A Carta Magna, no seu art. 37, XVI, elenca a seguinte regra geral “é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI”.
Portanto, a Constituição Federal veda, em regra, a acumulação remunerada de cargos, empregos ou funções públicas. Todavia, alguns casos expressamente consignados são admitidos. Para as hipóteses em que a acumulação é admitida, a única exigência constitucional é a compatibilidade de horários.
O inciso XVII do mesmo artigo, dispõe que essa exceção constitucional se estende a empregos e funções, englobando a Administração Pública Indireta, a saber: autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta e indiretamente, pelo poder público.
As hipóteses de acumulação estão presentes na própria Constituição Federal, o qual se admite apenas a existência de dois cargos a serem acumulados, não sendo possível a acumulação tríplice[1]. São estas: a) 02 (dois) cargos de professor; b) 01 (um) cargo de professor com outro, técnico ou científico; c) 02 (dois) cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; d) Cargo, emprego ou função pública com mandato de Vereador; e) Cargo da Magistratura e uma função de magistério; f) Cargo de Promotor ou Procurador de Justiça e uma função pública de magistério.
O Supremo Tribunal Federal entendeu, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 602.584/DF e nº 612.975/MT, que versam sobre a incidência do teto remuneratório aplicado as hipóteses de acumulação, a seguinte tese de repercussão geral:
Nos casos autorizados, constitucionalmente, de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público.
Veja-se, desde já, que não existe qualquer relação com a limitação de carga horária semanal. Não se exige máximo de horas, nem tipos de regime, mas tão somente compatibilidade.
2 COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS
Conforme informado, para que ocorra a acumulação de cargos é necessário a demonstração da compatibilidade de horários de ambos os cargos, de maneira que seja natural, normal e nunca de maneira a favorecer os interesses de quem quer acumular.
Na mesma linha, Cretella Júnior[2] assim leciona:
Compatibilidade de horários é, ao contrário do que parece, o desencontro de horários, a inajustabilidade de horários, a descoincidência ou não de horários, ocorrida quando houver possibilidade do exercício de dois cargos, em horários diversos, sem prejuízo do número regulamentar das horas de trabalho dedicadas a cada emprego.
A previsão da compatibilidade como requisito vai de encontro com o princípio da eficiência, tendo em vista que sua inobservância comprometerá o exercício da função pública, ou seja, as exigências legais de desempenho do cargo ou emprego acumulados poderão ser ineficientes[3].
Nessa linha, a compreensão poderia se entender a eficiência do serviço prestado, de modo que a acumulação deveria respeitar tanto o expediente funcional, o início e o término do expediente, de modo que não houvesse sobreposição de horários, assim como o intervalo de repouso, garantindo a preservação da higidez física de mental do servidor.
Conjecturando a omissa definição legal em conceituar a compatibilidade de horários, e ao mesmo tempo verificando a necessidade de atendimento ao princípio da eficiência, foi o momento em que passaram a adotar o critério objetivo do requisito de compatibilidade, inaugurando a limitação de horários.
2.1 Efeitos da acumulação ilícita
Como sabido, a acumulação de cargos é medida excepcional prevista na Constituição Federal, de modo que deve ser analisado as hipóteses permissivas e a respectiva compatibilidade de horários. Ocorre que, a Administração Pública, no ato de admissão daquele em que desempenha ou desempenhará dois cargos públicos, deverá ser precedida por uma verificação administrativa para concretização do instituto da acumulação.
Essa verificação é iniciada por intermédio de um processo administrativo, sendo este capaz de reunir todos os atos praticados pela Administração bem como pelo servidor, garantindo-lhe a oportunidade de se manifestar perante a autoridade administrativa, a produção de provas ou o requerimento de provas.
A Administração Pública deve atuar de forma transparente, por meio de um processo administrativo que garanta aos administrados e aos cidadãos a devida prestação de seus atos, munidos pelos princípios da legalidade e impessoalidade, de forma a não gerar angústia e opressão àquele que está vinculado direta ou indiretamente com o Estado.
Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
Na Lei nº 9.784/99, os princípios da ampla defesa e do contraditório estão mencionados no artigo 2º, entre os princípios a que se sujeita a Administração Pública.
