RESUMO
A tributação é forma pela qual o Estado cobra prestações pecuniárias para alcançar o bem comum por todos desejado. Contudo, por ser forma de autofinanciamento, também é freado pelas imunidades tributárias, previstas constitucionalmente. Por elas são garantidos preceitos fundamentais. Por exemplo, pela imunidade de templos de qualquer culto, é garantida a laicidade do Estado. Contudo, diante do enriquecimento notório das entidades religiosas e de seus dirigentes, assim como da grande bancada religiosa no Congresso Nacional, a laicidade do Estado já se mostra comprometida e a finalidade da imunidade tributária se mostra defasada, porquanto permite o enriquecimento. Nesse sentido, no presente artigo, é percorrido breve histórico das imunidades, no cenário internacional e no Brasil; definido o resultado almejado pelo Direito Tributário com as imunidades tributárias; definido o conceito de imunidade tributária; a rigidez da imunidade tributária na Constituição da República Federativa do Brasil; a situação financeira atual dos templos religiosos; e, por fim, é proposta incidência de impostos a templos que detenham grande poderio econômico.
Palavras-chave: imunidade tributária; templos de qualquer culto; templo religiosos.
I. INTRODUÇÃO
Oliver Wendell Homes, jurista e membro da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, já afirmava “Taxes are the price we pay for a civilized society” (Impostos são o preço que pagamos por uma sociedade civilizada). A tributação, peça chave no cenário internacional, era até mesmo utilizada em períodos posteriores a guerras na Antiguidade, de modo que o povo perdedor de uma batalha devia tributos ad eternum para o povo vencedor, a fim de que se assegurasse controle e, consequentemente, a paz.
Mesmo que a tributação seja um meio de financiamento do próprio Estado, também é seu maior empreendimento. E, justamente por essa característica, é freada por limitações ao poder de tributar das pessoas políticas.
As imunidades tributárias, hoje previstas no art. 150, VI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, são garantias fundamentais. No presente artigo, serão citadas as imunidades tributárias de um modo geral; enquanto a imunidade sobre templos de qualquer culto será mais explorada, tendo em vista a laicidade do Estado e a real necessidade de sua aplicação.
Uma das principais razões que motivou a elaboração do presente trabalho foi o fato de que a riqueza notória de alguns templos religiosos não é tributada. Isto é, mesmo que diversas instituições religiosas ostentem grandes riquezas, até mesmo podendo importar objetos caros para construção de seus templos, por que não tributar esse excedente que ostenta apenas luxos ou engorda o bolso dos dirigentes? Caso esses luxos deixassem de ser pagos com o excedente, que transborda o necessário para o sustento da instituição religiosa, e fossem tributados, diversas seriam as obras sociais custeadas com o orçamento constituído pela arrecadação de impostos.
Essa crítica é objeto da Sugestão Popular nº 2, que aguarda parecer na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.
Mesmo que a utilização da arrecadação e aplicação da pecúnia, por meio de impostos, muitas vezes, não seja a mais adequada, não se deve olvidar que essa não é a razão para deixar de implementar normas mais atualizadas que contemplem a situação social atual. Partindo da premissa de que o dinheiro arrecadado seja destinado a seu fim legal, cumprindo o princípio da legalidade, diversas seriam as melhorias sociais.
II. HISTÓRICO
Desde os tempos do Império Romano há a figura da imunidade tributária. O vocábulo immunitas exprimia negação de múnus ou encargo público.
No Egito, a imunidade tributária sobre os templos e sobre os sacerdotes atingiu até um terço de todas as terras do território egípcio. Na Pedra de Rosetta, há até mesmo declaração a respeito da imunidade, imposta após guerra civil.
Já na Idade Média, no Ocidente, a imunidade tinha sua incidência extremamente arbitrária. Os suseranos eram imunes a impostos da realeza, enquanto os vassalos deveriam pagá-los. O mesmo ocorreu na França até o século XVIII, quando o rei cobrava impostos dos mais pobres e dos burgueses, mas nunca dos nobres.
