Evolução Historica e Direito de Família


27/08/2021 às 14h10
Por Ingrid Dalbem Tofoli

INTRODUÇÃO

A família é a sociedade mais antiga que existe, sendo classificada por Darcy Azambuja como a primeira sociedade por excelência. Dela partem os primeiros ensinamentos e princípios que serão levados por toda a vida. Segundo Venosa, “a família é uma importante instituição, responsável por criar uma nova geração, desenvolvendo vínculos que evoluem para se transformar em uma grande sociedade”.

No direito romano a família era organizada pelo princípio da autoridade ( ius vitae ac necis),nessa época, os filhos eram meramente objetos, podendo ser vendidos e mortos pelos próprios genitores quando necessário. Nessa época não se falava em afeto, a família era formada pelo homem e mulher e seus filhos seriem meros objetos de comercialização.

O período da renascença com seus ideais do humanismo, deu ao homem valorização. O racionalismo clássico, levou o ser humano a busca pelo conhecimento.

A família contemporânea, passou a apresentar novas modalidades de composição. Nesse período o afeto predomina, tornando-se princípio para existência da família. Nesse período mulheres assumem seus filhos sozinhas, homens deixam de responsabilizar-se por sua casa, o homossexualismo ganha força o individualismo social predomina e a família caminha para um novo conceito e formação.

A primeira legislação a falar sobre o tema foi o código civil de 1916, passando pela Constituição Federal de 1988 até o presente Código Civil de 2002, acarretando novos arranjos familiares atualmente aceitos legalmente. Uma modificação social, levou o legislador a uma modificação em seus textos legais, dando um novo conceito para família.

EVOLUÇÃO HISTORICA E DIREITO DAS FAMILIAS

No século XVI ao XVIII, a família pré-moderna, era caracterizada pelos pais, filhos, irmãos e avós, onde o poder patriarcal era absoluto, a mulher exercia papel meramente auxiliador e administrador de seu lar, cuidando de seus filhos e marido, sem ter autoridade de decisão ou reconhecimento social.

Após a revolução Francesa, no século XVIII ao XIX, exatamente nos anos de 1789 – 1799, surge uma nova fase familiar, a família moderna, pregando a igualdade entre homens e mulheres, por forte influência de correntes filosóficas, como o Iluminismo apregoado por Kant. A mulher começa a ganhar espaço e voz na sociedade e passa a exercer o papel de provedora que antes era exclusividade do homem. Iniciou-se um processo de transformação da estrutura familiar.

O Código Civil de 1916, foi a primeira legislação a abordar o tema sobre a família e casamento ente homem e mulher, responsáveis por instituir a família, contudo, nessa lei, não era permitido o divórcio, sendo também adotados, como impedimentos matrimoniais, aqueles instituídos durante a Idade Média pela Igreja Católica. O legislador definiu a família como instituição formada por laços biológicos, tornando restrita as outras modalidades que viriam a existir posteriormente. Não afastou a visão patriarcal e hierárquica do homem, como elencava o artigo 233 do CC/1916:

“o marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”

Durante vigência dessa legislação, mudanças continuavam a ocorrer no seio familiar. O código ficou defasado, não proferindo tratamento igualitários para filhos legítimos ou ilegítimos, naturais ou adotados. O legislador, negou no artigo 358 o reconhecimento de filhos incestuosos e providos de adultério, da mesma forma o artigo 359, proibia a convivência de filho de ilegítimo reconhecido por um dos cônjuges sem o consentimento do outro. Para Clóvis Beviláqua (1916 apud PEREIRA 1997, p.17), a família pode ser definida como:

Um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consanguinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os cônjuges e a respectiva progênie.

Diante exposto, o código civil de 1916 classificava a instituição familiar como matrimonialiada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, de produção e reprodução, mas com a promulgação da CF/88 a família ganha um amparo e adequação que originou o CC/2002.

A carta magna trouxe inovações, acautelando o princípio da dignidade da pessoa humana, outorgando ao Estado a obrigação de zelar, proteger e amparar o cidadão, conferindo-o direito e garantias fundamentais que são abarcados como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, arrolados em seu artigo 3º, inciso IV:

“Art. 3º - constituem objetivos fundamentais da república federativa do brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem =, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

A legislação constitucional foi um marco normativo que possibilitou um novo conceito de família, adaptando-se as mudanças sociais, com isso, o código civil de 2002, consagrou os diferentes arranjos familiares, o que hoje chamamos de direito civil constitucionalizado, buscou fortalecer os direitos fundamentais, afastando os ditames conservadores do código civil de 1916.