O princípio da ampla defesa é aplicável em qualquer tipo de processo que envolva situações de litígio ou o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas. É o que decorre do artigo 5º, LV, da Constituição e está também expresso no artigo 2º, parágrafo único, inciso X, da Lei nº 9.784/99, que impõe, nos processos administrativos, sejam assegurados os “direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio[4].
É pacífica a orientação jurisprudencial quanto à ampla defesa e o contraditório no âmbito dos processos administrativos disciplinares, tendo em vista que não se trata de um procedimento inquisitivo, devendo-se, portanto, respeitar as disposições constitucionais de defesa e do processo legal.
Porém, tal possibilidade de defesa não é vista da mesma forma como nos processos judiciais, nos processos administrativos disciplinares não existe a obrigatoriedade da defesa técnica por intermédio de advogado, sendo claro o Supremo Tribunal Federal ao afirmar que a falta do advogado nos casos de competência dos processos administrativos disciplinares não viola a Constituição Federal. Conforme a Súmula Vinculante nº 5 do STF: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição’.
No campo da legislação infraconstitucional, o procedimento disciplinar adotado para verificação da acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções, é regulamentado pelo art. 133 da Lei nº 8.112/90. Com efeito, quando for detectada a acumulação ilícita de cargos deve a autoridade instauradora notificar o servidor envolvido por meio de sua chefia imediata, oferecendo ao servidor um prazo de dez dias, para que este venha escolher um dos cargos para permanecer vinculado. Consequentemente, do cargo preterido será exonerado o servidor.
A instauração do Processo Administrativo Disciplinar não é de ofício, primeiro é feita uma notificação ao servidor, de modo que ele se manifeste e escolha qual cargo permanecerá e qual cargo ensejará exoneração. Conforme dispõe o Manual de Processo Administrativo da CGU:
Nesse período, poderá o servidor acusado optar por um dos cargos acumulados, prevalecendo o princípio da boa-fé, o que afastará a aplicação de penalidade, resultando apenas na exoneração a pedido do cargo. É o segundo e último momento em que o servidor pode escolher um dos cargos, onde se configura, ainda, a presunção de boa-fé (BRASIL, 2015)[5].
Havendo omissão do servidor, ou defesa contrária a notificação da Administração, então será iniciado o PAD, seguindo o procedimento sumário, com as fases de instauração, instrução sumária e julgamento.
Nos termos do Decreto nº 99.210, de 16/04/90, compete à União a apuração de casos de acumulação de cargos e empregos federais com outros de Estados, do Distrito Federal ou de Municípios. Na hipótese de acumulação de cargos federais, a competência é do órgão que realizou o último provimento. Nesse sentido:
Art. 1º O art. 2º do Decreto nº 99.177, de 15 de março de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º A responsabilidade pela apuração de casos de acumulação de cargos e empregos federais e a desses com outros de Estados, do Distrito Federal ou de Municípios, caberá aos órgãos de pessoal das entidades federais, preferencialmente aqueles que realizaram o último provimento.
Parágrafo único. À Secretaria da Administração Federal competirá a coordenação, a orientação, a supervisão e o controle da apuração da acumulação a que se refere este artigo, podendo estabelecer prazos e condições julgados necessários para sua execução.
Desta feita, o texto legal afirma literalmente que a licitude da acumulação, ou seja, aquela constitucionalmente permitida ficará condicionada à comprovação da compatibilidade de horários. Tendo clareza da ilegalidade da acumulação, a Administração fará por meio de um Processo Administrativo a análise do caso concreto, respeitando os princípios do contraditório e ampla defesa, a apuração da eventual ilegalidade.
3 PARECER GQ- 145/98 DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU)
A Advocacia-Geral da União (AGU), órgão representante do Poder Executivo, é uma instituição pública que objetiva a representação da União no campo judicial e extrajudicial, cabendo-lhe, também, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico a este Poder.
Diante das pouquíssimas explanações envolvendo a matéria de acumulação de cargos, além de sua incapacidade jurídica e doutrinária de solidificar o conceito da “compatibilidade de horários”, abriu-se espaço, diante dessa lacuna, para normatização objetiva desse instituto.
