Isis Sangy de Almeida Torquato1
1 Artigo científico elaborado para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Centro Universitário Braz Cubas, sob orientação do Professor Doutor Ivan Durães.
RESUMO
Este artigo tem como objetivo examinar os entendimentos contraditórios, doutrinários e jurisprudenciais em relação à inelegibilidade por condenação em improbidade administrativa, se este efeito é automático ou deve constar expressamente. Para melhor compreensão deste estudo é imprescindível demonstrar análises históricas, bem como os diplomas legais de direito eleitoral, administrativo e constitucional. Em razão da complexidade dos elementos dos dispositivos relativos ao tema é necessário utilizar-se dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para identificar no caso concreto qual entendimento deve ser adotado, uma vez que o bem jurídico lesado prevalece diante do direito do particular.
ABSTRACT
This article aims to confront the contradictory, doctrinal and jurisprudential in relation to ineligibility because of condemnation for administrative improbity, if the effect must be automatic or explicitly stated. To provide a better comprehension of this study is indispensable shows historic analysis and also of electoral, administrative and constitutional laws and doctrinal understanding. Because of the complexity of the device elements related to the theme it is needed to use the reasonableness and proportionality principles to identify which understanding should be adopted to the concrete case, as this the legal assets damages predominate over the private law.
SUMÁRIO
Introdução. 1. Direito eleitoral e inelegibilidades: 1.1 Breve história no Brasil; 1.2 Inelegibilidades constitucionais; 1.3 Inelegibilidades infraconstitucionais. 2. Improbidade administrativa: 2.1 Espécies de improbidade; 2.2 Sanções da improbidade; 2.3. Suspensão dos direitos políticos e consequências. 3. LC 135/2010 – “Lei da Ficha Limpa”: 3.1. Origem da Lei; 3.2. Dos requisitos para inelegibilidade por improbidade administrativa; 3.3. Divergências no entendimento quanto à sanção constar expressamente na sentença.
INTRODUÇÃO
Buscou o presente artigo esclarecer se a sentença de improbidade administrativa deve constar a sanção de inelegibilidade expressamente. Inicialmente tratou de abordagens históricas sobre o direito a voto e conceitos iniciais ligados ao direito eleitoral. Posteriormente foram examinados elementos do direito administrativo relacionados à improbidade administrativa. Também foi analisada a lei da Ficha Limpa, tratando da época em que foi estabelecida no ordenamento jurídico – visto que o momento era de grande discussão os atos que importavam lesão ao erário e enriquecimento ilícito, provenientes ainda da corrupção –, os requisitos dispostos no art. 1º, I, “l” Lei Complementar nº 64/90, como a necessidade de cumulação dos atos mencionados acima, condenação em suspensão dos direitos políticos, bem como a discussão cerne do artigo. Desta forma, analisados os elementos necessários, foram explanados os diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes quanto a sentença de improbidade constar expressamente a sanção de inelegibilidade ou ser automática.
DIREITO ELEITORAL E INELEGIBILIDADES
Breve história no Brasil
Ao contrário do que se imagina, a história do voto surgiu muito cedo no Brasil. Conforme Ferreira1, Pereira, Dornelles e Cajado2, em 1532, Martim Afonso de Souza, por determinação do Rei de Portugal, juntamente de 400 pessoas que vieram a bordo de 5 navios, estabeleceram e criaram duas vilas: São Vicente e Piratininga. Tal sociedade foi regulada pela “Ordenação do Reino”, que era o livro máximo de Portugal, e determinava a Monarquia como forma de governo em âmbito nacional, e a República como forma de governo em âmbito local (vilas e cidades). Nessas vilas e cidades elegiam o Conselho da República, composto por: procuradores, vereadores, juízes ordinários e outros oficiais.
Importante salientar que Ferreira3 afirma que o povo – denominado pela época como “cidadãos”, “gente mecânica”, ou ainda, “oficiais mecânicos”, que era a plebe – tinha o direito de votar, rebatendo o que foi contado por Viana4 (que a população das vilas estava excluída, não podendo votar e ser votada), diz que não haviam quaisquer restrições ao voto e que: “(...)em História não existem autoridades, mas sim documentos. E a documentação abundantíssima das nossas câmaras municipais, particularmente a de São Paulo, que foi a que mais se conservou, aí está para provar que Oliveira Viana foi leviano na sua afirmativa. Mas, deixemos em paz os pobres repetidores que, como papagaios, invocam a “autoridade” de Oliveira Viana”.
