NATUREZA JURÍDICA DO DANO MORAL PARENTAL: ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ


02/02/2016 às 16h56
Por Thaysse Hamdan

RESUMO

O presente estudo visa identificar a natureza jurídica da sentença procedente de dano moral parental, analisando, para isso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que até 2012 nunca tinha concedido indenização nessa esfera do direito de família. Para tanto ao longo da pesquisa se buscará responder a seguinte indagação: A natureza jurídica das ações que versam sobre dano moral parental é compensatória para o requerente ou punitiva para o requerido? O entendimento ainda não é uniformizado pelo STJ, esse tipo de demanda requer cuidado e análise especifica do caso real, e quando a sentença é procedente, sua natureza jurídica divide opiniões. Enquanto para uns é meramente punitiva para o requerido, para outros devolve a dignidade que foi perdida na infância e adolescência do requerente.

Palavras-chave: Dano moral parental. Requisitos do dano moral. Natureza jurídica do dano moral. Natureza jurídica da sentença.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo analisar o novo posicionamento, ainda minoritário, dos Ministros do STJ e de alguns magistrados ao julgar procedentes ações que pleiteiam dano moral em face de abandono afetivo parental e quais critérios tem sido utilizado pelos mesmos para a concessão de indenização por esta espécie de dano.

O estudo do tema é importante, pois trata de uma nova visão do instituto do dano moral e da responsabilidade civil, trazendo uma ampliação das possibilidades de aplicação desses institutos, responsabilizando o pai que não cumpriu com sua obrigação/dever de cuidar do filho, situação que era pacificada pela jurisprudência no sentido do não cabimento da indenização por dano moral.

Nesse contexto o presente artigo visa responder ao seguinte questionamento: A natureza da sentença judicial que determina o pagamento de dano moral nos casos de abandono afetivo parental é punitiva ou compensatória?

Dentre os critérios utilizados pela jurisprudência para justificar essa nova aplicação do dano moral, os mais adequados estão relacionados ao entendimento de ser obrigação do pai cuidar e zelar pelo filho, e direito subjetivo do filho de ter convivência com seus genitores, de acordo com os princípios da afetividade e do direito de convivência, dispostos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os objetivos do presente estudo serão verificar se a natureza do valor pago a titulo de dano moral advindo do abandono afetivo parental é para compensar os danos sofridos ou para punir aquele que abandonou, bem como realizar levantamento documental na jurisprudência dos tribunais brasileiros sobre a motivação dos magistrados que entendem cabível o dano moral em caso de abandono afetivo. Também será feita uma análise na legislação brasileira abordando o conceito de dano moral, dever parental e abandono afetivo.

Por se tratar de uma posição relativamente nova dentro do STJ, mister se faz uma análise mais profunda, com o objetivo de entender e expor os motivos que levaram a novos posicionamentos jurisprudenciais para que sejam melhor compreendidos, com o intuito de dar uma contribuição, tanto para a comunidade acadêmica, quanto para a sociedade em geral, para que assim haja um maior entendimento sobre como o judiciário está se posicionando atualmente diante do abandono afetivo parental.

Vale ressaltar que para o desenvolvimento da pesquisa acerca do tema, a opção foi pelo tipo exploratório, onde foram utilizados métodos como pesquisa bibliográfica, através de coleta de dados em livros, artigos jurídicos, além de documentos e textos em meio virtual.

DANO MORAL

O dano moral está previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso V, que assim preleciona: "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem". É um instituto muito utilizado e muito procurado no Judiciário; mas também é um instituto com diversas interpretações e aplicações.

Dano moral tem diferentes conceitos, Maria Helena Diniz define o dano moral como “a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”. (DINIZ, 2003, p. 84), enquanto o doutrinador Yussef Said Cahali o conceitua assim:

Dano moral, portanto, é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja dor física – dor-sensação, como a denominada Carpenter – nascida de uma lesão material; seja a dor moral – dor-sentimento, de causa imaterial. (CAHALI, 2011, p. 28).

O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves conceitua dano moral da seguinte forma:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação (GONCALVES, 2009, p.359).

