RESUMO: Este artigo tem como tema o Feminicídio e a vulnerabilidade da mulher na sociedade atual. Seu objetivo é demonstrar que mesmo após a sanção da Lei nº 13.104/15 a problemática não diminuiu o seu índice. Dividida em três seções, a pesquisa visa mostrar que o patriarcado e a misoginia fazem com que o sexo feminino seja desprezado mesmo em pleno século XXI, fazendo com que o sexo masculino muitas das vezes chegue ao ápice do ódio expresso: o feminicídio, ou seja, nada mais é que a morte pelo mero fato de pertencer ao gênero feminino. Utilizando o procedimento metodológico bibliográfico e documental, chega-se à conclusão de que o patriarcado sufoca a liberdade e igualdade dos gêneros, resultando na violência, no menosprezo e no ódio expresso contra o sexo feminino.
Palavras chave: Feminicídio. Misoginia. Patriarcado. Igualdade de gêneros. Vulnerabilidade da mulher.
ABSTRACT: This article has as theme the Femicide and the vulnerability of women actually. The purpose is to demonstrate that even after the sanction of the Law No. 13.104 / 15, the problem did not decrease to the statistic. Divided into three sections, the research aims to show that patriarchy and misogyny is the reason of the female gender to be despised even in the XXI century, producing the hate apex of the men against the women: femicide, which means the women's death as a result to the fact of belonging the female gender. Using the bibliographical and documentary methodological procedure, concludes that patriarchy suffocates the freedom and gender equality, generating evident violence, contempt and hate against the women.
Key words: Feminicide. Misogyny. Patriarchy.Guality equality. Vulnerability of woman.
Sumário: Introdução; 1.1 A origem do termo Feminicídio; 1.2 A ideologia patriarcal; 1.3 A misoginia e o comportamento de um misógino; 2.1 Conceito de Feminicídio; 2.2 Relevância do tema; 2.3 Consequências do Feminicídio 3 Tipificações do Feminicídio; 3.1 Estatísticas da violência contra a mulher; 3.2 Livro garotas mortas; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
O Feminicídio é o grito expresso do ódio contra as mulheres, da misoginia e da autarquia do sexo masculino sobre o feminino. É o ciúme do marido quando a esposa usa uma veste curta ou que o desagrada por algum motivo, do chefe quando a empregada não se submete as suas constantes investidas, dos homens em uma danceteria, quando uma ou mais mulheres, não cedem as suas cantadas baratas, da filha mulher que muitas das vezes é violentada pelo pai e os irmãos homens, da moradora de uma comunidade que não tem onde morar e como abandonar o companheiro agressivo e sai cedo para trabalhar a fim de garantir o seu pão de cada dia e dos seus filhos menores impúberes.
É a dor de uma mãe de família que apanha calada do marido, rotineiramente, para os filhos não ouvirem. As dores que vão do abalo psicológico à agressão: pontapés, socos, tapas, facadas, muitas das vezes levando a morte. É o sofrimento intenso de uma mulher ao não entender o porquê daquele tratamento do companheiro ou ex companheiro, chefe, pai, irmão ou até mesmo terceiros.
É a diminuição da mulher perante o homem, o suprassumo do machismo ao induzir que o sexo feminino está designado para as tarefas de casa, para cuidar do marido e dos filhos, onde o sexo “frágil” não consegue abrir um vidro, carregar uma bolsa mais pesada e sempre será mais sensível do que o sexo masculino em tudo, chegando ao ápice do horror: a morte brutal de mulheres pelo simples fato de pertencer ao sexo feminino.
A Lei do Feminicídio, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff, altera o artigo 121, do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, do Código Penal, para prever o Feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e, o artigo 1º, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o Feminicídio no rol dos crimes hediondos. Entretanto, mesmo após ter sido sancionada a Lei nº 13.104/15, a problemática não diminuiu o índice, mostrando que apesar de estarmos no século XXI, o machismo e a força brutal do gênero masculino prevalecem sobre o gênero oposto.
Diante da intempérie, um fator que permanece em evidência é que, mesmo após a implementação da Lei como qualificadora de homicídio contra as mulheres, e a inclusão do Feminicídio no rol de crimes hediondos, o público feminino continua sendo alvo de violência doméstica, por vezes levando-as a morte. No entanto, buscou-se reunir dados/informações com o propósito de responder ao seguinte problema de pesquisa: Por que, mesmo após a sanção da Lei 13.104/15, o índice de Feminicídios continuam altos?
