A LEI MARIA DA PENHA EM COMBATE AO ‘PORNÔ VINGANÇA’: necessidade de proteção à intimidade feminina


12/10/2015 às 16h39
Por Hayssa Oliveira Advocacia e Consultoria Jurídica

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo analisar a Lei Maria da Penha em seus aspectos mais relevantes, enfocando, principalmente, a possibilidade de sua aplicação às situações em que se expõem a intimidade feminina. Sabe-se que a Lei 11.340/2006 veio para atender o anseio de justiça que imperava entre a população feminina brasileira, trazendo normas para inibir a violência doméstica que atingem as mulheres dos mais diversos padrões econômicos, representando, portanto, uma conquista das mulheres e um compromisso do Estado. Entretanto, uma das dificuldades acerca da aplicação da Lei nº 11.340/2006, consiste em discernir os comportamentos que caracterizam a violência doméstica contra a mulher, sobretudo diante das constantes práticas que surgem a cada dia na sociedade. Uma dessas práticas, chamada pornografia de vingança, vem tomando espaço cada vez maior na atualidade, consistindo na divulgação de conteúdos íntimos nos diversos meios eletrônicos, onde o expositor age no ímpeto de vingança, por sentir-se ressentido com o término do relacionamento com a vítima. Com foco nessa vertente, o presente estudo com método qualitativo de caráter bibliográfico, busca demonstrar que é perfeitamente possível a aplicação da Lei Maria da Penha aos casos em que haja a divulgação da intimidade da mulher, sem a sua expressa concordância, tendo em vista que os materiais disseminados são, na maioria das vezes, adquiridos no âmbito doméstico e familiar. Corroborando esse entendimento, surgiu a PL 5555/2013, que pretende acrescentar à Lei Maria da Penha as condutas de pornografia de vingança, visando, assim, a combater essa prática.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência. Aplicação. Divulgação da intimidade. Mulher. Pornografia de vingança.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo propõe um olhar sobre a Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha em seus aspectos mais importantes, quais sejam, o seu contexto histórico, as formas de violência e, por fim, sua possibilidade de aplicação aos casos em que haja a divulgação da intimidade da mulher sem a sua expressa aceitação.

É manifesto na história, que a violência doméstica aflige as mulheres em todo o mundo, desde a antiguidade até os dias atuais, problema este que afeta diversos países, culturas e níveis sociais.

O ente estatal, buscando coibir a violência praticada contra a mulher, criou a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que recebeu este nome em homenagem a bioquímica Maria da Penha Fernandes, que denunciou o Brasil à OEA (Organização dos Estados Americanos), sendo o referido ato o pontapé inicial para a elaboração da citada lei, que veio com um determinado objetivo, regulamentar a necessidade de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.

Antigamente, não existia uma Lei que controlasse os abusos sofridos pelas mulheres, as quais eram subservientes ao seu companheiro, de forma que não tinham a quem, nem como recorrer da situação de submissão a que se encontravam, sofrendo, muitas vezes, violentos castigos.

Nesse norte, a Lei Maria da Penha veio para atender aos anseios da população feminina, sendo sancionada em 07 de agosto de 2006 pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Não obstante, essa Lei tem sido inserida no ordenamento jurídico brasileiro há mais de oito anos, mas, até hoje, ainda surgem dúvidas e incertezas entre os operadores do Direito, no tocante à sua aplicabilidade frente aos casos concretos, vez que a cada dia nascem novas problemáticas que precisam ser solucionadas à luz do Direito.

Dentre as dúvidas mais recentes, está o questionamento acerca das condutas que são abarcadas pela Lei Maria da Penha, como por exemplo, a prática delituosa que vem ganhando cada vez mais espaço nos meios eletrônicos, conhecida como pornografia de vingança, vazada nos meios virtuais com conteúdo íntimo como fotos e vídeos.

Sendo, portanto, o enfoque do trabalho perquirir a referida conduta, assim como, os males que a mesma acarreta às vítimas, a fim de averiguar se tais danos se encaixam na violência psicológica a qual é compreendida pela Lei 11.340/2006, analisando, desta forma, uma possível aplicação dessa Lei a estes casos.

É nessa perspectiva que o trabalho irá se ater, pois quando a lei dispõe em seu artigo 7º, II, que a violência psicológica é, em síntese, toda e qualquer conduta que cause dano emocional, torna-se perfeitamente cabível a associação da violência psicológica ao ‘pornô vingança’, por todos os danos que causa à mulher que desta conduta se tornou vítima.

A problemática, que ora se apresenta, é bastante atual, pois vem sendo alvo de inúmeros debates no meio jurídico, ainda mais após a elaboração do Projeto de Lei de nº 5.555/2013, conhecido como Lei Maria da Penha Virtual, de criação do Deputado João Arruda, que visa a agregar à Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) a conduta da pornografia de vingança.