A princípio dano moral está vinculado ao constrangimento, ou ainda, à dor ou sofrimento. Enquanto dano material está vinculado à perda de patrimônio, ou seja, são danos diretamente ligados aos bens móveis ou imóveis das pessoas físicas ou jurídicas. Entretanto, atualmente é inviável restringir o dano moral somente aos elementos citados, já que o moral abrange todos os bens personalíssimos, uma vez que não podem ser pelo dano material.

Apesar da aparente simplicidade na distinção entre dano moral e dano material, a principal característica que distingue os dois tipos de dano são os efeitos que a lesão terá sobre o individuo, a repercussão da lesão no ofendido e nos seus bens tutelados. Contrariando a crença de que a natureza da lesão, ou seja, o que causou a ofensa, é o que melhor difere os institutos.

O dano moral é essencialmente extrapatrimonial, imaterial e de foro intimo. É questão basicamente de sentimento, não tendo valor pecuniário determinado, e, atualmente, a maior dificuldade está justamente na determinação do quantum indenizatório. Em contrapartida, o dano material está diretamente vinculado a uma diminuição no patrimônio do individuo, e comprovado os danos, os mesmos devem ser ressarcidos, de forma a retornar o patrimônio do ofendido ao status quo ante.

REQUISITOS

O entendimento doutrinário majoritário e o entendimento dos Tribunais é de que para que se faça presente o dano moral quatro requisitos são necessários: o evento danoso, o nexo de causalidade, o dano, ainda que exclusivamente moral, e a culpa do causador do dano. Por essa vertente o dano moral se enquadra na responsabilidade civil subjetiva, na qual a culpa de quem praticou o ato é imprescindível, e cabe a vitima a prová-la. É o que se pode verificar no artigo 186 do Código Civil:

Art. 186, CC – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, 2002)

Entretanto os próprios Tribunais caracterizam algumas atitudes como aborrecimentos normais do dia-a-dia, por exemplo, o simples travamento da porta giratória em um banco, para o STJ não enseja direito a dano moral; e esse evento para algumas pessoas é constrangedor; em sentido contrário o excesso de tempo na fila do banco pode gerar dano moral, mas para algumas pessoas é um aborrecimento normal, do dia-a-dia.

Dessa forma, é perceptível a dificuldade de identificar o dano exclusivamente moral, analisar a extensão do dano provocado e ainda transformar esse resultado num valor pecuniário, sem que haja enriquecimento sem causa.

O dano moral, por mexer com foro intimo, deve ser muito bem explicado e caracterizado, demonstrar o sofrimento e o constrangimento sofrido pelo autor da ação é fundamental para o êxito da mesma.

Para Carlos Alberto Bittar,

são morais os danos e atributos valorativos (virtudes) da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade (como, v.g., a honra, a reputação e as manifestações do intelecto) (1993, p. 24).

O cabimento da indenização por danos morais deve buscar, mais do que compensar o dano sofrido ou punir quem o praticou, coibir o comportamento danoso. Entretanto, o que se percebe no judiciário brasileiro é que a condenação por danos morais não desestimula quem pratica os danos, especialmente no direito do consumidor, e ainda tornou-se corriqueiro pleitear indenizações por motivos, muitas vezes, irrelevantes, dificultando a situação do órgão julgador que, ás vezes, esbarra na má-fé do requerido ou do requerente.

NATUREZA COMPENSATÓRIA E PUNITIVA DO DANO MORAL

O direito pátrio sempre indenizou os danos patrimoniais, mas, até a Constituição de 1988, não admitia indenização por danos exclusivamente morais. Havia certa resistência jurisprudencial em se admitir indenização por danos exclusimente morais, ante a ausência de regulamentação legal expressa. Além do já mencionado, decorria do entendimento de que não se pode atribuir valor pecuniário a um sentimento. Conforme Stoco (1995, p. 456):

a teoria do dano moral será, talvez, a que maior resistência sofreu desde sua concepção, na Índia lendária e à fabulosa Babilônia (Código de Manu e Código de Hamurabi), passando pelo direito romano e frutificando e desenvolvendo na França (Código de Napoleão).