O conceito de família teve ampliação na CF/88, tendo reconhecimento de entidade, enquadrando a união estável entre homem e mulher em seu texto legal garantindo a esses direitos. Elenca o artigo 226 da CF/88:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. ·§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Uma nova classificação se faz, caracterizando-a família contemporâneo como pluralizada, democrática, igualitária substancialmente, hetero ou homo parental, biológica ou socioafetiva e de caráter instrumental. Desaparece a ideia de poder patriarcal e direciona as decisões para os viventes da sociedade conjugal, garantindo interesses de todos os membros, como das crianças e adolescentes.

Como leciona Pedro Lenza, a lei nº 8560/92 dispõe sobre a investigação de paternidade, a lei nº 8971/94 citava o termo companheiros, a lei nº 9278/96 disciplinava a situação dos conviventes . O novo código civil trouxe título para união estável em seu artigo 1.723, reconhecendo a entidade familiar entre e homem e mulher configurada na vivência pública, estendendo-se a união homoafetiva pela RE 878.694[1] .

A transformação social e sua evolução trouxe consigo uma nova estrutura familiar que atualmente é reconhecida e amparada pelo Estado. O direito de família tem utilizado o afeto como princípio para constituição da instituição familiar. Excluindo todo o conceito pretérito, valorizando o humano, o desejo dos envolvidos na relação, dando início a novas concepções estruturais.

Para o direito contemporâneo podemos conceituar família como :

“Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 45) definem que “família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo sócio afetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes”.( https://willianesara21.jusbrasil.com.br/artigos/617244671/a-família-na-atualidade-novo-conceito-de-familiaenovas-formacoes#:~:text=Fam%C3%ADlia%3B%20Conceito%3B%20Atualidade.&text=A%20fam%C3%ADlia%20dos%20dias%20atuais,que%20determinam%20as%20rela%C3%A7%C3%B5es%20familiares, pesquisa realizada em 25/04/2021).

Família é a união de pessoas, ligadas pelo afeto, com o objetivo de viver harmonicamente, caminhando para um fim comum. Para garantir essa diversidade nossa legislação precisou adaptar-se. Em 2013 um projeto de lei foi criado pelo deputado Anderson Ferreira (PR -PE), sendo aprovado em 2015 pela comissão especial. Tal estatuto pende fortalecer o artigo 226 da carta magna, estabelecendo a família como base da sociedade, porém o texto restringiu o núcleo familiar , sendo julgado inconstitucional por ação direta de inconstitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 132, que reconheceu a união homoafetiva como instituto jurídico. [2]

O projeto de lei mais recente, é nº 470/2013 – O Estatuto Das Famílias [3]. Tramita no senado federal e foi elaborado pelo IBDFAM, trata da família de modo geral afastando o caráter patrimonial e tem a finalidade de comtemplar as mais diversas formações de família que não estão sendo protegidas atualmente, comtemplando o afeto como item bacilar com o objetivo de fazer com que a justiça e o Estado atentem-se cada vez mais a realidade social.

Dois princípios tornam-se reconhecidos, o pluralismo das entidades familiares, que exige do Estado o reconhecimento da existência de vários arranjos familiares e o princípio da afetividade que segundo Paulo Luís Neto Lobo “a afetividade é o princípio que fundamenta o direito das famílias na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida com primazia em face de considerações de caráter patrimonial ou biológico”.

A evolução social trouxe consigo mudanças em todos os seguimentos da vida, e para o direito restou adaptar-se a elas, transformando-se juntamente com o meio social, garantindo dessa forma, que princípios constitucionais fossem assegurados pelo Estado, permitindo a todo cidadão a liberdade de escolher como e quando iniciara a formação de sua família.

Essa evolução resultou nos modelos de família matrimonial, informal, monoparental, Anaparental, reconstruída, paralela, a união poli afetiva , substituta e a homoafetiva.