Para o elaborador do projeto (ARRUDA, apud GUGLINSKI, 2013):

qualquer divulgação de imagens, informações, dados pessoais, vídeos ou áudios obtidos no âmbito de relações domésticas, sem o expresso consentimento da mulher, passe a ser entendido como violação da intimidade

Os operadores do Direito que defendem o citado projeto de lei levam em consideração uma característica presente na Lei Maria da Penha, qual seja, a sua competência na regulação das relações íntimas de afeto, o que levou esses juristas a refletirem sobre a aplicação da Lei Maria da Penha às condutas intituladas como pornografia de vingança, uma vez que os materiais íntimos divulgados no meio virtual, na maioria das vezes, são obtidos mediante a confiança existente em uma relação íntima de afeto.

Com pesquisa exploratória de método qualitativo de natureza bibliográfica e documental, pretende-se discorrer sobre o contexto histórico em que a mulher foi vitimada por violência doméstica, determinar as espécies de abuso sofrido, o ataque de violação da intimidade feminina e a aplicabilidade da lei aos casos em que se expõem a intimidade da mulher.

Sendo assim, faz-se necessário, perante o interesse da sociedade que se venha a explanar acerca da Lei Maria da Penha, enfatizando-se as relações por ela abrangidas, como também os diversos tipos de violência por ela alcançada, descrevendo o que é a pornografia de vingança e analisando a possibilidade de se aplicar a Lei 11.340/2006 aos casos em que se verifique a exposição desautorizada e ressentida da intimidade feminina.

{C}2 CONTEXTO HISTÓRICO E O CAMINHO PERCORRIDO ATÉ A ELABORAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006)

Em toda a história, a mulher sempre foi vítima da violência, sendo vista como um ser submisso, sem direitos e vontades, tornando-se importantes apenas no tocante à reprodução. Seus direitos eram suprimidos tanto pelas diversas religiões, ordenamentos jurídicos, como pelos costumes das mais variadas sociedades.

Em meados do século XX, iniciou-se mundialmente uma luta de engajamento social pela defesa dos direitos das mulheres, mostrando ao mundo que não era mais aceitável o conceito de inferioridade jurídica por gênero.

Em razão disso, surgiram em nosso ordenamento jurídico diversas discussões sobre como combater essa violência, a fim de que o índice de agressões fosse diminuído drasticamente, gerando assim uma maior paz social.

O caminho percorrido para se chegar à Lei iniciou-se quando o Brasil assinou e ratificou a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e, em momento posterior, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará).

Em razão disto, foram impostas mudanças significativas no âmbito de proteção internacional dos direitos humanos, determinando-se assim, a elaboração no Brasil de uma lei capaz de proteger as mulheres das mais variadas formas de violência por elas sofridas.

Com o intuito de coibir a violência enfrentada pelas mulheres, a sociedade buscou a criação de um diploma legal que resultasse em proteção às mulheres vítimas da violência doméstica. Em razão disso, fora criado o projeto de lei nº 4.559/2004, que daria origem à Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006), a qual entrou em vigor em momento posterior, sendo assim denominada em homenagem à farmacêutica Maria da Penha Fernandes, vítima de duas tentativas de homicídio realizadas pelo seu marido, em 1983, iniciando uma nova política pública de combate à violência doméstica, no Brasil, assegurando punições mais severas ao agressor da mulher.

Assim discorre Rogério Sanches (CUNHA; PINTO, 2008):

A Lei 11.340/2006 extraiu do caldo da violência comum uma nova espécie, qual seja, aquela praticada contra a mulher (vítima própria), no seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade (art.5º). Nesses casos, a ofendida passa a contar com precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir essa modalidade de agressão..

A violência contra a mulher, sobretudo no âmbito doméstico e familiar, ainda é constante no mundo atual, sendo tolerada e até mesmo aceita por algumas sociedades. Apesar de sempre ter existido na história, é ainda um tema bastante discutido e preocupante, em razão do elevado número de mulheres vítimas da violência doméstica no Brasil, seja ela em seu aspecto físico, psicológico, moral, patrimonial ou sexual.

Nesse sentido, podemos afirmar que havia uma flagrante necessidade para a elaboração e consequente promulgação da Lei em destaque, vez que a violência contra a mulher configura uma situação intolerável, devendo ser a todo custo combatida, motivo pelo qual a presente Lei se mostra extremamente necessária, iniciando, assim, um novo capítulo na luta pelo fim da violência contra as mulheres, a qual perdura até os dias atuais.

{C}3 ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Conforme já mencionado, por sempre ter sido submetida ao homem, a mulher passou ao longo dos tempos a ser uma vítima constante da violência. A violência contra a mulher não se configura apenas na violência física, que é mais praticada, inclui-se também a patrimonial, sexual, moral e psicológica. Esta última pode acarretar danos permanentes à vítima, sendo caracterizada por qualquer dano emocional, humilhação ou ridicularização, independentemente do meio pela qual é expressa.