Foi na Constituição de 1824 que pela primeira vez foi definido o direito de voto. Os requisitos eram: ter no mínimo 25 anos – com exceção os bacharéis e clérigos, sem limite de idade e os casados e oficiais militares a partir dos 21 anos de idade. O voto era vedado aos “filhos-família” que morassem com os pais e não fossem funcionários públicos, religiosos em claustros e criados de servir (art. 92 da Constituição de 1824). Nesta época também havia restrição quanto a capacidade econômica: 100 mil réis para os votantes e 200 mil réis para ser eleitor. Em 1846 a restrição do valor subiu para 200 mil réis e 400 mil réis respectivamente5.
As eleições tinham quatro graus: o povo (gente mecânica) – votantes (1º grau) – escolhia os compromissários; os compromissários escolhiam os eleitores de paróquia – eleitores (a partir do 3º grau); estes escolhiam os eleitores de comarca e estes, por fim elegiam os deputados6. O requisito monetário durou todo o império e a Junta que avaliava se as condições eram preenchidas. Alguns cidadãos que tinham determinadas profissões não necessitavam preencher o requisito monetário. Em razão de existir poucos documentos relativos ao número de pessoas que votavam na época, não é possível mensurar com certeza o impacto que tal exigência causou, mas os poucos dados existentes apontam que esse não era o motivo de excluir muitos cidadãos do processo eleitoral7.
A Constituição de 1824 não estabeleceu restrição quanto aos analfabetos, mas entre 1824 e 1842 era necessário assinar o papel (cédula) com a lista dos candidatos, e mais uma vez, em razão dos precários documentos existentes, não é possível saber certamente se foram excluídos os analfabetos do pleito8. Em 1881, com a chamada Lei Saraiva, a exigência de comprovação de renda se tornou mais rigorosa, cabendo ao cidadão comprovar sua capacidade econômica. No entanto, quanto aos analfabetos o direito de voto era garantido, mas foi proibido, pela primeira vez, o analfabeto ser eleitor (conforme a diferença já tratada quanto à votante e eleitor)9.
A República foi estabelecida em 1889, e após quatro dias de sua proclamação um decreto extinguiu o voto por censo econômico e vedou a votação dos analfabetos. O voto também foi vedado aos menores de 21 anos de idade e aos praças (militares), mas ampliado aos estrangeiros. A Constituição Federal de 1891 replicou os requisitos do decreto de 1889 e vedou ainda o direito de voto dos mendigos e religiosos sujeitos ao voto de obediência. Não era expressamente proibido o voto das mulheres, pois como de costume à época a política era atividade masculina10.
As mudanças no país também foram em razão do momento histórico no mundo quanto a esses direitos. O Brasil suspendeu o voto censitário – por capacidade econômica – no mesmo momento de democratização das Américas e Europa e foi o último país a abolir o censo literário. O Código Eleitoral de 1932 estabeleceu sanções aos eleitores não alistados e inaugurou o voto feminino (facultativo – assim como para os maiores de sessenta anos de idade.
Já em 1934 a Constituição reconheceu formalmente o papel da Justiça Eleitoral, ratificou o voto feminino e reduziu a idade mínima para voto para 18 anos, continuando vedado o voto aos praças e analfabetos. Nesta Carta Magna também foi determinado a obrigatoriedade do voto e alistamento àqueles que exerciam funções públicas remuneradas (homens ou mulheres) e tornou facultativo o voto somente aos militares, magistrados e cidadãos com mais de sessenta anos. Em uma lei de 1935 estipulou-se as seguintes penalidades aos que não se alistassem ou não comparecessem para votar: sem o título não era possível exercer cargo público, provas identidade e deveria pagar multa anual; aos não votantes sem justo impedimento deveria pagar multa de igual valor11.
A lei Agamenon (1945) replicou os requisitos da Constituição de 1934, com uma alteração quanto ao voto feminino: passou a ser obrigatório àquelas que exerciam profissões lucrativas. Na Lei Maior de 1946 tornou-se obrigatório o voto para ambos os sexos e o Código Eleitoral de 1950 dispôs que seria facultativo nas seguintes hipóteses: inválidos, maiores de setenta anos e mulheres que não exercessem profissões lucrativas. Neste período os analfabetos continuaram excluídos do processo eleitoral, com o fundamento de que não possuíam competência técnica para votar e que era necessário combater o analfabetismo12.
