INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA: NATUREZA JURÍDICA E SEUS BENEFÍCIOS PARA O SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO


04/05/2018 às 09h36
Por João Marcos Souza - Advogado

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA: NATUREZA JURÍDICA E SEUS BENEFÍCIOS PARA O SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO

 

 

 

 

 

 

 

 

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA: NATUREZA JURÍDICA E SEUS BENEFÍCIOS PARA O SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO

 

 

                                                                                   João Marcos Ferreira de Souza[1]

 

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho pretende demonstrar o novo instrumento trazido pelo Código de Processo Civil 2015 para alcance da isonomia e segurança jurídica nas decisões de casos de idêntica questão de direito, além de promover a diminuição do número de processos idênticos através do reconhecimento da natureza jurídica de procedimento-modelo do incidente de resolução de demanda repetitiva. O artigo discorre que ao reconhecer a natureza jurídica do incidente como de procedimento-modelo é permitido então suscitá-lo desde o juízo de primeiro grau, caso não seja entendido desse modo o incidente teria seus benefícios de forma limitada dentro do ordenamento jurídico. O presente trabalho após analisar a natureza jurídica do incidente enumera seus benefícios, tais como a segurança jurídica e isonomia no caso de ser reconhecido como procedimento-modelo no nosso sistema judiciário.

 

Palavras-chave: Incidente. Natureza jurídica. Procedimento-modelo. Causa-piloto. Isonomia e Segurança jurídica.

 

 

 

SUMÁRIO

 

1. Introdução; 2. O Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva; 2.1. O IRDR e os Precedentes Judicias; 2.2. Cabimento do IRDR; 2.3. Competência, Admissibilidade e Suspensão dos Processos Pendentes; 3. A Publicidade do IRDR e o seu Julgamento, aplicação da tese jurídica, Recurso e Revisão da tese fixada; 4. Natureza Jurídica do IRDR; 4.1 A Exigência ou não de Causa Pendente nos Tribunais como Pressuposto do IRD; 5. Dos Benefícios do IRDR Para o Judiciário Brasileiro; 6. Conclusão; 7. Referências.

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO                                                                                                                        

 

 

O Código de Processo Civil introduzido no sistema jurídico brasileiro trouxe um leque de novidades normativas em que um dos seus principais objetivos é de dar ao processo civil e ao judiciário pátrio maior credibilidade e agilidade na resolução das lides que são dirigidas aos nossos órgãos jurisdicionais, além de segurança jurídica e igualdade a todos os litigantes, o Código, na busca pela solução do abarrotamento do judiciário e do múltiplo número de processos de questões idênticas que vem sendo decididos de maneiras diferentes, traz uma grande novidade para o ordenamento jurídico, o Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IRDR).

O presente artigo versa sobre uma análise ao Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva, além de esclarecer sobre a natureza jurídica que já é um tema de grande discussão na doutrina brasileira, através de pesquisa na doutrina e jurisprudência o presente artigo tem o objetivo apresentar o Incidente e o seu procedimento, além de definir a sua natureza jurídica e os benefícios que o mesmo traz para o ordenamento jurídico pátrio.

Primeiramente será analisado e apresentado o IRDR como forma de precedente judicial e a introdução da common law no ordenamento jurídico brasileiro.

Será observado todo procedimento do Incidente, desde seu cabimento até a suspensão dos processos que possuem questão de direito idêntica e a publicidade que dever ser dada para que possa atingir o maior número de processos de idêntica questão.

Na terceira seção será abordado sobre quais recursos poderão ser suscitados contra a decisão do incidente e a alteração da tese fixada.

Ademais, na quarta seção, serão analisadas questões a cerca da divergência doutrinária sobre a natureza jurídica do instituto, que passa pela análise da necessidade ou não de causa pendente no tribunal, definindo  sua natureza jurídica como procedimento-modelo, pois não há necessidade de causa pendente no tribunal, podendo o incidente ser suscitado desde o juízo de primeiro grau.

Por fim objetiva-se na última seção demonstrar que no reconhecimento da natureza jurídica como procedimento-modelo e consequentemente com possibilidade de arguição sem que haja causa no tribunal, a aplicação do instituto trará inúmeros benefícios ao ordenamento jurídico brasileiro.

Através de uma metodologia de pesquisa teórica embasada em uma busca bibliográfica em vários autores que versam sobre o tema, o objetivo do presente artigo é demonstrar que ao reconhecer o IRDR como procedimento-modelo, poderemos alcançar os benefícios trazidos por ele de maneira plena, em todos os graus de jurisdição.

 

 

2  O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA

 

 

Instrumento introduzido pelo Código de Processo Civil, o Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva é umas das novidades normativas apresentadas pelo Código, em resposta a demanda que consiste em atender ao significativo aumento do número de processos repetitivos.

Tal demanda nasce pela procura intensa por parte da sociedade ao judiciário para a solução de conflitos, nos quais nem as ações coletivas criadas com o fim de viabilizar a tutela dos direitos coletivos, tem suportado tal encargo. O legislador, reconhecendo que há patamares de litígios insuportáveis pelo nosso judiciário, o que Dantas denomina como “Litigiosidade em massa” (DANTAS, 2015 p. 2186), trouxe para nosso ordenamento jurídico o IRDR em busca de uma reformulação de técnicas para auxiliar na proteção dos direitos coletivos no Brasil, com solução em massa de diversos conflitos com base em uma tese jurídica que será fixada a todas as causas idênticas. 

Passa-se a buscar então, uma racionalidade e maior eficiência dos meios processuais que necessariamente precisam passar por uma reformulação para que possam enfrentar a grande quantidade de demandas nessa nova fase e procura pelo poder judiciário.

Nesse contexto nascem mecanismos para possibilitar e auxiliar o julgamento de lides envolvendo uma grande quantidade de pessoas, através de poucas ações coletivas ou outros meios de resolução de demandas repetitivas. (MENDES, 2014, p.298)

O sistema de resolução de casos repetitivos, enquanto meio de reinventar o judiciário, mostra-se de extrema importância no atual momento do Sistema judiciário brasileiro - abarrotado de questões – que, na maioria das vezes, consistem em casos idênticos.  