Após tanto tempo sendo vítimas dos mais diversos tipos de violência, as mulheres ingressaram em uma luta contra a violência sofrida, conquistando assim um espaço maior na sociedade.

Em decorrência da própria evolução da humanidade, diversos povos traçaram meios para impedir e prevenir a violência contra a mulher e, em momento bastante oportuno, entrou em vigor a Lei 11.340, de 22 de setembro de 2006, denominada de Lei Maria da Penha, criando meios de coibir a violência no âmbito doméstico e familiar contra a mulher. A referida lei foi sancionada com o intuito de modificar a relação entre as vítimas e os seus respectivos agressores, possuindo não só um caráter repressivo, mais também preventivo e protetivo.

Nesse ínterim, convém esclarecer o que vem a ser caracterizado como violência nos dias atuais, para só então podermos compreender o combate da Lei Maria da Penha a tais tipos de violência.

A palavra violência vêm do latim vis, que significa “força” referindo-se a constrangimentos com uso da superioridade física sobre o outro. Esta definição baseia-se no uso da força física, mas existe ainda a violência psicológica, sexual, negligência e por isso muitos autores têm dificuldade em conceituar este fenômeno, sendo que fixar uma definição à violência é reduzi-la a compreender mal sua evolução e sua especificidade histórica. (MINAYO; SOUZA, 2003).

Nas palavras de Maria Amélia de Almeida Teles e Mônica de Melo (TELES; MELO, 2003):

Violência em seu significado mais frequente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano.

As várias espécies de violência contra a mulher estão descritas na Lei 11.340/2006, em seu artigo 7º, in verbis:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2013).

Da análise do dispositivo supra, vê-se que a violência psicológica objetiva nada mais do que a proteção da auto-estima e da saúde psicológica da mulher, podendo ser caracterizada como tal, qualquer humilhação, xingamento, ameaça, agressão verbal e constrangimento de qualquer tipo, ou seja, qualquer comportamento ou conduta que acarrete um sofrimento psíquico à vítima, por qualquer modo que seja manifestada.

Nesse norte, sabe-se que a violência psicológica é a forma mais praticada no cotidiano e atinge grande parcela da população feminina em nosso país, podendo acarretar danos permanentes à vítima.

Nessa perspectiva, podemos entender a violência psicológica como:

[...] qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. (BRASIL, 2013).

Ainda sobre a violência em seu âmbito psicológico, importante se faz mencionar os exemplos corriqueiros indicados pela Secretaria de Vigilância em Saúde (2005) na violência contra a mulher, vejamos:

[...] Impedir de trabalhar fora, de ter sua liberdade financeira e de sair, deixar o cuidado e a responsabilidade do cuidado e da educação dos filhos só para a mulher, ameaçar de espancamento e de morte, privar de afeto, de assistência e de cuidados quando a mulher está doente ou grávida, ignorar e criticar por meio de ironias e piadas, ofender e menosprezar o seu corpo, insinuar que tem amante para demonstrar desprezo, ofender a moral de sua família. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).

Importante se faz mencionar que a mulher vítima do abuso emocional vive em constante estado de medo, de insegurança e fragilidade. Entretanto, muitas mulheres optam por permanecer nesta situação ultrajante, devido a um medo que para muitas é maior ainda, o de enfrentar a vida sozinha, sem o seu agressor, que em muitos casos, é o responsável por prover a família economicamente.

Por todo o aclarado, temos que as mulheres sofrem de forma silenciosa na maioria das vezes em que são vítimas de algum tipo de violência, fazendo-se necessária a conscientização coletiva a respeito do que configura abuso emocional e psicológico, pois, não é raro que um grande número de mulheres não saibam que estão sendo vitimadas, permanecendo, assim, em um contexto de violência.

Isto posto, com o surgimento da Lei Maria da Penha, que destina-se a combater os diversos tipos de violência enfrentada pelas mulheres, permitiu-se que estas se sentissem mais seguras, pois podem buscar guarida no judiciário quando forem vitimadas, munidas da certeza que serão amparadas.

4 ATAQUE DE VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE FEMININA: PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

De início, se mostra pertinente esclarecer que as relações de afeto entre os casais são regidos pelos princípios da lealdade, confiabilidade e boa-fé mútua e, em razão de toda a segurança depositada no parceiro, muitas pessoas decidem por registrar seus momentos íntimos, sendo, muitas vezes, tais registros entregues ao mesmo.

A expressão pornografia de vingança (em inglês, revenge porn), se refere ao ato de divulgar nos meios eletrônicos arquivos com conteúdo íntimo de outra pessoa, sem o seu consentimento. Tal prática está se tornando bastante comum, após os fins dos relacionamentos, sendo o homem, na maioria das vezes, o divulgador das cenas íntimas como forma de vingar-se à mulher.

O “revenge porn” foi iniciado nos Estados Unidos e, atualmente, existem sites cuja especialização é a divulgação destes tipos de arquivos, cujo único fito é aviltar ex-companheiras.