A Constituição de 1946 manteve-se no período do regime militar, no entanto, em razão da mudança do regime, com a implantação do militarismo, em 1965 foi aprovado um novo Código Eleitoral que incluiu regras referentes à organização da Justiça Eleitoral, processo de alistamento, sistema eleitoral, método de votação e apuração de votos e propaganda eleitoral.
Este diploma legal foi o primeiro a prever a obrigatoriedade do voto feminino no Brasil, sem diferenciar aquelas que não exerciam função pública ou atividade lucrativa. Também no Código Eleitoral de 1965 – que ainda está vigente com reformulações – aumentaram-se as sanções quanto à desídia do voto. Os que faltassem ao pleito sem justificação além de multa (de 5% a 20% do salário mínimo) eram impedidos de inscrever-se em concursos públicos, receber salários se já fossem funcionários públicos, obter empréstimos bancários, renovar matrícula em estabelecimento de ensino e obter passaporte ou carteira de identidade13.
Na Carta Magna de 1988 foi plenamente introduzido o sufrágio universal. Isto porque durante o regime militar os analfabetos estavam proibidos de votar e em 1985 tal restrição foi abolida, sendo o único critério para ser eleitor a idade14.
Inelegibilidades constitucionais
Para a abordagem deste item, serão necessárias algumas considerações iniciais, vejamos:
Zílio15 diferencia o sufrágio como direito subjetivo de participação do cidadão nas decisões políticas concernentes ao Estado e voto como instrumento pelo qual viabiliza tal direito. O escrutínio, por sua vez, como explanado por Neto16, é forma como se pratica o voto, seu procedimento, como aqui é o escrutínio secreto, como determina o artigo 60, §4º, II, da Constituição Federal17.
De acordo com Nunes Júnior18 o direito de sufrágio possui dois aspectos: alistabilidade (direito de votar) e elegibilidade (direito de ser votado) e que a soma de ambos, preenchidos determinados requisitos, corresponde ao chamado “sufrágio universal”. E ainda, conforme Masson19 outra classificação quanto à abrangência ou extensão é o “sufrágio restrito”, dividido em censitário – em que o indivíduo deve ter determinada situação financeira – e capacitário que diz respeito às características intelectuais do indivíduo para exercer o direito, entre outras classificações. O Brasil acompanhou a evolução dos direitos em todo o mundo e adotou o “sufrágio universal”, no entanto, como salientado por Silva20, podem ser exigidos requisitos puramente técnicos, como previstos nos parágrafos do artigo 14 da Constituição da República Federativa do Brasil21.
Conforme Zílio22, a capacidade eleitoral ativa nasce com a alistabilidade e revela-se no direito de votar e de participação da formação da vontade estatal, sendo o voto, atualmente no nosso país, obrigatório, pois há sanções pelo não comparecimento às urnas ou ausência injustificada, prevendo apenas alguns casos em que o voto é facultativo, como veremos a diante. O artigo 14 da nossa atual Constituição Federal dispõe que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para maiores de 18 anos e facultativos para os analfabetos, maiores de setenta anos e para os maiores de 16 anos e menores de 18 anos.
Há também hipóteses em que o alistamento é vedado, quais sejam: estrangeiros e conscritos. Machado23 explica que os estrangeiros não possuem laço com o Estado e os conscritos, que são aqueles selecionados a prestar serviço militar obrigatório, seriam proibidos de votar em razão de que seus ideais políticos poderiam prejudicar sua disciplina, citando ainda uma frase de Celso Bastos “muito mais acostumados a receber ordens do que ordenar”24.
Já Gonçalves25 defende a revogação da restrição aos conscritos, apesar de reconhecer que a atual Constituição prevê avanço neste sentido, pois as anteriores proibiam quaisquer militares de votar, mas entende que pretendeu-se evitar a politização daqueles que estão aprendendo a lidar com armas e que há contradição, pois ocorre que no caso de menores de 18 e maiores de 16 anos há o alistamento e o estímulo para participação do pleito, e ao completar 18 anos, sendo selecionados ao serviço militar, então chamados conscritos, serão proibidos de cumprir um dever.
O §8º 26 do art. 14 da Lei Maior lista as condições que os militares – que não estão prestando ao serviço obrigatório – devem cumprir para serem elegíveis. Neto27 salienta que a capacidade eleitoral passiva relaciona-se com as condições de elegibilidade e condições de inelegibilidade e que segundo a “Teoria Clássica” entende-se por elegibilidade a união das condições fixadas na lei (aspecto positivo) e a não ocorrência de causas de inelegibilidade (aspecto negativo).
