceito com os ex-detentos, havendo uma verdadeira barreira na busca de oportunidades para que este possa se reinserir no meio social.
{C}[1]{C} Discente do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi. E-mail: [email protected].
{C}[2]{C} Docente do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi. E-mail: [email protected]. URL do currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6058746014571455.
Data da entrega dos originais: ____/_____/_____