Plenamente consagrado pela constituição Federal de 1988, e reafirmado no Código Civil de 2002, o instituto do dano exclusivamente moral se perpetuou, não para traduzir em somas pecuniárias os valores morais, mas, para que a humilhação, a dor, a angústia e a aflição não fossem totalmente ignoradas, busca-se uma compensação para a vítima. Busca-se também a punição para quem violou o direito pessoal alheio e, por fim, busca-se inibir a repetição do comportamento punido.

Em regra, a doutrina aponta uma natureza dúplice para o dano moral: Compensar e confortar, em termos financeiros, o sofrimento da vitima e punir o agressor pela agressão e para que não mais a repita. Neste caso, não há somente a função punitiva para o agressor, há também a função pedagógica. Nesse sentido Maria Helena Diniz defende

uma função de justiça corretiva ou sinalagmática, por conjugar, de uma só vez, a natureza satisfatória da indenização do dano moral para o lesado, tendo em vista o bem jurídico danificado, sua posição social, a repercussão do agravo em sua vida privada e social e a natureza penal da reparação para o causador do dano, atendendo a sua situação econômica, a sua intenção de lesar (dolo ou culpa), a sua imputabilidade, etc. (1995, p. 74-5).

A função compensatória é para atenuar a ofensa, traduz-se na satisfação da vitima, representando uma compensação diante da impossibilidade de se estabelecer equivalência entre o dano e o ressarcimento.

A função punitiva é imposta ao ofensor com duas finalidades: a primeira é que ele pague com o seu patrimônio o dano que causou, mesmo sem que tenha havido diminuição no patrimônio do ofendido. A segunda finalidade, como dito, é pedagógica, é para inibir que o fato se repita pela mesma pessoa ou por outra. Essa tese, conhecida com tese da função punitiva da reparação do dano moral, não foi adotada pelo legislador, mas é aceita atualmente pelos doutrinadores e pelos tribunais.

O argumento mais utilizado para a caracterização dessa teoria é que a satisfação pecuniária só é alcançada para quem tem menos condições financeiras, estes podem até ter alguma compensação no dinheiro recebido a titulo de dano moral. Entretanto, dessa forma a pessoa com poder aquisitivo alto não seria indenizada caso sofresse dano exclusivamente moral, porque a quantia paga ou não traria nenhuma satisfação, ou traria essa satisfação com valores absurdos, talvez valores que sequer pudessem ser pagos por quem ofendeu, e dessa forma o dano moral estaria amparando o ilícito enriquecimento sem causa.

Dessa forma, o dano moral ganha ares de punição também, é uma justa punição que deve ser revertida em favor da vitima, de forma que satisfaça em relação ao dano sofrido e desestimule a prática de danos futuros.

DANO MORAL PARENTAL

Maria Helena Diniz (2012, p. 31) afirma que o traço dominante da evolução da família é a sua tendência em tornar o grupo familiar cada vez menos organizado e hierarquizado, para basear-se mais na afeição mútua, que estabelece plena comunhão de vida.

No mesmo sentido, para Paulo Lôbo (2011, p. 70) esse é o princípio que fundamenta o Direito de Família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, tendo primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico.

Assim, os laços da filiação, sejam eles sanguíneos ou não, tem a mesma dignidade e são regidos pelo princípio da afetividade, conforme Paulo Lôbo (2011, p. 72).

O Código Civil, quanto à guarda dos filhos é notória a aplicação do princípio da afetividade, conforme parágrafo único do artigo 184, in verbis:

Art. 184 - Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e da relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica. (BRASIL, 2002)

Dessa forma, estando presente o dever de cuidar, tem-se que a afetividade é conceito base de todas as famílias, até porque o novo conceito de família não se restringe a relação existente entre pais e filhos biológicos, mas ao vínculo social e afetivo. Consequentemente o princípio da afetividade é de fundamental importância nas relações familiares, é inerente à dignidade da pessoa humana, e essencial ao completo desenvolvimento psíquico e moral da criança e do adolescente.

Nesse novo contexto familiar, surge a questão do dano moral. A doutrina atualmente tem tendência a aceitar que o dano moral alcance o direito de família. Entretanto ainda são pontuais e divergentes os casos de dano moral por abandono parental. Alguns julgados, muitos específicos, tem garantido aos filhos abandonados o direito a receber uma indenização pelas frustrações e sofrimentos advindos do abandono do pai. Em outras palavras, alguns pais foram punidos por terem abandonado seus filhos e causado neles danos exclusivamente morais.

