RESUMO: Com sua inclusão no cenário jurídico nacional em 07 de Agosto de 2006, a Lei 11.340, também conhecida como Lei Maria da Penha, recebeu este nome em homenagem a uma biofarmacêutica, vitima de violência domestica por muitos anos, que foi uma expoente na luta contra a eliminação da violência domestica contra a mulher, mudando o paradigma da sociedade ao se expor colocando-se em posição de enfrentamento ao seu agressor. A referida lei desde sua concepção sofreu importantes alterações em seu texto, em razão das necessidades de acompanhar a evolução temporal da sociedade, alterações essas que será objeto da presente abordagem.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Precedentes Históricos – 3. Objetivo – 4. Principais Alterações no Tempo – 5. Aplicação da Lei Maria da Penha para vitimas do sexo masculino e às relações homoafetivas – 6. Considerações finais – 7. Bibliografia.
1 INTRODUÇÃO
A lei nº. 11.340/06 leva o apelido de Lei Maria da Penha em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, que é uma biofarmacêutica, nascida na cidade de Fortaleza no ano de 1945, mãe de três filhos, e líder dos movimentos de defesa das mulheres, além de principal expoente na erradicação da violência domestica e familiar contra as mulheres.
Símbolo máximo de luta e coragem, Maria da Penha foi vítima de duas tentativas de homicídio, onde a primeira marcou sua vida de maneira irreparável, deixando-a paraplégica, no entanto, a mulher guerreira não parou e lutou por 15 anos para ver seu agressor ser sentenciado, no entanto, decepcionada com a morosidade judiciária e impunidade, buscou apoio na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Deste modo, este foi o caso que deu origem a criação da Lei nº. 11.340/06, que batizada foi batizada com seu nome, em homenagem a essa mulher que tanto luto em prol dos direitos das mulheres.
No entanto, com a constante evolução da sociedade, foi necessário que alguns ajustes fossem realizados na referida lei na intenção de acompanha a referida evolução social, impedindo que a proteção à mulher ficasse a quem da realidade, ajustes esses que veremos a especificadamente a seguir.
2 PRECEDENTES HISTÓRICOS
A lei nº. 11.340 surgida em 07 de agosto de 2006 veio intuito de ser no cenário nacional o principal mecanismo para coibir a violência domestica e familiar contra a mulher, tendo como base e principal referencia para tanto, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.
Advinda da denuncia feita pela biofarmaceutica Maria da Penha Maia Fernandes a Comissão Internacional de Direitos Humanos diante da mora judicial na execução da sentença de seu agressor, denuncia esta que foi fundamental para elabora da legislação vigente, uma vez que o país começou a ser cobrado de modo freqüente pela Comissão Internacional de Direitos Humanos, que exigia uma postura preventiva e repressiva, capaz de sanar os altos índices de agressão a mulher, no entanto, diante da inércia brasileira a Comissão Internacional de Direitos Humanos tornou publico na integra o teor do seu relatório.
3 OBJETIVO
O objetivo principal da lei 11.340/06 é introduzir no ordenamento jurídico brasileiro um sistema de proteção a mulher, criando um sistema de proteção, concedendo assistência para as mulheres vitimadas e ainda fazendo garantir os direitos fundamentais previstos no artigo 226, § 8º da Constituição Federal.
A legislação conceitua como violência domestica:
{C}[1]{C}Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Traz ainda o artigo 6ª da Lei 11.340/06 que a violência domestica constitui uma das formas de violência aos direitos humanos, texto que demonstra a coerência da aplicabilidade da referida lei combinada com a observância do direito disposto no § 8º do artigo 226 da Constituição Federal, visto que é dever do estado assegurar a devida assistência aos membros da família.
4 Principais Alterações no Tempo
Inúmeras foram às alterações que a referida lei em analise sofreu desde sua publicação.
Primeiramente devemos analisar o perfil da vitima de violência domestica que a lei visava proteger inicialmente, que se tratava de mulheres casadas ou em união estável, publica e duradoura.
No entanto, tais conceitos foram ultrapassador pela necessidade de aumentar o raio de amparo de proteção as mulheres, se tornando jurisprudência pacificada no STJ, uma vez que a lei 11.340/06 não tem a coabitação entre a vítima e o agressor como requisito para sua aplicação, deste modo, tornando possível a aplicabilidade da lei contra namorado, ex-namorado e até agressor que já não mantenha mais a o vinculo afetivo com a vitima.
