INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por tema: “Imunidade religiosa e os impostos indiretos”. Nele, procurar-se-á situar tal instituto jurídico-tributário no contemporâneo Sistema Tributário Nacional, tendo como ponto de partida a origem histórica, e a essência de tal instituto.
Diante dessa proposta, as questões mais relevantes a serem enfrentadas são de forma genérica são: O que são imunidades tributárias? Sua origem e evolução histórica no Ordenamento Jurídico Pátrio? E quais tributos estão afetados por elas?
Já de forma especifica, surgem os seguintes questionamentos: O que a Constituição Federal de 1988(CF/88), em seu artigo 150, inciso VI, alínea “b”; entende por templos de qualquer culto? E quais tributos contemplados por tal benesse? E se ela afeta também os impostos indiretos?
Posto isso, as hipóteses que procurarão ser demonstradas ao longo desta dissertação são:
a) O artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal, ao apresentar a vedação ao poder de tributar faz referência apenas aos impostos, sendo assim os demais tributos estão excluídos, não cabendo uma interpretação que dilate tal texto;
b) O legislador constituinte ordinário ao usar a expressão: “instituir impostos”, no artigo retro citado, o fez de forma genérica não cabendo uma possível limitação pelo legislador infraconstitucional, no que diz respeito à impostos classificados como indiretos.
A elaboração do presente trabalho se justifica no confronto épico doutrinário entre o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Aliomar Baleeiro, no bojo da interpretação econômica; e antagonicamente o Ministro do STF, Bilac Pinto, no bojo da interpretação formal. Tal confronto foi precursor e basilar na construção do entendimento pacificado atualmente por essa Corte, como se mostrar-se-á no estudo em tela.
O objetivo geral pauta-se em conceituar o instituto das imunidades tributárias; trazer o contorno do seu contexto histórico de nascimento; bem como sua abrangência entre as exações prevista na CF/88. Para tanto foram delineados como objetivos específicos: entender a expressão constitucional: “templos de qualquer culto”; e quais tributos contemplados por tal benesse; além descobrir se ela afeta também os impostos indiretos.
Tecer-se-ão considerações gerais acerca das imunidades tributárias, tanto no plano histórico global, como no nacional; será analisado o conceito de imunidades tributárias em diversos planos, bem como diferenciar-se-á as imunidades tributárias de institutos como isenção, não-incidência e outros.
O confronto épico doutrinário entre o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Aliomar Baleeiro, no bojo da interpretação econômica; e antagonicamente o Ministro do STF, Bilac Pinto, no bojo da interpretação formal será posto em discussão tudo isso para dar ao leitor condições de concluir pela aplicação ou não da imunidade nas mercadorias adquiridas pelas entidades religiosas, bem como na venda de mercadorias realizadas pelas mesmas.
1 Referencial Teórico
1.1 Considerações gerais
O trabalho em tela é de alçada acadêmica, e destarte, não pretendem invadir o campo religiosidade, até porque como alerta o Provérbio Popular: “religião e futebol não se discutem”. Contudo, a proposta é alcançar a ótica jurídica que envolve a imunidade tributária concedida pelo constituinte aos templos religiosos.
A Constituição Federal em seu artigo 150, inciso VI, alínea “b” prevê a imunidade dos templos religiosos, que atende também por “imunidade religiosa”. É importante se buscar o fim que pretendeu alcançar o constituinte ao conceder a imunidade religiosa, Ricardo Alexandre1 destaca:
“O legislador constituinte originário vê, inserido no poder de tributar, o poder de subjugar. Por isso é que, da mesma forma que a imunidade recíproca protege a autonomia dos entes federados, a imunidade religiosa impede que o Estado se utilize do poder de tributar como meio de embaraçar o funcionamento das entidades religiosas”.
Conhecida a finalidade do legislador constituinte, resta fazer um rascunho histórico para ser possível traçar a evolução sofrida por esta benesse ao longo dos tempos.