Nesse contexto, foi então exarado o Parecer GQ-145 da AGU, o qual previa a análise da acumulação de cargos sob o critério objetivo, de modo a facilitar ao Administrador a aplicação da norma constitucional.
Os pareceres editados pela Advocacia-Geral da União, com a respectiva sanção presidencial, têm efeito vinculante quanto à sua aplicabilidade para os órgãos da Administração Pública Federal, conforme dispõe: “O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento” (BRASIL, 1993).
3.1 Limitação da carga horária fixada e aplicação
Este Parecer tratou do instituto da acumulabilidade, por meio da limitação de horas da jornada de trabalho, de forma a limitar um quantitativo máximo de carga horária a ser acumulada. Ainda, se preocupou com a preservação da higidez física e mental do servidor, levando em conta que uma excessiva jornada de trabalho pudesse influenciar de forma prejudicial à saúde do servidor. É o que dispõe no Item 15 do citado Parecer, vejamos:
De maneira consentânea com o interesse público e do próprio servidor, a compatibilidade horária deve ser considerada como condição limitativa do direito subjetivo constitucional de acumular e irrestrita sua noção exclusivamente à possibilidade do desempenho de dois cargos ou empregos com observância dos respectivos horários, no tocante unicamente ao início e término dos expedientes do pessoal em regime de acumulação, de modo a não se abstraírem dos intervalos de repouso, fundamentais ao regular exercício das atribuições e do desenvolvimento e à preservação da higidez física e mental do servidor. É opinião de Cretella Júnior que essa compatibilidade "deve ser natural, normal e nunca de maneira a favorecer os interesses de quem quer acumular, em prejuízo do bom funcionamento do serviço público (BRASIL, 1998).
A própria ementa do referido parecer trouxe o entendimento de que é ilícito a possibilidade de acumulação de cargos em que os servidores perfaçam um total de oitenta horas semanais, justificando que nessa situação, não estaria sendo atendido o requisito da compatibilidade de horários.
Sendo essa uma concepção mais subjetiva, traduz a ideia de preservação da higidez física e mental do servidor, tendo em vista que a excessiva carga horária possa influenciar nas atividades laborais do agente público, podendo até mesmo, transmitir em ociosidade, em imprudência, e erros.
Em muitos julgados há essa conclusão, de que o servidor que acumula uma excessiva carga horária diária, sem o devido descanso proporcional, gera riscos tanto a sua saúde como as daqueles a quem presta suas funções,
(...) Com efeito, as citadas disposições constitucionais e legais devem ser interpretadas levando-se em conta a proteção do trabalhador, bem como a do Paciente. Não se deve perder de vista que a realização de plantões sucessivos e intensos coloca em risco a segurança do trabalho, bem como a saúde dos profissionais e dos pacientes por eles atendidos. Trata-se, portanto, de direito fundamnetal que, como sabido, não pode ser objeto de livre disposição por seu titular. Assim, a análise da compatibilidade de horário não deve ser apreciada como a simples ausência de choque de horários de exercício efetivo do trabalho, mas deve-se ter o cuidado de garantir ao trabalhador o tempo para refeição, deslocamento e descanso necessários e suficientes para a sua adequada recuperação, a fim de não comprometer a qualidade do serviço por ele prestado, especialmente considerando tratar-se de profissional da área de saúde, que executa tarefa notoriamente exaustiva”.[6]
A previsão da impossibilidade de acumulação caso seja observada a jornada superior a 60 (sessenta) horas semanais, é com base no entendimento expansivo do Parecer GQ-145/98 da AGU. Em momento algum invoca que não é possível a acumulação acima de sessenta horas, a impossibilidade que se refere é sobre a jornada que perfaça um total de oitenta horas semanais.
Nesta senda, o item 24 do Parecer reflete o que foi demonstrado:
Tem-se como ilícita a acumulação de cargos ou empregos em razão da qual o servidor ficaria submetido a dois regimes de quarenta horas semanais, considerados isoladamente, pois não há possibilidade fática de harmonização dos horários, de maneira a permitir condições normais de trabalho e de vida do servidor.