Com o Liberalismo, a imunidade deixou de ter sua principal característica – a arbitrariedade. Deixou de ser um privilégio e passou a demonstrar garantia legal a certas pessoas físicas e jurídicas.
A imunidade sempre expressava garantia ligada a particulares. Contudo, no século XIX, nos Estados Unidos, já crescia a ideia da imunidade dos Estados federados perante o governo federal.
Em relação ao Brasil, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 1934, foi a primeira a prever a imunidade recíproca entre pessoas políticas e a imunidade de templos religiosos (art. 17). A imunidade também incidia sobre outras questões, como o imposto sobre renda cedular de imóveis, conforme o artigo 6º, inciso I, alínea c.
As Constituições promulgadas posteriormente, como a de 1937 e a de 1946, também previam a imunidade já instituída.
Já na ditadura militar, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967, continuou prevendo a imunidade dos templos religiosos e também a estendeu para o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural sobre pequenas glebas (art. 22, p. 1), entre outros impostos. Com a Emenda Constitucional de 1969, a incidência da imunidade tributária foi ampliada, se relacionando também ao Imposto sobre Direitos Reais de Garantia (art. 23, inciso I) e ao Imposto de Bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação ou extinção de capital de pessoa jurídica (art. 23, p.3º), entre outros.
Finalmente, com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), conforme o art. 150, VI, vedou-se a instituição de impostos sobre (i) patrimônio, renda ou serviços, entre as pessoas políticas; (ii) templos de qualquer culto; (iii) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos e suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos; (iv) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; e (vi) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras de autores brasileiros e/ou interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham.
III. O QUE O DIREITO BUSCA
Para adentrar a questão da imunidade tributária, torna-se necessário, antes, passar pelo principal ponto do direito tributário: para que tributar?
O Estado nasce por relação natural e sobrevive apenas se transfigurada esta relação em relação jurídica. Na relação jurídica, figuram como partes o Estado e seus particulares. O Estado cobra prestações dos indivíduos para tentar alcançar o bem comum, que é a coerência entre as prestações cobradas e a finalidade obtida. Assim, há uma relação constitucional.
Segundo Alfredo Augusto Becker, nessa relação, há um ir e vir. Enquanto o “ir” representa feixe de deveres convergentes sobre centro único de gravidade, o bem comum; o “vir” representa feixe de direitos irradiantes que alcançam cada um dos indivíduos criadores do Estado. Os direitos irradiantes e os deveres convergentes são pré-jurídicos, só entrando no mundo jurídico com a positivação do direito.
Em relação à tributação, o Estado a exerce para que possa se autofinanciar e tornar viável o cumprimento dos direitos previstos constitucionalmente, como educação e moradia. Nesse sentido, a tributação é meio para se alcançar o bem comum.
Na contramão da tributação, vem a imunidade tributária, que será definida posteriormente. Pela imunidade, tenta-se alcançar direitos que não seriam atingidos pela tributação. Assim, ao se imunizar templos religiosos, visa-se à laicidade do Estado; enquanto que, ao garantir a imunidade recíproca, é atribuída maior independência e menor hierarquia entre as pessoas políticas.
Com o princípio da igualdade (geométrica, visando à proporção), os feixes são conjugados num equilíbrio unificador. Mesmo que o universo político esteja sempre em movimento, ele deve estar tendente pelo equilíbrio dinâmico, havendo integração e vitalidade.
Os valores humanos relevantes para o bem comum revelam categorias diferentes, de modo que o legislador precisa optar. Esta escolha pode não ser muito viável, de modo que o legislador precise dosar e equilibrar valores para que eles sejam harmônicos quando conjugados simultaneamente. Para que haja uma solução nesse impasse, mostra-se relevante a regra jurídica.
