Por Hélio Mendes,
Quem estuda ou pretende estudar ciências jurídicas e sociais, deve observar tudo o que diz respeito às culturas humanas, sua história, suas realizações, seus modos de vida e seus comportamentos individuais e sociais, para conseguir de maneira profícua identificar e compreender os diferentes grupos sociais e contextualizar seus hábitos e costumes, que enseja a estrutura dos valores que regem cada um deles, bem como, as normas regulamentadoras das condutas de seus individuos.
Diferentemente de outras ciências como exemplo as ciências naturais e exatas, as ciências sociais são um conjunto de disciplinas científicas que estudam os aspectos sociais das diversas realidades humanas, trabalha muito com o discurso, com as ideias das pessoas que são muitas vezes subjetivas, todavia, é importante e necessária a "limpeza ou troca da lente" para enxergar melhor as diferentes realidades com as quais convivemos, não é outro o entendimento da doutrina, André Franco Montoro em seu livro de filosofia do Direito, nos ensina conforme o texto a seguir ad lliteram.
“Longe de ser estático, a vida do direito revela um contínuo vir a ser. Forças em conflito, que lutam por interesses opostos dão origem a normas e situações jurídicas, que podem representar a dominação de alguns ou a conquista de muitos”.
Um assunto corriqueiro, e que sempre é trazido à baila nas relações pessoais e profissionais, são os denominados crimes contra Honra e de preconceito.
Em abril de 2014 Daniel Alves, o jogador de futebol que atua como lateral esquerdo da equipe do Barcelona, sofreu algumas ofensas por parte da torcida adversária, que cominou com o arremesso de uma banana em sua direção. Na ocasião em vez de demonstrar-se constrangido com fato, o jogador respondeu o insulto de maneira jocosa e frutífera, ao se preparar para cobrar um escanteio o Lateral da seleção brasileira se abaixou, pegou a banana e comeu, e logo a seguir continuou atuando dentro da partida de futebol como se nada tivesse ocorrido.
Depois do ocorrido as mídias, vários artistas e outros jogadores, divulgaram várias campanhas contra o racismo, inclusive na oportunidade, algumas usaram o slogan “somos todos macacos”, de modo a incutir e disseminar para população em geral, a ideia de que tal fato poderia ser considerado um crime de racismo, no entanto, tecnicamente falando não é possível qualificar tal ocorrência como sendo crime de racismo, aquele previsto em uma lei especial (7.716/89), mas sim o crime de injuria racial tipificado no artigo 140 §3º do código penal brasileiro, para melhor compreensão, trago alguns conceitos relacionados aos crimes contra a honra,
Há duas espécies de honra, uma dela é honra objetiva, que se caracteriza pela reputação social, ou seja, pode-se afirmar que a honra objetiva é a imagem de alguém diante a sociedade. Isto posto, uma vez que alguma venha afetar esta imagem externa perante a sociedade, o fato é tipificado na lei como crime de calúnia (138 CP.) e ou de difamação (139 CP.).
Ha outra espécie de honra que é denominada subjetiva, nesta o que predomina é o sentimento de dignidade e decoro pessoal, ou seja, a honra subjetiva é o juízo de valor que cada um possui sobre ela mesmo, não obstante, quando há uma conduta praticada que afeta o sentimento, a dignidade e decoro pessoal, (forma verbal, por gestos, insinuação maliciosa, ou discriminatória dentro de um grupo ou vias de fato), o fato torna-se típico, sendo considerado crime de injúria (140 CP.),para melhor entendimento a seguir destaco alguns dos aspectos dos delitos em comento.
A calunia é um sinônimo de mentira imputando a alguém uma suposta prática de um conduta prevista como crime, portanto, para se consumar o crime de calúnia é necessário que ocorra a publicidade, sendo plenamente possível a tentada de calúnia por escrito, o exemplo clássico de tentativa de calunia é o envio de carta caluniando alguém que não chega a terceiro. O aspecto predominante que diferencia o crime de calúnia dos demais crimes contra honra, é o afastamento da tipicidade em decorrência da prova de existência do que foi imputado a alguem, assim, se o individuo que acusou alguém conseguir provar que o que ele exteriorizou aconteceu sendo verdade, não tipifica o crime de calunia, importante ressaltar também que há uma exceção expressa no artigo 138 §3 CP.