Porém, em consulta realizada pela Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Pará em 2014, para conhecimento e providências quanto a limitação de horas semanais, o Departamento de Consultoria da AGU emitiu o Parecer nº 03/2014/DEPCONSU/PGF/AGU, reafirmando entendimento de que não é possível o acumulo de cargos com jornada acima de sessenta horas. Vejamos:
Assim, em resposta consulta formulada, conclui-se que, independentemente de considerações de ordem fática quanto compatibilidade de horários ausência de prejuízos às atividades dos cargos/empregos acumulados, posicionamento vinculante para Administração Pública Federal como um todo no sentido de não ser possível acumulação que ultrapasse limite de 60 horas semanais.
Por fim, com a respectiva orientação da AGU consoante com as decisões dos principais tribunais do país em confirmar a impossibilidade de acumulação quando a carga horária perfaça uma quantidade superior a sessenta horas, muitos órgãos da Administração Pública aplicavam essa visão objetiva nas contratações de servidores, em muitos casos, inclusive, constando nos próprios editais de concurso público essa vedação.
3. 2 Alteração de entendimento da AGU
Em 2017, por meio da Orientação Normativa CNU/CGU/AGU nº 005/2017, de 29 de março de 2017, a AGU reformou seu entendimento e afirmou que:
A Compatibilidade de horários a que se refere o art. 37, inciso XVI, da Constituição de 1988 deve ser analisada caso a caso pela Administração Pública, sendo admissível, em caráter excepcional, a acumulação de cargos ou empregos públicos que resulte em carga horária superior a 60 (sessenta) horas semanais quando devidamente comprovada e atestada pelos órgãos e entidades públicos envolvidos, através de decisão fundamentada da autoridade competente, além da inexistência de sobreposição de horários, a ausência de prejuízo à carga horária e às atividades exercidas em cada um dos cargos ou empregos públicos.
Percebe-se que com esse novo entendimento a limitação de horas deixa de ser objetiva, impondo a Administração o dever de demonstrar a inexistência de sobreposição de horários, a inexistência de prejuízo a carga horária e as atividades exercidas.
Com esse novo paradigma, em 2019, o Parecer GQ-145 – AGU foi revogado pela atual gestão, de modo que prevaleceu o entendimento de que é inválida a regulamentação administrativa que impõe limitação de carga horária semanal como óbice a acumulação de cargos.
4 NOVA INTERPRETAÇÃO E PRESERVAÇÃO DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS ATÉ ENTÃO PROLATADAS
A segurança jurídica, um dos princípios basilares do ordenamento jurídico pátrio, reforça a ideia da possibilidade de alteração da norma-regra, além de, nova interpretação da norma-princípio sobre algumas matérias, de modo que, em decorrência da evolução social ou alteração legislativa é possível que uma norma seja interpretada diferente.
Porém, a possibilidade da alteração da norma-regra/norma-princípio pode gerar alguns efeitos, sendo eles retroativos ou não. A segurança jurídica tem importante papel no momento da aplicação dos efeitos, de forma que sua nova interpretação pode afetar situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior.
Como bem leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
O princípio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a consequente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera insegurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será passível de contestação pela própria Administração Pública. Daí a regra que veda a aplicação retroativa[7].
A vedação a retroatividade dos atos é regra, porém, quando a Administração evidenciar a inobservância da lei em atos praticados, a Administração tem o poder/dever de anular esses atos, sendo seus efeitos capazes de retroagirem até o ato ilegal.
A mera nova interpretação não é motivo suficiente para retroagir seus efeitos. Evidente que o Direito se adequa ao momento em que se perpetua, de forma que é possível uma interpretação da lei mudar pelo simples transcurso do tempo, demonstrada a necessidade da mudança.
Até então, diante das divergências de entendimento sobre a matéria, é possível notar uma evidente desarmonia de decisões dos principais tribunais do país. Fica claro, que em alguns casos a jurisprudência decide pela aplicação da limitação de horas em virtude do princípio da eficiência, e em outros momentos afasta qualquer limitação e implica no dever de apuração da Administração em demonstrar a inexistência de sobreposição de horas e ausência de prejuízos as atividades desempenhadas.