A relevância desta pesquisa demonstrará, de forma clara, o porquê o índice de violência contra esse grupo continua em relevância, mesmo após a sanção da Lei, apresentando o conceito, tipificações e o porquê da sua penalização ser um fator que não diminuiu o fenômeno desse tipo de homicídio.
O caráter a ser adotado na pesquisa será a natureza pura, eis que tem como objetivo conhecer a respeito de um problema específico: o alto índice do Feminicídio após a sanção da Lei nº 13.104/15.
O método de abordagem utilizado será o qualitativo e o quantitativo, como por exemplo: os índices de violência contra a mulher e o índice de mortes por Feminicídio no Brasil.
O objetivo da pesquisa é descritivo e exploratório, partindo dos fatos reais, que levam ao Feminicídio, visando proporcionar a familiaridade dos casos descritos na pesquisa em tela com o público no geral.
O Trabalho de Conclusão de Curso - TCC fará uso da pesquisa bibliográfica e documental.
1.1 A ORIGEM DO FEMINICÍDIO
Feminicídio ou Femicídio são os termos utilizados para denominar a morte em razão de pertencer ao sexo feminino, ou seja, pela condição de ser mulher. Esse conceito foi utilizado pela primeira vez em 1970, mas foi nos anos 2000 que deslanchou pelo fato das mortes de mulheres ocorridas no México, País este em que o termo “Feminicídio” ganhou novas características.
O termo Feminicídio foi usado pela primeira vez por Diana Russel e Jill Radford, em seu livro “Femicide: The Politics of Woman Killing”, publicado em 1992 em Nova York. A expressão já tinha sido usada pelo Tribunal Internacional de crimes contra as mulheres, em 1976, e foi retomado nos anos de 1990, para ressaltar a não acidentalidade da morte violenta de mulheres (ALMEIDA, 1998, p. 1).
Segundo o discurso da ministra Eleonora Menicucci na cerimônia da sanção da Lei do Feminicídio:
“Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado. Ao contrário: faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam-se pelo uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie, ressalta.”
Nos anos seguintes, Russel e outras autoras teriam aprimorado o conceito que se tornaria paradigmático para as discussões em torno das mortes de mulheres, ressaltando os aspectos de ódio e desprezo que as caracterizam, através da expressão ‘assassinato misógino de mulheres’ (PONCE, 2011.p.108).
1.2 A ideologia patriarcal
O Patriarcado é a imposição do sexo masculino sobre o sexo feminino, no qual o sexo dominante é o masculino e o sexo dominado é o feminino. Na ideologia patriarcal as mulheres são vistas como objeto sexual dos homens e um ser inferior tendo obrigação de cuidar da casa e dos filhos.
Segundo a professora de Filosofia, escritora e política brasileira Márcia Tiburi (2018, p.09):
“Em uma sociedade patriarcal, costumamos nos posicionar diante do feminismo. Seja qual for a posição que se assuma, é fato que ele deveria ser sempre pensado de modo analítico, crítico e autocrítico, como se deve fazer quando se tratam de posturas teóricas e práticas que exigem nosso senso de consequência.”
Como bem adverte a Antropologia, é preciso também estar atento para a normatividade social que justifica os feminicídios e favorece sua reiteração. Para isso não podemos fixar a atenção apenas no patriarcado como gerador de discriminação, mas temos que incluir outras formas de opressão social que se entrecruzam com o gênero e contribuem para desenhar o contexto que favorece as agressões violentas contra as mulheres, como a classe, a etnia da vítima, a violência do entorno e o desenraizamento social (COPELO, 2012, p.131).
Segundo Márcia Tiburi: (2018,p.49):
“A semelhança entre o poder patriarcal e sua violência tem alguns momentos importantíssimos na história: o sacrifício das jovens e esposas na Antiguidade grega clássica – cuja afinidade ideológica com o sati indiano, o costume de mulheres viúvas se atirarem à pira funerária do marido, não pode ser esquecida – bem como a execução das bruxas pela inquisição cristã, ligada ao avanço do capitalismo no fim do feudalismo. Essas práticas arcaicas têm relação direta com o assassinato de mulheres que não cessa de se repetir ao longo da história, aquilo que há não muito tempo passamos a chamar de Feminicídio”.
