1. INTRODUÇÃO
A degradação ambiental é uma prática tão antiga quanto a humanidade. Ao longo dos séculos o homem vem inovando nas maneiras de depredar o ambiente que o cerca. A primeira e segunda guerras mundiais deixaram rastros de destruição por todo o mundo. A periculosidade do uso de substâncias químicas para a fabricação de armamento bélico somente foi superada pelo emprego de elementos nucleares, que causaram danos antes nunca vistos.
De outra banda, a Revolução Industrial foi responsável pelo aceleramento da exploração de recursos naturais, bem como o descarte indevido de substâncias tóxicas na natureza. A conscientização da necessidade de proteger o meio ambiente crescia continuamente. Isso levou os líderes mundiais a se reunirem todos os anos para buscar a aplicação de métodos e implantação de políticas de preservação ambiental, conjuntamente.
Foi com base nos tratados internacionais que o Brasil iniciou sua marcha política em prol da proteção ambiental. A criação de leis esparsas precedeu a instituição dessa ideologia na Constituição Federal de 1988, a qual trouxe grandes mudanças acerca do instituto da responsabilidade ambiental.
Além do caráter punitivo, a responsabilização pelo dano ambiental também tem caráter preventivo. A aplicação de sanções, juntamente com os encargos exigidos para a prática de qualquer atividade potencialmente danosa, tem por escopo evitar comportamentos irresponsáveis para com o meio ambiente, buscando a construção de uma relação de equilíbrio entre o homem e a natureza.
2. MEIO AMBIENTE: CONCEITO E DANO
Inicialmente, cabe esclarecer o que é meio ambiente. A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/31), em seu artigo 3º, inciso I, conceitua o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Nas palavras de Marcelo Abelha Rodrigues, essa conceituação do legislador corresponde a “uma interação de tudo que, situado nesse espaço, é essencial para a vida com qualidade em todas as suas formas” (2016, pág. 70). Assim, por meio ambiente, podemos entender a vegetação, os animais, o solo, a atmosfera, os minerais, os metais, os fenômenos da natureza, bem como os microrganismos e tudo que eles compõem.
Em outras palavras, nós, seres humanos, tudo o que nos cerca, e a maneira como ocorre a interação entre todas as coisas, é chamado de meio ambiente. Logo, compreendemos que a sua degradação não é uma mazela da era moderna. A agressão humana à natureza data desde a Idade Média. A Revolução Industrial também foi um período de poluição desigual.
O descarte de resíduos na natureza não só causou danos à natureza, mas também à saúde humana. Com o aumento da demanda por matéria prima, reforçou-se a extração abusiva de recursos naturais, bem como o descarte impróprio de resíduos industriais nos rios e lagos, que causou surtos de cólera por toda a Europa (HOBSBAWN, 2009).
A poluição de rios e lagos com muita dificuldade pode ser revertida. Sob esse aspecto, surgiu o Protocolo de Annapolis, publicado em 1999 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com o objetivo de cessar o lançamento de esgotos sanitários no mar, ou ao menos reduzi-los.
A Primeira Guerra Mundial deixou rastros de destruição por todos os lados, com o uso de armas químicas em bombardeios. Entretanto, os maiores estragos foram causados durante a Segunda Guerra Mundial, período em que a humanidade descobriu da pior forma possível os efeitos catastróficos da radiação.
Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, há 75 anos, revelou-se o verdadeiro potencial de destruição do ser humano, quando a Força Aérea Americana bombardeou duas cidades japonesas, Hiroshima e Nagasaki. Os efeitos da bomba atômica perduram até hoje nessas regiões, não obstante, em 2011 os japoneses foram vítimas dos efeitos da radiação mais uma vez (ALMEIDA, 2017).
A onda gigante que devastou a costa japonesa também provocou um desastre nuclear. Fukushima foi considerado o maior acidente dessa classe desde Chernobyl, outro desastre nuclear, ocorrido na Ucrânia em 1986. Em ambos os desastres, sequelas foram deixadas no meio ambiente e na vida das pessoas que ainda vivem nas redondezas dos locais afetados (ALEXIEVICH, 2016).
No Brasil, quando ocorreu o acidente radioativo com o césio-137, na cidade de Goiânia, o procedimento inicial para evitar que a radiação se espalhasse foi isolar os que foram expostos, e confinar todos os objetos presentes nos locais dentro do raio de contaminação (SOUZA, 2017). Tal medida impediu a que a radiação se espalhasse, mas não sem antes deixar vítimas de seus efeitos.