A referida expressão trata-se de um termo novo no ordenamento jurídico brasileiro, o qual se originou devido à facilidade de propagação das informações nos meios virtuais, ao longo dos últimos anos, trazendo tanto pontos positivos quanto negativos para a sociedade, como é o caso da pornografia de vingança, na qual o expositor utiliza-se do meio eletrônico com a rapidez nas trocas de informações para divulgar materiais com conteúdo íntimo da vítima, advindos do relacionamento expirado.

A conduta em questão mostra-se extremamente importante dado os recentes acontecimentos envolvendo a exibição de materiais contendo a intimidade das mulheres através dos mais diversos meios eletrônicos, materiais estes divulgados sem o expresso consentimento das mesmas e obtidos, na maioria das vezes, através da relação que possui o divulgador com a vítima, sendo adquiridos no âmbito doméstico e familiar ou, ainda, através das relações íntimas de afeto, e disseminados no meio eletrônico, em sua maioria, como uma forma de vingança.

Grande têm sido os debates quanto a essa exposição desautorizada no meio social, os quais não apresentam uma resposta conclusiva acerca das punições imputadas ao agressor, sendo necessário que o ordenamento jurídico brasileiro crie mecanismos legais com o fim de punir tais condutas, que geram, em especial, a violência psicológica.

A pornografia de vingança mostra-se como uma das modalidades de violência doméstica, qual seja, a violência psíquica, tanto quando ocorre a efetiva divulgação das imagens/vídeos por seus companheiros íntimos, como também, quando os mesmos, com o intuito de manter o romance, utilizam-se desses materiais para chantagear as parceiras, para que elas não terminem o relacionamento.

Nesse ínterim, resta claro que as condutas de divulgação de materiais íntimos das mulheres se encaixam perfeitamente na violência psicológica abarcada pela Lei Maria da Penha, tendo em vista o dano emocional e humilhações sofridas pelas vítimas.

O entendimento da secretária-adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, Rosangela Maria Rigo é de que expor arquivos com conteúdos íntimos através do meio virtual é um crime que corresponde à violência doméstica e afirma que os casais podem registrar seus momentos íntimos, a questão é quem tem o manejo desses registros (RIGO, apud PEREZ, 2013).

Nesse passo, presume-se que o ex-parceiro e detentor das imagens ou vídeos é responsável pelas mesmas, devendo responder pela sua divulgação não autorizada, vez que agiu o indivíduo com a intenção de expor, humilhar, ridicularizar e depreciar a imagem de sua ex-companheira, agindo por um ressentimento da antiga relação.

Uma questão que merece destaque nesta abordagem, são os danos causados às mulheres que tem sua intimidade divulgada, e como esse tipo de atitude repercute na vida de cada uma das vítimas, pois, em alguns casos, tais danos motivaram até atitudes extremas, como suicídio. Sendo, assim, é de extrema importância o combate a tal prática, não apenas no âmbito civil, com indenizações reparatórias, tais condutas devem ser observadas também na esfera penal, com punições adequadas.

5 A REALIDADE DAS VÍTIMAS

Um assunto periódico nos últimos anos tem sido o “pornô vingança”, que como dito anteriormente, trata-se da divulgação de fotos e materiais íntimos em geral, sem a autorização da vítima, sendo uma conduta praticada quase sempre por homens, visando vingar-se da mulher, expondo-a e depreciando-a através das ferramentas de bate-papo ou nas redes sociais.

É certo que tamanha exposição nos meios eletrônicos ocasiona diversos males às vítimas, dentre eles pode-se citar a humilhação, sofrimento, dano emocional, prejuízos ao convívio social e ao trabalho, mudança de nome e, nos casos mais graves, pode motivar até um suicídio.

Torna-se para a mulher um fardo difícil de carregar e, muitas vezes, a humilhação ultrapassa a sua pessoa para atingir seus familiares mais próximos, o que agrava ainda mais a situação.

Diversos casos já ocorreram no Brasil, como o da jornalista paranaense Rose Leonel, que teve em 2006, fotos e vídeos divulgados na internet por um ex-namorado, como forma de vingança. Rose acredita que o pior dano oriundo da ‘vingança pornô’ é a condenação social em que vivem as vítimas. Segundo Rose:

As vítimas desse crime não sofrem apenas com a dor da traição do parceiro, da traição afetiva e humana, mas também com o julgamento implacável e a punição desumana da sociedade. Tenho certeza que muitas vítimas deixam de viver por preferirem à morte a receberem os olhares implacavelmente maliciosos e punitivos da sociedade. (LEONEL, apud RIGON, 2014)

Apesar de todo o abalo emocional sofrido por Rose, a mesma conseguiu recuperar-se e atualmente possui uma ONG (Marias da Internet), destinada a auxiliar outras vítimas do ‘pornô vingança’.

Entretanto, nem todas as vítimas dessa conduta conseguem recuperar-se do dano emocional sofrido, pois, muitas vezes o transtorno psicológico é tanto que as levam a mudarem de vida e até mesmo cometerem suicídio.