Para a criação da regra jurídica, é necessária a deformação da matéria prima (dados) oferecida por ciências pré-jurídicas, como a ciência financeira. Nesse caso, o legislador terá de verificar os critérios da oportunidade de política fiscal e da praticabilidade e certeza do direito positivo.
Isto é, muitas vezes, para “atualizar” o bem comum, para que este possa acompanhar o movimento político e atender os anseios e as necessidades da sociedade, é necessário alterar pontos da tributação. Assim, como será exposto e desenvolvido no presente artigo, mostra-se necessária a incidência de impostos sobre entidades religiosas de grande poderio econômico.
IV. CONCEITO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Alfredo Augusto Becker elabora interessante construção doutrinária para conceituar a imunidade, partindo da incidência da regra. O autor explicita que depois do cumprimento da hipótese de incidência do tributo, a incidência da regra jurídica é infalível, mesmo que o respeito às consequências da incidência não o sejam, infelizmente.
Em relação à natureza da regra jurídica, que é obedecida depois de cumprida a hipótese de incidência, ela pode ser juridicizante, desjuricizante ou não-juridicizante.
Será a regra juridicizante quando a sua incidência tiver como consequência a juridicização da hipótese de incidência realizada, transfigurando-a num fato jurídico. Nesse caso, ter-se-á a incidência tributária. Pela incidência, toda vez que ocorrerem fatos que realizam a hipótese de incidência, a regra jurídica incidirá sobre a hipótese de incidência. Ainda, o efeito dessa incidência consiste na irradiação da relação jurídica tributária, porque a regra jurídica de tributação está estruturada como regra juridicizante.
Quando a regra for desjuridicizante total, sua incidência desconstituirá o ato jurídico nulo ou anulável. Sendo a regra desjuridicizante parcial, sua incidência reduzirá o conteúdo jurídico da relação jurídica preexistente.
E quando a regra não for juridicizante, sua incidência não irá juridicizar a hipótese de incidência. Nesse caso, há a não incidência tributária, que ocorre quando o acontecimento do fato é insuficiente, ou excedente, para a realização da regra jurídica. Como consequência, há a isenção tributária, concedida por norma infraconstitucional, e a imunidade tributária, garantida por norma constitucional.
Há autores que definem a imunidade tributária como exclusão da competência de tributar; outros a veem como direito fundamental que institui a limitação à competência de editar regras impositivas; e também há os que a entendem como não incidência, por supressão, do poder de tributar.
Seguindo o entendimento da brilhante doutrinadora Regina Helena Costa, não é suficiente qualificar a imunidade tributária como apenas uma limitação. A limitação ao poder de tributar é apenas um dos efeitos da norma imunizante. Há muito mais que uma limitação, há princípios e regras para o exercício da competência tributária também.
A repartição da competência para instituir tributos tem caráter privativo, excluindo outras pessoas políticas nesse certame. Da mesma forma, há princípios que inspiram a vedação ao fisco, como o da legalidade e o da capacidade contributiva.
A repartição das competências, os princípios e as imunidades são as facetas das limitações, sendo que os dois últimos representam a face mais visível da limitação sustentada por tantos autores.
Mesmo que os princípios inspirem as imunidades, há de se frisar a diferença entre tais conceitos.
O princípio é vetor, é alicerce de todo o ordenamento jurídico ou de apenas parte dele. São normas que fundam um ordenamento e possuem alto grau de abstração e generalidade, assim como enorme conteúdo axiológico.
Por outro lado, as imunidades são normas sem grau de abstração ou de generalidade, aplicando-se a situações específicas e tipificadas anteriormente pela CRFB.
No mais, enquanto os princípios informam a repartição de competências, as imunidades excluem o exercício da competência.