O Código de Processo Civil traz uma grande contribuição no que tange aos casos de processos idênticos, ao instituir o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, um incidente processual de aplicação ampla tanto na Justiça Estadual, como na Federal. (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 905)

O IRDR consiste em um mecanismo de uniformização da jurisprudência que é um dos objetivos do Código de Processo Civil, nesse sentido, antes de apresentar o incidente e discorrer sobre sua natureza jurídica, vamos analisar o instituto sob a ótica dos precedentes judicias e o sistema da common law que, a cada dia, vem ganhando mais espaço no sistema jurídico brasileiro.

 

 

2.1 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA E OS PRECEDENTES JUDICIAS

 

 

Primeiramente é necessário entender o que é precedente judicial, esse instrumento usado na common law, que é originária da tradição jurídica anglo-saxônica, tendo origem no direito inglês; e que vem sendo infiltrado cada vez mais no sistema brasileiro, simpatizante da civil law, tradição jurídica romano-germânica.

O precedente judicial de acordo com Grant Lamond é “uma característica central da prática jurídica e requer que os tribunais sigam as decisões já proferidas, transformando julgamentos prolatados em casos pontuais em fonte de direito.” (LAMOND, 2007 apud MENDES; SILVA, 2016, p.570).

Marinoni compara os precedentes judicias à experiência, e ao exemplo, na medida em que destaca o fato de a experiência revelar a compreensão que advém de um fato/situação passada que gera ensinamento ou explicação em relação ao presente (2016, p.85), já o precedente é definido como “um dado autônomo, independente da experiência ou do raciocínio que fez surgir. Desta forma o precedente possui valor ainda que, em torno dele, não exista qualquer experiência ou raciocínio aproveitável” (SCHAUER, 1987 apud MARINONI, 2016, p.85).

Segundo Marinoni, caso o precedente não consiga fazer com que haja o entendimento de algo presente, e apenas faz insurgir uma situação passada, teria possibilidade de ser comparado com o exemplo. Porém a diferença entre o precedente e o exemplo é o valor e sua relação com o conteúdo. O valor do exemplo não tem relação com seu conteúdo, ou seja, não vincula os demais casos, apenas serve de espelho, já o precedente apesar de poder ser revogado, vincula os casos idênticos. Um simples ato poderá formar o exemplo, mas apenas existe precedente quando há vinculação do ato a pessoa que o praticou, ou as pessoas em situações idênticas. (2016, p.85-86)

Os precedentes, portanto, são decisões dos Tribunais Superiores que vinculam as suas próprias decisões de maneira horizontal e aos tribunais inferiores de maneira vertical.

Na esteira trazida pelo código de Processo Civil o IRDR é uma novidade que vem para afirmar, ainda mais, a aproximação do sistema jurídico brasileiro ao da common law, embora Luiz Guilherme Marinoni discorde que o incidente seja um tipo de precedente.

Segundo o autor, o incidente tem função somente de atuar em casos que estão tramitando e serão propostos em face de determinado litígio, já o sistema de precedentes tem objetivo de impor às autoridades as decisões firmadas em Tribunais Superiores. (2016, p.321)

Nesse sentido os precedentes regulam, de maneira geral, o meio conforme deve ser decidido um grande número de casos com diferenças mínimas, já o referido instituto tem função de regular uma questão de direito litigiosa, presente em vários casos pendentes.

Porém ao contrário desse entendimento, Neves discorre que as decisões do IRDR e dos recursos repetitivos são precedentes judiciais obrigatórios. (NEVES, 2016, p. 2344)

O artigo 927 do Código de Processo Civil consagra os precedentes obrigatórios que devem ser observados pelos juízes e Tribunais.

Como observado o IRDR é mais um mecanismo de uniformização da jurisprudência nos Tribunais, criando um precedente de observação obrigatória.

Agora iremos analisar os pressupostos para sua aplicação.

 

2.2 CABIMENTO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA       

 

Para que possa ser instaurado o incidente, segundo o artigo 976 e seus incisos, é necessário haver uma efetiva repetição de processos que ocasionam um risco a isonomia e a segurança jurídica.

O primeiro pressuposto para o cabimento do incidente que o inciso I, primeira parte do artigo 976 do Código de Processo Civil (CPC) apresenta, é o da efetiva repetição de processos.

Porém, para que possa ser instaurado é preciso definir o que se entende por efetiva repetição de processos, que, segundo Dantas “São ações em que a mesma tese jurídica está sendo discutida”. (2015, p.2181)

Complementando a ideia de Dantas, Theodoro Júnior chama atenção para a repetição de processos sobre mesma questão de direito seja atual, não podendo ser futura.

O autor chama a atenção para o caráter repressivo do incidente, além de haver uma multiplicidade de processos idênticos com decisões controversas, essa multiplicidade deve ser presente, ou seja, já deva está acontecendo e não ter um risco de ainda acontecer, além disso, o referido autor ainda entende que não precisa da existência de um número muito extenso de processos, mas sim uma quantidade razoável com concomitantes decisões distintas que configurem a controvérsia. (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 906)

Neves entende que apesar de ter que haver certo número de processos idênticos decididos de maneira diferente, deve ser haver um meio termo para a instauração do IRDR, não pode ser instaurado pela incidência de poucos processos, mas também não pode se esperar o caos de várias decisões conflitantes para que possa ser instaurado. (2016, p. 2479)

O Incidente de resolução de demanda repetitiva tem um caráter repressivo para diminuir os casos já existentes controversos e em grande número, não pode se esperar pela quebra da segurança jurídica e da isonomia, precisa-se buscar o meio termo para que seja instaurado depois da multiplicidade de processos, mas antes da quebra da isonomia e da segurança jurídica.

Além da efetiva repetição de processos faz-se necessário passar ao segundo pressuposto contido no inciso I do artigo 976 do Código de Processo Civil que é a controvérsia sobre questão unicamente de direito.

Com a finalidade de melhor compreendermos o referido pressuposto, utilizaremos como ilustração o exemplo apresentado por Didier Júnior, a respeito da controvérsia unicamente de direito.

Segundo o referido autor em uma construção vendida com vício na sua estrutura que foram ocasionadas por falha no seu projeto ou na construção propriamente dita, para discutir se houve ou não vício não caberia o IRDR, apenas caberia para discutir a questão de direito e não fática, no exemplo essa questão seria, se haveria ou não responsabilidade civil pela reparação dos danos. (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p. 626)

Logo o incidente é um instrumento de resolução de questões discutidas propriamente de direito, em nenhum momento discute sobre os fatos, ficando a cargo dos juízes competentes a dilação probatória.