1.2 Plano histórico das imunidades religiosas
Como ajuda para percorrer plano histórico, o professor, Eduardo Sabbag (2010, p. 277) escreve: “no plano histórico, é importante frisar, de inicio, que o Brasil é um país majoritariamente católico, porém laico (ou leigo), isto é, um Estado que não professa uma dada “religião de Estado”, dita “religião oficial”. Dessa forma, a norma imunizante não professa uma “denominação religiosa especifica”, mas sua origem tem certa ligação com própria entidade Igreja Católica, pois como se verá por muito tempo perdurou uma união entre Estado e essa Instituição, e é da cisão dessas pessoas que surge imunidade religiosa, dessa forma genérica.
Sobre a origem dessa norma imunizante Regina Costa (2006, p. 156): “a origem dessa norma imunizante remonta à separação entre a Igreja e o Estado, consumada com a proclamação da República”.
Oficialmente, a separação da Igreja e Estado, no Brasil, se deu com a proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891. A referida Constituição, quem retirou do clero e nobreza o que Ricardo Torre Lobo denomina privilégios odiosos 2.
“Durante o período republicano até a Carta Magna de 1937, a intributabilidade das religiões se deu por meio de legislação ordinária e, somente após a Constituição Federal de 1946, a não-incidência ganhou a estatura constitucional” 3.
Sobre a evolução da imunidade religiosa nas constituições pátrias, vale trazer o estudo da professora, Regina Helena Costa4:
“A Constituição de 1891 vedava o embaraço aos cultos por via da tributação (art. 11, § 2°) comando que veio a ser reproduzido na Constituição de 1934 (art. 17, II) e na Carta de 1937 (art. 32, “b”). A Constituição de 1946 tornou imunes os templos de qualquer culto (art. 31, V, “b”) – norma que foi mantida nos sucessivos Textos Fundamentais (1967, art. 20, III, “b”; e 1969; art. 19, III, “b”)”. Não há como estudar as imunidades religiosas, sem levantar a questão do laicismo.
1.3 O laicismo no Brasil
Até proclamação da Republica, o Brasil, conforme extrair-se do art. 5º da Constituição Federal de 1824, tinha a religião “Catholica Apostolica Romana” como a “Religião do Império”, ou seja, o catolicismo era a religião oficial, excluindo assim, o laicismo.
“Estado laico” é o antitético de “Estado confessional", ou seja, é aquele cujo território não nomeia uma “religião oficial”, sua origem histórica é a separação Igreja-Estado, a qual despontou na França no final do século XIX. Todavia, a cisão entre o poder o estatal e as igrejas ou organizações religiosas, teve proporções de maiores ou menores medidas em outros momentos e lugares; normalmente vinculadas à Ilustração e à Revolução liberal.
O Brasil é Estado laico, contudo “teísta”, ou seja, não é pregada uma religião oficial ou dominante, mas há a crença em um “Ser Superior”, pois o próprio preâmbulo da Constituição Federal faz a menção “proteção de Deus”, elucida Torres:
“O fato de sermos em Estado laico não significa que deixamos de ser “teístas”. Como é sabido, o Brasil é laico e teísta. É que o próprio “preâmbulo” do texto constitucional faz menção à “proteção de Deus” sobre os representantes do povo brasileiro, nossos legisladores constituintes, indicando que estes partiram da premissa de que um Ser Supremo existe, sem que isso significasse uma reaproximação do Estado com a Igreja, nem mesmo com uma específica religião, porquanto no decorrer de todo o texto fundamental o constituinte “se mantém absolutamente equidistante, seguindo o princípio da neutralidade e garantindo o pluralismo religioso” (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro, tributário: Os direitos humanos e a tributação. Imunidades e Isonomia. V. III, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 240).
O fato de a Constituição invocar a “proteção de Deus” no seu preâmbulo, não significa que o Estado está vinculado à Igreja, e nem que haja uma “religião estatal”, mas há uma liberdade de escolha em relação aos dogmas que o individuo queria seguir. Ricardo Torres (1990, p. 240) ratifica: “[...], frise-se que o elemento teleológico que justifica a norma em comento atrela-se à liberdade religiosa (art. 5º, VI ao VIII, CF) e à postura de “neutralidade ou não-identificação do Estado com qualquer religião” (art. 19, I, CF)”.