Nesse patamar, podemos citar o caso da goiana Francyelle, já conhecido como ‘Caso Fran’, uma garota de 19 anos que teve um vídeo com conteúdo sexual divulgado através do aplicativo WhatsApp, acrescidos do seu nome completo, endereço do trabalho e número do celular. A maior repercussão neste vídeo, se deu ao sinal de “OK” que a mesma fez durante a relação, circulando nas redes sociais e sendo repetido por diversas pessoas. Após isso, a jovem passou a ser humilhada publicamente e, não teve outra saída, senão, largar o emprego e mudar completamente o visual após ficar conhecida em todo o país.

A polícia ainda investiga o caso, e tem como principal suspeito o ex-namorado, autor do vídeo. De acordo com a polícia, o crime será caracterizado como difamação com base na Lei Maria da Penha, ante a relação de afeto entre a vítima e o agressor e, se for condenado, o suspeito poderá pegar de 3 (três) meses a 1 (um) ano de prisão.

Além de uma mudança completa no visual, alguns danos são mais gravosos e permanentes, como o sofrido pela adolescente Giana Laura Fabi, de 16 (dezesseis) anos de idade, que vivia em Veranópolis, interior do Rio Grande do Sul, quando viu sua vida desmoronar ao saber que uma foto sua mostrando os seios circulava nas redes sociais, motivando o seu suicídio.

Segundo o irmão da jovem, Jonas Fabi (FABI, apud FLORO, 2013), o divulgador agiu por vingança, vez que o expositor da foto íntima seria um colega de escola, o qual teria sido rejeitado pela garota.

Pode-se citar ainda, o que aconteceu com Thamiris Sato, uma jovem de 21 anos de idade, estudante da USP (Universidade de São Paulo). A garota também fora vítima da pornografia de vingança pelo ex-namorado, o búlgaro Kristian Krastanov de 26 anos de idade, que postou fotos íntimas dela através da rede social Facebook e também a ameaçou de morte após o término do namoro. Fragilizada, ela também chegou a pensar em cometer suicídio, mas, reagiu e recorreu às autoridades policiais, se utilizando também das redes sociais para se defender das agressões e ameaças sofridas.

A pornografia de vingança não escolhe classe social, estando presente em todos os setores socioeconômicos, atingindo, inclusive, famosas, como é o caso de Carol Portaluppi, ex-integrante do programa humorístico ‘Pânico na TV’ e filha do ex-jogador de futebol Renato Gaúcho, que teve fotos íntimas disseminadas na internet pelo ex-namorado, ressentido pelo fim do relacionamento, utilizando-se dos materiais adquiridos ao longo da relação para atingir a imagem de sua ex-companheira, a qual deixou de frequentar a academia e faculdade, em virtude do abalo emocional sofrido.

Os casos aqui citados são distintos, mas todos possuem em comum a superexposição da mulher, onde o agressor se aproveitou da vulnerabilidade gerada pela confiança.

Importante ressaltar que se uma mulher permite ser fotografada ou filmada em sua intimidade, isto se dá pela confiança que deposita em seu parceiro. No entanto, ninguém possui o direito de expor a intimidade do outro, mesmo após o rompimento da relação.

Nesse norte, assevera o professor do Instituto de Psicologia da USP, Lino de Macedo (MACEDO, apud CASTRO, 2013), “a pornografia de vingança (revenge porn) transmite a necessidade de vingança porque algo foi rompido, ainda que saibamos que os relacionamentos atuais não permanecem para sempre”.

Toda essa divulgação sem a anuência das mulheres, bem como, os danos ocasionados às mesmas, serviu como motivação para cinco jovens paulistas, que decidiram utilizar a própria tecnologia para criarem um mecanismo dedicado a ajudar as mulheres vítimas da pornografia de vingança, surgindo, assim, o aplicativo brasileiro chamado For You, que possui como objetivo a interação entre as próprias vítimas, sendo um espaço seguro que possibilita que as mesmas troquem experiências e com isso, se ajudem.

O referido aplicativo representa uma importante iniciativa para a recuperação das vítimas, vez que é pertinente para as mesmas trocarem informações com outras pessoas que passaram pela mesma situação, pois, encontram nelas, apoio, conforto e incentivo para superar toda essa problemática.

Outro aplicativo foi criado recentemente, em julho/2014, com ímpeto de combater a pornografia de vingança, denominado de Disckreet, criado pelo australiano Antony Burrows, o qual consiste em proteger materiais íntimos com o uso de duas senhas, uma de cada parceiro, sendo tais senhas solicitadas na hora de registrar, bem como, de acessar os referidos registros íntimos.

Com esse procedimento, todo material armazenado no aplicativo só poderá ser acessado na presença das pessoas que o produziram e, caso se deseje deletar os registros salvos, é possível, mesmo sem o uso das duas senhas, permitindo, portanto, que as pessoas tenham controle sobre a sua privacidade, inibindo assim uma possível prática do pornô de vingança.