Segundo Mendes é importante constatar que a questão de direito pode ser tanto de direito material ou de direito processual. (2014, p. 299)

Analisados os pressupostos do inciso I passamos a análise do pressuposto do inciso II do artigo 976 do Código de Processo Civil.

O risco a isonomia e a segurança jurídica estão demonstrados quando temos a repetição de vários processos com controvérsias sobre a mesma questão de direito; veja que é essencial a existência de controvérsia, que consiste no entendimento da norma de várias formas diferentes, ocasionando uma multiplicidade de decisões diferentes em casos idênticos, colocando em risco a isonomia e a segurança jurídica.

Didier Júnior e Cunha comentam que é necessário haver decisões conflitantes que de um lado admitem determinada solução e de outro lado não admitem, tendo várias decisões diferentes estaria caracterizado o risco a isonomia e a segurança jurídica. (2016, p. 627)

Evidentemente que quando há uma multiplicidade de processos versando sobre mesma questão e várias decisões divergentes a isonomia e a segurança jurídica ficam em risco, pelo fato de não ter igualdade e nem previsibilidade em relação à mesma norma aplicada à decisão. Faz-se necessário então, a instauração do IRDR com a finalidade de firmar a tese jurídica para resolução igualitária e que traga segurança aos litigantes.

A isonomia no tratamento de casos repetitivos idênticos traz segurança jurídica aos litigantes, já que afasta do judiciário o caos e a incerteza da decisão de casos idênticos de maneiras diversas.

Segundo Mendes é imprescindível que exista além da controvérsia entre as partes, que essa controvérsia cause efetiva divergência no Poder Judiciário, com capacidade de fato de comprometer o Princípio da Isonomia e da Segurança Jurídica. (2017, p.113)

Mendes ainda diz que o risco deve ser claro e com grande potencial. (2017, p 113).

Comprovados todos os pressupostos do artigo 976 do Código de Processo Civil, por fim ainda é imprescindível a observância antes da instauração do IRDR, se algum dos Tribunais Superiores, já tenha afetado recurso para decidir sobre a questão de direito discutida para definição de uma tese, com base no artigo 976, §4º do Código de Processo Civil.

Esses são os pressupostos necessários para que seja instaurado o incidente.

Existe ainda outro pressuposto de grande discussão na doutrina que é o de ter a necessidade ou não de causa pendente no tribunal, mas por estar relacionado diretamente com a discussão da natureza jurídica do IRDR, analisaremos na seção desse artigo que discorrer sobre a natureza jurídica do instituto.

 

 

2.3 COMPETÊNCIA, ADMISSIBILIDADE E SUSPENSÃO DOS PROCESSOS PENDENTES

 

 

Nesta seção serão analisados os legitimados para a instauração, bem como o procedimento para sua admissibilidade pelo órgão competente e como ocorrerá a suspensão de todos os processos em controvérsia pela mesma questão jurídica.

O Código de Processo Civil trouxe um rol de legitimados para instaurar o IRDR no seu artigo 977.

Segundo Theodoro Júnior, poderá suscitar a instauração o juiz da causa de primeiro grau, o relator quando o processo estiver em andamento pelo segundo grau, pelas partes em qualquer grau de jurisdição, não se exigindo que ambas as partes formulem o pedido, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. (2016, p. 2286)

O inciso I do artigo 977 do Código de Processo Civil traz a legitimação do juiz de primeiro grau e do relator.

 Sobre o juiz de primeiro grau Mendes afirma que somente o juiz que possui processos em que se discute a questão controversa a ser resolvida pode provocar o incidente. (2017, p.131)

No entendimento de Neves em caso da exigência de causa pendente no Tribunal, a competência do juiz de primeiro grau em instaurar o incidente perde sua eficácia. (2016, p. 2482)

O inciso II consagra a competência das partes para a instauração, não é necessário o consentimento de ambas as partes para que se possa instaurar o IRDR, basta que apenas uma dar partes o faça, com a determinada documentação e presentes os pressupostos para que seja instaurado o incidente, corroborando com o entendimento, assim diz Mendes:

O autor ou o réu poderá suscitar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, indicando a questão de direito do seu processo que seja comum com a de outros processos, em quantidades significantes e que estejam tendo solução diversa perante os órgãos judicias. Nada impede que alguns autores ou réus o façam de modo conjunto. O dispositivo, inciso II do artigo 977 do Código de Processo Civil, menciona as partes, mas a indicação do plural diz respeito a qualquer uma delas poderá fazê-lo, não dependendo, naturalmente, do consentimento da parte contrária, embora nada impede que ambos convencionem nesse sentido. (MENDES, 2017)

 

Os legitimados do inciso III são o Ministério Público e a Defensoria Pública, que possuem tanto a legitimação do inciso II como parte, e do inciso III por causa da sua função institucional. (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p.634)

O paragrafo único do artigo 997 traz o procedimento que deve ser adotado pelos legitimados para propor a instauração. Os juízes e os relatores poderão fazer por ofício, já as partes e o Ministério Público e a Defensoria Pública devem fazer o pedido por petição.

Exige-se que nesse oficio ou petição estejam instruídos com toda documentação necessária que demonstrem os pressupostos para a instauração do incidente.

Segundo Dantas esses são requisitos formais para a instauração do IRDR. (DANTAS, 2015, p. 2184)

            O juízo de admissibilidade é o responsável por verificar se estão presentes no oficio ou petição os pressupostos para que possa ser instaurado o incidente que conforme o artigo 981 do Código de Processo Civil, o juízo de admissibilidade será feito pelo órgão competente para julgar o IRDR, qual seja, o órgão competente pela uniformização da jurisprudência no respectivo tribunal conforme artigo 978 do Código de Processo Civil.

O juízo de admissibilidade fica a cargo do mesmo órgão julgador, e será realizado pelo colegiado e não pelo relator como acontece nos recursos repetitivos, que o juízo de admissibilidade é realizado pelo próprio relator. No IRDR o juízo de admissibilidade é realizado por todo órgão colegiado competente. (DANTAS, 2015. p. 2185).

Verificado os pressupostos, e se os mesmos estiverem presentes, o incidente será admitido e o relator suspenderá os processos de questão idêntica de acordo com o artigo 982, I do Código de Processo Civil.