Embora a jurisprudência majoritária ainda indique o não cabimento de dano moral nos casos de abandono afetivo, essa posição começa a se modificar com alguns julgados que entendem como indenizáveis esse tipo de comportamento. O entendimento do STJ, ao julgar procedente o Recurso Especial número 1159242, foi de que não se podem excluir os danos decorrentes do direito de família, das punições cabíveis quando há ilícito civil em geral. Nesse sentido, entende-se que o descumprimento das obrigações parentais gera direito à reparação.

É possível verificar a conservadora posição do STJ analisando seus julgados relacionados à matéria, como será feito no próximo capitulo. E é possível também, identificar um início de mudança de posicionamento, ainda muito restrito e em casos específicos.

ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ

Ao longo dos anos algumas tentativas de indenizações por dano moral parental foram sendo propostas e quando alcançavam o STJ para seu derradeiro julgamento, eram improvidas. Ao total foram cinco recursos especiais julgados pelo STJ. Em 2003, o pedido era baseado no fato do pai adotivo ter devolvido a criança, por ambos não terem se adaptado, o pedido foi afastado, uma vez que não houve ato ilícito que ensejasse a indenização. Em 2011, outro Resp. foi improvido por prescrição, uma vez que o prazo para ajuizar a referida ação começa a ser contado quando o autor completa 18 anos e prescreve 03 anos depois. Nesse caso o autor contava com 54 anos, e sabia desde sempre que o réu era seu pai.

Afastados esses dois casos, que o dano moral parental sequer foi discutido, num dos primeiros recursos efetivamente julgado com relação ao mérito da ação, o REsp 757411 (2005/0085464-3 - 27/03/2006), o ministro relator do Recurso especial, Min. Fernando Gonçalves, menciona que os que defendem a indenização nestes casos, argumentam que o dinheiro não é para compensar nada, e sim para punir e inibir a repetição do comportamento. Entretanto o ministro entende que a perda do pátrio poder é a punição cabível nesses casos, e entende também que esse tipo de demanda preocupa, uma vez que não se sabe como será o relacionamento entre pai e filho após o pagamento dessa indenização. Para ele, esse tipo de ação impede que um filho tenha o amor e o amparo do pai, mesmo que tardio. E dessa forma, entende que não cabe indenização no caso exposto. (STJ, BRASIL, 2006)

Numa outra ação semelhante em 2009, o Ministro Aldir Passarinho Junior no REsp 514350 / SP utiliza como base essa decisão de 2006 para também não dar provimento ao recurso. (STJ, BRASIL, 2009)

Nas duas vezes o recurso era da parte autora, sendo que no primeiro, o TJ/MG tinha reconhecido o abandono afetivo e teve sua decisão reformada. No segundo caso, desde a primeira instância o pedido de dano moral vem sendo rechaçado. Cabe ressaltar que neste último caso exposto, a ação de dano moral era cominada com uma ação de reconhecimento de paternidade, e o entendimento unânime do direito pátrio é de que não há que se falar em abandono parental quando não há conhecimento da paternidade.

Com a célebre frase "amar é faculdade, cuidar é dever" a Ilustre Ministra do STJ, Nancy Andrighi, deu início à tímida mudança no entendimento do cabimento da responsabilidade civil no caso da pessoa que abandona afetivamente sua prole. É certo que esse entendimento ainda é minoritário e precisa de uma análise específica do caso concreto para que esse tipo de ação não se torne unicamente uma busca por valores pecuniários. Entretanto, a fundamentação da decisão prolatada merece reflexão quanto ao dever do pai de cuidar e zelar pelos filhos, além de pensões que sejam devidas. E merece destaque o entendimento de que os filhos tem o direito subjetivo de ter perto de sí, seu pai, independente da relação entre ele e sua genitora.

