- PRINCÍPIOS E ASPECTOS DA DELAÇÃO PREMIADA
- Adequação à Ética Vigente
O volume maior de discussão entre os juristas brasileiros está no campo de ética da aplicação do instituto, pois a maioria da doutrina tem visto a delação como prática antiética que se encontra fora dos padrões de moralidade da sociedade, e que desta forma levariam a ordem jurídica do país a se corromper.
O principal argumento dos defensores deste entendimento é a aplicação da delação premiada difundir uma conduta que vai contra os valores e a cultura da sociedade, pois estaria premiando um “traidor”. E ao passo que a Lei prevê a concessão da delação premiada, por outro lado, o delator com tal prática antiética, perde a confiança e a fé.
Mas também como já exposto, há aqueles que divergem deste pensamento, pois a aplicação do instituto permite que se chegue bem próximo a verdade real, possibilitando uma persecução penal mais incisiva no combate ao crime organizado. David Teixeira de Azevedo (2013, p. 448) diz que:
O agente que se dispõe a colaborar com as investigações assume uma diferenciada postura ética de marcado respeito aos valores sociais imperantes, pondo-se debaixo da constelação axiológica que ilumina o ordenamento jurídico e o meio social.
Debatendo a ética, Marilena Chauí (2013, p. 305) diz:
Quantas vezes, levados por algum impulso, incontrolável ou alguma emoção forte (medo, orgulho, ambição, vaidade, covardia), fazemos alguma coisa de que depois, sentimos vergonha, remorso, culpa. Gostaríamos de voltar ao tempo e agir de modo diferente. Esses sentimentos exprimem nosso senso moral, isto é, a avaliação de nosso comportamento segundo ideias como as de certo e errado.
Que não existe ética no campo do crime organizado, está mais do que evidenciado, mas é incorreto afirmar que um criminoso arrependido, que esteja disposto a colaborar com a justiça, está agindo na contramão da ética, pois assim seria se não fornecesse tais informações. AKAOWI (2012, p. 430), é claro ao determinar:
Talvez não devamos entrar no mérito acerca dos motivos que estão levando essas pessoas a delatarem. Não devamos tentar entende se realmente estão arrependidas, ou se estão apenas tentando obter com isso benefícios, mas sim, verificarmos o bem que tais denuncias podem trazer para a sociedade. E trazem.
Desta forma, o instituto do direito premial visa reinserir o criminoso no âmbito social, para partilhar dos valores instituídos pelo Estado Democrático de Direito.
2. Princípio da Individualização da Pena
Segundo a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXVI, prevê a individualização da pena, sendo parte fundamental para ao seu alcance a atividade tanto do legislados como do magistrado.
Quanto ao delito cometido, o artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal prevê:
- a lei regulará à individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos.
O professor José Antônio Paganella Boschi (2011, p. 59), diz que:
“Ao legislador incumbe definir o crime, indicar as espécies de penas e apontar os limites; ao juiz, eleger a pena dentre as possíveis, mensurá-la dentro dos limites, e, por último, presidir o processo executório da pena que vier a ser concretizada”.
Delimita-se a pena quantitativa e qualitativamente para que se chegue a sua individualização, valendo-se de circunstâncias em que o fato foi cometido, analisando circunstâncias pessoais do agente, comparando os critérios legais e devendo fundamentar sua decisão.
Para Rogério Greco, caberá ao judiciário à aplicação da pena de acordo com o crime cometido, e que interpretando o texto constitucional, pode-se concluir que o primeiro momento da chamada individualização da pena ocorre com a seleção feita pelo legislador, quando escolhe para fazer parte do pequeno âmbito de abrangência do Direito Penal, aquelas condutas positivas ou negativas, que atacam nossos bens mais importantes. Destarte, uma vez feita à seleção, o legislador valora as condutas, cominando-lhes penas que variam de acordo com a importância do bem a ser tutelado. (2011, p. 71).
Sendo assim é aceitável que duas pessoas que cometeram o mesmo crime serem condenadas a penas diferentes. Portanto, pelo instituto da delação premiada, isto é cabível, tendo em vista a diminuição da pena pelas informações prestadas pelo réu colaborador ou até o perdão judicial, com a completa extinção da punibilidade.