Com a admissão, inicia-se uma importante etapa do incidente, que é a suspensão de todos os processos de questão idêntica tramitando naquela região ou Estado.

O artigo 982, inciso I, do referido Código, declara que admitido o IRDR o relator deve suspender todos os processos idênticos.

Didier Júnior afirma que não cabe uma decisão do relator para a suspensão dos processos, mas apenas comunicar aos juízos sobre essa suspensão. (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p.636)

Pode haver suspensão de processos que estejam fora do limite território do Tribunal que foi suscitado o incidente.

O artigo 982, §3º e §4º do Código Processual Civilista consagra essa possibilidade em que os legitimados a instauração podem requerer aos Tribunais Superiores através de Recurso Especial ou Recurso Extraordinário a suspensão dos processos de questão idêntica em todo território nacional.

Após a publicação da decisão do relator que declara a suspensão dos processos será dado início ao prazo de um ano para o julgamento, segundo Didier Júnior sendo julgado o processo ou findo esse prazo, os processos que foram suspensos voltam a tramitar. Vale dizer que esse prazo é prorrogável por mais um ano. (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p.638)

Suspensos os processos acontecerá o julgamento e a fixação da tese jurídica.

 

 

3 A PUBLICIDADE DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA E O SEU JULGAMENTO, APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA,  RECURSO E REVISÃO DA TESE FIXADA

 

 

A publicidade da instauração do instituto é muitíssimo importante para que possa alcançar o máximo de pessoas que discutem sobre a mesma questão, conforme Dantas:

A divulgação e a publicidade concedem ao jurisdicionado segurança, pois serão adequadamente informados sobre o incidente e como este afeta o seu processo; confere ainda, segurança àqueles que exercem atividade jurisdicional, maximizando os efeitos decorrentes da instauração do incidente, assim como os efeitos decorrentes de seu julgamento, como a obediência e a aplicação do entendimento estabelecido sobre a questão de direito debatida. (DANTAS, 2015, p. 2186)

           

A ampla divulgação que deve ser dada, esta positivada no artigo 979 do Código de Processo Civil e é de extrema importância para os objetivos do instituto.

Após todo procedimento até aqui suscitado, analisaremos o julgamento.

O órgão competente para o julgamento é o mesmo que é competente pela admissibilidade, cabendo ao órgão indicado pelo regimento interno do tribunal, que o é responsável pela uniformização da jurisprudência do respectivo tribunal de acordo com o artigo 978 do Código de Processo Civil.

Mendes diz que devido à complexidade do julgamento, decorre a competência interna e da maior amplitude na composição do colegiado responsável pelo julgamento. (MENDES, 2017, p. 138)

O artigo 984 do mesmo Código mostra como deve ser o procedimento do julgamento do IRDR. Todos os interessados poderão sustentar razões.

Segundo Dantas é importante à sustentação por todos interessados, pois para decidir à tese jurídica, quanto mais discutida a questão, melhor. (2015, p. 2195)

Depois de julgado, deve ser aplicada a tese jurídica a todos os processos pendentes e futuros que versem sobre questão idêntica de acordo com o artigo 985, I e II do Código de Processo Civil.

Neste sentido e ainda acrescentando a possibilidade de uma ação rescisória para os processos idênticos transitados em julgado antes da fixação da tese afirma Dantas:

 

Cabe destacar que a tese jurídica paradigmática será aplicada aos processos presentes e futuros, salvo revisão posterior de tese. Ficam fora dessa regra os processos que, a época da instauração do IRDR, já haviam transitado em julgado. Quantos a estes, resta a possibilidade de propositura de ação rescisória, sem prejuízo do disposto no enunciado 343 da súmula do STF. (DANTAS, 2016, p. 2195)

                                                                                  

A decisão que é proferida pelo tribunal em tese não resolve a causa, apenas fixa a tese jurídica a ser aplicada para resolução dos casos idênticos. Porém no paragrafo único do artigo 978 do Código de Processo Civil consagra a possibilidade de o órgão colegiado julgar a causa pendente.

Quando o processo estiver tramitando no Tribunal o órgão competente para a fixação da tese, também irá julgar a causa do processo originário. (THEODORO JÚNIOR, 2016, p.2286)

O IRDR pode ser atacado por recurso extraordinário e recurso especial na forma do artigo 987 do Código de Processo Civil. Didier Júnior e Cunha esclarecem ainda a possibilidade de interposição de embargos de declaração. (2016, p. 640)

Como se sabe a tese jurídica deverá ser aplicada a todos os casos idênticos presentes e futuros, só que sabemos que no Direito em conformidade com as mudanças sociais, acontecem mudanças no ordenamento jurídico e decisões que antes eram decididas da forma x, no futuro podem ser decididas na forma y, por isso o Código de Processo Civil consagrou a possibilidade de revisão da tese jurídica no seu artigo 986. Tendo os mesmos legitimados a instauração do IRDR previstos no artigo 977, III, do Código de Processo Civil. (DANTAS, 2015, p. 2195/2196)

De maneira bem direta e sem aprofundar na análise ao instituto, pois o presente trabalho pretende se aprofundar na discussão da natureza jurídica, encerramos a breve análise do instituto e de seu procedimento e passamos para a discussão sobre a natureza jurídica do IRDR, conjuntamente será analisada de igual modo à existência do requisito de causa pendente no Tribunal ou não para que se possa ser suscitado o IRDR, imprescindível para o objetivo do presente artigo.

 

 

4 NATUREZA JURÍDICA DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA

 

 

Analisaremos nessa seção qual a natureza jurídica do IRDR, esse estudo e definição têm como finalidade demonstrar a natureza jurídica desse instituto, a aplicação e o seu alcance dentro do poder judiciário brasileiro, além dos benefícios que poderá trazer.

Inegavelmente trata-se de um incidente processual, segundo Dantas como indica o seu próprio nome, sua natureza jurídica é de incidente, funcionando com uma divisão na fixação da tese jurídica e no julgamento da causa. Ao tribunal fica a competência de fixação da tese em abstrato e ao órgão originário a aplicação da tese ao caso concreto.  (2015, p.2179)

Todavia, nesses mecanismos de resolução de processos repetitivos existem dois sistemas de resoluções de causas repetitivas, o de causa-piloto e o de procedimento-modelo ou causa-modelo.