 

[1] O RE 878694 trata de união de casal heteroafetivo. conclusão do Tribunal foi de que não existe elemento de discriminação que justifique o tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro estabelecido pelo Código Civil, estendendo esses efeitos independentemente de orientação sexual. Barroso sustentou que o STF já equiparou as uniões homoafetivas às uniões “convencionais”, o que implica utilizar os argumentos semelhantes em ambos. Após a Constituição de 1988, argumentou, foram editadas duas normas, a Lei 8.971/1994 e a Lei 9.278/1996, que equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável.

O Código Civil entrou em vigor em 2003, alterando o quadro. Isso porque, segundo o ministro, o código foi fruto de um debate realizado nos anos 1970 e 1980, anterior a várias questões que se colocaram na sociedade posteriormente. “Portanto, o Código Civil é de 2002, mas ele chegou atrasado relativamente às questões de família”, afirma. “Quando o Código Civil desequipa ou o casamento e as uniões estáveis, promoveu um retrocesso e promoveu uma hierarquização entre as famílias que a Constituição não admite”, completou. O artigo 1.790 do Código Civil pode ser considerado inconstitucional porque viola princípios como a igualdade, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e a vedação ao retrocesso.

No caso do RE 646721, o relator, ministro Marco Aurélio, ficou vencido ao negar provimento ao recurso. Segundo seu entendimento, a Constituição Federal reconhece a união estável e o casamento como situações de união familiar, mas não abre espaço para a equiparação entre ambos, sob pena de violar a vontade dos envolvidos, e assim, o direito à liberdade de optar pelo regime de união. Seu voto foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski.

Já na continuação do julgamento do RE 878694, o ministro Marco Aurélio apresentou voto-vista acompanhando a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli na sessão do último dia 30 março. Na ocasião, Toffoli negou provimento ao RE ao entender que o legislador não extrapolou os limites constitucionais ao incluir o companheiro na repartição da herança em situação diferenciada, e tampouco vê na medida um retrocesso em termos de proteção social. O ministro Lewandowski também votou nesse sentido na sessão de hoje.

Para fim de repercussão geral, foi aprovada a seguinte tese, válida para ambos os processos:

“No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.”

FT/CV

[2] O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF. A ADI 4277 foi protocolada na Corte inicialmente como ADPF 178. A ação buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

[3] Projeto de Lei do Senado nº 470, de 2013, Autoria: Senadora Lídice da Mata (PSB/BA) - Assunto: Jurídico - Direito civil e processual civil. Natureza: Norma Geral - Ementa:

Dispõe sobre o Estatuto das Famílias e dá outras providências.

Explicação da Ementa:

Institui o Estatuto das Famílias, composto dos seguintes títulos: I) Disposições Gerais; II) Das Relações de Parentesco; III) Das Entidades Familiares, sendo este título subdividido em: Das Disposições Comuns, Do Casamento; Da Capacidade para o Casamento; Dos Impedimentos; Das Provas do Casamento; Da Validade do Casamento; Dos Efeitos do Casamento; Da União Estável; Da Família Parental; Das Famílias Recompostas; IV) Da Filiação; V) Da Adoção; VI) Da Autoridade Parental; VII) Da Convivência Familiar; VIII) Da Alienação Parental e do Abandono Efetivo; IX) Dos Alimentos; X) Do Bem de Família; XI) Da Tutela e da Curatela; XII) Do Processo e do Procedimento; XIII) Do Procedimento para o Casamento; XIV) Da Ação de Divórcio; XV) Do Reconhecimento e da Dissolução da União Estável; XVI) Da Ação de Separação de Corpos; XVII) Da Ação de Alienação Parental; XVIII) Dos Alimentos; XIX) Da Averiguação da Filiação; XX) Da Ação de Interdição; XXI) Dos Procedimentos dos Atos Extrajudiciais; XXII) Das Disposições Finais e Transitórias; revoga o Livro IV da Lei nº 10406/02 (Código Civil) e dispositivos do Código de Processo Civil e da legislação correlata.

  • DIREITO CIVIL
  • DIREITO DE FAMILIA

Referências

REFERÊNCIAS

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. São Paulo: Saraiva, v. 2.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método, v. 2.

ROSENVALD, Nelson e FARIA, Cristiano Chaves. Direito Civil – Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lúmen Júris.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. São Paulo: Saraiva

Pesquisa realizada em 25/04/2021, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2014.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, volume 6: Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2009.

Pesquisa realizada em 25/04/2021, https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115242


Ingrid Dalbem Tofoli

Estudante de Direito - Fundão, ES


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