Observa-se então, que a delação premiada não está em desacordo com o princípio da indivisibilidade da ação penal, conforme inscrita no art. 48 do Código de Processo Penal, que nos remete a ação penal privada. A adoção do princípio da divisibilidade para a ação penal pública é a posição amplamente majoritária na jurisprudência, permitindo-se ao Ministério Público excluir algum dos coautores ou partícipes da denúncia, desde que mediante prévia justificação.
3. Contraditório e Ampla Defesa
Ambos os princípios estão interligados no processo legal. Um exemplo ocorre quando o indivíduo acusado é processado e tem o direito de informar-se e se defender das acusações feitas contra ele nos procedimentos processuais contrariando as acusações; porém ressalte-se que não se aplicam estes princípios na fase do inquérito policial.
Como esclarece Guilherme de Souza Nucci (2015, p. 38): “[...] o contraditório prevê a bilateralidade dos atos processuais, que significa ter o réu sempre o direito de se manifestar quanto ao que for dito e provado pelo autor, produzindo contraprova”.
O novo CPC apresenta um respeito até mesmo excessivo ao contraditório como se pode observar nos arts. 9.º, caput (“não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”), e 10 (“o juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de oficio”) (NUCCI, 2015, p. 38).
Esses princípios estão expressos na Constituição Federal de 1988 no seu artigo 5º, inciso LV complementado também pelo principio do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV), que abrange o contraditório e a ampla defesa. A nossa Constituição estabelece também o princípio da presunção de inocência no inciso LVII do mesmo artigo 5º:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (BRASIL, 2015, p. 6)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
A sua importância cada vez mais é consagrada pela Constituição Federal, como demonstra a nova redação do art. 93, II, d (Emenda Constitucional 45/2004), cuidando da rejeição de juiz para promoção no critério da antiguidade: “na apuração da antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação”.
A ampla defesa gera inúmeros direitos exclusivos de réu, como é o caso de ajuizamento de revisão criminal, instrumento vedado à acusação, bem como a oportunidade de ser verificada a eficiência da defesa pelo magistrado, que pode desconstituir o advogado escolhido pelo réu, fazendo-o eleger outro ou nomeando-lhe um dativo, entre outros. (NUCCI, 2015, p. 36).
Dessa maneira assegura-se, primeiramente, o uso do direito de se defender perante a ação penal, oportunizado pelo princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade até que seja comprovada a culpa em sentença penal condenatória.
Além dos princípios, são considerados instrumentos essenciais para o acesso e obtenção de justiça o direito de defesa em si, resguarda a liberdade e evita seu cerceamento.
Ressalte-se ainda a importância de que o depoimento seja feito de acordo com as exigências estabelecidas pelos princípios constitucionais do ordenamento jurídico brasileiro, para que a delação premiada seja considerada um meio de prova lícito, pois caso fira algum dos princípios torna-se nula. Para ser validada a confissão deverá ser repetida na instrução. Dessa forma toma-se conhecimento do teor da delação oferecendo-se oportunidade ao contraditório e ampla defesa.
A discussão sobre a inconstitucionalidade da delação premiada no que tange a este principio, reside pelo fato que impede o juiz que conheça o caso, diante que o Ministério Público anteriormente faria um acordo com o delator, porém não é obrigado a conceder o prêmio. Contudo prevalece a constitucionalidade, pois ao final das contas é o magistrado que fará a avaliação da fidelidade às exigências legais e da eficácia da delação.
Segundo Moraes (2016, p.112):
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).
Como demonstrou Moraes, ao final, o magistrado dará sua decisão, verificando se houve cumprimento regular dos princípios, principalmente do devido processo legal nos procedimentos processuais para que seja assegurado o direito de plena defesa, por exemplo, o direito de ter representação de um advogado. Tal princípio de alguma forma disponibiliza a igualdade perante aos procedimentos processuais com a finalidade de um processo justo e como tentativa de preservar o Estado Democrático de Direito.