No mundo existem muitos países confessionários, ou seja, países que adotem uma religião como oficial, segundo confirma os comentário importantes de Sabbag:
“No Brasil republicano, a religião de Estado cedeu passo a um Estado “de religiões”, ou seja, a um Estado não-confessional, à semelhança da maioria dos países espalhados pelo mundo. Entretanto, à guisa de curiosidade, sabe-se que, até os dias atuais, muitos Estados mantêm-se confessionais – países em que uma única confissão religiosa é reconhecida oficialmente pelo Estado, recebendo, em certos casos, os privilégios decorrentes dessa condição. Assim, adotam como religião oficial o Islamismo (a Arábia Saudita, o Afeganistão, o Egito, o Irã, o Iraque, a Jordânia e outros); o Catolicismo (o Vaticano, a Argentina, a Costa Rica, o Peru e outros); o Budismo (a Tailândia); o Hinduísmo (o Nepal); o Protestantismo Anglicano (o Reino Unido); e o Protestantismo Luterano (a Dinamarca e a Noruega)” 5.
Dadas tais considerações, pode-se indagar a respeito da natureza das imunidades religiosas.
1.4 A natureza das imunidades religiosas
A natureza das imunidades tributárias é causa de grande dissensão, alguns entendem serem elas imunidades objetivas, e justificam que essa exoneração é estabelecida em função de um objeto: os templos de qualquer culto. Outros dizem que são imunidades subjetivas, e justificam que a imunidade não é da ao templo em si, mas sim ás entidades mantenedoras dos mesmos.
Regina Costa (2006, p. 156) alerta: “à primeira vista parece deter essa exoneração constitucional caráter objetivo, uma vez que estabelecida em função de um objeto – os templos de qualquer culto. Todavia, a questão não se revela assim tão simples”.
A complexidade de se saber a natureza de tal benesse, se na órbita da analise que aponta que a imunidade não é dada ao templo propriamente dito, mas sim a entidade, nessa linha (Roque Carrazza apud Regina Costa) 6: “ensina que tal imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, mas sim a entidade mantenedora do templo, a Igreja”
A celeuma instalada bate sempre na questão pontual, de os templos não possuírem patrimônio, mas sim a instituição religiosa, (Ricardo Lobo Torres apud Regina Costa)7:
“A imunidade em tela, se subjetiva na pessoa jurídica, regularmente constituída, que promova a prática de culto ou mantenha atividades religiosas; desse modo, titular da imunidade é a instituição religiosa, e não o templo considerado objetivamente. Mas alerta que essa instituição religiosa somente será imune “na dimensão correspondente ao templo e ao culto”.
A conclusão que pode ser extraída das citações e entendimentos é: a imunidade religiosa é dada a uma pessoa (entidade religiosa), contudo há parâmetros objetivos a serem observados, quais sejam o templo e o culto, e a vinculação as finalidades essências.
1.5 As imunidades religiosas e os impostos
A proposta é tratar em tópico próprio a questão das imunidades religiosas e os impostos indiretos, contudo é indispensável salientar que é cediço que a exoneração tributária é dada apenas aos impostos. O presente tópico tratará de impostos de forma genérica prescindido, por enquanto, a questão da classificação em diretos e indiretos.
Eduardo Sabbag (2010, p. 318) “não é demasiado relembrar que a imunidade para os templos de qualquer culto trata da desoneração de impostos, que possam recair sobre a propriedade daqueles bens imóveis”.
Confirmando o entendimento que as imunidades religiosas são pertinentes apenas aos impostos, observe a ementa abaixo, colhida do RE n° 129.930/SP, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, com julgamento em 07-05-1991, afeto à ação ajuizada pela Igreja Primitiva de Jesus do Brasil contra o Sindicado dos Hospitais, Clínicas, Casas de Saúde, Laboratório de Pesquisas e Análises Clínicas e Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas do Estado de São Paulo, visando ao afastamento da incidência de contribuição sindical, instituída no interesse de categoria profissional (art. 149 da CF):
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. IMUNIDADE. CF, 1967, ART. 21, §2°, I, ART.19, III, "b", CF, 1988, ART. 149, ART.150, VI, "b". I. A imunidade do art. 19, III, da CF/67, (CF/88, ART. 150, VI) diz respeito apenas a impostos. A contribuição é espécie tributaria distinta, que não se confunde com o imposto. É o caso da contribuição sindical, instituída no interesse de categoria profissional (CF/67, art. 21, §2°, I; CF/88, art. 149), assim não abrangida pela imunidade do art. 19, III, CF/67, ou art. 150, VI, CF/88. II. Recurso Extraordinário não conhecido. (RE 129.930/SP, 2ª T., rel. Min. Carlos Velloso, j. em 07-05-1991).