As condições de elegibilidade atualmente elencadas no art. 14, §3º28, da Constituição Federal são: ser brasileiro, ter pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária e idade mínima para cada cargo pretendido. Segundo Silva29 a inelegibilidade tem a finalidade de proteger a probidade administrativa, normalidade para exercício do mandato e legitimidade das eleições contra influência do poder econômico ou abuso do exercício de cargo, função ou emprego na administração pública.
No §4º do art. 14 da CF30 estão previstas as inelegibilidades absolutas, sendo inelegíveis os inalistáveis – aqueles acima citados que estão vedados ao alistamento – e os analfabetos, sendo facultativo a estes o direito de votar mas proibido o direito de ser votado.
Existem também as inelegibilidade constitucionais relativas, que subdivide-se em “inelegibilidade funcional dos membros do Poder Executivo” e “inelegibilidade reflexa” que são aquelas relacionadas ao parentesco ou afetividade, como dispõe o art. 14, §5º e §7º, também da CF31. Conforme Gonçalves32, há vedação somente para eleição dos cargos do Poder Executivo por mais de duas vezes consecutivas, sendo possível a reeleição sem limites aos cargos do Poder Legislativos e ainda, no caso do Poder Executivo, pode o cidadão optar por se candidatar novamente, porém, a um cargo do Poder Legislativo ou aguardar as próximas eleições para novamente concorrer ao cargo do Poder Executivo.
Gonçalves também esclarece que a proibição tem como fundamento o princípio republicano da alternância dos exercentes do Poder, para não haver conclusões por parte desses de que a res publica seja res própria. Tal impedimento se aplica também nos casos de sucessão de mandato – mas não nos casos de substituição (temporário), apenas pelo tempo de uma viagem, por exemplo – caso em que se o vice-prefeito, a título de exemplo, suceda um mandato em razão do Prefeito ter se afastado para eleição de outro cargo, mesmo ficando apenas 1 ano, este poderá se reeleger apenas uma vez. Não é admitido também que o cidadão que tenha sido titular duas vezes ao cargo máximo do Poder Executivo venha se candidatar a vice.
Diante dessas hipóteses temos ainda a figura do “Prefeito itinerante” que consiste em candidatos que já eleitos por duas vezes consecutivas transferem seu domicílio eleitoral para concorrer em outro município, sendo tal prática inadmitida pelo TSE33. Para a candidatura é necessário o cumprimento da desincompatibilização por parte dos já ocupantes dos cargos de Presidente, Governadores de Estado e Distrito Federal e Prefeitos, que consiste na renúncia do mandato em até seis meses anteriores ao pleito, com fulcro no art. 14, § 6º34.
Inelegibilidades infraconstitucionais
Além das inelegibilidades constitucionais, existem também as inelegibilidades infraconstitucionais, que foram estabelecidas por meio de lei complementar, como prevê o §9º do art. 1435 da Carta Magna.
A lei que estabeleceu essas inelegibilidades é a LC 64/1990, em seu texto original, que previa apenas hipóteses de inelegibilidades, em síntese, que se relacionam com a proximidade ou vínculo do cidadão que pretende se candidatar com a Administração Pública, em quaisquer atividades, como no caso de ocupantes de cargos, funções, mandatos e contratados para execução de obras, entre outros.
Em junho de 2010 a conhecida como “Lei da Ficha Limpa” (LC 135/2010 que alterou a LC 64/90) foi sancionada ampliando o rol de hipóteses que acarretam a inelegibilidade. As inelegibilidades infraconstitucionais subdividem-se em causas originárias de sanções e causas originárias do exercício do mandato, cargo ou função pública36. Estas, como mencionado anteriormente são causas previstas no texto original da lei, enquanto que aquelas foram introduzidas pela modificação legislativa de 2010.
A Lei Complementar 135/2010, assim como a lei 9.840/1999 – que alterou a lei 9.504/97, incluindo o art. 41-A37, que prevê a captação ilícita de sufrágio como causa de cassação do registro ou do diploma – foi uma das primeiras Leis de iniciativa popular38, ambas versando sobre direito eleitoral.
Mais adiante os aspectos desta lei serão abordados de forma mais abrangente.
2. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
2.1. Espécies de improbidade
A palavra probidade tem origem no latim probus que significa aquilo que brota bem, que é bom, de boa qualidade e é utilizada em concepção figurada para caracterizar ato de indivíduo honrado, íntegro, reto, leal, entre outros adjetivos39. Improbidade, por sua vez, advém do latim improbitas, que segundo Plácido e Silva40 define desonestidade, má fama, incorreção, má índole, mau caráter e revela qualidade do homem que não procede bem. Garcia41 expõe que para os romanos, improbidade era a ausência de existimatio que transformava em homines intestabiles que significa inábil, sem capacidade ou idoneidade para praticar certos atos.
No ordenamento jurídico pátrio a improbidade administrativa é disciplinada pela lei nº 8.429/1992. Referida lei dispõe as espécies de improbidade, quais sejam os atos de improbidade administrativa que importam em: enriquecimento ilícito; que causam prejuízo ao erário; decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública.
Conforme Mazza42 o sujeito passivo do ato de improbidade poderá ser a administração direta, indireta e ainda as entidades que recebam benefício ou incentivo, fiscal ou creditício do Poder Público e ainda aquelas que o Estado detenha capital, minoritário ou não. Dispõe o art. 1º43 do diploma legal, que o sujeito ativo do ato de improbidade é qualquer agente público, servidor ou não, que exerce função, cargo, mandato ou emprego, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, a título de exemplo é possível citar o jurado e o mesário. Considera-se também como sujeito ativo do ato de improbidade, mesmo não sendo agente público, a pessoa que concorrer ou induzir para a prática do ato, bem como se obtiver benefício de forma direta ou indireta44.
Fazzio Junior45 salienta que há entendimento que a ação de improbidade não se trata de ação civil pública, isto porque a lei de improbidade administrativa é posterior a de ação civil pública, aquela regulou inteiramente a matéria e ainda há distinção quanto à destinação da indenização de ambas, visto que na primeira o valor é revertido para um fundo especial e na segunda se reverte em favor da pessoa jurídica prejudicada. No entanto, tal posicionamento não foi acolhido pelos Tribunais em razão do interesse quanto a probidade em entidades públicas ser transindividual, difuso, ou ainda, em sentido amplo, público, considerando ainda o art. 129, III46, do Texto Maior. Também é necessário mencionar que a referida ação pode ser proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada47.
Medauar48 sustenta que existe grande controvérsia acerca da aplicação da lei aos agentes políticos, existindo as seguintes vertentes de entendimento: a) não se aplica a referida lei ao Presidente da República, Ministros de Estado, Governadores e Secretários Estaduais, pois estes respondem por crime de responsabilidade, por ser lei específica (Lei nº 1.079/1950) – no entanto aplica-se ao Prefeitos por não serem citados; b) aplica-se aos agentes políticos, entretanto, não são passíveis das sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, pois a ação de improbidade tem natureza civil e teriam, desta forma matriz penal e c) não se aplica somente ao Presidente da República em razão do art. 85, V49, da Carta Magna, e somente nesse caso não haveria dupla sanção e concorrência de regimes e aos demais agentes políticos seria aplicável pois o art. 37, §4º50 dispõe que as sanções de improbidade se aplicam sem prejuízo da ação penal cabível e por entender que esta linha é mais coerente ao diploma legal e a Lei Maior adotada tal posicionamento.
Segundo Pietro51 a aplicação da referida lei exige bom senso, visto que não se pode sobrecarregar o Judiciário com questões irrelevantes, pois o intuito da legislação é punir condutas graves, considerando ainda a severidade das sanções.
Menciona Pietro que exige-se a presença de dolo ou culpa nas condutas de improbidade, e que apesar de somente o art. 10 (prejuízo ao erário) e mencionar as palavras “culposa ou dolosa”, entende que se trata de provável falha do legislador, por não haver motivos da diferenciação, mas que a jurisprudência entende que a violação de princípios e o enriquecimento ilícito exige a presença de dolo.
As condutas elencadas nos incisos dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, de acordo com a doutrina majoritária, se tratam de exemplos, ou seja, o rol é meramente exemplificativo, principalmente pelo fato de constar a expressão “notadamente”, como bem observado por Neves52.
O “caput” dos artigos menciona de forma abstrata no que consiste cada conduta. Vejamos:
Enriquecimento ilícito: auferir vantagem patrimonial indevida em razão de exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade53.
Prejuízo ao erário: atos que causam lesão ao erário, ensejando perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens das entidades54.
Violação de princípios: que atente contra os princípios da administração pública e que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições55.