A contaminação nuclear, uma vez que se deposita no solo se incorpora à cadeia alimentícia das espécies locais e se espalha com o vento e com as chuvas, contaminando tudo à sua volta. Distintamente do que se imagina, a radiação não deixa o solo infértil, o que é ainda mais perigoso, pois tudo o que cresce na região contaminada também se contamina, escalonando os estragos dia após dia (OKUNO, 1988).
3. DA RESPONSABILIDADE AMBIENTAL
O direito brasileiro entende a responsabilidade como o ressarcimento relativo ao dano causado. Para Carlos Roberto Gonçalves o dever de indenizar deve ocorrer da prática de um ato lesivo que constitua violação de um dever jurídico preexistente, ou seja, é necessário que o direito seja violado e o dano seja causado (2011, pág. 18), pois de outra forma, o dever de reparar não existiria.
A ideia de responsabilidade vem desde o direito romano e exprime a noção de reparação do dano causado, que pode resultar de uma transgressão das normas morais ou jurídicas de forma que cause prejuízo a outrem e, assim retroceder o local afetado ao status quo. O Código Civil estabelece em seu artigo 927 que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo”.
O dano ambiental, portanto, compreende qualquer tipo de poluição ou degradação ao bem jurídico tutelado. Sob esse aspecto, a responsabilização ambiental encontra seu cerne no princípio do poluidor-pagador, pelo qual toda reparação deverá ser precedida da existência de um dano ambiental, aplicada propriamente ao causador do dano (RODRIGUES, 2016).
Esse instituto relaciona-se ainda com a ideia de prevenção à degradação do meio ambiente, ocasionada por quaisquer atividades nocivas, tais como a poluição de rios e suas nascentes, lagos e oceanos, descarte inadequado de dejetos industriais, realização de queimadas, vazamento de óleo no mar, contaminação do solo ou do ar causada por substâncias tóxicas, à longo prazo causam danos irreversíveis inclusive, para a vida humana.
Derramamentos de óleo no oceano, por exemplo, são difíceis de ser controlados e nunca será possível a recuperação dos locais afetados, como ocorreu no caso do vazamento do navio petroleiro Exxon Valdez, na costa do Alaska. O desastre matou inúmeras espécies de animais marinhos e prejudicou a economia local que se baseava na pesca, abalando gravemente o ecossistema local, apesar das infrutíferas tentativas de sanear a área (MADOV, 2017).
Carlos Roberto Gonçalves explica ainda, que a responsabilidade civil “destina-se a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil” (2012, p. 16).
Portanto, entendemos que o objetivo da responsabilidade é, além de punir o agente, prevenir a ocorrência do dano e compeli-lo a restaurar o estrago já causado, embora essa reparação muitas vezes se mostre inviável. Neste caso, a indenização pecuniária é aplicada, sem prejuízo da aplicação de outras sanções.
A Constituição Federal de 1988 deu destaque a questão ambiental, que trata o tema com grande relevância e, no que tange a responsabilidade ainda inova, quando estabelece que além das pessoas físicas, também as pessoas jurídicas estarão sujeitas às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar, ou seja, a responsabilização pelo dano na esfera criminal não implica a esfera cível.
4. A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA
Atualmente, contamos com 17 leis ambientais que preveem desde infrações e punições a regras de zoneamento industrial. Entre as mais relevantes está o Novo Código Florestal (Lei nº Lei 12.651/2012), que revogou o código anterior (Lei nº 4.771/65), e tem por principal escopo determinar a proteção das florestas nativas e os locais de preservação permanente.
Além de limitar o uso da propriedade, de forma a compelir o proprietário a respeitar a vegetação nativa em áreas de preservação permanente, o Código Florestal de 2012 também regula a exploração florestal, que ameaça o ecossistema brasileiro há décadas, especialmente a floresta amazônica, onde o desmatamento aumentou 29% de agosto de 2015 à julho de 2016, em relação ao período anterior[1].
Porém, o código atual pode não viger por muito mais tempo. A Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas realizou recentemente uma audiência pública para debater a possibilidade de implantação de um novo Código Florestal, alinhando a nova lei com as disposições pactuadas no Acordo de Paris[2]. Na contramão da proposta, o governo brasileiro tem tentado extinguir áreas de Reserva Legal na Floresta Amazônica.
A Amazônia se estende por 49% do território brasileiro, e se distribui por nove estados das regiões norte, nordeste e centro-oeste. Com uma biodiversidade sui generis, abriga metade das espécies terrestres do planeta, além de garantir a subsistência das pessoas que vivem às suas margens[3]. Embora existam políticas de preservação e fiscalização, a exploração ilegal de madeira segue desenfreada.