Vencida essa questão, e com o entendimento da natureza jurídica das imunidades tributárias religiosas; mergulhar-se-á nos conceitos de culto e templo.
1.6 As imunidades religiosas e os conceitos de culto e templo
Em cede de preliminares, para a compreensão melhor do alcance das imunidades religiosas, deve-se o estudioso, passar pelos conceitos de culto e templo.
Culto é uma palavra que traz uma serie de significados, e desdobramentos, de inicio são imprescindíveis as palavras de Eduardo Sabbag (2010, p. 319): “seria possível afirmar que culto é a manifestação religiosa, cuja liturgia adstringe-se a valores consonantes com o arcabouço valorativo que se estipula, programática e teleologicamente, no texto constitucional”.
Há muitos valores envolvidos nessas duas palavras: culto, e templo; logo ao conceder tal exoneração o constituinte tinha em mente resguardar a fé; valores imateriais; a dignidade da pessoa humana; a liberdade de expressão, e outros valores morais, segundo Sabbag8:
“Assim, o culto deve prestigiar a fé e os valores transcendentais que a circundam, sem colocar em risco a dignidade das pessoas e a igualdade entre elas, além de outros pilares de nosso Estado. Com efeito, é imprescindível à seita a obediência aos valores morais e religiosos, no plano litúrgico, conectando-se a ações calcadas em bons costumes (arts. 1º, III; 3º, I e IV; 4º, II e VIII, todos da CF), sob pena do não-reconhecimento da qualidade de imune”.
Destarte, se uma “religião” ou “seita” (qualquer que seja a denominação) não estiver em conformidade com os valores resguardos pelo constituinte, a mesma não será imune afirma Osvaldo Othon (1996, p. 61): “portanto, não se protegem seitas com inspirações atípicas, demoníacas e satânicas10, que incitem a violência, o racismo, os sacrifícios humanos ou o fanatismo devaneador ou visionário”.
Já o conceito de templo, que será enfrentado agora, é precursor de diversas correntes, e analises doutrinarias. Templo de qualquer culto é, no dizer de Aliomar Baleeiro (1998, p.311), "o edifício e suas instalações ou pertenças adequadas àquele fim"; templo, assim, "compreende o próprio culto e tudo quanto vincula o órgão à função”. Tal conceito não resta por si suficiente ao entendimento da matéria, assim sendo, é imprescindível conhecer as três teorias que tentam definir o conceito de templo: denominadas: clássico-restritiva; clássico-liberal, e moderna.
A Teoria Clássico-restritiva (Concepção do Templo-coisa): restringe o conceito de templo simplesmente como local destinado à celebração do culto. Esta presa apenas ao caráter material do templo, ou seja, é templo apenas o fisicamente o integrem. Exemplo: não deve haver a incidência de IPTU sobre o imóvel – ou parte dele, se o culto, v.g., ocorre no quintal ou terreiro da casa – dedicado à celebração religiosa; não deve haver a incidência de IPVA sobre o chamado templo-móvel (barcaças, caminhões, vagonetes, ônibus etc.); entre outras situações. Como defensores dessa concepção, aproximam-se Pontes de Miranda, Paulo de Barros Carvalho e Sacha Calmon Navarro Coelho.
Teoria Clássico-liberal (Concepção do Templo-atividade): conceitua o templo como conjunto de tudo coisas que, direta ou indiretamente, viabiliza o a realização do culto. Dessa forma, não se cobra impostos do local destinado ao culto e os anexos deste (universitas juris, ou seja, o conjunto de relações jurídicas, afetas a direitos e deveres). Como defensores dessa concepção, aproximam-se Aliomar Baleeiro, Roque Antonio Carrazza e Hugo de Brito Machado.