O entendimento do STJ, ao julgar procedente o Recurso Especial número 1159242, foi de que não se podem excluir os danos decorrentes do direito de família, das punições cabíveis quando há ilícito civil em geral. Nesse sentido, entende-se que o descumprimento das obrigações parentais gera direito à reparação. (BRASIL, STJ, 2012)

A ministra no seu voto trata ainda da voluntariedade de ter filhos, biológicos ou não, e essa liberdade de escolha acarreta responsabilidade. No seu entendimento, que foi vitorioso, o cuidado é um valor jurídico apreciável e com repercussão no âmbito da responsabilidade civil, porque constitui fator essencial no desenvolvimento da personalidade da criança.

Nessa linha de pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae. (Trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi).

Nesta ação que deu origem ao julgado, a filha ingressou com a ação após ter obtido reconhecimento judicial da paternidade, perdeu em primeira instância, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença, que veio a ser novamente confirmada pelo Colendo Superior Tribunal ao julgar o Recurso Especial número 1159242, embora tenha havido uma redução no valor da indenização. (BRASIL, STJ, 2012)

Em outro julgamento no Rio Grande do Sul, uma decisão de primeira instância traduziu muito bem o espírito e a necessidade da reparação civil. A ação de indenização número 141/1030012032-0 condenou o pai, revel, a indenizar a filha por tê-la abandonado afetivamente, o Juiz ressaltou a importância da presença paterna no desenvolvimento de uma criança, e que a ausência do pai viola a honra e a imagem do filho. (TJMG, BRASIL, 2003)

Na maioria dos julgados, procedentes ou não, a defesa do pai versa sobre o impedimento que a mãe impõe ao acesso aos filhos, alegam ainda que não há abandono vez que o dever de alimentos é cumprido. Esse é um discurso comum aos genitores que sofrem esse tipo de processo e mostra que eles não sabem quais são os seus deveres enquanto pais. O entendimento dos Tribunais brasileiros e da doutrina majoritária é de que o pagamento de alimentos não exclui a obrigação de cuidar, e muito menos cessa o direito do menor de conviver com seu pai. Não se pode perder de vista que o direito de visita dos filhos não é uma faculdade do pai, mas um direito subjetivo do filho, de ter consigo a presença do pai, elemento essencial para a formação de sua personalidade e de seu caráter.

Embora a jurisprudência majoritária ainda indique o não cabimento de dano moral nos casos de abandono afetivo, essa posição começa a se modificar com alguns julgados que entendem como indenizáveis esse tipo de comportamento.

Quando o filho consegue provar que foi de fato abandonado pelo seu pai, estando presentes os requisitos que caracterizam o ato ilícito e não havendo nenhum motivo justo para a ausência do pai, cabe indenização ao filho abandonado.

Cabe ressaltar, que a jurisprudência majoritária entende que a alienação parental ou o não conhecimento da paternidade são considerados excludente de responsabilidade civil. Isso porque segundo o STJ, quando o pai não tem conhecimento da paternidade, não é possível responsabilizá-lo pelo abandono; mas se o pai tem conhecimento e se furta a reconhecer a paternidade ou a assumir as responsabilidades inerentes a ela, cabe à indenização pelo abandono.

ENTENDIMENTO ATUAL DO STJ

Os pedidos de indenização por abandono afetivo parental são avaliados individualmente, não foi possível ainda uma uniformidade nas decisões. Além do entendimento das turmas (segunda e quarta turmas), divergem também as situações em que o pedido é feito.

O caso mais comentado, em que a Ministra Nancy, manteve a indenização, teve mais um recurso julgado em abril de 2014. Justamente por causa da divergência entre o entendimento da segunda e da quarta turma, o pai recorreu mais uma vez, utilizando-se dos Embargos de Divergência, para tentar reverter à condenação.

Acontece que o recurso não foi conhecido pelo STJ, confirmando, mais uma vez a sentença favorável à requerente. A turma julgadora do embargo, (terceira turma), não o conheceu, ressaltando a excepcionalidade do caso julgado, e enfatizando que a decisão foi baseada nas peculiaridades do caso específico. Dessa forma, não houve uniformização sobre o entendimento da matéria.