No sistema de causa-piloto é selecionado pelo órgão competente um caso, dentro de vários que estão repetitivos, para ser julgado por esse órgão e é fixada uma tese a ser seguida nos outros, no entanto no procedimento-modelo é arguido um incidente somente para fixar a tese a ser seguida, não havendo seleção de uma causa a ser julgada. (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p.593).

Tem-se na causa-piloto a escolha dentre a multiplicidade de processos a escolha de um para que de acordo com o seu julgamento possa ser aplicada essa decisão como tese jurídica nos outros pendentes e futuros.

No procedimento-modelo não se julga nenhuma das causas repetitivas, mas apenas é fixada uma tese jurídica para que possa ser aplicada pelo juiz competente para julgar as causas repetitivas.

Esses sistemas são originários de outros países.

Na Áustria tem-se a previsão da causa-piloto chamada de Tesprozess, na qual é escolhida uma causa para ser julgada e ser fixada uma tese para ser seguida nos demais casos. (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p.593)

Na Alemanha existe o musterverfahren que é um procedimento-modelo, no qual um incidente processual é instaurado, fixa-se uma tese jurídica, mas não há julgamento da causa no tribunal.  (CAVALCANTI, 2016, p. 227)

Didier Júnior acredita que como é exigência existir causa pendente no tribunal para ser instaurado o IRDR conjugado com a determinação do artigo 978, parágrafo único, estamos diante de uma causa-piloto, pois juntamente com a tese jurídica será julgada a causa pela qual foi instaurado. (2016, p. 594-595)

Para o referido autor a única hipótese de procedimento-modelo no ordenamento jurídico brasileiro é a hipótese de desistência do artigo 976, §1º do Código de Processo Civil, no qual a desistência da causa originária do IRDR não impede o exame do incidente e a fixação da tese, segundo Didier, neste caso, estaríamos diante da única maneira de o IRDR ser tratado como procedimento-modelo, pois nesse caso não seria julgada a causa, apenas o incidente e fixada a tese. (2016, p.595)

Porém, segundo Mendes, a criação do IRDR buscou inspiração no direito alemão e no seu procedimento-modelo musterverfahren, de modo que deve ser julgado apenas o incidente e ser fixado uma tese, que deverá ser aplicada as causas repetitivas, não se tem aqui o julgamento de uma causa-piloto, apenas a fixação de uma tese, ou seja, um procedimento-modelo. (MENDES, 2017, p. 29)

No entanto, essa definição de qual natureza jurídica teria o IRDR, somente pode ser resolvida com a análise de um suposto pressuposto de exigência de que haja causa pendente no tribunal para que possa ser instaurado o incidente.

Caso se entenda pela existência desse pressuposto estaremos diante da natureza de causa-piloto, pois será julgada uma causa juntamente com a fixação da tese, caso não seja necessário causa pendente no tribunal estaremos diante de um procedimento-modelo, pois apenas será fixada uma tese jurídica, tendo o artigo 978, parágrafo único apenas um sentido de prevenção.

Analisaremos abaixo as teses defendidas pela posição de que somente pode ser suscitado o incidente com a pendência de causa no tribunal e a posição a favor do incidente poder ser suscitado em causas em tramitação ainda em primeiro grau.

Através de consulta em bibliografia de vários autores processualistas serão analisados argumentos defendidos por esses autores objetivando-se apresentar de forma clara a posição dos dois lados da doutrina e concluindo qual seria a mais benéfica para o nosso ordenamento jurídico.

 

 

4.1 A EXIGÊNCIA OU NÃO DE CAUSA PENDENTE NOS TRIBUNAIS COMO PRESSUPOSTO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA

 

 

Didier Júnior entende que existe além dos pressupostos explícitos pelo artigo 927, I, II do Código de Processo Civil, um pressuposto implícito para a que posse ser instaurado o procedimento para fixação da tese.

Segundo o autor existe a necessidade de causa pendente no tribunal para que possa ser instaurado o incidente, somente poderá ser instaurado, caso haja causa pendente no tribunal seja recurso, remessa necessária ou processo originário. (DIDIER JR; CUNHA, 2016, p.628)

Durante todo o processo legislativo do Código de Processo Civil 2015 houve uma grande discussão sobre esse requisito citado por Didier Júnior, de acordo com Cavalcanti “o artigo 988, §2º do substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados possuía dispositivo que exigia expressamente a pendência de causa no Tribunal como pressuposto para a instauração do IRDR”. (2016, p. 223)

Todavia essa exigência foi suprimida no Senado Federal e o texto do Código de Processo Civil 2015 não possui o pressuposto de causa pendente no Tribunal.

Mesmo com a aprovação do texto do Código de Processo Civil 2015 existe uma grande discussão na doutrina sobre a questão desse pressuposto para instauração. Desta forma é de extrema importância analisar as posições sobre o tema.

A parte da doutrina que entende pela pendência de causa nos Tribunais se utiliza dos argumentos que serão expostos abaixo.

Para Cavalcanti existem outros dispositivos que demonstram claramente a exigência de causa pendente no Tribunal, ao se verificar o parágrafo único do artigo 978 do Código de Processo Civil que segundo o autor traz a exigência de existir alguma causa pendente no tribunal da onde tenha surgido. Além disso, só poderá ser julgado em conjunto com recurso, remessa necessária ou processo de competência originária do tribunal. (2016, p. 225)

Segundo esse entendimento como o artigo 978, parágrafo único do Código de Processo Civil não fala sobre processo de primeiro grau, logo existe o pressuposto de causa pendente no Tribunal para que seja instaurado.

O autor se vale desse artigo para validar o pressuposto da exigência de causa pendente no tribunal, a maioria da doutrina o acompanha.

Neves corrobora com o entendimento de Cavalcanti sobre o artigo 978, paragrafo único do Código de Processo Civil, que o referido artigo demonstra a exigência do pressuposto da pendência de causa no Tribunal.

Segundo Neves o requisito de causa pendente do tribunal, apesar de não está explicito no Código, advém da opção do legislador de trazer a previsão no artigo 978, parágrafo único do Código de Processo Civil da competência do mesmo órgão para fixar a tese jurídica e julgar a causa que esteja pendente no tribunal. (2016, p.2481)

A parte da doutrina que defende o pressuposto que exige causa pendente no tribunal se vale também do argumento de que a exigência de ter uma causa pendente no tribunal para a instauração do incidente decorre da Constituição da República que fixa as competências originárias dos Tribunais. Segundo esse entendimento caso não fosse exigido causa pendente no tribunal estaríamos diante de uma atribuição de competência aos Tribunais através de lei ordinária para julgamento, violando a Constituição Federal, que é a única que pode atribuir competência para os tribunais.