Em um Recurso em Sentido Estrito, julgado pela 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo no ano de 2018, temos severos traços do patriarcado:
Recurso em Sentido Estrito. Pronúncia. Feminicídio tentado, qualificado pelo motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima. Recurso em liberdade, com condição de permanecer distante da vítima por cem metros. Despronúncia ou absolvição sumária. Não se infere da prova produzida configurada uma das hipóteses do artigo 415, I, II, III e IV, do Código de Processo Penal. O quadro probatório está a exigir que a imputação formulada deva ser apreciada pelo Tribunal do Júri. O exame da presença da intenção de matar ou não é atribuição do corpo de Jurados. As qualificadoras não se mostram descabidas ou manifestamente improcedentes como necessário para que sejam de pronto afastadas. A sociedade brasileira apresenta traços severos do patriarcado, primando por reproduzir relações sociais de gênero assimétricas. Tenta justificar, com muita naturalidade, graves violações à dignidade da mulher, à integridade física e mental, em nome do sentimento ciúme que, na realidade, nada mais é que a expressão da ideia pré-concebida da desigualdade entre homens e mulheres, ainda introjetada na cultura e pela cultura brasileira. Tenta-se justificar condutas delitivas que, nada mais, nada menos, representam o exercício arbitrário e indevido de direito, que se julga legítimo: à mulher não cabe decidir pelo rompimento de relação afetiva e amorosa, se assim não desejar o homem. Deve se submeter a ela, ainda que os laços afetivos e de respeito mútuo estejam rompidos. À mulher não é dado o direito de não querer manter a união. Subjacente está o sentimento de posse a justificar a decisão de vida ou morte da mulher. Recurso Improvido, mantida a condição de permanecer distante da vítima por cem metros.
(TJSP; Recurso em Sentido Estrito 0000532-37.2016.8.26.0220; Relator (a): Angélica de Almeida; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Guaratinguetá - 4ª Vara; Data do Julgamento: 22/08/2018; Data de Registro: 25/09/2018).
No julgado supramencionado, é visível que mesmo em pleno século XXI, o patriarcado ainda se mantém fortemente na sociedade, tendo como embasamento a ideia de superioridade do gênero masculino sob o gênero feminino, fazendo com que este seja alvo de ódio e menosprezo caracterizando-se assim a misoginia, onde, muitas das vezes, se finda na agressão verbal, psicológica e física até chegar ao ápice: o Feminicídio.
1.3 A Misoginia e o comportamento de um misógino:
Misoginia é o nome dado para a antipatia, o desprezo ou a aversão às mulheres. A palavra tem origem dos termos gregos miseo que significa ódio, e gyne, que se refere à mulher (Houaiss, 2018).
O historiador e filósofo Leandro Karnal (2018), professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), relata em uma entrevista que:
“A misoginia é um dos ‘preconceitos’ mais antigos e mais enraizados da espécie humana. Em uma avaliação da representação da mulher na figura de Vênus, em diferentes períodos da História da Arte, conclui o quanto na visão dos artistas – todos os homens – o corpo da mulher era objetificado, e era de maior relevância na figura feminina.”
O filósofo alemão do século XIX, Arthur Schopenhauer, dizia que “a mulher, por natureza, deve obedecer” e que “as mulheres são naturalmente inimigas”. O filósofo alemão Nietzsche disse que “ao sair para o encontro com uma mulher, não se esqueça de levar o chicote”, em um de seus aforismos. Erasmo de Rotterdam, importante nome do Humanismo, disse que “a mulher é um animal inépito e estúpido, embora agradável e gracioso”.
Segundo Márcia Tiburi (2018,p.39):
“A misoginia é o discurso de ódio especializado em construir uma imagem visual e verbal das mulheres como seres pertencentes ao campo negativo. A violência física também é linguagem. Atos de violência, seja verbal ou física, seja espancamento ou estupro, são de uma lógica diabólica que transforma em negativo tudo aquilo que visa a destruir.”