O caso trata de evidentes e injustificáveis discriminações, abandono moral, desvio de bens e tratamento vexaminoso... não se trata de compensar danos extrapatrimoniais diante de fatos corriqueiros ou falta de amor. (STJ, 2014)

Entretanto, cabe ressaltar que alguns julgados estão transitando em julgado ainda na fase de apelação ao Tribunal estadual, ou seja, depois que o dano moral é concedido ou não pelo Tribunal de Justiça local, nem autor e nem réu, estão prolongando a lide. Mesmo assim, não há que se falar em uniformidade, visto que alguns processos julgados improcedentes, não tem seu mérito analisado, sendo extinto o processo por alegações preliminares. Da mesma forma, alguns processos julgados procedentes se baseiam em questões periféricas, como a revelia, e não analisam o efetivo abandono.

NATUREZA COMPENSATÓRIA OU PUNITIVA DO DANO MORAL PARENTAL, DE ACORDO COM A RECENTE JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

Atualmente, chegam ao judiciário diversas demandas tratando de dano moral parental, como o assunto ainda é novidade, cabe ao judiciário ter cautela e perícia na avaliação do caso concreto. É inevitável que cada situação seja avaliada e julgada conforme suas peculiaridades, principalmente para que o judiciário não vire palco de vingança pessoal entre ex casais. Isso é evidenciado nas palavras de Cavalieri Filho:

[...] mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no transito, entre amigos e até no âmbito familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do individuo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais dos aborrecimentos. (2004, p. 98).

Analisando a jurisprudência do STJ, apesar de não uniformizada por divergência entre as turmas do STJ, ela foi unânime nas turmas que julgaram as ações até o julgamento do REsp 1159242 em 2012. Neste julgado que demonstra uma mudança de entendimento no STJ, três Ministros seguiram a Ministra-Relatora, alcançando um total de quatro votos a favor da manutenção do dever de indenizar, modificando o julgado de piso apenas em relação ao valor arbitrado pelo TJ.

Sendo assim, em 2012, o STJ passou a admitir uma realidade diferente, polêmica e controvertida de responsabilização civil: a condenação por danos morais decorrentes de abandono por um dos genitores, ainda que tenha o mesmo cumprido com todas as obrigações alimentares. É a situação na qual o genitor se esquivou da obrigação de prover assistência moral e psicológica ao seu filho, considerando sua ausência no convívio diário com a criança, consequentemente não prestou devidamente o amparo afetivo, prejudicando o desenvolvimento e a formação da personalidade da criança.

O ponto a ser avaliado, diante da polêmica responsabilização civil no direito de família, é o dano causado à pessoa mais frágil, mais vulnerável e mais exposto aos conflitos entre um casal: a criança. O dano causado à prole é o ponto de partida para averiguar se uma situação é ou não é indenizável.

A possibilidade de condenação de natureza indenizatória no ramo do direito de família é muito controvertida ainda, principalmente quando se trata de pais e filhos, tendo em vista que se analisa o dever de indenização em relações afetivas. A primeira questão a ser abordada é se o abandono afetivo é ato ilícito. Pereira e Silva (2006) defendem que tal conduta é ilícita e é, portanto, uma violação de direitos, sendo, passível de ressarcimento.

Abandonar e rejeitar um filho é violar direitos. A toda regra jurídica deve corresponder uma sanção, sob pena de se tornar somente regra moral. Uma das razões da existência da lei jurídica é obrigar e colocar limites. Admitindo-se não ser possível obrigar ninguém a dar afeto, a única sanção possível é a reparatória. Não estabelecer tal sanção aos pais significa premiar a irresponsabilidade e o abandono paterno.

Também favorável à responsabilização, Novaes (2007) assinala:

Não podemos deixar de entender que o abandono moral do genitor, o seu descaso com a saúde, educação e bem-estar do filho, não possam ser considerados como ofensas à sua integridade moral, ao seu direito de personalidade, pois aí sim estaríamos banalizando o dano moral. Se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade por tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei. Portanto, violados esses direitos, hão de ser reparados pela via da indenização por dano moral.