Tal entendimento pode ser notado na decisão da Terceira Seção do STJ a seguir:
[2]Não é necessário coabitação para caracterização da violência doméstica contra a mulher. O namoro evidencia uma relação íntima de afeto que independe de coabitação. Portanto, agressões e ameaças de namorado contra a namorada mesmo que o relacionamento tenha terminado que ocorram em decorrência dele caracterizam violência doméstica. O entendimento é do ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fundamentando-se na Lei Maria da Penha para julgar conflito negativo de competência (quando uma vara cível atribui a outra a responsabilidade de fazer o julgamento) entre dois juízos de Direito mineiros. Segundo os autos, o denunciado teria ameaçado sua ex-namorada, com quem teria vivido durante 24 anos, e seu atual namorado. O juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, então processante do caso, declinou da competência, alegando que os fatos não ocorreram no âmbito familiar e doméstico, pois o relacionamento das partes já tinha acabado, não se enquadrando, assim, na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).O juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete, por sua vez, sustentou que os fatos narrados nos autos decorreram da relação de namoro entre réu e vítima. Afirmou, ainda, que a Lei Maria da Penha tem efetiva aplicação nos casos de relacionamentos amorosos já encerrados, uma vez que a lei não exige coabitação. Diante disso, entrou com conflito de competência no STJ, solicitando reconhecimento da competência do juízo da Direito da 1ª Vara Criminal para o processamento da ação. Ao decidir, o ministro Jorge Mussi ressaltou que de fato existiu um relacionamento entre réu e vítima durante 24 anos, não tendo o acusado aparentemente se conformado com o rompimento da relação, passando a ameaçar a ex-namorada. Assim, caracteriza-se o nexo causal entre a conduta agressiva do ex-namorado e a relação de intimidade que havia entre ambos. O ministro destacou que a hipótese em questão se amolda perfeitamente à Lei Maria da Penha, uma vez que está caracterizada a relação íntima de afeto entre as partes, ainda que apenas como namorados, pois o dispositivo legal não exige coabitação para configuração da violência doméstica contra a mulher. O relator conheceu do conflito e declarou a competência do juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete para processar e julgar a ação.
Em seguida, é de suma relevância destacar a alteração quanto ao tipo da ação penal, que inicialmente tratava-se de ação penal condicionada à representação da vitima, no entanto, tanto representação configurava para a vitima a derrubada de uma grande barreira, a barreira do medo, visto que a vitima traumatizada muitas vezes não tinha coragem o suficiente para representar judicialmente em face do agressor, em razão do trauma sofrida e do medo de que as agressões tornassem a acontecer em razão da deflagração do processo judicial.
Com o intuito de punir severamente os agressores, que muitas vezes escapavam das punições, pois não eram acionados judicialmente, a ação penal passou a ser incondicionada, deste modo, não necessitava mais da representação ou autorização da vitima para que o Ministério Público tomasse iniciativa.
Tal mudança foi fundamental, que atualmente, a abertura de processo investigatório para apurar agressão doméstica não necessariamente determina mais de Inquérito Policial, basta o simples conhecimento do acontecimento do crime por parte do Ministério Público para que se de inicio a persecução penal.
Em seguida, no intuito de atualizar a lei, moldando de modo que a torne capaz de ser eficiente o necessário para satisfazer a realidade atual, a lei trouxe inovações quanto às medidas protetivas que pode ser tomada em face do agressor, visando proteger a vitima, dentre elas, a mais radical, que é o afastamento do agressor do lar em no máximo 24 horas, caso entenda necessário a autoridade competente.
No entanto, a lei ainda fornece inúmeros mecanismos protetivos, como a obrigação de prestação de alimentos a companheira, a proibição do agressor por qualquer meio, inclusivo telefonemas e e-mails ou ainda a proibição temporária de visitar os filhos.
Ainda, no que se restringe a punição do agressor, a Lei Maria da Penha inovou, trazendo avanços enormes e necessários, como a autorização de prisão preventiva do agressor a fim de garantir que as medidas protetivas tenham eficácia.
Ainda é mister ressaltar a inclusão no rol de agravantes em crimes de lesão corporal os crimes praticados contra a mulher e a alteração da pena máxima para o crime de lesão corporal praticado contra cônjuge ou companheira, aumentando sua pena de um para três anos, usando tais artifícios com a intenção de coibir a pratica de crimes de violência domestica, demonstrando uma mais severa punição contra aqueles que vierem a praticá-los.
Finalmente, devemos exaltar a alteração na Lei 11.340/06, que proibi a aplicação isola de penas de prestação pecuniária ou de pagamento de cestas básicas, bem como a substituição de pena por simples pagamento de multa, demonstrando assim, que qualquer agressão praticada contra a mulher, de maneira alguma será apena com punição mais branda, ou seja, a pratica de violência domestica levara o agressor ao cumprimento da sentença penal na integra, deixando claramente evidenciado que não haverá nenhum tipo de instituto que possa beneficiar o ator de violência domestica.
5 – APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA PARA VITIMAS DO SEXO MASCULINO E ÀS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS
Ademais das inúmeras alterações sofridas com o intuito de acompanhar a evolução da sociedade, que, diga-se de passagem, todas de suma relevância jurídica, há ainda que se destacar quanto a duas novas vertentes de aplicabilidade da lei nº 11.340/06.