Finalmente, a doutrinadora Regina Helena Costa observa que a imunidade tributária tem dupla natureza: “de um lado, exsurge a imunidade como norma constitucional demarcatória da competência tributária, por continente de hipótese de intributabilidade, e, de outro, constitui direito público subjetivo das pessoas direta ou indiretamente por elas favorecidas” (COSTA, 2015, p. 58).
A autora subdivide a imunidade em formal e material. Em breve síntese, enquanto a imunidade formal representa a impossibilidade de tributação, a imunidade material consiste no direito público subjetivo das pessoas, tidas como imunes, de não se sujeitarem à tributação.
V. RIGIDEZ CONSTITUCIONAL
Como cediço, em respeito ao princípio da supremacia da Constituição, para que seja alterada alguma das normas constitucionais, é necessário processo legislativo complexo. E, em alguns casos, tamanha é a rigidez que certas normas são consideradas cláusulas pétreas, que são: a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.
Os limites materiais ao poder constituinte derivado configuram mecanismos indispensáveis para proteger a identidade da ordem constitucional. Pelas cláusulas pétreas, o poder soberano se autovincula, comprometendo-se ao respeito de valores fundamentais, acima elencados, e protegendo-se de suas próprias paixões e fraquezas.
As cláusulas pétreas são, então, normas que não podem ser alteradas, sob pena de desvio de finalidade e abuso de poder na ação do constituinte de reforma.
Carl Schimitt já afirmava que “(...) a Constituição possa ser reformada não quer dizer que as decisões políticas fundamentais que integram a substância da Constituição possam ser suprimidas ou substituídas por outras quaisquer mediante deliberação do Parlamento”. (SCHMITT, 2001, p. 49). Isto é, alterar normas constitucionais não é o mesmo que alterar valores que o constituinte elencou como alicerces para criar a constituição.
Por se tratar de direito esposado constitucionalmente, há doutrinadores que acreditam que as imunidades constitucionais atinjam o grau máximo de rigidez constitucional, de modo que se tornam cláusulas pétreas. Ou seja, por se tratarem de direito público subjetivo de exoneração, também seriam consideradas direitos fundamentais.
No entanto, não há razão para a imunidade tributária ser considerada cláusula pétrea. As cláusulas pétreas exercem função de decisiva relevância para que se mantenha a identidade, no tempo e diante das instituições, da vontade soberana do povo. No momento em que o povo deixa de acreditar no direito defendido por cláusula pétrea, qual a finalidade de mantê-la?
Atualmente, a imunidade dos templos religiosos é discutida na Sugestão Popular nº 2, que aguarda parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa [1] [2]. Proposta por Gisele Suhet Helmer, a Sugestão já recebeu mais de 79 (setenta e nove) mil votos de apoio, contra apenas 4 (quatro) mil contrários.
A Sugestão Popular nº 2 tem como ideia central a extinção da imunidade tributária a templos religiosos por conta de escândalos financeiros, os quais envolvem líderes religiosos, assim como a laicidade do Estado. Aduz-se que qualquer organização, que permite o enriquecimento de seus líderes e membros, deve ser tributada. No entanto, ressalta-se, desde já, que não se entrará no mérito dos escândalos financeiros, apenas no enriquecimento das instituições religiosas, de seus líderes e membros.
Em suma, acredita-se que a imunidade tributária não deve ser vista como cláusula pétrea, pois as circunstâncias dos templos religiosos não são as mesmas, como será exposto a seguir.
VI. TEMPLOS RELIGIOSAS OU COMPANHIAS LUCRATIVAS?
No início de 2013, o jornal Folha de São Paulo apurou que o faturamento de templos religiosos equivale à metade do Orçamento do Município de São Paulo. Segundo o jornal, R$ 39.100.000,00 (trinta e nove milhões e cem mil reais) foram entregues diariamente às igrejas, totalizando R$ 14.200.000.000 (quatorze bilhões e duzentos milhões de reais) no ano. Além das doações dos fiéis, estão entre as fontes de receita a venda de bens e serviços, movimentando três bilhões de reais, e os rendimentos com ações e aplicações, movimentando mais de quatrocentos milhões de reais por ano. Depois do narcotráfico, os templos religiosos são o negócio mais lucrativo[3].