Há ainda a nova espécie de improbidade incluída pela Lei Complementar nº 157/2016 que se trata de concessão, aplicação ou manutenção indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A), que segundo Mazza56 por não mencionar variação culposa exige-se o dolo. Essa nova espécie de improbidade remete a outro dispositivo legal (art. 8º-A) encontrado na Lei Complementar nº 116/2003, que dispõe sobre Imposto Sobre Serviços de Qualquer natureza (ISSQN), isso porque a aplicação, concessão ou manutenção indevida de benefício mencionada no artigo somente se aplica para essa espécie de imposto.
Garcia e Alves57 afirmam que o objetivo da inserção do artigo é conter a guerra fiscal entre os Municípios, devendo ser respeitado o valor mínimo estabelecido – 2%. Assim é exposta também a justificativa de tal Lei quando ainda se tratava de Projeto (PL 386/2012 – Senado), esclarecendo que as legislações anteriores sobre este tema não foram suficientes para resolver tal problema.
2.2. Sanções da lei de improbidade
Como dispõe o art. 37, §4º58 da Constituição Federal os atos de improbidade terão como sanções a suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário. Além dessas sanções a Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/1992, previu também a multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
De acordo com Pazzaglini Filho59 serão graduadas as sanções de suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios perdurarão conforme o ato praticado. Também será graduada a multa civil, como prevê o art. 1260 da LIA. A graduação da sanção consiste no fato de que cada ato de improbidade corresponderá a determinado valor de multa, anos de proibição de contratar e suspensão dos direitos políticos que são estabelecidos pela lei com mínimo e máximo, a ser considerado pelo juiz na sentença, observados o proveito patrimonial obtido pelo agente público infrator e a extensão do dano causado para aplicação das sanções. As demais sanções: perda da função pública, ressarcimento integral ao dano e perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio são fixas.
Como disposto no artigo acima mencionado as sanções podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente.
Carvalho Filho61 entende, assim como o entendimento majoritário, que a natureza jurídica das sanções é de caráter civil (extrapenal) e por este motivo o legislador equivocou-se ao utilizar o termo “das penas” e que não deve ser interpretado, como o entendimento minoritário, que algumas teriam natureza de medidas ou providências, pois se tratam de consequências a serem aplicadas em razão da prática de atos ilícitos. Também afirma que, embora haja dispositivo permitindo a aplicação cumulada das sanções, aplicar todo o elenco de sanções ofenderia o princípio da proporcionalidade punitiva. Quanto a extensão punitiva do julgado sustenta que compete ao julgador considerar os elementos e aplicar a dosimetria ao caso concreto, não havendo que se falar em se restringir ao pedido do autor e julgar extra ou ultra petita.
2.3. Suspensão dos direitos políticos e consequências
Como inicialmente foi destacado, o direito de sufrágio corresponde ao direito de votar e ser votado (capacidade eleitoral), e somente adquire cidadania quem possui tal capacidade62. Como determina o art. 1563 da CF não é possível a cassação dos direitos políticos e apenas se dará a suspensão e a perda e nos casos taxativos previstos, quais sejam: cancelamento da naturalização por sentença transitado em julgado; incapacidade civil absoluta; condenação criminal transitada em julgada enquanto durar os efeitos; escusa de cumprir obrigação a todas imposta ou prestação alternativa e improbidade administrativa.
Como exposto por Tenório64, no caso de suspensão por condenação criminal independe a natureza do crime e é irrelevante a concessão de sursis. Fazzio Junior65 afirma que o condenado que tem os direitos políticos suspensos não poderá, provisoriamente: exercer o direito de sufrágio (capacidade eleitoral ativa e passiva); exercer o direito à iniciativa popular de lei; promover ação popular; organizar partido político ou dele participar; ser editor ou redator de órgão de imprensa; exercer cargo público; e nem exercer cargo de dirigente de sindicato.
Dessa forma, além de se tratar de forma de impedir que o indivíduo se candidate novamente a algum cargo político, tem o condão de impossibilitar que o servidor público exerça novamente algum cargo público, pelo menos pelo tempo determinado, devendo o juiz analisar o risco para a Administração Pública da permanência do agente condenado.
3. LC 135/2010 – “LEI DA FICHA LIMPA”
3.1. Origem da Lei
Como acima foi mencionado, a LC 135/2010 se trata de uma lei de iniciativa popular, prevista na Carta Magna, e é uma das formas de exercício direto de poder do povo como disposto no art. 1º já tratado aqui e exercida de acordo com o art. 6166 da Lei Maior.