Para Aliomar Baleeiro9:
“Não se deve considerar templo “apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência do pároco ou pastor, desde que não empregados em fins econômicos”.
O Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Carta Magna de 1946, se posicionava no sentido que as imunidades se limitavam a imunidade ao local do culto e ao conjunto de bens e atividades vinculadas a ele:
EMENTA: a imunidade estatuída no art. 31, v, “b” da Constituição (1946), é limitada, restrita, sendo vedado à entidade tributante lançar impostos sobre templos de qualquer culto, assim entendidos a igreja, o seu edifício, e dependências. Um lote de terreno, isolado, não se pode considerar o solo do edifício do templo. (RE 21.826/DF, 2ª T., rel. Min. Ribeiro da Costa, j. em 02-07-1953).
Já a Teoria Moderna (Concepção do Templo-entidade): entende ser o templo: entidade, na concepção de instituição, organização ou associação, mantenedoras do templo religioso, encaradas independentemente das coisas e pessoas objetivamente consideradas. No sentido jurídico, possui acepção mais ampla que pessoa jurídica, indicando o próprio “estado de ser”, a “existência”, vista em si mesma.
Eduardo Sabbag elege a terceira teoria como a mais razoável e escreve a esse respeito10:
“A concepção moderna tem-se mostrado a mais adequada à satisfação da problemática que circunda a tributação dos templos religiosos, que, em virtude do dinamismo que tem orientado a atividade, com questões jurídicas as mais variadas possíveis, requerem do exegeta um certo desprendimento das estruturas formais, a fim de atingir a “ratio legis” e propor a justiça fiscal aos casos concretos”.
1.7 Finalidades essenciais e exploração comercial
A Constituição Federal em seu artigo 154, § 4°, estipula que as vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas, ou seja, a imunidade dada aos templos de qualquer culto (alínea “b”), bem como as dadas aos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos patrimônio (alínea “c”), compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.
Dessa forma, há a necedade de delimitar-se a abrangência do conceito de que patrimônio, a renda e serviços das entidades religiosas, para se saber até onde está desonerada de pagar impostos.
Aliomar11 nessa linha escreve:
“O patrimônio das instituições religiosas abrange seus bens imóveis e móveis, desde que afetados a essas finalidades - vale dizer, o prédio onde se realiza o culto, o lugar da liturgia, o convento, a casa do padre ou do ministro, o cemitério, os veículos utilizados como templos móveis”.
Para a professora Regina Helena Costa, compreendem a renda das entidades religiosas:
“A renda considerada imune é aquela que decorre da prática do culto religioso, compreendendo as doações dos fiéis (incluindo as espórtulas e os dízimos) bem como as conseqüentes de aplicações financeiras, pois estas visam à preservação do patrimônio da entidade”. (COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 157.)
Insta frisar que o texto do artigo citado, da forma que foi escrita, aponta para a tendência da Teoria Moderna, ou seja, deve-se fazer uma analise ampliativa da palavra templo, e nela está compreendida a concepção de templo-entidade. Por isso, Eduardo Sabbag12, lista os seguintes motivos dessa interpretação:
“[...] pelos seguintes motivos: (a) por tratar, textualmente, do vocábulo entidade, chancelando a adoção da concepção do templo-entidade; (b) por se referir a “rendas e serviços”, e, como é sabido, o templo, em si, não os possui, mas a “entidade” que o mantém; (c) por mencionar algo relacionado com a finalidade essencial – e não esta em si –, o que vai ao encontro da concepção menos restritiva do conceito de “templo”. Essa exegese, dita “ampliativa” – prevalecente na doutrina brasileira –, que tende a desconsiderar a origem do patrimônio, renda e serviço, vem prestigiar a atuação das entidades em ações correlatas com as “atividades essenciais”, desde que se revertam a tais pessoas jurídicas os recursos hauridos nas citadas atividades conexas e que não se provoque prejuízo à livre concorrência”.