Pelas divergências de decisões que até então pairavam nos principais Tribunais do país e nos órgãos da Administração Pública, com a revogação do Parecer GQ-145-AGU foi orientado que a Administração Pública Federal adotasse a nova interpretação exclusivamente nas decisões administrativas a serem proferidas, inclusive em grau de recurso administrativo, vedada a concessão de quaisquer efeitos financeiros retroativos sem a devida contraprestação pelo servidor. Devendo-se manter inalteradas, portanto, as situações jurídicas consolidadas sob a égide da interpretação anterior, estejam ou não as decisões respectivas submetidas à reapreciação judicial. (BRASIL, 2017).
4.1 Entendimento dos Tribunais
4.1.1 Tribunal de Contas da União
No ano de 2004, o Tribunal de Conta da União, no Acórdão nº 2.860/2004 - 1ª Câmara, em julgamento sobre a possibilidade de acumulação de dois cargos públicos cuja carga horária de cada uma perfazia 40 horas, entendeu pela ilegalidade. No mesmo julgado, entendeu pela receptividade do Parecer GQ-145 da AGU, de modo que a admissão do servidor nas hipóteses de acumulação não ultrapassasse as 60 (sessenta) horas semanais.
O entendimento de que a jornada máxima de sessenta horas para acumulação se consolidou nos julgamentos posteriores, apesar de o texto constitucional, para efeito da verificação da compatibilidade de horários, não aludir expressamente à duração máxima da jornada de trabalho, as condições objetivas para a acumulação de cargos devem ser aferidas sob uma ótica restritiva, uma vez que a hipótese de acumulação constitui exceção à regra geral da não-acumulação. (TCU, Acórdão 2.242, 2007).
No Acórdão nº 5.257/2009 – 2º Câmara, o TCU mudou seu entendimento sobre a matéria, substituindo o critério da jornada máxima de 60 horas por uma análise casuística da compatibilidade de horários. Nesta oportunidade, o Tribunal entendeu pela necessidade de solucionar o caso concreto com base em suas circunstâncias particulares, assim como, ao dizer que a acumulação lícita de cargos não está sujeita a jornada máxima, haja vista a inexistência de disposição legal a respeito.
A partir do Acórdão nº 5.257/2009, a Corte de Contas nos julgamentos posteriores passou a adotar o enfatizar a necessidade de efetiva verificação da ausência de prejuízo nas atividades desempenhadas, afastando por vez a limitação em 60 (sessenta) horas, conforme se verifica nos seguintes acórdãos recentes da Corte: Acórdãos nº 3.127/2015 e nº 1.412/2016, todos do Plenário do TCU.
4.1.2 Superior Tribunal de Justiça
No Mandado de Segurança nº 15.415 – 1º Seção, o STJ adotou o entendimento de que cumpre à Administração Pública comprovar a existência de incompatibilidade de horários em cada caso específico, não bastando tão somente cotejar o somatório de horas, com o padrão derivado de um parecer ou, mesmo de um Decreto.
Esse entendimento se baseou em precedentes dos Tribunais Regionais Federais, tendo em vista que até aquele momento inexistia jurisprudência firmada no STJ. Dentre os julgados da Justiça Federal apontados no voto do relator Ministro Humberto Martins, incidem que por não existir previsão constitucional ou em Lei Federal sobre a jornada máxima acumulada, a condição do Parecer não poderia ser manejada como se firmasse um parâmetro legal, devendo a identificação da compatibilidade de horários requerer uma análise fática, não bastando tão somente a verificação da carga horária semanal.
Tal entendimento predominava nas decisões do Tribunal até então, porém, em 2015, o Superior Tribunal de Justiça reviu seu posicionamento, atendendo ao Parecer GQ145 e decidindo favoravelmente pela ilicitude da acumulação de cargos ou empregos públicos com carga horária semanal superior a 60 (sessenta) horas semanais. Conforme preconiza a decisão do MS nº 19.336.
Esse novo entendimento paradigma do STJ reforçou a ideia de que a possibilidade de acumulação deve ser tida como exceção, e em consequência, receber interpretação restritiva. Alega ainda, que ao ser aplicada a exceção constitucional da acumulação de cargos e empregos públicos deve ser analisado o critério do princípio da eficiência, observando a necessidade de o servidor público “estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho” (BRASIL. STJ, MS 19.336, 2014).