Neste sentido afirma Cavalcanti:

 

A exigência de causa pendente no tribunal decorre da própria constituição da República. Imaginar a instauração de IRDR sem a pendência de qualquer causa seria o mesmo que atribuir competência originária ao tribunal. Acontece que a fixação de competência de tribunal para processamento e julgamento de qualquer ação, recurso, ou incidente processual não pode ser estabelecida exclusivamente por lei ordinária. (CAVALCANTI, 2016)

 

Usa-se ainda como argumento para a defesa da existência desse pressuposto que existindo causa pendente no tribunal, essa estaria mais madura para que possa ser instaurado, para a fixação de uma tese jurídica. (MENDES, 2017, p. 121)

Destarte seria necessário ter todo processamento no juízo de primeiro grau, e com a consequente pendência da causa em segundo grau para ai sim ser definida uma tese jurídica que servirá para uniformizar a jurisprudência e criar um precedente.

Após a análise da posição a favor da pendência de causa nos tribunais, passaremos a análise da doutrina que se posiciona no sentido de não haver necessidade de causa pendente no tribunal para ser instaurado o incidente.

A parte da doutrina que entende pela instauração em causas que não chegaram ao juízo de segundo grau ainda procura esclarecer que a vontade do legislador e os objetivos que norteiam o instituto seriam maculados, já que se busca além de isonomia e segurança jurídica a diminuição dos grandes números de processos repetitivos em todos os graus do judiciário, e caso não se entenda pela arguição já em causa em primeira instância, esse objetivo estaria sendo descartado.

Nesse sentido entende Mendes:

 

A opção representa uma opção política no sentido de considerar a gravidade dos problemas existentes, destacando-se os números excessivos de demandas repetitivas, o congestionamento dos processos no Poder Judiciário, a demora no julgamento dos processos, a diversidade dos pronunciamentos em torno de questões comuns, a necessidade de fortalecimento da isonomia e da segurança jurídica. A doutrina já apontava a necessidade do estabelecimento de mecanismos que propiciassem maior economia e segurança jurídica no âmbito de todo Poder Judiciário e não apenas na esfera dos tribunais superiores. Por isso, a adoção de um instrumento que somente pudesse ser acionado quando os processos já tivessem alcançado os tribunais de segundo grau seria limitado quanto ao seu alcance e resultado. (MENDES, 2017, p. 123)

 

A exigência de causa pendente no Tribunal diminuiria os potenciais objetivos do incidente, já que teria efeito apenas nos Tribunais Superiores, mantendo uma grande demanda nos juízes de primeiro grau.

Segundo Mendes a instauração em relação a causas repetitivas ainda em primeiro grau, trará economia processual e afastará a atenção de vários juízes para uma mesma questão repetitiva. Com a possibilidade de instauração do incidente em causa ainda no juízo de primeiro grau, auxiliará para que os juízes de primeiro grau não fiquem ocupados na resolução de causas repetitivas em massa, podendo instaurar o incidente e com base na tese jurídica que será fixada, julgá-los de maneira isonômica, além de que a resolução dessas causas será bem mais rápida e eficaz, podendo voltar sua atenção para outros casos com maior dedicação. (2017, p. 123-124)

Outro argumento usado por aqueles que defendem a não exigência de causa pendente no tribunal é a interpretação do artigo 978, parágrafo único, que segundo Mendes deve ser entendido como uma regra de prevenção no sentido de que em caso de o incidente seja instaurado com base em recurso, remessa necessária ou processo originário do tribunal, e essas causas já estiverem prontas para serem julgadas, devem ser julgadas pelo mesmo órgão competente para fixar a tese jurídica, mas em nenhum momento afasta a possibilidade de poder ser instaurado ainda com a causa no juízo de primeiro grau. (2017, p.121)

A doutrina que defende esse pensamento ainda combate o argumento usado sobre a possibilidade de criação de competência para os tribunais por lei ordinária.

 

Os tribunais Regionais Federais possuem, de fato, a sua competência fixada na Constituição da República, nos termos do artigo 108, bem como os Tribunais de Justiça nas respectivas Constituições dos Estados, conforme determinação do artigo 125, §1º da Carta Federal. Entretanto, o artigo 108 da Constituição da República não especifica todos os incidentes cabíveis e apreciáveis pelos TRFs, concentrando-se principalmente nas causas originárias e nos respectivos recursos, modelo que, em regra, é adotado também nas Constituições Estaduais. Por isso, efetuou menção apenas ao conflito de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal, nos termos da alínea e, do inciso I, do artigo 108 da Magna Carta. (MENDES 2017, p.118)

 

O fundamento formal que nega a competência dos Tribunais para o julgamento do IRDR, não presta atenção para as inúmeras hipóteses, pelas quais, há muito tempo os referidos tribunais ganharam atribuições pelas leis infraconstitucionais.

Vale-se dizer que temos dentro do Código Processual Civil de 2015 casos de incidentes que são suscitados em juízo de primeiro grau e julgados por Tribunal, e que também não estavam previstos nas Constituições Federais e Estaduais, tais como o de impedimento ou suspeição e agora a reclamação. No caso da alegação de suspeição ou impedimento ser recusada pelo juiz o incidente é remetido ao Tribunal, na forma do artigo 146,§1º, parte final do Código de Processo Civil que julgará o incidente. Além dessas hipóteses existem outras hipóteses que o Tribunal recebe atribuições do Código de Processo Civil sem que esteja previsto na competência constitucional dos Tribunais. (MENDES, 2017, p. 119)

O instituto não está previsto no rol de competências constitucionais porque é um mecanismo novo no ordenamento jurídico, porém atende preceitos da Constituição Federal como o do acesso a justiça, isonomia, duração razoável do processo, economia processual e ainda segurança jurídica.