Na lição de Ricardo Lobo Torres (1995, p.215) finalidades essenciais são: "a prática do culto, a formação de padres e ministros, o exercício de atividades filantrópicas e a assistência moral e espiritual aos crentes".
Não há dúvidas que o melhor entendimento a se seguir é o da Teoria Moderna, bem como a interpretação do artigo 150, § 4°, da Constituição, deve ser ampliativa, e para se saber se a atividade exercida pela entidade religiosa é imune, basta achar um liame com suas finalidades essenciais.
A já citada Súmula 724, do STF, que diz:
“Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”.
Pode ser aplicada às instituições do artigo 150, VI, b, da Constituição, por meio de uma interpretação analógica, por essa razão, mesmo que alugado um imóvel pertencente à uma instituição religiosa gozará da exoneração tributária, se o mesmo tiver sua renda revertida as finalidades essências da instituição, nos termos do artigo 150, § 4°, da Constituição.
O STF analisou caso relevante na matéria. Observe a jurisprudência:
EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, "b" e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150,VI, "b", CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços "relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas "b" e "c" do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido (RE 325.822/SP, Pleno, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 18-12-2002).
Regina Helena Costa chega à conclusão 13:
“Cremos que somente mediante a análise da destinação dos recursos obtidos pelo templo, no desempenho de determinada atividade, é que se poderá respeitar a teleologia da norma imunizante, que outra não é senão assegurar a liberdade de crença e o livre exercício de cultos religiosos”.
1.8 Imunidades religiosas e impostos indiretos
De inicio, vale ressaltar que: o mesmo raciocínio empregado nas imunidades recíprocas do artigo 150, VI, alínea “a”, pode ser empregado aos templos de qualquer culto. Destarte, deve se estender as discussões da questão do alcance das imunidades recíprocas nos impostos indiretos, ao tópico em questão.
Recapitulando o conceito de impostos indiretos: “indireto é aquele cujo ônus tributário repercute em terceira pessoa, não sendo assumido pelo realizador do fato gerador. Vale dizer que, no âmbito do imposto indireto transfere-se o ônus para o contribuinte de fato, não se onerando o contribuinte de direito. (exemplos: ICMS e IPI)” 14.
A classificação de impostos em diretos e indiretos, serem alvo de criticas por muitos, já que leva em consideração aspectos econômicos que refletem na exação; mesmo assim, há tempos que ecoa a dúvida sobre a possibilidade da concessão de imunidades as chamados “impostos indiretos”.
Conforme dito nas considerações iniciais, a elaboração do presente trabalho se justifica no confronto épico doutrinário entre o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Aliomar Baleeiro, no bojo da interpretação econômica; e antagonicamente o Ministro do STF, Bilac Pinto, no bojo da interpretação formal. Tal confronto foi precursor e basilar na construção do entendimento pacificado atualmente por essa Corte, como se mostrar-se-á.
“As discussões em torno do tema notabilizaram-se principalmente entre 1967 e 1973 em julgados que refletiam os posicionamentos diametralmente opostos seguidos pelos Mins. Aliomar Baleeiro e Bilac Pinto” 15.
“Baleeiro ainda defendia que o ordenamento jurídico pátrio reconhecia o contribuinte de fato ou consumidor como aquele que suportava o ônus tributário. Nesse passo, referiu-se ao art. 166 do CTN, o qual, para o jurista, deixava claro o reconhecimento da realidade econômica subjacente aos impostos indiretos, considerando, portanto, a repercussão do tributo”16.
Até 1970 levava vantagem no confronto Aliomar Baleeiro, porém em sem atingir unanimidade no STF, destarte, defendia, na sua interpretação econômica da norma: que deveria ser reconhecida a imunidade tributária recíproca quando os entes imunes ocupassem a posição de contribuintes de fato, estando, por exemplo, como consumidores de produtos sujeitos a imposto sobre o consumo.
Segundo Eduardo Sabbag17:
“A bem da verdade, a discussão, que é bem antiga, foi pacificada com a prevalência do entendimento do então Ministro do STF, Bilac Pinto, que relatou célebre acórdão (RE n° 68.741-SP, em 1970), entendendo que a figura do contribuinte de fato era estranha à relação tributária, não podendo alegar, a seu favor, a imunidade tributária”.