Gomes e Vargas67 contam que o movimento que deu origem a iniciativa da Lei Complementar nº 135/2010 iniciou em 1996, com a Campanha da Fraternidade, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, com o tema “Fraternidade e Política”, continuado com o projeto da Comissão Brasileira de Justiça e Paz denominado “Combatendo a Corrupção eleitoral”.
Em decorrência disto originou-se uma das primeiras leis de iniciativa popular do Brasil (Lei nº 9.840/1999), que alterou a lei das eleições (Lei nº 9.504/1997), incluindo como figura típica (art. 41-A68) a captação de sufrágio, conhecida como “compra de votos”.
Após a conquista e amadurecimento dos movimentos criou-se em 2002 o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, e nasceu em 2007 o Projeto de Lei da Ficha Limpa, que aderido por outras organizações logrou êxito em obter o número de assinaturas necessárias para a Lei de iniciativa popular69. Menciona Oliveira70 que para evitar a corrupção e efetivar o princípio da moralidade administrativa acrescentaram e alteraram diversos diplomas legais, como a Lei da Improbidade Administrativa, alterações no código penal, Lei dos Crimes de responsabilidade, a “Lei da Ficha Limpa”, entre outros.
Haja vista o cenário nacional e internacional, e a necessidade de proteger a moralidade criaram também a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) que trata da responsabilização civil e administrativa das pessoas jurídicas pela prática de atos contra Administração Pública, independentemente da responsabilidade das pessoas envolvidas. Explanados sobre aspectos gerais dos diplomas legais que asseguram a probidade administrativa, passamos a abordar assuntos específicos do tema aqui versado.
A Lei da Ficha Limpa, que alterou a Lei Complementar nº 64/90 elenca diversas hipóteses que acarretam a inelegibilidade, como condenação criminal, em determinados crimes, contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas, demitidos do serviço público por processo administrativo ou judicial, pessoas que perderam o mandato por infringência de norma constitucional, estadual, orgânica do Distrito Federal ou do Município, condenados por condutas vedadas no âmbito eleitoral, membros do MP ou magistratura aposentados compulsoriamente, entre outras hipóteses.
Essas inclusões de hipóteses, como acima tratado e como menciona Almeida71 se deu em razão da indicação jurídico valorativa do art. 14, §9º e por aclamação pública por moralidade, assim considerando a vida pregressa do candidato, bem como probidade administrativa. Entende Almeida, ainda, que “em suma, a Lei da Ficha Limpa contém uma opção fundamental por reforçar a decisão ainda que subjetiva da autoridade judicial em detrimento da decisão também subjetiva do eleitor. Trata-se de uma opção, aliás, inserida numa tendência contemporânea de, conscientemente ou não, privilegiar-se o técnico jurídico e rebaixar-se o político”.
3.2. Requisitos para a inelegibilidade por improbidade administrativa
Conforme o texto da Lei Complementar nº 64/90, art. 1º, I, l72, são inelegíveis para qualquer cargo as pessoas condenadas à suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
Segundo Tinoco73 é possível extrair cinco elementos para a inelegibilidade por improbidade administrativa, são eles: decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado; ato doloso de improbidade administrativa; dano ao erário e enriquecimento ilícito; suspensão dos direitos políticos; e prazo de inelegibilidade em curso, e que é necessário o preenchimento dos elementos cumulativamente.
Castro74 entende que quanto ao ato que cause prejuízo ao erário e enriquecimento a conjunção “e” pretendeu apenas adicionar mais uma hipótese de prática ímproba que também atrai inelegibilidade, sendo passível da sanção de inelegibilidade aquele que pratica qualquer um dos atos, mesmo que isoladamente.
Já Velloso e Agra75 entendem que é necessário o reconhecimento da prática de ato doloso que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
Menciona Tenório76 que a alínea “l” diferencia-se da alínea “g” pelo fato de que nesta a condenação do Tribunal de Contas pode se dar por qualquer ato de improbidade, inclusive aqueles que atentem contra os princípios do direito administrativo, e naquela é necessário que haja cumulativamente conduta que provoque prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito.
3.3. Divergência no entendimento quanto à sanção de suspensão dos direitos políticos constar expressamente na sentença
Considerando os requisitos necessários para que ocorra a inelegibilidade, há diversas controvérsias quanto aos elementos do texto.