Márcia Tiburi (2018, p.39) ainda relata que:
“A misoginia está presente quando se associa as mulheres a loucura, à histeria, à natureza – como se houvesse uma predisposição que conferisse a elas uma inconfiabilidade natural, originária. Essa inconfiabilidade mítica foi criada pelo próprio patriarcado para abalar a relação das mulheres entre si. Se as mulheres confiarem em si mesmas e umas nas outras, o sistema sustentando na diferença hierárquica entre homens e mulheres e na estúpida desconfiança sobre a potência das mulheres pode ruir.”
No caso em tela, foi negado um Recurso em Habeas Corpus pela 6ª (sexta) turma do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que o réu foi preso preventivamente acusado de Feminicídio, este no qual houve relatos de Misoginia e ódio expresso à vítima:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. FEMINICÍDIO. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME E REITERAÇÃO CRIMINOSA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. DOENÇA GRAVE. NÃO COMPROVAÇÃO.RECURSO NÃO PROVIDO.1. Para ser compatível com o Estado Democrático de Direito - o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade quanto à segurança e a paz pública - e com a presunção de não culpabilidade, é necessário que a decretação e a manutenção da prisão cautelar se revistam de caráter excepcional e provisório. A par disso, a decisão judicial deve ser suficientemente motivada, mediante análise da concreta necessidade da cautela, nos termos do art. 282, I e II, c/c o art.312 do CPP.2. O Magistrado a quo destacou o modus operandi utilizado pelo réu, o qual, por irresignação com o término do relacionamento, motivado por sentimento de misoginia, desferiu diversos golpes de faca na vítima, ocasionando ferimentos que levaram à sua morte. O Juiz também mencionou não haver sido a primeira vez que o acusado atentou contra a integridade física da ofendida. Esses elementos justificam a prisão preventiva para a garantia da ordem pública e impedem a substituição da medida por cautelares diversas. 3. A colocação do preso em liberdade por estar debilitado em razão de doença grave, como medida excepcional, deve ser comprovada de plano, mediante a apresentação de documentos e laudos médicos que comprovem a ineficiência e a inadequação estatal do tratamento de saúde prestado no sistema prisional, o que não ocorreu in casu.4. Recurso não provido.
(RHC 95.706/BA, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 01/06/2018).
A misoginia é o ódio expresso e a aversão ao sexo feminino, é quando um filho agride fisicamente ou verbalmente sua própria mãe pelo fato dela ser mulher, é o menosprezo de um homem por uma mulher que se enquadra no mesmo posto que ele ou até mesmo superior no mercado de trabalho, é o ranger de dentes pelo fato da mulher usar uma roupa curta e chamar a atenção por onde passa, é o cônjuge que espanca a cônjuge e as filhas mulheres pelo fato de serem mulheres, mas logo em seguida sai para tomar um chopp com os filhos homens, é o estuprador que mesmo realizando o ato sexual forçado com êxito resolve no último momento torturar a vítima levando a morte, em tese é simplesmente odiar tudo que se correlaciona com o sexo feminino de uma forma doentia, esta muitas das vezes imposta pelo próprio sistema do Patriarcado.
2 CONCEITO DE FEMINICÍDIO
O Feminicídio é a morte de mulheres em razão do seu gênero, ou seja, quando executam um homícidio pelo simples fato da vítima ser mulher. Analisando etimologicamente o termo, contatamos que femi deriva de femin-, cuja origem é grega (phemi), significando "manifestar seu pensamento pela palavra, dizer, falar, opinar" e -cídio deriva do latim -cid/um, cujo significado remete à expressão "ação de quem mata ou o seu resultado". (Houaiss, 2018). Designa-se um ato de extrema covardia, em que indivíduos misóginos encontram, como válvula de escape, a morte de suas cônjuges, ex-cônjuges, companheiras, empregadas e parentes em que tenham interesse sexual a fim de projetar suas frustrações, entre outras: o ciúme, o ódio, a rejeição, tendo como base concreta a misoginia e a crença de superioridade.
Segundo, Guilherme Nucci (2018), jurista e magistrado brasileiro, conhecido por sua obra voltada ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal:
“Outro aspecto interessante é a criação do termo – feminicídio – como se o tipo penal, com seu título jurídico (homicídio), fosse insuficiente. A interpretação feita, de longa data, pela doutrina penal, acerca do homicídio, sempre se cingiu à morte de um ser humano – e não de um homem, pessoa do sexo masculino, até porque o tipo é descrito como matar alguém. Este alguém é homem ou mulher.”