Assim explica o criador do aplicativo, Antony Burrows (BURROWS, apud OLIVEIRA, 2014):

Quando o app é usado pela primeira vez, ele pede que o primeiro usuário escolha uma senha. Depois, deve passar o dispositivo ara a segunda pessoa, que escolherá outra combinação.

O citado aplicativo proporciona assim, uma proteção da intimidade do casal, configurando uma maneira de evitar que conteúdos íntimos se disseminem nos veículos de informação, sendo também uma segurança em relação ao parceiro.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar com clareza que os casos de ‘pornô vingança’ estão cada vez mais presentes no Brasil, e acarretam os mais variados males às vítimas.

Destarte, resta evidente que um dos piores danos da vingança pornô é a condenação social por qual passa a vítima, que consiste no julgamento da sociedade repleto de discriminação, além do sofrimento ocasionado pela traição da confiança posta no ex-parceiro. A maior problemática dessa condenação social provém do machismo notório, onde há a diferenciação quando ocorre a divulgação de algum material íntimo masculino, não ocorrendo a depreciação do homem no meio social como normalmente ocorre em casos femininos, sendo a mulher considerada sem valor e não merecedora de respeito pelas pessoas, enquanto os homens, grande parte das vezes, não sofrem tamanho constrangimento.

Isto posto, resta mais que comprovado que tais condutas devem ser rechaçadas, pois configuram um ataque não só à intimidade feminina, mas também, uma afronta à dignidade da pessoa humana, princípio este assegurado pela Constituição Federal de 1988.

6 APLICABILIDADE DA LEI 11.340/2006 AOS CASOS EM QUE SE EXPÕEM A INTIMIDADE FEMININA

Como já dito anteriormente, com o advento da Lei Maria da Penha, surgiram diversos questionamentos a respeito da sua aplicabilidade, os quais não surpreendem, tendo em vista que tudo aquilo que é novidade traz consigo uma resistência, tanto na doutrina como na jurisprudência.

Ainda no que tange à novidade, temos a questão da exposição da intimidade feminina, realizada por ex-companheiro, a qual ainda se encontra nas lacunas deixadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, não sendo, na maioria das vezes, os expositores punidos adequadamente, tendo em vista que normalmente a conduta é enquadrada como crime contra a honra, que são classificados como de menor potencial ofensivo, sendo os sujeitos divulgadores condenados em penas brandas, assim como, em indenizações cíveis, mostrando-se desproporcionais em relação à magnitude da lesão e às suas consequências sociais.

Nesse sentido, diversas críticas e indagações foram surgindo entre os aplicadores do direito, ante a crescente prática de comportamentos delituosos por meios eletrônicos, bem como as possíveis soluções capazes de preencher as brechas deixadas pelo nosso ordenamento jurídico, como a questão da inserção dentro das violências abrangidas pela Lei Maria da Penha, de condutas delituosas onde há a exposição da intimidade da mulher, sem que haja, para tanto, o seu expresso consentimento, exposição esta feita mediante materiais que o divulgador apenas teve acesso em razão do seu relacionamento com a vítima, no seio doméstico e familiar.

É cediço que diante da acelerada informatização que vivemos nos dias atuais, e com a propagação cada vez maior das redes sociais e de compartilhamento de arquivos e vídeos, se tornou muito mais fácil e rápido a comunicação com o mundo.

Diante desse contexto, qualquer arquivo colocado no meio eletrônico se propaga rapidamente, repercutindo muitas vezes de forma negativa para quem teve sua vida exposta. É o que vem acontecendo com as mulheres que acabam tendo seus vídeos íntimos expostos no meio virtual.

O chamado “pornô vingança” se dá quando esta divulgação indevida ocorre por parte de um ex-cônjuge, companheiro, namorado ou qualquer pessoa que teve uma relação íntima de afeto com a vítima que, ressentidos com o término do relacionamento, expõem os registros de suas intimidades com o intuito de ridicularizar e humilhar a mulher perante a sociedade, tornando-se uma prática constante.

Diante de tantos casos ocorridos e como forma de inibir a exposição desautorizada desses materiais com conteúdo íntimos, vários Governos estão acrescentando ao seu ordenamento jurídico normas para punir o expositor desses materiais, é o caso, por exemplo, de Israel, que recentemente proibiu a exposição não consensual de fotos contendo nudez e vídeos de sexo, tornando-se, assim, o primeiro país a proibir o ‘pornô de vingança’.

Nos Estados Unidos, alguns legisladores estão tentando aprovar uma legislação similar, no Estado da Califórnia, por exemplo, foi aprovada uma lei (SB 255), a primeira do tipo no país, cuja finalidade precípua é combater a vingança pornô (‘revenge porn’), que pune com multa de $ 1.000,00 (mil dólares) e seis meses de prisão para quem divulgar tais materiais com o objetivo de provocar danos emocionais. No entanto, essa lei possui uma grade falha, pois a mesma não engloba os casos em que a própria vítima tenha feito as fotos, o que acontece na maioria dos casos.