O jornal Estado de São Paulo indica dados semelhantes também. Segundo este jornal, às igrejas evangélicas é doado, aproximadamente, o valor de R$ 1.032.000.000,00 (um bilhão e trinta e dois milhões de reais). Já a Igreja Católica, arrecada aproximadamente R$ 700.000,00 (setecentos mil reais)[4].
Em 2013, de acordo com a revista Exame, entre dízimos, doações, vendas e aplicações financeiras, os templos religiosos arrecadaram R$ 20.600.000.000 (vinte bilhões e seiscentos milhões de reais) em 2011. No caso, este valor é equivalente a quatro vezes o orçamento de 2013 do estado do Acre ou 90% do orçamento disponível para o Bolsa Família[5].
Essa pauta até mesmo foi comentada pela Forbes. Segunda sua matéria sobre a lucratividade da igreja evangélica e o enriquecimento de seus pastores, Edir Macedo já encabeçava um patrimônio de R$ 1.900.000.000,00 (um bilhão e novecentos milhões de reais). Outro exemplo é o pastor Valdemiro Santiago, com um patrimônio de R$ 440.000.000,00 (quatrocentos e quarenta milhões de reais)[6].
VII. INCIDÊNCIA DE IMPOSTOS SOBRE TEMPLOS DE QUALUER CULTO
Como é notório, inúmeros são os templos que ostentam grande magnitude em suas edificações. Um exemplo é o Templo de Salomão, sede da Igreja Universal no Brasil, sito no Município de São Paulo.
As grandes instituições religiosas, que não deixam de ser corporações bem-sucedidas, arrecadam dinheiro por meio de dízimos e doações, muitas vezes persuadindo pessoas humildes a doar parte significativa de sua renda. Assim, são formados enormes conglomerados lucrativos, além de realizar outros projetos ou obras sociais.
Mesmo ocorrendo em outro país, outro exemplo a ser citado é de um bispo católico alemão, que utilizou o valor equivalente a 90 (noventa) milhões de reais, da Igreja Católica, para reforma de sua residência oficial[7].
No Brasil, diversas são as acusações a líderes religiosas por desviarem dinheiro, mas são poucas as condenações.
Diante da magnitude de certas instituições religiosas no Brasil, há de se convir que é até esperado que um grande desvio de dinheiro, como o que ocorreu na Alemanha, possa acontecer no Brasil de igual forma, quiçá pior.
Em contrapartida, a imunidade tributária aplicada a instituições religiosas, inquestionavelmente, não demonstra o animus de garantir esse tipo de gasto e/ou de desvio.
Há de se refletir sobre a não arrecadação. De acordo com Roque Antonio Carrazza, “o fundamento da imunidade dos templos de qualquer culto não é a ausência de capacidade contributiva (aptidão econômica para contribuir com gastos da coletividade), mas a proteção da liberdade dos indivíduos, que restaria tolhida caso as Igrejas tivessem que suportar os impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda, ou os serviços (...)” (CARRAZZA, 2015, p. 884).
A principal finalidade da imunidade tributária dos templos religiosos é a de proteger o direito à liberdade religiosa, de modo a apartar o Estado da religião, qualquer que seja. Assim, é assegurada a liberdade religiosa, direito fundamental previsto constitucionalmente.
Contudo, quando o constituinte originário previu tal imunidade, considerou a entidade religiosa como entidade beneficente, sem fins lucrativos, possuidora de lugares de adoração e, ainda, que tenha projetos sociais ou afins. Não se previu, em momento algum, entidades religiosas como verdadeiras companhias lucrativas ou que representassem parcela expressiva do Congresso Nacional.
Caso fosse feita a tributação dessas receitas, o resultado desta poderia ser convertido em prol de todos, independentemente da religião pela qual os contribuintes optarem.