De acordo com Rogério Sanches Cunha (2018), Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, professor de Direito Penal e Direito processual Penal:
“Feminicídio, comportamento objeto da Lei em comento, pressupõe violência baseada no gênero, agressões que tenham como motivação a opressão à mulher. É imprescindível que a conduta do agente esteja motivada pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. A previsão deste (infeliz) parágrafo, além de repisar pressuposto inerente ao delito, fomenta a confusão entre feminicídio e femicídio. Matar mulher, na unidade doméstica e familiar (ou em qualquer ambiente ou relação), sem menosprezo ou discriminação à condição de mulher é FEMICÍDIO. Se a conduta do agente é movida pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, aí sim temos FEMINICÍDIO.”
O Feminicídio, nada mais é que o ódio e discriminação contra a mulher, onde o cônjuge, companheiro, amigo, parente ou apenas um mero conhecido ou desconhecido fere o direito à vida da mulher pelo simples fato dela ser mulher, menosprezando o sexo feminino, muitas das vezes abusando sexualmente e ferindo suas genitálias, agindo de modo grotesco demonstrando o ódio e desprezo como sentimentos.
2.1 Relevância do tema
O Feminicídio é um tema importante, uma vez que advém da morte pela mera condição de ser mulher, sendo assim nomeado como Feminicídio o crime de homicídio quando decorrer de violência doméstica ou familiar provocada por discriminação em razão da condição de mulher.
Em Março de 2015, foi sancionada pela presidente Dilma Roussef, a Lei nº 13.104/15, onde houve a alteração do Código Penal Brasileiro, passando a prever o homicídio contra a mulher como uma das circunstâncias qualificadoras do referido crime doloso contra a vida, conforme disposto no art. 121, §2º, VI do Código Penal Brasileiro nascendo assim, na legislação pátria, o Feminicídio, além de incluir o mesmo no rol de crimes hediondos, previsto no art. 1º, I da Lei nº 8.072/90.
Segundo o art. 226, da Carta Magna – CF/88 refere-se nominalmente à violência ao tratar da família e da proteção de seus membros. No parágrafo 8º, desse artigo prevê que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência do âmbito de suas relações.”.
Basted (2011) assevera, que, embora a Carta Constitucional não tenha se referido explicitamente contra a mulher, a partir dos anos de 1990, “a legislação infraconstitucional foi sendo gradativamente alterada e orientada pela preocupação com a violência de gênero” (BASTED 2011, p. 24). Duas recentes mudanças legislativas exemplificam como esta preocupação foi formalizada:
Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher; e Lei 13.104/15, que altera o art. 121, do Decreto 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal), para prever o Feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º, da Lei nº 8.072/90, para incluir o Feminicído no rol de crimes hediondos.
De acordo com Marcela Lagarde (2004), há Feminicídio quando o Estado não dá garantias para as mulheres e não cria condições de segurança para suas vidas na comunidade, em suas casas, nos espaços de trabalho e lazer, mas ainda quando as autoridades não realizam com eficiência suas funções, por isso o Feminicídio também é um crime de Estado.
2.2 Consequências do Feminicídio
O Feminicídio é o ponto culminante de uma violência contínua, tendo como base inicial a agressão verbal, passando para a psicológica, até chegar à agressão física, muitas das vezes mediante recursos que dificultam a defesa da vítima.
Em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, há uma solicitação de substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, que não se mostra adequada ao caso concreto, uma vez que o paciente matou sua companheira através de trauma medular, supostamente por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. FEMINICÍDIO. SEGREGAÇÃO MANTIDA. Paciente preso em 1º de agosto de 2016, por ter, em tese, matado a vítima, sua companheira, através de trauma medular decorrente de lesão cervical, supostamente por motivo fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima. Legalidade da prisão preventiva do paciente reconhecida pela Câmara no julgamento do Habeas Corpus n.º 70073542938. Gravidade concreta do fato. Decreto de prisão preventiva suficientemente fundamentada. Efetiva presença dos requisitos necessários à prisão preventiva verificada. Paciente que é natural do Estado de Santa Catarina, não sendo possível afirmar que seja primário. De todo modo, eventuais condições pessoais favoráveis, por si sós, não tem o condão de ensejar a concessão da liberdade, quando presentes os requisitos da segregação cautelar, como é o caso dos autos. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Ausência do qualquer comprovação no sentido de que o paciente estaria sendo ameaçado pelos irmãos da ofendida. Inexistência de excesso de prazo. Instrução encerrada. Substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas que não se mostra adequada ao caso concreto. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70074130899, Terceira Câmara Criminal,... Tribunal de Justiça do RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em 19/07/2017).