Em contra partida, muitos juristas ainda se apegam a não monetarização do afeto, defendendo que não se pode atribuir valor pecuniário ao amor, e argumentam ainda que uma condenação nesse sentido agravaria a já fragilizada relação pai e filho. Entendem que o pagamento da indenização não aproximaria o pai do filho, muito pelo contrário, faria crescer ainda mais a animosidade entre eles. Diante dessa ideia, discursam Pereira e Silva (2006):

A resistência ao acolhimento das pretensões indenizatórias decorrentes da rejeição paterna e do descumprimento do dever de convivência explica-se, em parte, pelo temor em vir a se instituir uma ‘indústria do dano moral’ e uma monetarização do afeto. Não se trata, entretanto, de dar preço ao amor, mas de lembrar a esses pais responsabilidades na formação da personalidade e na garantia da dignidade dos filhos que geraram.

Seguindo o mesmo raciocínio, Angeluci (2007) afirma:

Não se trata de atribuir, simplesmente, valor pecuniário para o desamor, nem mesmo responsabilizar a pessoa pela ausência deste sentimento nas relações de família. Se a discussão ficar restrita a este prisma não se atingirá o seu ponto fundamental, ou seja, a sua grande importância para a própria formação da pessoa.

Para esses autores, a função da indenização é punir e instruir os pais negligentes, para que não procedam novamente da mesma forma. Adeptos dessa corrente acreditam que a responsabilização civil induz e ensina a sociedade que os deveres dos pais não são opcionais, e o não cumprimento dos mesmos são atos ilícitos, passiveis de indenização pelo dano causado. Entendem que a indenização não repara o dano causado, tendo em vista que são irreparáveis, muito menos obriga pais a amarem seus filhos. Entretanto defendem que função da indenização é advertir que os deveres dos pais com seus filhos não se esgotam na prestação de alimentos, uma vez que as necessidades de uma criança vão além da contribuição material.

Firmado o entendimento da possibilidade de se condenar o genitor que abandona o filho por danos morais, passa-se à análise da natureza jurídica dos julgados que reconhecem o direito à indenização. Analisando os acórdãos sobre o tema, incluindo o já citado Recurso Especial e outros acórdãos de tribunais inferiores, verifica-se que tal indenização tem natureza mista, pois ainda que a tendência seja punir quem não cumpriu com suas obrigações, há também a intenção de reparar o dano sofrido pelo descendente. Essa conclusão pode ser verificada quando Luciane Nunes de Oliveira Souza, autora do processo que deu origem ao REsp nº 1159242, relata numa entrevista concedida dia 04 de maio de 2012, ao site globo.com, que: “Meus irmãos sempre tiveram tudo e eu nunca tive nada" e "Estou muito feliz com o resultado e acho justo, por tudo que eu passei. Antes de recorrer à Justiça, tentei conquistar o afeto dele".

Não resta duvidas que é difícil imaginar que o dinheiro da indenização consiga amenizar possíveis constrangimentos e tristezas decorrentes da ausência afetiva do pai, especialmente pelo decurso do tempo. Por isso, é natural que a indenização seja vista como mera punição para o pai, e pareça injusta, aos olhos de quem não consegue entender como se pode substituir por dinheiro, o afeto, e mais difícil ainda, substituir o não afeto.

O fato é que, nas palavras de quem viveu a situação e conseguiu provar seu próprio abandono, a ação foi movida para mostrar que não se deixa uma criança abandonada, rejeitada. A situação fica mais nítida para os mais críticos, que resistem a entender a motivação de uma lide nesses termos, quando a autora verbaliza sentimentos da seguinte forma:

[...] chega dia dos pais, você vai fazer um presentinho, uma lembrancinha, você vai cantar uma musica, você não tem seu pai. Eu fazia isso tudo para minha mãe, minha mãe falava que podia fazer para ela.

Deste modo, é possível comparar essa indenização à indenização por dano moral em caso de morte. Seja num acidente de trânsito, num acidente de trabalho ou numa queda de avião, a indenização não restaura o status quo ante, e nem mesmo diminui a dor sentida pela perda de um parente próximo. Tal indenização se funda na tentativa de reparar o dano sofrido e coibir a conduta de quem causou dano, sendo hipóteses comuns no dia-a-dia forense.