Há divergências acerca da necessidade de haver cumulativamente ato que importe enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, bem como se é necessário que a sentença da ação de improbidade conste a suspensão dos direitos políticos ou que se trata de sanção automática.
Mitidiero77 considera o seguinte: “Diferentemente, contudo, do que se dá nos casos de condenação criminal, a doutrina e especialmente a jurisprudência dominante exigem que a suspensão dos direitos políticos, nos casos de improbidade administrativa, deve ser específica e expressamente decretada por juiz competente no bojo de ação civil de improbidade, mediante a devida fundamentação, não se tratando, portanto, de uma consequência automática da condenação, o que, por sua vez, decorre da natureza não criminal do processo e da respectiva condenação.”
Gomes78 afirma que para que haja suspensão dos direitos políticos é necessário que tal sanção conste expressamente na sentença, pois não decorre automaticamente do reconhecimento de improbidade.
Da mesma forma expõe Carvalho Filho79: “A sentença, na ação de improbidade, tem que ser expressa quanto à aplicação da suspensão de direitos políticos, contrariamente ao que ocorre na sentença penal, cujo efeito é imediato e independe de menção (art. 15, III, CF). A mesma definição se exige quanto ao período em que se dará a suspensão; não havendo menção, é de considerar-se o período mínimo fixado no dispositivo“.
Castro80 ressalta que não é toda condenação por improbidade que acarreta inelegibilidade, pois o texto expõe que apenas que se dará no caso em que a decisão fixar a suspensão de direitos políticos e que haja reconhecimento da prática de ato que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio público.
Quanto a jurisprudência do TSE81 entende-se o seguinte: “Deve-se indeferir o registro de candidatura se, a partir da análise das condenações, for possível constatar que a Justiça Comum reconheceu a presença cumulativa de prejuízo ao erário e de enriquecimento ilícito decorrente de ato doloso de improbidade administrativa, ainda que não conste expressamente na parte dispositiva da decisão condenatória.”
Como também apontado por Tinoco82 “Tais julgados demonstram que jurisprudência firmada pelo TSE rejeita a ideia de aferir, nos processos de registro de candidatura, o acerto ou desacerto de decisões proferidas em processos outros, evitando rediscutir as questões de mérito a eles afetas, mas aproveitando o máximo possível aquilo que tiver sido tratado nas decisões oriundas da Justiça Comum. Dessa forma, “se, a partir da análise das condenações, for possível constatar que a Justiça Comum reconheceu a presença cumulativa de prejuízo ao erário e de enriquecimento ilícito decorrente de ato doloso de improbidade administrativa, ainda que esses elementos não constem expressamente da parte dispositiva da decisão condenatória”, a inelegibilidade pode ser declarada pela Justiça Eleitoral.“
Por fim, Velloso e Agra83 entendem que em razão da sanção de suspensão dos direitos políticos não ser automática na condenação por improbidade administrativa deve haver expressa previsão na sentença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Importante frisar que para a solução desta celeuma é preciso considerar diversos aspectos dos aqui já tratados. Aludiu-se aqui quanto à necessidade do juiz analisar o risco para a administração pública de manter um agente em suas funções ou permitir que nela adentre de outra forma.
Também foi sustentado quanto à possibilidade de aplicação das sanções aos agentes políticos, sendo o entendimento mais coerente, adotado por Medauar de que somente há restrição da aplicação em relação ao Presidente da República.
O fato da LIA prever que as sanções podem ser aplicadas cumulativamente ou isoladamente também influencia no tema aqui tratado, uma vez que nem toda condenação por improbidade gerará suspensão dos direitos políticos.
É de se considerar também que o fato de exigir que o ato de improbidade gere enriquecimento ilícito “e” dano ao erário também interfere no fato da sanção ser automática ou não, haja vista os argumentos já mencionados.
Dessa forma, diante das enormes controvérsias em torno do assunto é mais adequado o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que o direito deve ser tratado em cada caso de acordo com suas peculiaridades, mas devendo extrair se foi ali lesado o erário público “ou” (utilizando da conjunção certa) houve enriquecimento ilícito.
É certo que devemos preponderar os princípios e os bens jurídicos que rodeiam o tema, como determina os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que os bens jurídicos em colisão são os direitos políticos do sujeito que praticou o ato de improbidade e de outro lado a moralidade administrativa. Assim, a probidade e moralidade administrativa, considerando os princípios da supremacia do interesse público sobre o particular, devem prevalecer sobre os direitos do agente que praticou o ato de improbidade.