O Templo de Salomão é exemplo que corrobora o raciocínio desenvolvido. O Templo de Salomão teve um custo total de 680 (seiscentos e oitenta) milhões de reais, tem 35 (trinta e cinco) mil metros quadrados, oliveiras importadas do Uruguai e plantadas em seu jardim, cadeiras importadas da Espanha, capacidade para 10 (dez) mil pessoas, assim como foi construído com pedras oriundas de Hebron, em Israel[8].
Isto é, mesmo que se trate de templo para adoração, gastou-se monta de dinheiro gigantesca para custear luxos desnecessários. Se esse dinheiro, que foi gasto com tantos luxos, fosse disponibilizado para a tributação estatal, mesmo que os impostos não sejam veiculados a destinação específica, obras públicas poderiam ser custeadas. Seria possível, a título exemplificativo, melhorar as condições temerárias de escolas públicas e presídios, ampliar hospitais públicos e construir novas creches públicas.
Muitos são os templos religiosos que se sustentam por doações e têm um excedente pecuniário pouco expressivo. Não se está a falar de tributação sobre esses templos. Pensa-se na possibilidade de tributação sobre templos que demonstrem grandes riquezas, tenham condições financeiras para arcar com grandes luxos, mostrando-se grandes corporações.
VIII. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO SEGUNDO A REALIDADE ECONÕMICA
Como já dito, a imunidade tributária sobre templos religiosos serve como separação do Estado e da religião, qualquer que seja, para que a liberdade religiosa seja preservada. No entanto, ao introduzir a imunidade tributária, não se previa o corporativismo das entidades religiosas, assim como não se previa a forte influência de bancadas religiosas no Congresso Nacional.
A tributação é, sim, aceitável e necessária. Não se busca a justiça social se uma empresa ou uma pessoa física, mesmo passando por dificuldades financeiras, declara sua renda e paga seus impostos; enquanto uma entidade religiosa bilionária padece sob o guarda-chuva do Estado e só enriquece seus dirigentes.
Para tanto, é necessário, também, olhar pelo prisma econômico.
De acordo com Amílcar de Araújo Falcão, o intérprete da lei deve levar em conta os elementos léxico e lógico, investigando porque a lei foi elaborada, quais princípios a regem, seus antecedentes históricos. Contudo, além de levar tais fatores em consideração, o intérprete também deve analisar a relação econômica em questão.
Quando a lei tributária indica fato gerador, não deixa de exprimir relação econômica, que é o que interessa ao direito tributário. Ao direito tributário interessa a relação econômica que gerou a tributação. Havendo o índice econômico, mostra-se condição necessária para que se possa contribuir.
A aptidão para contribuir, mencionada acima, é a capacidade tributária. A capacidade tributária é a aptidão para suportar a carga tributária imposta, numa relação na qual o objeto é o pagamento do tributo sem o perecimento do lastro da tributação.
De acordo com Alfredo Augusto Becker, quando o princípio da capacidade contributiva foi transfigurado para norma constitucional para ser imposto e não apenas servir de inspiração, sofreu três constrições.
A primeira constrição foi a da exclusão do conceito de capacidade global, que é o montante da riqueza (renda combinada a capital) em relação à totalidade do sistema jurídico; isto é, a proporção entre a riqueza deste indivíduo e todos os tributos que ele deverá pagar. Já nesse momento, o autor desenvolve que a capacidade contributiva é aferida mediante a relação que se estabelece entre a riqueza de um indivíduo e a carga tributária por ele suportada. Quando a capacidade contributiva entra no mundo jurídico, a primeira deformação que ela sofre é que a riqueza do indivíduo é relacionada a um único tributo. Ou seja, se faz relação da riqueza com cada tributo isoladamente.
A segunda constrição se relaciona à riqueza do contribuinte. A riqueza não é a totalidade do patrimônio do contribuinte, apenas um indicativo de sua renda ou de seu capital.