Com isso, a mudança no entendimento do STJ nada mais é do que aplicar ao direito de família a punição pelo não cumprimento do dever familiar é, por analogia, similar àquele entendimento já adotado pela jurisprudência nacional de punir o infrator nos casos de morte no trânsito, no trabalho, dentre outras situações acima citadas. Logo, assim como nos casos de morte, a indenização por abandono parental tem por finalidade reparar o dano sofrido, bem como tem uma função pedagógica, fazendo com que os causadores do dano não voltem a praticar atos como os que geraram a indenização.

CONCLUSÃO

O dano moral nasce da violação do direito extrapatrimonial, ou seja, do direito imaterial. Todo ato ilícito cometido que traga consequências, patrimoniais ou morais, para outrem, são passiveis de indenização. Quando se trata de dano material, essa indenização tem como objetivo restituir o status quo ante da vítima e ainda punir quem praticou o dano. Quando se trata de dano moral, a indenização tem o mesmo cunho punitivo e pedagógico para quem praticou o dano, mas na maioria das vezes não reestabelece o status quo ante da vitima, sendo para ela uma compensação pelo dano sofrido, ou seja, uma forma de atenuar os efeitos da ofensa.

No primeiro capitulo foi exposto o que é dano moral, quais são seus requisitos e pressupostos, diferenciando-o de dano material e, ainda, analisando sua natureza jurídica. Tratou-se, ainda, do dano moral no direito de família. Uma abordagem nova e ainda polêmica do dano moral, tendo em vista que muitos doutrinadores e, até mesmo a jurisprudência pátria dominante, entendem que não é possível atribuir valor pecuniário aos sentimentos.

No segundo capitulo foi analisada a jurisprudência do STJ desde 2003, quando um primeiro recurso especial foi julgado pela Corte, tendo sido julgado improcedente por se tratar de não adaptação entre pai e filho adotivo, caso que não cabe o dano moral, haja vista que faz parte do processo legal de adoção. Outro caso em 2011 foi afastado preliminarmente, por causa de prescrição. O autor contava com 54 anos, estando muito além do prazo prescricional estabelecido para esse tipo de ação, qual seja, 03 anos após a pessoa atingir a maior idade (18 anos).

Os outros três recursos especiais que alcançaram o STJ foram julgados quanto ao mérito. Dois deles tiveram o direito à indenização negado, pois o entendimento dos ministros na época era pacificado: não cabia dano moral nas relações entre pai e filho. Este entendimento se baseou, especialmente, porque, no entendimento dos ministros, era difícil vislumbrar um ato ilícito quando o pai não procurava e nem atendia os chamados dos seus filhos. Ao pai divorciado cabiam duas tarefas: pagar alimentos, colaborando com as despesas do filho e o direito de visita, que é realmente um direito, e não uma obrigação. Portanto, o desinteresse pela visitação, que culmina com o afastamento completo, não era punível.

Até que em 2012, numa decisão polêmica e controvertida, a quarta turma do STJ, manteve a decisão de indenizar a filha, ora autora, por ter tido cerceado seu direito de ter consigo o pai. O julgamento teve um voto contra ao da ministra relatora, mas a maioria seguiu o voto dela, ressaltando que naquele caso específico, o ato ilícito restou comprovado.

Embora a jurisprudência não esteja pacificada, e os casos que chegam à justiça serem avaliados nas suas peculiaridades, alguns processos estão transitando em julgado ainda na segunda instância, não havendo reiterados casos chegando ao STJ.

No último capítulo foi abordada a natureza jurídica da sentença que julga procedente o pleito do autor dessas demandas. Tema também divergente na doutrina, não é possível afirmar categoricamente que a sentença é meramente punitiva e pedagógica, uma vez que, sob o olhar da vítima, a indenização restaura parte da dignidade perdida. Entretanto, os doutrinadores que defendem a indenização garantem que o objetivo é que o genitor não volte a cometer o mesmo ato ilícito, e ainda, que a sociedade de uma forma geral saiba que a negligência, até mesmo no direito de família, é passível de punição. Dessa forma, é tendencioso o entendimento da indenização, no sentido de ser uma punição para o pai que não cumpriu com seus deveres.

THAYSSE HAMDAN BISAGGIO

OAB-ES 25.441

  • Dano moral parental ; sentença punitiva ; sentença

Referências

REFERÊNCIAS

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Thaysse Hamdan

Advogado - Vitória, ES


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