Ainda, sustentou para fundamentação da decisão, a jurisprudência até então adotada pelo Tribunal de Contas da União, no qual via razoabilidade da jornada máxima em 60 (sessenta) horas em respeito ao princípio da eficiência.
Esse entendimento perdurou em muitas outras decisões do Tribunal, porém, novamente em mudança de entendimento, dessa vez buscando o alinhamento com as decisões da Corte de Contas e do Supremo Tribunal Federal, passou a afastar de vez a limitação da jornada de trabalho, devendo apenas ser analisado em cada caso a compatibilidade de horários, conforme se observa nos seguintes julgados recentes: REsp 1763479/RJ; REsp 1773897/RN e AgInt nos EDcl no AREsp 1292140/SP.
4.1.3 Supremo Tribunal Federal
A Suprema Corte entende que a compatibilidade de horários decorre da simples inexistência de sobreposição entre as jornadas a que submetido o servidor público, considerando inconstitucional a limitação de carga horária nas decisões administrativas que impõe impedimento para acumulação.
O Decreto Estadual nº 13.042/89 – RJ, entendia pela ilicitude da acumulação de cargos cuja carga horária ultrapasse 65 horas semanais, fazendo com que o servidor buscasse a redução da carga horária ou que a Administração declarasse de plano a impossibilidade de acumulação. Ainda, sob essa perspectiva, justiçou que a hipótese do § 2º do art. 17 do ADCT deveria ser interpretado em conjunto com o art. 37, inciso XVI, ou seja, condicionada a compatibilidade de horários.
Inaugurando a matéria no STF, a Ministra Ellen Gracie, no RE. 351905, manifestou seu entendimento sobre a limitação de carga horária por norma infraconstitucional:
É lícito ao Chefe do Executivo editar decretos para dar cumprimento à lei e à Constituição. Não pode, entretanto, sob o pretexto de regulamentar dispositivo constitucional, criar regra não prevista, como fez o Estado do Rio de Janeiro no presente caso, fixando verdadeira norma autônoma.
Em outras oportunidades o STF se manifestou sobre a matéria, firmando que a jurisprudência da Corte Maior é da possibilidade de acumulação de cargos e empregos públicos desde que haja compatibilidade de horários, afastando que qualquer análise o requisito objetivo da limitação de horas, como julgado na Decisão do AI 762427 ”Não encontra suporte legal e afronta o texto constitucional a vedação de acumulação de cargos quando a jornada de trabalho ultrapassar 60 (sessenta) horas semanais” (BRASIL, STF, 2011).
A jurisprudência da Suprema Corte é totalmente contrária a tese da limitação de horas, entendendo pelo afastamento de norma infraconstitucional em criar limitação ao dispositivo constitucional. Por sua vez, ocorrendo demissão de servidor ou não oportunizando a acumulação de cargos, o servidor será reintegrando ao cargo, conforme decisão RMS. 34608/2019.
Como demonstrado, a acumulação de cargos é medida excepcional prevista na Constituição Federal de 1988, exigindo para tanto, que nas hipóteses permitidas, seja analisado a compatibilidade de horários.
Evidência ao mesmo tempo, a discussão na jurisprudência sobre a matéria, de modo que por muito tempo não se tinha uma uniformidade sobre a extensão da compatibilidade de horários.
Denota-se a pouca influência de leis esparsas sobre acumulação de cargos, de modo que o grosso do conteúdo está previsto na Carta Maior e na doutrina.
Pode se afirmar que a discussão sobre acumulação de cargos vai perdurar por algum tempo, principalmente quando analisamos a influência do princípio da eficiência nos serviços públicos.
A análise desse princípio vai de encontro com a excelência das atividades desenvolvidas pelo servidor, de modo que uma excessiva carga horária pode ocasionar uma má prestação do serviço, além de gerar um risco a saúde do próprio servidor, tendo sua saúde física e mental, seus repousos e seu convívio social ameaçado com uma quantidade de horas excessiva.
Por fim, com a ilegalidade de dispositivo infraconstitucional em concretizar a limitação de horas, é possível que essa matéria faça presente em próximas discussões no Legislativo, o qual poderá fazer uma ponderação entre a compatibilidade de horários respeitando o princípio da eficiência.