Reconhecimento de um Direito Subjetivo à Saúde.


04/04/2017 às 10h33
Por Holanda

Reconhecimento de um Direito Subjetivo à Saúde.

Cada passo na evolução da história da humanidade representou a conquista de um novo direito, e na década de 80, com o início do processo de abertura política, redemocratização do país, e o aumento de demandas sociais, nasce o direito fundamental à saúde com base nos princípios já dispostos pela Organização Mundial de Saúde - OMS, qual sejam, atenção médica à baixo custo para populações carentes [1]

 

O termo “direitos fundamentais” aplica-se aqueles direitos e liberdades do ser humano reconhecidos na esfera do direito constitucional positivado de determinado Estado[2], ou seja, são aqueles institucionalmente adotados em um ordenamento jurídico positivo, a maior parte em normas constitucionais.

 

O direito à saúde apresenta-se, em sua concepção constitucional, como um direito fundamental social de natureza prestacional[3] e, por consequência, exige uma conduta mais ativa do Estado.

 

Devido à técnica de positivação utilizada, isto é, a forma como a norma esta proclamada no texto constitucional, os direitos prestacionais sociais são considerados normas de cunho programático, pois estabelecem programas, finalidades e tarefas a serem implantadas pelo Estado e reclamam uma interposição do legislador para alcançar a plenitude de seus efeitos.

 

Importa dizer que tais normas não são meras proclamações ideológicas e que a necessidade de interposição legislativa para a eficácia desses direitos justifica-se pela dependência da disponibilidade de meios, e progressiva execução de políticas públicas.

 

O direito à saúde previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal constitui-se em um dos bens mais valorosos do ser humano, devendo receber tutela protetiva estatal por ser característica inerente ao direito à vida.

 

O reconhecimento da saúde como um direito prestacional subjetivo reflete-se em duas situações práticas, a primeira diz respeito à obrigação e a responsabilidade do Estado em formular políticas públicas que assegurem o acesso da população aos serviços de saúde, e segundo, a possibilidade do cidadão pleitear judicialmente, de forma individual ou coletiva, o cumprimento dessa obrigação.

 

Contra o reconhecimento desse direito subjetivo a prestações tem ganhado assentimento nos tribunais a chamada "teoria da reserva do possível" de acordo com a qual “a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos”[4] e que caberia ao legislador a decisão sobre a alocação de recursos públicos e políticas públicas, razão pela qual estaríamos diante de um problema de natureza “eminentemente competencial”, visto que a concretização desses direitos pelo Poder Judiciário, mesmo sem atuação legislativa, estaria afrontando o princípio da separação dos poderes[5].

 

O que vem acontecendo hodiernamente é o uso indiscriminado da reserva do possível como argumento impeditivo da intervenção judicial, servindo por vezes, como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação de direitos fundamentais prestacionais, cabendo, nessa linha, ao poder público o ônus da comprovação efetiva da indisponibilidade total ou parcial de recursos, do não desperdício dos recursos existentes, bem como a eficiente aplicação dos mesmos.

 

No horizonte que segue a doutrina dominante, é possível, ao menos no âmbito de “condições mínimas”, limitar à liberdade de conformação do legislador, posto que, negar ao indivíduo os recursos materiais mínimos para manutenção de sua existência, pode denotar, em último exame, condená-lo a morte, por exemplo, por falta de medicamentos.

 

“[...] a denegação dos serviços essenciais à saúde acaba – como soí acontecer- por se equiparar à aplicação de uma pena de morte para alguém cujo único crime foi o de não ter condições de obter com seus próprios recursos o atendimento necessário”[6]

 

No que se refere ao “quantum” que deverá ser prestado pelo Estado o princípio da dignidade da pessoa humana, pode vir a assumir, importante função demarcatória estabelecendo um limite ao que se chama de “padrão mínimo” na esfera dos direitos sociais, isto é, se não há condições materiais mínimas para exercer suas liberdades, até mesmo os direitos de defesa, não passarão de normas vazias de sentido.[7]

 

É óbvio que mesmo no âmbito de um mínimo existencial há um comprometimento de recursos públicos, especialmente em países onde grande parcela da população depende de proteção social básica, também é inequívoco que nem a previsão de direitos sociais na constituição, ou na esfera infraconstitucional, tem o poder de, por si só, produzir um padrão desejável de justiça social “Direito não tem o condão de – qual toque de Midas- gerar os recursos materiais para sua realização fática”[8].

 

Embora exista uma clara utilização da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, como uma espécie de “abracadabra jurídico de uma sociedade em que a discussão moral não é feita em público”[9], ainda assim, seguem sendo critérios materiais imprescindíveis, desde que devidamente contextualizados e justificados no processo decisório envolvendo direitos sociais e políticas públicas.

 

No que tange a carência de recursos disponíveis, tal dificuldade não pode vir a servir como barreira intransponível à realização dos direitos a prestações sociais, isto é, a teoria da “reserva do possível” há de ser encarada com reservas[10], vez que na condição de limite fático e jurídico à efetivação judicial, também resta envolvida na obrigação dos poderes públicos maximizarem os recursos, explorando alternativas que minimizem seus impactos, ao menos no que diz respeito às prestações básicas apontadas pelo critério do mínimo existencial. [11].

 

Por fim, ainda que os direitos fundamentais, mais especificamente o direito à saúde, constituam-se em um postulado de “deve ser”, e que com isso, possuam uma “dimensão utópica”[12], e que, embora o fator custo seja relevante, aos direitos sociais impõe-se uma busca do meio termo e da justiça medida.[13]

 

O que se quer enfatizar, é que, principalmente em relação ao direito à saúde, o reconhecimento de um direito subjetivo individual a prestações materiais, diretamente deduzido da Constituição é uma exigência de qualquer Estado que inclua em seus valores essenciais a humanidade e a justiça.[14]

 

[1]   ROCHA, A.A; CESAR,C.L.G Saúde Pública: Bases Conceituais. Ed. 1. São Paulo: Atheneus 2008. p,108

[2]   SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9ª Edição, Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 35

[3]   SARLET, op.cit., p. 276

[4]  SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Orgs.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013, p.29

[5]  SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9ª Edição, Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 328

[6]   SARLET, op.cit., p. 347

[7]  Ibidem, p. 372

[8]   Ibidem, p. 370

[9]   SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9ª Edição, Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 377

[10]   Ibidem, p. 378

[11]   Ibidem, p. 379

[12]   SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9ª Edição, Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2007, p. 383 citando A.E.Pérez Luño, “Derechos Humanos y Constitucionalismo em la Actualidad”, in Derechos Humanos y Constitucionalismo ante ek Tecer Milenio, p.15

[13]   Ibidem, p.390

[14]   Ibidem, p. 346

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Holanda

Bacharel em Direito - Brasília, DF


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