Uma abordagem sobre os direitos do nascituro traz dificuldades tanto devido à pouquíssima doutrina especializada quanto pela delicadeza do tema.
Estamos vivenciando um contexto social peculiar: o aumento crescente de mães cujos filhos são registrados em Cartórios sem o devido reconhecimento da paternidade e o grande aumento do número de famílias cujos chefes são mulheres, solteiras ou separadas que arcam com todas as obrigações de sustento e educação da prole. Elas, na maioria dos casos, foram abandonadas por seus companheiros, maridos ou namorados quando ainda estavam grávidas.
Para exemplificar a situação Egon Nort menciona em seu livro:
Uma em cada cinco famílias brasileiras é chefiada por mulheres, que acumulam o trabalho de fora com a educação dos filhos. Nas favelas, o fim de um casamento abre uma jornada permanente de miséria. Há muitos casos de mulheres com vários filhos de dois, três ou mais maridos. De um modo em geral, todos abandonaram os filhos. Os ex-maridos saem em busca de novas companheiras. Hoje temos milhões de pessoas já adultas de pais ignorados, o que pode gerar um sério problema de consangüinidade. (casamento entre parentes) (NORT, 1997, p.352)
Estes casos propiciam a criação de uma conjuntura financeira desesperadora. O Estado, órgão supremo, para qual transferimos parte de nossa soberania como pessoa, deveria atentar para esta realidade. O que se vê, é o descaso através de falta de políticas públicas de planejamento familiar e de amparo à maternidade. A sociedade em geral observa de forma inerte esses fatos e preconceituosamente fecha os olhos para essas verdadeiras mães-pais. Ao serem abandonadas, elas não tem o mínimo para se manterem e conseqüentemente não oferecem a oportunidade para que o feto nasça de forma saudável e digna.
O sistema estatal oferece saúde gratuita, porém não há quem discuta a sua deficiência. A mulher grávida precisa mensalmente submeter-se a exames pré-natais, de roupas especiais e uma alimentação adequada. O parto também gera despesas. Para que o feto possa ter o mínimo de condições para seu desenvolvimento adequado é necessária uma alimentação saudável da gestante. Por isso, o dever de prestar alimentos deveria ser uma obrigação paterna, mesmo ainda durante a gestação, pois estamos falando do maior de todos os direitos: o direito à vida, princípio basilar de todos os demais do nosso ordenamento jurídico.
Segundo o brilhante constitucionalista José Afonso da Silva:
Por isso que ela constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos. (SILVA, 2003, p.197)
No dizer de Jacques Robert:
O respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores idéias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não-aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortioti da de outrem e, até o presente, o feto é considerado como ser humano. (ROBERT, 1971, p.234)
Deveria o pai ou o suposto pai propiciar ao ser em gestação o mínimo de condições de subsistência para que possa haver um desenvolvimento adequado e saudável, uma vez que sua alimentação é toda feita através do cordão umbilical que o liga à sua mãe. Porém, na prática, o que se percebe é a negligência da obrigação natural de qualquer pai. Os encargos da paternidade decorrentes do poder familiar surgem com a concepção do filho e não com seu nascimento ou propositura de uma eventual Ação de Alimentos ou Investigação de Paternidade.
O nosso ordenamento jurídico, principalmente através de nossa Carta Magna em seu artigo 227, o Código Civil de 2002 em seu artigo 4º., a Lei 5.578/68 – Lei de Alimentos e sobretudo a Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, asseguram e resguardam os direitos do nascituro.
Nada mais justo, uma vez que tem amparo legal suficiente, este suporte à manutenção e vida do nascituro. Sua genitora ou curador nomeado pode buscar entre os entes familiares a prestação do subsídio para manutenção da vida do feto.
Diante deste quadro se faz necessária a conceituação de palavras que erroneamente são utilizadas como sinônimos: embrião, feto e nascituro. Após a identificação dos mesmos é preciso adentrar nas Teorias da Personalidade. Muitos autores como Caio Mário da Silva Pereira[1], adeptos da Teoria Natalista não conferem ao nascituro o direito de ingressarem em juízo, porém há parte da doutrina, adepta da Teoria Concepcionista como Silmara J.A. Chinelato e Almeida[2] que divergem dos anteriores.
Seja qual for a teoria, o que importa é garantir a vida humana, que, ainda por nascer, já sofre com o preconceito e descaso, seja do próprio pai ou do Estado.
‘A liberdade de um homem de reproduzir não pode acarretar a miséria, o abandono, o sofrimento e a morte de outra pessoa – no caso, de seu próprio filho. O pai irresponsável é culpado do crime do pixote, do trombadinha e do assaltante juvenil.
A questão fundamental de ética e de justiça, neste país de botocudos, é a paternidade responsável’ (autor desconhecido)
Muitos advogados e juristas desconhecem a possibilidade do nascituro pleitear em juízo, seja Ação de Alimentos seja Ação de Investigação de Paternidade c/c Alimentos, porém percebe-se o crescente número de demandas neste sentido.
Por vivenciar a saga de diversas mulheres através de um estágio em uma Vara de Família desta Capital, percebi a importância desse tema, sobretudo para aquelas mulheres que não possuíam nenhuma condição financeira. Abandonadas ainda gestantes pelos maridos, companheiros ou namorados, tentam de todas as formas manterem o mínimo para a sua subsistência, e de seu filho que está por nascer.
Diante do exposto, posso afirmar que o presente artigo que tem por escopo evocar o direito basilar de todos os demais do nosso ordenamento jurídico: o direito à vida, representado por um nascimento com dignidade e saúde, cabendo ao genitor prestar o auxílio moral e materialmente a manutenção desse filho, mesmo que ainda dentro do útero materno.
Há de se questionar.... “Há a possibilidade de aplicação do princípio constitucional da paternidade responsável em relação ao nascituro, para que este tenha direito a alimentos, e conseqüentemente, a um nascimento com vida e saúde?”
[1] Caio Mário aduz que o “nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem, permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade do nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já é sujeito de direito.”(PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. 18ª. Ed.Rio de Janeiro: Forense, 1997.pp.144-145)
[2] Silmara J. A.. Chinelato e Almeida destaca em seu livro advertência feita por um biólogo no sentido de que “o embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do seu pai, nem com o da mãe. Por isso, não é exato afirmar-se que o embrião ou feto seja parte do corpo da mãe.”(ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Direitos da Personalidade do Nascituro. Revista do Advogado, nº38,p.22, dez.1992)