Apesar de a penhora on line não ser nenhuma novidade no âmbito jurídico, algumas interpretações equivocadas ainda têm ocorrido, ao menos no que se refere as execuções fiscais.
Conceituando o referido instituto, vislumbra-se que este nada mais é do que a constrição de ativos financeiros mediante bloqueio do dinheiro diretamente em contas bancárias do executado, que é feita pelo próprio Juiz da causa mediante o sistema eletrônico denominado BacenJud, em que ele comunica e determina que as instituições bancárias informem se há saldo em conta em nome da parte e se houver, que já realizem o bloqueio do valor requerido e, então, o titular (executado) não consegue retirar ou movimentar mais tais valores.
O referido instituto está previsto no Código de Processo Civil desde o ano de 2006, e, recentemente, sofreu alterações que incluíram a prerrogativa de que esta seja realizada “sem dar ciência prévia do ato ao executado”, isto é, antes mesmo da citação nas ações de execução (art. 655-A, antigo CPC e art. 854, novo CPC).
Não se pode negar que aqui o legislador deu um verdadeiro golpe de mestre para as ações de execução, sendo evidente que os princípios da eficiência, economia e celeridade processuais vieram com ênfase para promover a garantia de satisfação do crédito do exequente, de modo que a indisponibilidade de ativos financeiros passou a ser possível antes mesmo de o executado tomar ciência de que contra ele existe uma ação executiva, o que obsta o costumeiro “jeitinho brasileiro” de limpar as contas e sumir com bens para evitar o adimplemento forçado.
De fato, o novo instituto se apresenta condizente com as execuções reguladas pelo CPC/2015, vez que auxilia no adimplemento de títulos de créditos tal como como cheques, notas promissórias, etc., em relações privadas.
Porém, quando se trata de execução fiscal com legislação específica acerca da cobrança de dívidas públicas entre o Fisco e o Contribuinte, em que o título de crédito consubstancia-se por certidão de dívida ativa, a figura muda drasticamente de cenário.
O Código Tributário Nacional e a Lei de Execuções Fiscais preveem rito processual diverso, de modo que antes de se cogitar a penhora on line, é necessário que haja a citação válida do executado e, também, a ausência de pagamento da dívida ou de apresentação de garantia do crédito mediante nomeação de bens à penhora (art. 185-A, CTN / art. 8º 11º da Lei nº 6.830/1980).
Desse modo, a legislação específica visa garantir ao contribuinte executado a oportunidade de que, ciente da dívida executada, possa pagá-la se achar devida; informar que já a pagou ou que existe parcelamento de débitos em vigor, fato que implica na suspensão de exigibilidade do crédito executado; nomear bens à penhora, no caso do não pagamento imediato para garantir o juízo e apresentar defesa, seja por embargos ou exceção de pré-executividade, demonstrando que o crédito executado é indevido ou ilegal; que há ilegitimidade passiva; que houve prescrição; decadência e assim por diante.
Logo, é necessária a citação prévia e válida nas execuções fiscais antes de ser realizada a indisponibilidade financeira de valores em conta bancária do executado, ou seja, antes de haver a penhora on line, o contribuinte deve ter ciência de que contra ele corre uma execução.
Evidente, portanto, que o rito processual é diverso entre a execução cível privada e a execução fiscal, o que não deve ser visto como desequilíbrio ou privilégios concedidos aos contribuintes, mas sim da máxima em que se “deve tratar os iguais de forma igual e os desiguais na medida de sua desigualdade”.
Apesar disso, tem-se percebido que alguns magistrados federais têm interpretado equivocadamente a legislação de regência, de modo a determinarem a prévia indisponibilidade financeira do executado fiscal, até mesmo sem pedido do exequente nesse sentido.
Essas decisões geram certa preocupação, eis que além de obstar a ciência do contribuinte acerca da dívida executada para promoção de sua defesa ou mesmo quitação/negociação dos valores, gera o bloqueio imediato de ativos financeiros de suas contas bancárias o que implica na instabilidade e até mesmo interrupção de suas atividades comerciais, visto que em sua maioria os executados fiscais são pessoas jurídicas.
Veja que não se nega a possibilidade de haver a penhora on line nas execuções fiscais, eis que reconhecida como uma das maneiras mais eficazes de satisfação de créditos, mas é de se perfilhar que o momento processual adequado para tanto deve se dar posteriormente à citação válida do executado fiscal.
Por certo que esse entendimento se reflete em decisões obtidas junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região que reconheceu, recentemente, que a penhora on line sem a citação prévia do executado fiscal afronta aos dispositivos contidos na Constituição Federal (arts. 5º inc. LIV e LV), na Lei de Execuções Fiscais (art. 8), no CPC (art. 805, 492 e 854), na Resolução do CJF nº 524/2006 e no Código Tributário Nacional (art. 151).
Ainda que muitos não reconheçam, os reflexos da crise vivenciada pelo Brasil nos últimos anos assolam a todos e, na atual conjuntura em que os empreendedores buscam se reerguer, movimentar e aquecer o mercado novamente, decisões como esta acabam por gerar graves consequências não apenas para o contribuinte executado que é surpreendido com a indisponibilidade de seu capital atravancando investimentos, mas também porque o impede de honrar com os seus compromissos diários, como o pagamento de fornecedores, colaboradores e empregados etc., afetando, assim, toda cadeia comercial em que está inserido.
Izabete Betti
Advogada Ambiental e Tributarista
Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico
Membro da Comissão de Estudos Tributários e Defesa do Contribuinte da OAB/MT