(TJ-RS - HC: 70074130899 RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Data de Julgamento: 19/07/2017, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/07/2017).
Em outra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, temos uma solicitação de “habeas corpus” negada, visto que o paciente acusado de Feminicídio matou sua ex-companheira, em via pública, mediante disparos de arma de fogo, na frente da filha do casal:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FEMINICÍDIO. DEMONSTRADA A NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR. 1. A segregação preventiva é medida extrema e excepcional, condicionada à existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. Outrossim, importa que a prisão corresponda às exigências da proporcionalidade. 2. Perigo da liberdade demonstrado. Paciente acusado de feminicídio, pois teria matado sua ex-companheira, em via pública mediante disparos de arma de fogo, na frente da filha do casal. Perigo da liberdade demonstrado diante da forma como praticado o delito, flagrante o desrespeito para com a vida humana. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70075262709, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ingo Wolfgang Sarlet, Julgado em 18/10/2017).
(TJ-RS - HC: 70075262709 RS, Relator: Ingo Wolfgang Sarlet, Data de Julgamento: 18/10/2017, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/10/2017)
Em virtude dos fatos mencionados, temos o Feminicídio como a morte da mulher por ser mulher, sendo que seu resultado poderia ser evitado através do apoio estatal e se a sociedade fosse menos preconceituosa, não devendo pensar em “porquê a vítima morreu”, “se ela merecia morrer ou não”, “que fatos levaram a morte da vítima” ou “se ela era uma mulher de respeito na sociedade”, mas sim prevenir e punir a misoginia e o ódio gratuito, não acusando a vítima ou a revitimizando, não a julgando e a submetendo a fatos constrangedores, devendo o governo, as autoridades competentes e a sociedade em si se sensibilizar e apoiar as mulheres em situação de vulnerabilidade, que vêm lutando há anos e anos contra esse tipo de discriminação.
3 TIPIFICAÇÕES DO FEMINICÍDIO
De acordo com a doutrina “Feminicídio #InvisibilidadeMata”, o Feminicídio pode ser tipificado de 13 (treze) formas: Íntimo, não íntimo, infantil, familiar, por conexão, o sexual sistêmico, por prostituição ou ocupações estigmatizadas, por tráfico de pessoas, por contrabando, transfóbico, lesbofóbico, racista e por mutilação genital feminina.
O Feminicídio íntimo ocorre quando a vítima tinha uma relação intima com o feminicida, geralmente ele sendo seu namorado, ex-namorado, cônjuge, ex-cônjuge, companheiro ou ex-companheiro, exemplo: Caso Amanda Bueno.
O Feminicídio não íntimo decorre de um terceiro, alguém que a vítima não conhecia, muitas das vezes o Feminicídio é causado por um estuprador que no ato de violentar sexualmente a vítima acaba ceifando também a sua vida, exemplo: Caso Gerciane Pereira Araújo.
O Feminicídio infantil decorre geralmente de alguém responsável por menina menor de 14 anos, podendo ser pai, padrasto, irmão ou alguém muito próximo, onde o homem além de prevalecer sob a menor impúbere, através da sexualidade, prevalece também no fator idade.
No Feminicídio familiar, o assassino possui laços de parentesco com a vítima, podendo ser consanguíneos, por afinidade ou adoção, exemplo: padrasto mata enteada por ciúmes da esposa.
Na morte por conexão, o assassino não mata apenas a vítima escolhida, mas todos a sua volta, aqueles que estão conectados com ela, de certa forma. Exemplo: Caso chacina de Campinas.