A jurisprudência vem entendendo pela necessidade de ter causa pendente nos tribunais, conforme o seguinte acordão do TRT da 7ª região:

 

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, na forma prevista no art. 976, incisos I e II, do Código de Processo Civil de 2015, pode ser instaurado nos casos em que ocorra a "efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito" e que sejam capazes de produzir "risco à isonomia e à segurança jurídica", devendo ser deduzido, segundo a doutrina mais abalizada, que tem respaldo no Enunciado 342, do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em processos que se encontrem em grau de recurso ordinário (no processo do trabalho) ou de apelação (no processo civil), em remessa necessária (no processo civil e trabalhista) ou em ação da competência originária dos tribunais. Ante o exposto, imperiosa a rejeição/inadmissão de IRDR com o qual se pretende a declaração da competência absoluta da Justiça do Trabalho para processar e julgar as demandas em que são partes o poder público (União, Estados, municípios e respectivas autarquias e fundações públicas), visto tratar-se de questão constitucional que se insere, no que tange ao controle concentrado de constitucionalidade, no âmbito das atribuições do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102, I, a) que, a propósito, já concedeu liminar nos autos da ADI 3.395/DF, para, em interpretação conforme o art. 114, I, da Magna Carta de 1988, considerar que não cabe à Justiça Laboral conhecer das causas de autoria dos servidores públicos (BRASIL, 2017)

 

Neste mesmo sentido também vem decidindo o Tribunal de Justiça de São Paulo:

 

Imprescindibilidade do esgotamento da primeira instância e a pendência de recurso para adequada aplicação das regras pertinentes ao IRDR, sob o risco de supressão do Juízo "a quo", consoante inteligência do art. 978, parágrafo único, do CPC 2015 - Não preenchimento, na hipótese, de todos os requisitos de admissibilidade imprescindíveis ao regular processamento do incidente, notadamente porque este foi suscitado no momento em que o processo de origem se encontrava em fase instrutória em primeiro grau -, de modo que lhe carece o interesse de agir (adequação) necessário ao regular exercício do direito de ação. – Incidente não admitido. (SÃO PAULO, 2016)

 

Ainda existe uma dúvida muito grande sobre a existência de pressuposto ou não, essa dúvida será sanada com as ocorrências do IRDR que ainda são em número pequeno.

Apesar de que por enquanto a maioria tem entendido pela existência do pressuposto da causa pendente no Tribunal, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tivemos uma decisão admitindo o incidente com causa ainda em primeiro grau, conforme o pequeno trecho do voto do relator que foi seguido em unanimidade.

Neste ponto, cabe fazer uma observação sobre o cabimento deste incidente em casos como este, em que o processo originário nº 0135325-80.2016.8.19.0001, deflagrado por ação de obrigação de fazer, tramita em primeira instância. É que uma leitura apressada do parágrafo único do art. 978, do Código de Processo Civil, poderia levar à conclusão, a meu ver, equivocada, de que o incidente só seria cabível se suscitado em recurso, remessa necessária ou em processo de competência originária do Tribunal. Ocorre que, segundo penso, não faz sentido restringir o seu cabimento a feitos em trâmite no Tribunal, pois seria um estímulo à desnecessária proliferação de ações marcadas pela mesma controvérsia. No entanto, a meu pensar, naquele parágrafo único estão expressos os caos em que o próprio colegiado competente para decidir o incidente julgará a questão constitutiva do mérito dos processos originários, o que não acarretará supressão de instância, nem significa dizer que o incidente não seja cabível se suscitado em caso como este. (RIO DE JANEIRO, 2016)

 

Será uma discussão que se prolongará no decorrer dos anos de vigência do Código de Processo Civil, até termos um posicionamento definitivo dos Tribunais Superiores, e esperamos que esse entendimento seja no sentido da não exigência de causa pendente nos Tribunais, para manutenção do objetivo de diminuição do número de processos repetitivos desde o primeiro grau de jurisdição.

O legislador ao optar pela inclusão do IRDR no ordenamento jurídico brasileiro demonstra uma clara preocupação como a quantidade excessiva de processos no nosso judiciário e muitos deles de causas idênticas que poderão ser resolvidas com a fixação da tese jurídica, mas não entender pela possibilidade de ser instaurado ainda em causas em primeiro grau é retroceder no combate a segurança jurídica, isonomia e a economia processual e na busca para controlar o abarrotamento e lentidão de todo nosso sistema judiciário, que possui uma quantidade gigantesca de processos e que a cada dia aumenta com números catastróficos.

A manutenção do entendimento do incidente ser suscitado apenas em causa pendente em tribunal não desafogará os juízes de primeiro grau, apenas os Tribunais, limitando muito os objetivos e benefícios trazidos pelo IRDR.

Os objetivos do instituto em relação à segurança jurídica e a isonomia, além de economia processual e duração razoável do processo só terão uma eficácia total, se entendermos como um procedimento-modelo, logo sem a necessidade de uma causa pendente no tribunal para que possa ser suscitado.

Para o alcance pleno dos objetivos e dos benefícios desse instituto é determinante o reconhecimento do mesmo como procedimento-modelo, podendo ser proposto desde os juízos de primeiro grau, qualquer interpretação fora desse quadro afastaria a eficácia e a aplicabilidade do Incidente de resolução de demandas repetitivas de maneira completa.

 

 

5 DOS BENEFÍCIOS DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVAS PARA O JUDICIÁRIO BRASILEIRO

 

 

A sua aplicação trará inúmeros benefícios para o ordenamento jurídico brasileiro, somado com todos os institutos já existentes no nosso sistema.

Segundo Mendes o IRDR não pode ser idealizado como uma ação milagrosa que resolverá todos os problemas do judiciário brasileiro, mas um instituto que deve ser conjugado juntamente com outros instrumentos que tem objetivo de solucionar a problematização das multiplicidades de ações idênticas.  (2017, p.9)

Para que os efeitos positivos tenham eficácia é necessário encontrar um sistema judiciário capaz de implantar o novo sistema, para isso deve haver uma preparação de juízes e Tribunais. (MENDES, 2017, P.9)

Não adiantaria ter em mãos um instrumento de grande valia como o referido instituto de resolução de causas repetitivas e não saber como usá-lo, por isso é importantíssimo chegar a um consenso de aplicação.

Para que o modelo tenha plena eficácia em todas as esferas e graus, primeiramente como já foi dito nesse artigo, é imprescindível o entendimento da sua natureza jurídica de incidente processual na modalidade procedimento-modelo, sendo assim, excluindo o pressuposto da necessidade de causa pendente no Tribunal.