Já no Estado de Nova Jersey, a lei abarca os casos em que a própria mulher tira a foto de si, e prevê multa no importe de $ 30.000,00 (trinta mil dólares), além de penas de três a cinco anos de prisão.

Há de se mencionar ainda, que atualmente outros estados dos EUA apresentam diplomas legais acerca da ‘revenge porn’, como os de Utah, Nova York, Winsconsin, Texas e Maryland.

Embora não haja no Brasil uma lei específica para punir o agressor praticante da pornografia de vingança, já circulam no país alguns projetos de lei que objetivam penalizar quem divulgar materiais íntimos de forma não consensual.

É nesse sentido que surgiu o projeto de Lei nº 5.555/13 (Lei Maria da Penha Virtual), propondo mudanças significativas para a Lei Maria da Penha.

As principais mudanças propostas pela PL 5.555/13 são para modificar os artigos 3º; 7º; 22, da Lei Maria da Penha.

Com a alteração prevista para o artigo 3º, seria incluído no rol dos direitos assegurados às mulheres o direito à comunicação, passando a vigorar da seguinte forma:

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à comunicação, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (PARANÁ, 2013).

Já concernente ao artigo 7º, a alteração visa a criação do inciso VI, o qual faz referência à violação da intimidade da mulher em qualquer meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, tendo seguinte redação:

Art. 7º, VI – violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. (PARANÀ, 2013).

Por fim, no que diz respeito ao artigo 22 da Lei Maria da Penha, o qual trata das medidas protetivas que podem ser aplicadas pelo juiz em caso de constatação de violência praticada contra a mulher, a PL 5.555/13 objetiva a criação do § 5º, o qual se destina aos casos do artigo 7º, VI, vejamos sua redação:

Art. 22, § 5º - Na hipótese de aplicação do inciso VI do artigo 7º desta Lei, o juiz ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de hospedagem de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador do serviço de propagação de informação, que remova, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher. (PARANÁ, 2013).

Com as alterações propostas, torna-se mais rigorosa a punição aplicada aos agressores da mulher, sobretudo nos casos em que ocorra a chamada pornografia de vingança, se faz necessária, portanto, a aprovação do já citado projeto de lei, como forma de rechaçar a violência psicológica oriunda dessa conduta nociva, a qual vêm se tornando cada vez mais constante e propiciando diversos males às vítimas.

De acordo com o autor do projeto, o Deputado Federal João Arruda (ARRUDA, apud MUGNATTO, 2013):

Esse crime é muitas vezes muito pior que qualquer violência física contra a mulher porque ela vai morrendo aos poucos. Ela tem a sua intimidade violada, ela acaba se expondo para todos, perde emprego, perde família… E, infelizmente, hoje as penas são muito pequenas.

A referida proposta encontra-se em análise pela Comissão de Seguridade Social e Família - CSSF da Câmara dos Deputados, sendo aprovada, seguirá para outra Comissão pertinente e, em caso de nova aprovação, será posta para votação no Plenário da Casa, antes de seguir para o Senado.

Destarte, impõe-se a imediata atuação estatal no combate à pornografia de vingança, vez que o bem jurídico tutelado mostra-se extremamente relevante. A inércia do ente estatal contribui significativamente para a consolidação da violência praticada contra a mulher.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se evidenciou, no presente artigo, foi de uma forma geral, o despreparo do Poder Judiciário, assim como, a omissão doutrinária, para as questões relacionadas com a proteção da intimidade feminina. Sinal desta insuficiência é o fato de se questionar, atualmente, a possibilidade de punição dos expositores da intimidade da mulher, através da aplicação dos dispositivos legais da Lei Maria da Penha (Lei 11.360/2006).

Ora, a Lei Maria da Penha iniciou uma nova política de combate à violência doméstica no Brasil, assegurando punições mais severas ao agressor da mulher. Negar a aplicação da referida Lei aos casos em que há a divulgação desautorizada da intimidade da mulher, sobretudo quando referida conduta é motivada por ressentimento pelo término de um relacionamento, implica em anuir com tal prática, vez que a aludida conduta se encaixa perfeitamente em uma das modalidades de violência abrangidas pela Lei, qual seja, a violência psicológica.

Assim, podemos afirmar que a violência praticada contra a mulher, cometida pelo meio psicológico, configura-se pela agressão emocional e, embora não deixe marca evidente, os danos causados são devastadores.

Nesse contexto, relevante mencionar a prática malévola que vêm se tornando cada vez mais constante na atualidade, que se embasa na divulgação desautorizada de materiais contendo a intimidade feminina, na qual age o divulgador motivado por vingança, após o término de um relacionamento com a vítima, sendo tal conduta conhecida através da expressão pornografia de vingança.