A difamação é sinônimo de fofoca, ou seja, a conduta de atribui fatos desonrosos a alguém, exteriorizando e de qualquer modo conseguir que isso venha chegar ao conhecimento de terceiros, todavia, para que se possa consumar o crime de difamação é necessário a publicidade, igualmente a calunia, no crime de difamação é plenamente possível a figura tentada por escrito.
É mister destacar a diferença entre a calúnia e difamação, qual seja: o fato que na calúnia, ao atribuir a alguém um fato criminoso e admite-se a hipótese de prova de verdade, denominada exceção da verdade, não obstante, no crime de difamação por tratar-se de uma fofoca não admite-se a aplicação do instituto de exceção de verdade, exemplos: “Você é um cachaceiro", “você é uma vadia”, “ vai seu corno”, "vai sua rapariga" etc,
Por fim dos crimes contra a honra, restou citar a injúria, que é um sinônimo de xingamento, e por isso se consuma independente de publicidade, bastando que a própria vítima tome conhecimento de eventual fato atribuído a ela e que venha afetar sua honra interna, neste instituto o objeto jurídico é a honra subjetiva da pessoa constituida do sentimento próprio a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de cada um.ou seja a injuria afeta concretamente a dignidade e o decoro da vítima,
Como já foi dito anteriormente, a injuria refere-se a honra subjetiva, ataca o sentimento próprio a respeito dos atributos morais do cidadão, geralmente busca ferir um sentimento interno da vitima, no entanto consuma-se independente se fato venha chegar ao conhecimento de terceiro. Neste delito, não interessa se o conteúdo exteriorizado no xingamento seja verdadeiro ou não, o crime se consuma no momento em que o ofendido toma conhecimento da imputação de qualidade negativa a sua dignidade e o seu decoro. Ademais, assim como no crime de difamação, uma vez tipificado a conduta de injuria, é inadmissível a hipótese exceção de verdade.
No tocante a injuria existem algumas subdivisões de espécies, são elas a injuria real, que é aquela que se consuma quando alguém ofende a honra através de meios físicos, é a chamada também de via de fato, e por isso sua pena é maior, exemplo da injuria real : “cuspir em alguém” ou “dar um tapa no rosto”.
Por fim temos a injuria preconceituosa, que consuma-se quando há um xingamento com fundamento em preconceito(s) ligado(s) a raça , cor, etnia, religião, origem, ou ainda condição de deficiente ou de idoso, cuja pena é mais grave. Diverso dos demais crimes contra honra, que são crimes de ação penal privada, a injuria preconceituosa esta situada entre o rol dos crimes de ação penal publica condicionada a representação, conforme dispõe o artigo 145 do CP.
Conforme escrevemos no inicio, a injuria preconceituosa não se confunde com o crime de racismo previsto no artigo 20 da lei 7.716/89, tal norma especial surgiu robusta de preceitos constitucionais que visam abolir e mitigar qualquer tipo de condutas sinônimas de segregação racial e exclusão dos indivíduos do contato com a sociedade, por isso são considerados crimes mais graves, inafiançáveis e imprescritíveis. Destarte, o racismo vem previsto na constituição federal, é determinado na carta magna, não ser possível o arbitramento de fiança, já na hipótese da injuria preconceituosa inserida no código penal brasileiro é possível que o investigado pague uma fiança, podendo responder todo o processo em liberdade.
Citamos a seguir alguns exemplos que ensejariam em tese a tipificação do crime de racismo: “não permitir a entrada de negros em um determinado estabelecimento”, “deixar de vender alguns produtos só para os judeus”, “não empregar indígenas numa empresa, etc.”
Analisando os conceitos e institutos que norteiam o entendimento dos crimes contra honra, em face das ocorrências com o jogador da seleção brasileira Daniel Alves, e outros casos semelhantes a este que desencadearam em xingamento devido condição de negro, no caso sub examine, é pacifico o entendimento que não é possível se falar em crime de racismo, aquele previsto na constituição federal e no artigo 20 da lei 7.716/89, todavia, diferentemente do que a grande mídia dissemina para a população, em tese, o máximo que poderia se consumar é o crime de injuria preconceituosa, ex vi da inteligência expressa no 140 §3 CP.
Autor: Hélio Mendes, Advogado em São Paulo e Prof. no IBIJUS
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