Direito real de habitação do cônjuge e companheiro


10/01/2019 às 10h47
Por Glaucya Batista Advocacia

Os direitos reais são estabelecidos taxativamente por lei, conferindo alguns poderes aos proprietários e possuidores. A propriedade, por sua vez, é um direito real sobre coisa própria e o direito real de habitação é sobre coisas alheias, dessa forma, tal direito real consiste no direito de seu titular permanecer em propriedade alheia, não podendo alugar ou emprestar, sendo evidentemente uma garantia constitucional, pois trata de um direito social previsto no artigo 6º Constituição Federal de 1988, que garante o direito à moradia.

 

O Código Civil de 2002 prevê em seu artigo 1.225 os direitos reais e nos artigos 1.414 a 1.416 trata do direito à habitação convencional, os quais limita o pleno direito de propriedade, o que também ocorre com direito real de habitação concedido ao cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente, devidamente previsto no artigo 1.831 do Código Civil, reconhecido como direito de habitação legal, é o direito conferido ao convivente sobrevivente, automaticamente e independentemente de registro, diante do falecimento de seu consorte, autorizando sua permanência no imóvel em que residia com o de cujus, sem prejuízo de sua meação, se tiver.

 

O direito real de habilitação do cônjuge, conforme esclarece Fabio Ulhoa Coelho, ocorre independentemente do regime de bens do casamento, o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação incidente sobre o imóvel destinado à residência da família de acordo com o art. 1.831 do Código Civil. O objetivo da norma é garantir ao cônjuge o direito de continuar vivendo no mesmo local em que residia antes falecimento de seu esposo ou esposa, mesmo que não seja mais o proprietário de todo o imóvel ou de nenhuma parte.

 

Entende-se que o cônjuge sobrevivente tem o direito de usar todo o imóvel com exclusividade, dessa forma o ascendente ou descendente que seja coproprietário ou proprietário do bem não pode vir morar com o cônjuge, se antes não habitava o mesmo local. Caso não houvesse tal entendimento sobre o direito do cônjuge o dispositivo legal não geraria efeitos práticos, pois já é direito do condômino usar o bem em condomínio, desde que não exclua nenhum dos outros coproprietários, o que evidencia a necessidade de reconhecer que o cônjuge ou companheiro(a) seja titular de mais direitos do que os derivados do condomínio, vez que estabelecia convívio direto com o falecido(a).

 

Cabe salientar que qualquer que seja o regime de bens, será assegurado ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação relativo ao imóvel destinado à residência familiar, desde que esse seja o único dessa natureza a ser inventariado, sem gerar prejuízos a sua participação na herança. Veja-se que o artigo 1.831 não menciona qualquer outro requisito para reconhecer-se o direito do cônjuge é considerado um direito vitalício, podendo o cônjuge sobrevivente habitar até sua morte.

 

A única exigência que se faz para o deferimento do direito real é que somente exista um imóvel de natureza residencial a ser inventariado, portanto, o fato de existir imóvel de veraneio não obsta o direito do consorte sobre o imóvel que represente a permanente moradia da família. Observando, que se a morada do casal não era própria, e entre os bens a serem divididos existe um único imóvel residencial que não era usado para moradia do autor da herança e de seu consorte, não haverá direito real de habitação sobre este imóvel que não era habitado pelo cônjuge sobrevivente e se também existir na herança mais de um imóvel residencial, mesmo que um seja usado para moradia do casal e os demais sejam utilizados em locação residencial, não haverá direito à habitação. Dessa forma, simplesmente, exige-se que haja moradia do casal no imóvel antes da abertura da sucessão e que esse seja o único imóvel residencial a ser inventariado, sem haver prejuízo a outros bens que participem do inventário.

 

Particularmente no que se refere ao direito de habitação legal, caracterizado pela permanência do cônjuge supérstite no domicílio conjugal após o falecimento de seu consorte, cumpre destacar que sua aplicação não se dá de forma pacífica no cenário jurídico. Pois em determinados casos, a permanência do beneficiário no imóvel pode aniquilar por completo o direito sucessório dos demais herdeiros.

 

O exercício do direito de habitação pode ser deturpado, todavia, não se pode negar ao cônjuge sobrevivente o direito de permanecer no imóvel após o falecimento de seu consorte, pois iria gerar um abandono e desamparo que a própria concepção do instituto pretendeu afastar. Logo, se verifica a existência de conflito normativo, pois se deve evitar que seja perdido o direito sucessório e evitar o abandono do cônjuge sobrevivente.

 

Em razão do silencio do legislador em relação ao tempo de permanência de tal direito há diversas discussões, pois o Código Civil de 1916 trazia de forma expressa que o direito real de habitação permaneceria enquanto o cônjuge permanecesse em estado de viuvez, ou seja, não contraísse matrimonio ou união estável, o que por boa parte da doutrina permanece sendo defendido, apesar de alguns reconhecerem a vitaliciedade do direito do cônjuge.

 

Destaca-se que há precedente do TJSP, que tem como relator o Des. Francisco Loureiro, observou que não há sentido em manter o direito real de habitação quando o cônjuge beneficiário vem a se casar novamente, mantém união estável, ou seja, constitui nova família. Pois o direito real de habitação constitui proteção para depois da morte e decorre do vínculo familiar entre o de cujus e o cônjuge sobrevivente. Se este formar uma nova família, deixa de existir o fundamento que justificava o direito real de habitação. O direito real de habitação só se extingue com a morte do cônjuge, ou quando sobrevier novo casamento. É claro que eventual fraude, como, por exemplo, uma relação concubinária que evite o casamento, para não perder o benefício legal, pode inibir o direito. Contudo, a lei não é criada para ser fraudada. O desvio de finalidade da norma deve ser analisado em cada caso. Portanto, o direito real de habitação conferido ao convivente é vitalício, desde que o companheiro não constitua nova união estável e nem celebre casamento civil.

 

Conclui-se que apesar da imperiosa necessidade de proteger o cônjuge à permanecer em sua residência deve ser analisado cada caso, para dessa forma evitar uma injusta aplicação da lei, haja vista que nesses casos se apresenta um conflito de normas constitucionais e infraconstitucionais.

  • Direito civil
  • Direito de Familia

Referências

COELHO, Fabio Ulho, Curso de direito civil, família, sucessões, volume 5 – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

TARTUCE, F. Manual de Direito Civil. 6 rev. atual. ampl. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. único, 2016.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. 7 v. P. 134.


Glaucya Batista Advocacia

Advogado - São Paulo, SP


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