A terceira constrição diz respeito à renda ou ao capital presumido estar acima do mínimo indispensável (essencial).
Observando as três constrições propostas pelo autor, há de se comentar a situação econômica das grandes entidades religiosas.
Ao se examinar o patrimônio de entidades religiosas, haverá aquelas que, com o pouco rendimento que têm, serão extremamente prejudicadas se incidisse algum imposto. Contudo, aquelas entidades com grande poderio econômico, sem dúvidas, têm capacidade contributiva para pagar impostos. Estas entidades religiosas, como o Templo de Salomão mantido pela Igreja Universal, apresentam grande aptidão para serem tributadas.
Se observada a magnitude das grandes entidades religiosas, só se vê um indicativo da renda ou do capital. Isto é, o patrimônio total de tais entidades tende a ser ainda maior. Ou seja, haveria mais um indício da capacidade contributiva.
Obviamente, com o patrimônio milionário ou bilionário das grandes entidades religiosas, ao serem tributados impostos, ainda estaria garantido o mínimo indispensável para que elas se mantenham.
IX. CONCLUSÃO
Engessar direitos e garantias fundamentais para a existência digna do indivíduo é indispensável. Ou seja, garantir a imutabilidade de cláusulas pétreas é imprescindível.
No entanto, engessar norma constitucional que garante a não incidência de impostos, independentemente da verificação da capacidade tributária de entidades religiosas, é verdadeiro contrassenso pelos motivos expostos e, ainda, é algo que não reflete a atualidade. A imunidade tributária dos templos de qualquer culto não deve ser vista como uma cláusula pétrea, mas como uma garantia de sobrevivência aos templos sem maior poderio econômico.
Nesse sentido, é necessária imediatamente previsão legal que determine a incidência de impostos sobre templos de qualquer culto, desde que estes demonstrem capacidade tributária. Isto é, templos que tenham faturamento expressivo e excedente que não seja revertido em prol da sociedade devem ser tributados.
Cabe lembrar ensinamento de Norberto Bobbio: o Direito não é entidade absoluta, é número de experiências sociais que demonstraram utilidade específica. Assim, é necessária mudança, mesmo que constitucional, para refletir a atualidade e as novas experiências sociais.
[1] Conteúdo da Sugestão Popular nº 2 disponível em http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/122096
[2] Matéria do Senado Federal acerca da Sugestão Popular nº 2: http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/03/fim-da-imunidade-tributaria-para-igrejas-aguarda-parecer-na-cdh
[3] Matéria veiculada pelo jornal Folha de São Paulo. Matéria disponível no sítio eletrônico http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/01/1221000-igrejas-arrecadam-r-20-bilhoes-no-brasil-em-um-ano.shtml
[4] Matéria veiculada pelo Jornal Estado de São Paulo, disponível no sítio eletrônico http://www.estadao.com.br/noticias/geral,doacoes-de-evangelicos-superam-r-1-bi-por-mes,449133
[5] Matéria veiculada pela Exame, disponível no sítio eletrônico http://exame.abril.com.br/brasil/em-um-ano-arrecadacao-de-igrejas-passou-dos-r-20-bi/
[6] Matéria veiculada pela Exame, disponível no sítio eletrônico https://www.forbes.com/sites/andersonantunes/2013/01/17/the-richest-pastors-in-brazil/#ff76e235b1e3
[7] “’Bispo do da ostentação’ que gastou milhões é suspenso pelo Vaticano”. Matéria veiculada por BBC Brasil. Disponível no website http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/10/131023_bispo_ostentacao_dg.
[8] “20 coisas surpreendentes sobre o templo da Igreja Universal”. Matéria veiculada pela revista Exame. Disponível no website http://exame.abril.com.br/brasil/20-coisas-sobre-o-enorme-novo-templo-da-igreja-universal/