O Feminicídio sexual sistêmico é quando as mulheres são previamente abusadas sexualmente, espancadas e muitas das vezes torturadas, existindo dois tipos de Feminicídio sexual sistêmico: o organizado (quando o crime é premeditado) e o desorganizado (quando os fatos surgem durante a violência sexual – ex: vítima reage fazendo com que o assassino a estupre, a torture e a mate).
No Feminicídio por prostituição ou ocupações estigmatizadas, temos a misoginia como embasamento, fazendo com que o feminicida mate pelo fato da vítima atuar na vida noturna como garota de programa, dançarina, reagindo como se a vítima fosse um mal à sociedade e ele o “salvador da pátria”, temos, como exemplo, novamente o caso da dançarina de funk Amanda Bueno, onde a vítima foi discriminada, diversas vezes, pelo fato de ser ex dançarina de funk e ex “stripper”, fatos que faze a vítima ser vista como sem importância para a sociedade, o que é um fator inverídico e ligado à intolerância.
O Feminicídio por tráfico de pessoas decorre da morte de mulheres que são traficadas para outros países e muitas das vezes são exploradas sexualmente.
O Feminicídio por contrabando é a morte de mulheres na migração ilegal para outros países.
O Feminicídio transfóbico é quando resulta a morte de uma mulher transexual pelo fato de ser “trans”, mais uma vez a misoginia entra em cena, exemplo: Caso Laura Vermont e recentemente Matheusa.
O Feminicídio lesbofóbico, é aquele no qual a vítima é morta pelo fato de ser mulher e lésbica.
No Feminicídio racista, temos o caso de Yasmin Costa, onde a estudante de 19 anos, que cursava Física na Universidade Federal de Sergipe – UFS foi brutalmente assassinada pelo namorado a facadas em um apartamento no bairro Coroa do Meio, em Aracaju, Sergipe.
Por fim, temos o Femicídio por mutilação genital feminina, onde temos novamente o caso Gerciane, a jovem de 26 (vinte e seis anos) que teve um corte que a perfurou do tórax a região pubiana, tendo o seu órgão genital arrancado e colocado em sua boca.
3.1Estatísticas da violência contra a mulher
A implementação da Lei nº 13.104/15, denota um crime de gênero, onde há um embate do gênero masculino para com o gênero feminino, e que apesar de no século XXI, ambos possuam direitos iguais perante a Lei. Em se tratando da força brutal, fica explícito que o sexo masculino possui, na maioria das vezes mais força em relação ao sexo feminino, além dessa força ser incitada desde a criação, ainda na infância, fazendo com que a violência doméstica acometida sob muitas mulheres se torne um troféu, que representa covardia e crueldade.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ainda que alguns Tribunais não disponham de estatísticas sobre o Feminicídio (caso dos TJAP, TJAL e TJRN), a movimentação processual desse tipo de crime é expressiva. Em 2016 ingressaram 2.904 casos novos de Feminicídio na Justiça Estadual do país; tramitaram ao longo do ano um total de 13.498 casos (entre processos baixados e pendentes) e foram proferidas 3.573 sentenças. Os estados com o maior número de casos novos em Feminicídio são: Minas Gerais (1.139), Pará (670) e Santa Catarina (287).
3.2 Livro garotas mortas
Na obra de Selva Almada, a autora relata três casos de Feminicídio no interior da Argentina na década de 1980. Andrea Danne, María Luisa Quevedo e Sarita Mundín.
A autora relata que na época não era utilizado ainda o termo Feminicídio, mas este seria o termo mais adequado aos três crimes cometidos, onde garotas foram brutalmente assassinadas sem nunca acharem os verdadeiros culpados.
Almada (2018,p.12) inicia a obra relatando a morte brutal de Andrea Danne:
“Eu tinha treze anos e, naquela manhã, a notícia da garota morta me chegou como uma revelação. Minha casa, a casa de qualquer adolescente não era o lugar mais seguro do mundo. Você podia ser morta dentro da sua própria casa. O horror podia viver sob o mesmo teto.
Nos dias seguintes, conheci mais detalhes. A garota se chamava Andrea Danne, tinha dezenove anos, era loira, bonita, de olhos claros, estava namorando e fazendo um curso de psicologia. Tinha sido assassinada com uma punhalada no coração”.