Tentou-se levantar das “profundezas do passado” a discussão épica dos referidos ministros, e em 2003, quando o Pleno do STF apreciou os Embargos de Divergência no Recurso Extraordinário nº 210.251-SP, de relatoria da eminente Ministra Ellen Gracie, com julgamento em 26 de fevereiro daquele ano, entendeu-se que a imunidade prevista no art. 150, VI, “c”, da Carta Magna aplicava-se às operações de vendas de mercadorias fabricadas por entidades imunes, impedindo a incidência de ICMS, com a condição de que o lucro obtido fosse vertido à consecução da finalidade precípua da entidade.
Parecia que novamente a teoria de Baleeiro despontaria, porém a orientação adotada acima foi reiterada em 2006, pelo Pleno do STF, nos Embargos de Divergência nos Embargos Declaratórios no Recurso Extraordinário nº 186.175-SP, de relatoria da eminente Ministra Ellen Gracie, com julgamento em 23 de agosto daquele ano, conforme se nota da ementa:
EMENTA: O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 210.251- EDv/SP, fixou entendimento segundo o qual as entidades de assistência social são imunes em relação ao ICMS incidente sobre a comercialização de bens por elas produzidos, nos termos do art. 150, VI, "c" da Constituição. Embargos de divergência conhecidos, mas improvidos.
Essa batalha memorável findou com a derrota do eminente Ministro do STF, Baleeiro, e sua teoria, que entendia a norma imunizante no bojo da interpretação econômica bradou seu fim. E prevaleceu, e se perpetuou o entendimento do eminente Ministro Bilac Pinto, o qual via a norma imunizante no bojo da interpretação formal.
Apesar das irresignações, a posição de Baleeiro não prosperou e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal modificou-se, levando até mesmo à edição da Súmula 591, segundo a qual: "a imunidade ou isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do Imposto sobre Produtos Industrializados." 18.
Essa mudança mudou a jurisprudência do STF, que começou, desde então, a adotar tal postura, ou seja, admitindo a incidência dos impostos indiretos nas compras de bens por entidades políticas imunes, conforme ratifica as ementas dos seguintes acórdãos:
IMPOSTO DE CONSUMO. SERVIÇO FUNERARIO DA MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO. IMUNIDADE: INOCORRENCIA. II. AINDA QUE FIGURE COMO COMPRADORA A ENTIDADE PÚBLICA EM QUESTÃO, ESTA ELA SUJEITA AO PAGAMENTO DO IMPOSTO DE CONSUMO. MOTIVAÇÃO. EMBARGOS CONHECIDOS E RECEBIDOS. VOTOS VENCIDOS. (STF, PLENO, RE-embargos 68215/SP. Rel. Min. Thompson Flores. DJU. 16/04/1971).
IMUNIDADE FISCAL RECIPROCA. NÃO TEM APLICAÇÃO NA COBRANÇA DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. O CONTRIBUINTE DE IURE E O INDUSTRIAL OU PRODUTOR. NÃO E POSSIVEL OPOR A FORMA JURÍDICA A REALIDADE ECONÔMICA PARA EXCLUIR UMA OBRIGAÇÃO FISCAL PRECISAMENTE DEFINIDA NA LEI. O CONTRIBUINTE DE FATO E ESTRANHO A RELAÇÃO TRIBUTARIA E NÃO PODE ALEGAR A SEU FAVOR, A IMUNIDADE RECIPROCA. (STF, 2 T., RE 68741/SP, rel. Min. Bilac Pinto. DJU 23/10/1970).
Eduardo Sabbag19 resume toda discussão apresentada e dá o desfecho final:
“Em síntese, seguindo a linha de entendimento do STF, podemos assegurar: (I) não incide o ICMS nas operações de vendas de mercadorias fabricadas pelos templos (objeto sacros), com a condição de que o lucro obtido seja vertido na consecução da finalidade precípua da entidade religiosa; (II) incide o ICMS nas operações de compras de mercadorias, uma vez que na compra não se está pagando o tributo, mas o preço do bem”.