A mineração, que seguia controlada nas últimas décadas, acaba de tornar mais uma ameaça ao equilíbrio desse frágil ecossistema. No final de agosto do corrente ano, o atual Presidente Michel Temer, assinou um decreto extinguindo uma reserva ambiental de mais de quatro milhões de hectares entre os estados do Amapá e do Pará, autorizando a exploração de minerais na região, o qual foi embargado pela Justiça Federal do DF (SENRA, 2017).
O setor agropecuário também é um grande responsável pelo desmatamento inconsequente. Por essa razão, o atual Código Florestal criou limites de exploração, cujo controle e monitoramento será realizado através do cadastro das propriedades. O proprietário deverá preservar 20% do imóvel a título de Reserva Legal, 80% para imóveis situados em área de floresta e 35% para as propriedades localizadas em área de cerrado (Art. 12, Lei nº 12.651).
O novo código trouxe mudanças pequenas em relação ao seu antecessor, porém, muito significativas. A discriminação expressa das áreas de preservação permanente (APP) é uma das novidades do código, além de uma nova concepção à ilicitude do desmatamento na área de reserva legal, que ainda passível de exploração, embora de maneira mais limitada, restringindo exercício do direito à propriedade.
Embora nocivo, o desmatamento não foi o único responsável pelo perecimento das espécies habitantes da Amazônia. Por causa da caça ilegal de animais silvestres, que foi criminalizada pela Lei 5.197 de 1967, várias espécies correm risco de extinção. Ainda que a caça nunca tenha deixado de existir, a Lei da Fauna Silvestre teve grande impacto, pois antes de seu advento era comum a venda de animais silvestres no comércio brasileiro.
O risco de extinção foi finalmente evidenciado no palco do cenário mundial. Proibida no Brasil, a caça de animais silvestres também está tipificada na Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), cuja principal finalidade, além da repressão à prática desses delitos, é a reparação do dano causado ao meio ambiente, por meio de três formas de responsabilização: penal, administrativa e civil.
A Constituição Federal prevê sanções nessas três esferas do direito em razão da alta relevância do bem jurídico tutelado, pois “o meio ambiente está relacionado à dignidade da pessoa humana e representa as diversas manifestações de vida” (FIORILLO, 2012). O Direito Ambiental tem evoluído em escala global, de forma que a responsabilização é de vital importância na luta da preservação do meio ambiente.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o início da urbanização, o frágil equilíbrio da relação entre homem e natureza está comprometido. A mentalidade de abundância e infinidade dos recursos naturais se dispersou, dando início a uma era de inconsequente exploração e depredação ambiental sem fim.
O Direito Ambiental surgiu para zelar pelo futuro de um meio ambiente equilibrado, de fato, pela existência de um futuro para o meio ambiente. No entanto, essa conscientização não viria pelo simples apelo dos ambientalistas, seria necessário o emprego de políticas públicas em prol da preservação do ecossistema, bem como de sanções para aqueles que caminhassem na contramão dessa nova ideologia.
A implicação da responsabilidade nas esferas administrativa, penal e civil funcionam de maneira independentes e autônomas entre si. Essa triplicidade não gera bis in idem, pois cada sanção objetiva uma conduta diversa, portanto, a aplicação de punições nas três esferas ao mesmo infrator se justificará sempre que houver multiplicidade das condutas adequadas a cada tipo.
A Lei dos Crimes Ambientais tipifica as condutas pertinentes às infrações penais e administrativas. Toda a ação que acarrete dano ambiental deverá ser reparada, independentemente de culpa ou dolo, pois a proteção do meio ambiente se calca nos princípios da Prevenção e da Precaução, pelos quais o indivíduo deverá tomar medidas cautelares em toda atividade potencialmente danosa, certo do dano ou, no mínimo, ciente do risco.
Um meio ambiente equilibrado é direito de todos, portanto, sua proteção também é dever de todos. Embora a legislação ambiental careça de ajustes e aprimoramento, o Brasil conta com um eficiente conjunto de normas capazes de promover a proteção do meio ambiente, se observadas e respeitadas em sua finalidade.
[1] Pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Dados da reportagem do Greenpeace Brasil. Disponível em: http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Desmatamento-dispara-na-Amazonia-/
[2] Dados obtidos em consulta pública no site do Senado. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade
[3] Dados da reportagem do Greenpeace Brasil. Disponível em: http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Desmatamento-dispara-na-Amazonia-/