Sabemos que o Brasil tem uma carga tributária pesada para sociedade por causa dos poucos repasses, porém esse não é o tema em discussão no momento. O que vem a tona é: Ao fazer uma compra no exterior, geralmente por e-commerces, se deparamos com uma especie de "loteria", em outras palavras, quem costuma realizar compras no exterior, geralmente tem uma tributação em um produto pequeno e uma não tributação em um produto grande, ou vice-versa. O que quero trazer não é um questionamento a política de tributação da Receita Federal, mas sim o que a lei traz sobre isso. Diante do fato, qual na real deve ser seguido? Uma tributação total ou tributação branda?
É fato que no Artigo 3º do Código Tributário Nacional traz o conceito de tributo, sendo essa definida como "Toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.", em outras palavas o tributo é uma prestação em dinheiro, cobrada de forma obrigatória e que não pode ser objeto de confisco ou penalidade, onde apenas o Estado (em modo geral) poderá cobrar. Sendo assim, não temos apenas o imposto, que é uma espécie tributária, mas também partindo da teoria da pentapartição instituída na Constituição Federal, nos Arts. 145, 148 e 149, onde compreende como: Impostos, Taxas, Contribuição de melhoria, Empréstimos compulsórios e Contribuição social. Portanto, ao adquirir um produto do exterior, poderá ali incidir Impostos e Taxas, as quais ambas fazem parte do conceito de tributo.
Em uma simples Importação, incidirá Impostos como: IOF, II e ICMS, os dois primeiros sendo impostos Federais e o ultimo Estadual, ficando a cargo de cada estado cobrar, na prática, é emitido uma guia na própria agência dos correios, onde por uma Lei Federal, deverá discriminar todos os tributos pagos no momento. Essa lei é a famosa Lei 12.741/12, que nasceu para aplicar o que preconiza o Art. 150, § 5º da Constituição Federal, onde deve cada um ser esclarecido do que paga, contribuindo assim com a aplicação do princípio da transparência da administração.
Tratando em princípios, é de conhecimento que o Direito Tributário é um ramo do Direito extremamente legalista, pois, trata do segundo bem maior que o homem tem, sendo o primeiro a vida e o segundo o patrimônio. De forma geral, esse princípio não é estrito do Direito Tributário, vemos sua aparição no Art. 5, II da CF/88, onde "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei". Essa preponderância embarcada pelo Direito tributário de um princípio constitucional, deve-se pelo fato que caso um Imposto não fosse trazido por uma lei, ele não seria compulsório, não teria força e muito menos a população teria a obrigação de pagar. Sendo assim, a própria Constituição no Art. 150, I traz um princípio próprio Tributário, onde também é recepcionado no Art. 9º, I do CTN, esse é chamado de Princípio da Legalidade. Para Paulo de Barros Carvalho, no Curso de Direito Tributário, Pg. 180 diz:
"Qualquer das pessoas políticas de direito constitucional interno somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante a expedição de lei."
Ao qual, a Constituição delegou no Art. 146 que uma Lei Complementar faça o papel de regular toda Ciência Tributária do nosso País, esta, foi atribuída a Lei 5.172/66, ou seja, Código Tributário Nacional, que foi recepcionada como essa Lei.
Sendo assim, no Art. 96 do CTN, traz o que se tem por Legislação Tributária, que compreende as Leis, Tratados e Convenções Internacionais, Decretos e as Normas Gerais de Direito tributário. Essas Leis, podem ser compreendidas como Leis Complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Medidas Provisórias, Decretos Legislativos e Resoluções. Embora que as Leis Delegadas, no Direito Tributário seja pouco provável haver, pois por sua burocracia ao ser delegada pelo Congresso Nacional (Art. 68, CF), esta não é tão viável como a Medida Provisória por exemplo. Para isso, no Art. 97 do CTN, traz o que somente a lei poderá estabelecer. Sendo assim, seguindo a hierarquia da pirâmide de Hans Kelsen, uma portaria não seria superior a uma Lei, ou seja, não basta que apenas a portaria diga o que se deve ou o que se não deve fazer, mas sim que haja uma lei sobre a portaria que a regulamente, e em caso de conflito de competência, a Lei deve prevalecer.
Portanto, para que um Imposto venha ser cobrado ou deixar de ser cobrado DEVE haver uma lei, não pode o ente criar um tributo, dá uma isenção ou praticar majoração indireta de tributo mediante apenas de um mero ato administrativo ou portaria. Seguindo assim, a lei deve ser interpretada, e para isso o próprio CTN traz a regra de interpretação nos Art. 107 ao Art. 112.
Voltado ao Art. 97 do CTN, no seu inciso IV diz:
"Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades."
Ou seja, somente a Lei, conforme já vimos, deve trazer o que excluí, suspende ou extingue o crédito tributário, porém ocorre que a isenção é uma das hipóteses de Exclusão (Art. 156 CTN) que é quando o próprio Ente Federativo (União, Estados, DF ou Municípios) diz que não quer receber ou que não precisa pagar. Em um conceito mais Doutrinário, o Professor Rafael Novais, no Descomplicando Direito Tributário, Pg. 429 diz:
"Exclusão do Crédito Tributário equivale ao impedimento de seu surgimento. Em termos mais simples, a exclusão do crédito tributário evitará a existência do lançamento e, portanto, será identificado em momento posterior ao fato gerador e anterior ao lançamento tributário.".
A isenção uma vez dada ao contribuinte, se há uma exclusão do dever de recolhimento, ao qual ainda existe obrigação tributária em na Hipótese de Incidência que no momento que pratico um Fato Gerador que é comprar no exterior, o instituto da isenção impede que haja um lançamento tributário, sendo assim excluída o pagamento.
Ocorre que para isso, ou seja, aplicação de isenção, a lei deve ser interpretada de forma literal, conforme Art. 111, não devendo surgir uma portaria interpretando ou havendo uma interpretação extensiva sobre o caso. Portanto, se há uma lei sobre a matéria, ela deve ser usada de forma "letra fria da lei". Ao caso do artigo, existe uma lei sendo essa o Decreto-Lei nº 1.804, de 3 de setembro de 1980, instituído por João Batista Figueiredo que regulamenta a tributação simplificada das remessas postais internacionais, no qual o Art. 2º, II diz:
"Art. 2º O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá: II - dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas."
Ou seja, a lei institui que até USD$ 100,00 seja isento, e isto é até entendimento também da maioria dos Tribunais Federais do país.
Porém, para evitar fraudes de como: Fracionamento de mercadorias ou remessas, a Receita Federal trouxe a Portaria MF nº 156, de 24 de junho de 1999, que no seu § 2º do art. 1º traz uma regra para a isenção. Sendo remessas de até USD$ 50,00 e que seja de pessoa física para pessoa física. Ou seja, há uma edição de uma portaria que vai de contra uma lei. Portanto, a aplicabilidade da portaria não deveria ter eficácia, pois vai de contra a teoria já explicada anteriormente. Neste caso, a isenção deveria ser feita nos moldes do Decreto-Lei 1.804/80 e ser assim interpretado de forma literal, ou seja: Até USD$ 100,00 e destinatários pessoas físicas, deve haver a isenção.
Ao mais, para que a Receita Federal venha aplicar o que atualmente vem aplicando sem ferir o princípio da Legalidade e nem uma hierarquia de normas, deve-se de forma liminar reformar a lei que institui a isenção e impor a regra que ela vem aplicando, não bastando apenas e por si só uma portaria, ao qual, deveria ser usada apenas como ferramente interpretativa.