Com a paciência e colaboração de todas as partes e do poder judiciário, tem-se tudo para ser implantado um incidente que trará inúmeros benefícios para o nosso ordenamento jurídico, como veremos a seguir.

Um dos benefícios trazidos é a economia processual que o instituto trará.

Como se sabe o poder judiciário brasileiro está abarrotado de processos, para que se tenha uma noção de desse número, vale destacar que em 2015 eram 69.988.968 processos pendentes, gerando a totalidade de 93.270.276 processos tramitando no primeiro grau de justiça do nosso judiciário. (MENDES, 2017, p. 13)

Existe a necessidade de meios de resolução de conflitos em massa, para que possa haver uma diminuição de processos no poder judiciário que na maioria das vezes são decorrentes de mesmas circunstâncias jurídicas.

O Incidente surge como um instrumento de resolução de um grande número de questões idênticas de uma mesma região, formando uma tese jurídica que servirá de maneira extensiva aplicando-se aos casos pendentes, e de forma preventiva, já que funcionará como um precedente judicial, devendo ser aplicado nas causas futuras.

Seguindo a esteira da economia processual, vêm conjugadas neste entendimento a igualdade e a segurança jurídica.

Mendes afirma que a multiplicidade de ações individuais, que estão perante diversos órgãos, em várias partes do território nacional, tem decisões variadas e divergentes o tempo todo, sendo assim pessoas em situações idênticas tem seu direito resolvido de forma diferente, ferindo a isonomia e a segurança jurídica. (2017, p. 21), por conta dos fatos acimas descritos o judiciário cai em descrédito, formando insegurança jurídica para os jurisdicionados, que não têm o mínimo de previsibilidade do seu direito.

O modelo terá o objetivo de quando instaurado, fixar uma tese jurídica devendo ser aplicada sobre casos idênticos sobre a mesma questão jurídica, podendo, dependendo da situação ter aplicação em todo território nacional, trazendo igualdade e segurança jurídica.

Segundo Dantas além dos benefícios trazidos pelo o instituto o Código de Processo Civil trouxe consequências praticas que potencializam a fixação das teses e os julgamentos de casos repetitivos, como a concessão de tutela de evidência quando a tese invocada for baseada em decisão de julgamentos de casos repetitivos, na forma do artigo 311, II, do Código de Processo Civil; o reconhecimento de improcedência liminar do pedido quando contrário a tese fixada em IRDR com base no artigo 332, III, do referido Código; o não cabimento da remessa necessária quando a decisão estiver de acordo com teses fixadas no julgamento do incidente conforme artigo 496, §4º, III, do Código Processualista; a concessão de poderes ao relator para negar monocraticamente seguimento ou para dar monocraticamente seguimento em recursos contrários ou a favor de tese firmada  na forma do artigo 932, IV, b e 932, V, b do Código  de Processo Civil; presunção de repercussão geral nos recursos proferidos contra acórdãos em julgamento de casos repetitivos conforme artigo 998, parágrafo único e etc... (DANTAS, 2015, p. 2178)

O próprio Código nas decisões de IRDR, juntamente com os precedentes obrigatórios do artigo 927, terão grande importância para o nosso ordenamento jurídico, pois trarão muitos benefícios, fazendo com que o judiciário retome a sua confiança em face dos jurisdicionados, pois teremos igualdade, previsibilidade e consequentemente segurança jurídica nas decisões do nosso poder judiciário.

A aplicação do sistema com a possibilidade de suscita-lo desde os juízes de primeiro grau é o caminho para a igualdade e segurança jurídica em casos idênticos, e como princípios fundamentais em um regime democrático de direito deve ser buscado a efetivação desses princípios, sendo o incidente  um grande instrumento na busca por essa efetivação dentro do sistema judiciário brasileiro.

 

 

6 CONCLUSÃO

 

 

No presente Trabalho de Conclusão de Curso foi apresentado o Incidente de Demanda Repetitiva previsto no Código de Processo Civil como forma de instrumento na luta pela igualdade e segurança jurídica nas decisões em casos idênticos, foram analisados todo o procedimento de aplicação do Incidente, bem como apresentado a discussão a cerca da sua natureza jurídica e do pressuposto de necessidade ou não de causa pendente no tribunal, além dos benefícios trazidos pelo instituto ao ordenamento jurídico nacional.

Concluímos que o modelo de resolução de causa repetitivas aqui apresentado é um dos precedentes obrigatórios constantes do Código de Processo Civil, e que o entendimento pela sua natureza jurídica deve ser o de procedimento-modelo, em que pese o órgão competente para julga-lo, apenas fixará a tese e não julgará a causa a menos que esta já tramite no tribunal.

Conclui-se ainda, que não existe a necessidade de pendência de causa no Tribunal para instauração do incidente, como parte minoritária da doutrina entende, caso assim não fosse entendido, o instituto perderia a eficácia e o objetivo pelo qual foi criado o instituto que é a igualdade, segurança jurídica e diminuição do abarrotamento do judiciário, já que caso se entenda pela necessidade de causa pendente no tribunal, os juízos de primeiro grau continuariam a decidir uma grande quantidade de causas idênticas de formas diferentes, o que permaneceria com um número infindável de processos.

O presente artigo nos permite concluir que o IRDR trará enormes benefícios ao sistema processual brasileiro, mas para que a totalidade de benefícios seja alcançada em sua plenitude é imprescindível entender pela natureza jurídica de procedimento-modelo e consequentemente por sua arguição ainda quando em juízo de primeiro grau, caso contrário haveria uma mitigação dos benefícios.

Finalmente, a importância do presente artigo consiste em demonstrar como o incidente tem toda capacidade de ser um instrumento que trará igualdade e segurança jurídica, além de amenizar a grande quantidade de processos idênticos.

Mostra-se mais importante ainda no que pese o presente artigo, quando esclarece que seus benefícios e objetivos apenas serão alcançados em sua totalidade caso se entenda que o instituto possui natureza jurídica de procedimento-modelo e que sua arguição pode acontecer sem a necessidade de causa pendente no tribunal.

 

1 Graduando em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Campus Nova Friburgo, Rio de Janeiro. Email: [email protected]

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Referências

7 REFERÊNCIAS

 

 

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João Marcos Souza - Advogado

Advogado - São Paulo, SP


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