No caso María Luisa Quevedo, Almada relata que ao sair para trabalhar a vítima não retornou, sendo estuprada, estrangulada e abandonada em um terreno baldio. Almada (2018, p.17) relata que:
“A polícia mal tinha começado as buscas quando, na manhã do domingo, 11’ de dezembro, o telefone do Primeiro Distrito tocou. Do outro lado da linha alguém avisava que havia um corpo num terreno baldio entre as ruas 51 e 28, na periferia da cidade. Por muito tempo, aqueles terrenos abandonados tinham sido explorados para extrair terra usada na fabricação de tijolos, e agora restava uma extensa escavação de pouca profundidade, que quando chovia se enchia de água, formando uma lagoa que as pessoas do lugar chamavam de represa. Foi nessa represinha de pouca água que abandonaram o corpo da menina. Tinha sido enforcada com o mesmo cinto de couro que pusera na manhã em que saiu de casa para trabalhar.”
O último e não menos importante caso relatado na obra de Almada é o de Sarita Mundín, jovem de 20 (vinte anos) que ao sair com seu amante nunca mais retornou, permanecendo desaparecida durante 09 (nove) meses até aparecer sua ossada entre galhos de uma árvore nas margens de um rio. Almada (2018,p.19) relata que:
“Ficou desaparecida durante quase um ano. No final de dezembro, o sitiante Ubaldo Pérez encontrou restos de uma ossada humana presos entre os galhos de uma árvore, às margens do rio Ctalamochita, que divide as cidades de Villa María e Villa Nueva. Estavam nas imediações de um local conhecido como La Herradura, perto de Villa Nueva. Pelo estado dos restos, apenas ossos descarnados, é provável que ela tenha sido assassinada no mesmo dia em que saiu com seu amante, mas nunca foi possível determinar de que maneira.”
Almada, relata em diversos momentos em sua obra o medo que enfrentou na adolescência à respeito dos homicídios das três jovens, menciona que não sabia que uma mulher poderia ser morta pelo mero fato de ser mulher, e que é assustador, pois quando os casos não acabam em morte as mulheres são vistas como objetos de misoginia, abuso e desprezo.
CONCLUSÃO
Em virtude dos fatos mencionados, percebe-se que mesmo após o sancionamento da Lei nº 13.104/15 não ocorreu à diminuição do índice de violência contra o sexo feminino. Com isso necessita-se não somente de melhorias dentro da segurança e apoio estatal, mas, também mudanças socioculturais, eis que a violência contra a mulher é, hoje, uma violação não somente ao gênero feminino, porém também aos direitos humanos, sendo cruelmente boicotado através do patriarcado e a misoginia. De acordo com o artigo 226, § 8º da Carta Magna, o Estado assegura a assistência à família e a todos os membros que a integram, no âmbito de suas relações, sendo de extrema importância o apoio psicológico e a total segurança às vítimas de violência contra à mulher, pois assim poderão ser evitados muitos Feminicídios futuros.
Esta pesquisa objetivou exatamente analisar o direito constitucional do sexo feminino como ser humano, destacando que todos têm direitos iguais perante a Lei, independente de sexo, raça ou gênero, não podendo ser menosprezado e engolido pelo sistema. A hipótese que se pretendeu demonstrar foi a de que este direito é garantido em nosso ordenamento, porém seu exercício não é ilimitado e irrestringível juridicamente.
Para se atingir uma compreensão dessa realidade, foram utilizados diversos casos atuais, onde mulheres foram brutalmente assassinadas por seus cônjuges, ex cônjuges, companheiros, namorados, amigos, parentes ou até mesmo por terceiros, denotando-se que, mesmo no século XXI, o sexo feminino ainda é alvo do patriarcado, sendo visto pela sociedade como objeto sexual e obrigados a cuidarem do lar, marido e filhos, e quando fogem desse padrão são visados como seres incapazes.
Por fim, conclui-se que embora a Lei 13.104/15 tenha incluído o Feminicídio como uma modalidade de homicídio qualificado, passando a fazer parte do rol de crimes hediondos, o ordenamento brasileiro e as organizações estatais deixam a desejar. Além desse aspecto, ainda é exacerbada, na sociedade, a idéia do patriarcado, que remete ao homem a superioridade sobre as mulheres, como padrão social a ser seguido, e a misoginia que vem sendo visada como algo habitual e cultural.