A primeira trata da aplicação da Lei Maria da Penha para vitimas do sexo masculino, que segundo esclarece o jurista Sergio Ricardo de Souza, a Lei Maria da Penha não abrange a questão de violência domestica praticada de homem contra mulher, no entanto, é possível que sua aplicação seja feita por analogia, para que seja possível garantir a integridade física do homem vitima da agressão, e para tanto, utilizando-se apenas dos institutos preventivos da referida lei.
E a segunda vertente, diz respeito da aplicação da referida lei em analise às vitimas que constituem relações homoafetivas com a figura do agressor, para compreendermos devemos observar o posicionamento da Ilustre Maria Berenice Dias que defende:
[3]Lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, quem tenham identidade social com o sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. A agressão contra elas com âmbito familiar constitui violência domestica. Ainda que parte da doutrina encontre dificuldade em conceder-lhes o abrigo da lei, descabe deixar a margem da proteção legal aqueles que se reconhecem como mulher, Felizmente, assim já vem entendendo a jurisprudência.
Diante das pontuações acima, percebe-se que a jurisprudência de modo implícito vem firmando cada vez mais seu interesse em aumentar o raio de abrangência dos sujeitos passivos da violência domestica, de modo a proteger o maior numero possível de vitimas, tanto de modo preventivo como repressivo, independente do sexo ou gênero de relação de afeto.
6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, concluímos que as alterações sofridas pela Lei nº 11.340/06 foram todas de extrema importância, no entanto, algumas de modo invasivo, vejamos.
A primeira alteração advinda com o tempo foi à reinterpretação do conceito da vitima que se visava proteger, uma vez que um relacionamento de afeto entre duas pessoas, não se resume apenas ao casamento e a união estável publica e duradoura, pois desde modo, estaria à lei deixando de totalmente vulnerável as mulheres que se encontram em outros tipos de relações, ficando totalmente desprotegidas, porem com o novo entendimento do STJ, aumentou-se o raio de proteção da lei em analise, uma vez, que se trata de inteligentíssimo avanço, pois se a intenção e erradicar e proteger, quanto mais forem às mulheres atingidas pela lei, melhor.
Em seguida, no tocante a alteração do tipo da ação penal, que era ação penal publica condicionada a representação e agora é ação penal publica incondicionada, vislumbrasse um inteligente avanço, porem, se analisa a fundo, nota-se que houve uma invasão na esfera da vida privada das pessoas, uma vez que tal mudança é tão radical, que nem mesmo a denuncia por parte da vitima da agressão domestica a autoridade competente é mais necessário, pois o Ministério Público, caso venha a tomar ciência do ocorrido, tem por obrigação dar inicio a persecução penal independente da vontade da vitima, ficando evidenciada a invasão por parte do estado na vida intima da família.
É evidente que se tratou de importante alteração também, pois o Ministério Público agora toma a iniciativa que faltava para muitas vitimas que tinham medo de represália de suas agressões, assim, podem muitas vezes vir a libertar mulheres e famílias que há muitos anos sofriam caladas com a violência domestica.
É ainda importante ressaltar as mudanças quanto às medidas protetivas em face da vitima, que hoje podem ser tomadas de oficio pelo delegado de policia ou autoridade competente que preside o caso, independente de inicio de processo judicial, podendo para tanto, decretar o afastamento do agressor do lar em no máximo 24 horas ou caso necessário, prisão preventiva do agressor.
Cabe ainda ressaltar quanto à alteração do cenário do código penal, agravando as penas e delitos praticados contra a mulher ou esposa ou cônjuge e a proibição da aplicação da Lei nº. 9.099, proibindo explicitamente qualquer tipo de transação, suspensão ou beneficio para o agressor, demonstrando que a principal intenção de tais agravamentos e proibições é de deixar claro que a Lei Maria da Penha não se trata de uma lei na qual seja possível encontrar brechas para flexibilizar a sentença penal do agressor ou até suspenda-lo, demonstrando que visa punir com dureza aqueles que praticam o delito agressão domestica.
Ainda, buscando atualização com a realidade da sociedade, os juristas e os ínclitos julgadores trouxeram importantes avanços quanto à aplicabilidade da lei nº. 11.340/06, permitindo sua aplicação para as vitimas de violência do sexo masculino, por analogia, visando garantir a integridade do homem agredido e ainda a aplicação da lei para os casos de relações homoafetivos, não deixando ao desamparo legal, as vitimas de agressões físicas, que muitas vezes não são mulheres de fato, porem, apresentam-se para o meio social, como tal.
6 – BIBLIOGRAFIA
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1665720/lei-maria-da-penha-x-relacao-de-namoro
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários a lei de combate à violência contra a mulher. 3ª Ed. Juruá. Curitiba. 2009.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 2ª Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2010.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
{C}[1]{C} Artigo 5º, Lei nº 11.340.
{C}[2]{C} GOMES, Luiz Flavio. Lei Maria da Penha x Relação de Namoro. Rede de Ensino Luiz Flavio Gomes. 2009.
[3] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 2ª Ed..Revista dos Tribunais: São Paulo, 2010.