Respaldado pelos conhecimentos adquiridos ao longo da pesquisa, pode-se agora tecer sem “temor”, as considerações finais. Expondo nelas os “frutos” do estudo feito, bem como as respostas às indagações feitas nas considerações iniciais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No curso do trabalho, foi possível chegar a algumas conclusões acerca das imunidades tributárias e os impostos indiretos. Além disso, as questões levantadas tiveram suas respostas encontradas. Entretanto, para destacar ainda mais as opiniões do autor do presente estudo, de forma a possibilitar ao leitor identificar os principais pontos deste, passa-se a tecer as principais conclusões atinentes às imunidades tributárias religiosas e os impostos indiretos.
As normas jurídicas imunizantes sofrerem grande influência das tendências sociais, as quais orientam a positivação de benesses tributárias, as quais são dadas a determinadas “pessoas” ou “objetos” que desempenham um papel relevante na coletividade, e sempre esses estão atrelados a valores que o constituinte no Texto Maior desejou proteger.
Essa concessão de tratamento tributário diferenciado, nem sempre acompanha a evolução da sociedade, pois as próprias “pessoas” e “objetos” contemplados pelas imunidades sofrem mudanças na sua estrutura que a Carta Magna na sua época não pode vislumbrar.
Destarte, são necessários mecanismos e instrumentos hábeis a adequar a interpretação das normas com os anseios da coletividade. Obviamente, que quem faz essa integração de forma eficaz, não poderia ser o constituinte originário, uma vez que apenas contempla os anseios da sociedade da sua épica.
Logo, são por meio dos princípios, os quais carregam alta carga axiológica, positivando valores sociais dentro do sistema normativo; bem como do poder constituinte derivado; das normas infraconstitucionais, e principalmente pelo entendimento das cortes pátrias que se chega à melhor à tão almejada integração da norma com a realidade contemporânea.
Com a difusão das praticas de cultos por entidades religiosas, e mais precisamente, pela introdução dessas entidades em atividades econômicas, que se justificou a busca do entendimento da abrangência da exoneração tributária em suas operações. Para delimitar tal benesse foi enfrentada uma problemática.
A problemática enfrentada versa sobre o confronto épico travado pelos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, Aliomar Baleeiro e Bilac Pinto. Foi narrada, e o desfecho foi favorável à Bilac Pinto, no bojo da interpretação formal, em desfavor de Aliomar Baleeiro, no bojo da interpretação econômica. Essa discussão foi pacificada no célebre acórdão (RE n° 68.741-SP, em 1970), entendendo que a figura do contribuinte de fato era estranha à relação tributária, não podendo alegar, a seu favor, a imunidade tributária.
No ano de 2003, a discussão foi desenterrada pelo Pleno do STF, ao apreciar os Embargos de Divergência no Recurso Extraordinário nº 210.251-SP, de relatoria da eminente Ministra Ellen Gracie, o qual chegou apontar um retorno do entendimento de Baleeiro.
Mas no ano de 2006, o Pleno do STF, nos Embargos de Divergência nos Embargos Declaratórios no Recurso Extraordinário nº 186.175-SP, de relatoria da eminente Ministra Ellen Gracie, acabou de vez com as pretensões da interpretação de Aliomar, e consolidou o entendimento de Bilac Pinto, e sua interpretação formal.
Dessa maneira, seguindo a linha de entendimento do STF, hoje é cediço que não há incidência do ICMS nas operações de vendas de mercadorias fabricadas pelos templos (objeto sacros), com a condição de que o lucro obtido seja vertido na consecução da finalidade precípua da entidade religiosa; porém incide o ICMS nas operações de compras de mercadorias, uma vez que na compra não se está pagando o tributo, mas o preço do bem.
Destarte, pode-se concluir que as instituições religiosas não gozaram das imunidades quando estas entidades estiverem na posição de contribuintes de fato, ao adquirirem bens. Porém Elas estarão imunes, segundo entendimento do Corte Maior quando vendem bens ou prestem serviços outros, desde que as rendas obtidas dessas vendas sejam utilizadas nos templos e nos cultos.