As mulheres que se tornam vítimas desta prática apresentam diversos sinais onde nota-se que a violência psicológica sofrida acarreta tantos males que, muitas delas, diante de tamanha humilhação, se veem em um cenário de fragilidade emocional devido às represálias que a sociedade lhes impõe. Quando muito, busca-se apenas apoio nos familiares e amigos próximos, se isolando do convívio social, gerando, dessa forma, mudanças bruscas no seu cotidiano, afetando tanto sua vida pessoal quanto profissional.

O Estado possui o dever de punir adequadamente as condutas dos indivíduos, de forma que se faz necessária a punição proporcional da conduta daquele que, motivado por vingança, utiliza-se de registros íntimos obtidos através de um relacionamento que mantinha com a vítima, com o objetivo de ofendê-la e humilhá-la.

Por fim, verificamos que as condutas de exposição da intimidade feminina, por meio de materiais de cunho sexual, acarretam inúmeros questionamentos acerca da possibilidade de se enquadrarem na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Em razão disto, foi lançado o projeto de lei nº 5.555/13, conhecido como Lei Maria da Penha Virtual, sendo uma iniciativa do Deputado João Arruda, com o objetivo de alterar a Lei Maria da Penha e sanar esta lacuna existente, para enquadrar esse tipo de conduta na citada lei, punindo mais gravosamente o agressor da mulher.

Com a tentativa de eliminar a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha deverá ser aplicada aos casos de pornografia de vingança, acima de tudo porque há prática delitiva, de modo que será iniciado um procedimento criminal e, preventivamente, a aplicação de medidas protetivas às vítimas, com o objetivo de preservar a integridade da mulher.

Assim, a omissão do Estado, frente à necessidade de aprovação do projeto de lei nº 5.555/2013, tornar-se-á uma aliada ao expositor da mulher, de forma que permitirá que corriqueiramente se viole o direito à preservação da intimidade, sem que haja qualquer penalidade àquele que o fizer.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, João apud MUGNATTO, Sílvia. Rádio Câmara de Brasília. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/camara-analisa-projetos-que-criam-lei-maria-da-penha-virtual-agencia-camara-29112013/?print=1> Acesso em: 07 jul. 2014.

BRASIL. Lei n. 11.340/2006. In: ANGHER, Anne Joyce. (Org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 16. ed. São Paulo: Rideel, 2013.

BRASIL. Legislação Penal Especial. In: REZENDE, G.; NEVES, G. B.; LOYOLA, K. (Org.) Vade Mecum OAB 1ª Fase / 2. ed. São Paulo: Rideel, 2013.

CASTRO, Marina. Consequências psicológicas de revenge porn são maiores em mulheres, afirma professora. Disponível em: <http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/12/consequencias-psicologicas-de-revenge-porn-sao-maiores-em-mulheres-afirma-professora/> Acesso em: 03 mar. 2014.

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008.

FLORO, Paulo. Especial: O Drama das Vítimas do “Pornô da Vingança” no Brasil. dez. 2013. Disponível em: <http://blogs.ne10.uol.com.br/mundobit/2013/12/21/especial-o-drama-das-vitimas-do-porno-da-vinganca-no-brasil/> Acesso em: 03 mar. 2014.

LEONEL, Rose apud RIGON, Angelo. Rose Leonel cria ONG Marias da Internet. Disponível em <http://angelorigon.com.br/2014/02/27/rose-leonel-cria-ong-marias-da-internet> Acesso em: 03 mar. 2014.

MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilsa Ramos. Violência sob o Olhar da Saúde: a infrapolítica da contemporaneidade brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.

MINISTÉRIO DA SAÚDE, Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros, Brasília, 2005.

MUGNATTO, Sílvia. Câmara analisa projetos que criam Lei Maria da Penha Virtual. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/ULTIMAS-NOTICIAS/458269-CAMARA-ANALISA-PROJETOS-QUE-CRIAM-LEI-MARIA-DA-PENHA-VIRTUAL.html> Acesso em: 15 ago. 2014.

OLIVEIRA, Carlos. Contra pornô de vingança, aplicativo protege vídeos íntimos com senha dupla. Disponível em: <http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/08/05/contra-porno-de-vinganca-aplicativo-protege-videos-intimos-com-senha-dupla.htm> Acesso em: 12 ago. 2014

PARANÁ. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária PLO 5.555/2013. Altera a Lei Ordinária nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 que dispõe sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1087309&filename=PL+5555/2013>. Acesso em: 23 fev. 2014. Texto Original.

PEREZ, Fabíola. Vingança Mortal. Disponível em: <D:\LMP\ISTOÉ Independente - Comportamento.htm> Acesso em: 27 fev. 2014.

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TELES, Maria Amélia de Almeida. MELO, Mônica de. O que é a violência contra a Mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.

  • Direito Penal
  • Lei Maria da Penha
  • Pornografia de Vingança

Hayssa Oliveira Advocacia e Consultoria Jurídica

Bacharel em Direito - João Pessoa, PB


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