RESUMO
O artigo tem por finalidade demonstrar que o instituto do arrependimento posterior, capitaneado no artigo 16 do Código Repressivo, quando reconhecido e aplicado aos delitos patrimoniais comuns e aos delitos tributários, apresenta natureza jurídica divergente, demasiadamente mais benéfico e estimulante aos agentes perpetradores de delitos contra a ordem tributária, apresentando, portanto, efeitos jurídicos distintos devidamente comprovados pela análise dos efeitos da reparação do dano nos delitos em comento. Revela que por força do princípio da isonomia e da analogia “in bonam partem” a concessão das benesses da extinção da punibilidade ou da suspensão da pretensão punitiva estatal vislumbrada nos delitos tributários é perfeitamente extensível aos delitos patrimoniais comuns, visto tratar-se de situações fundamentalmente semelhantes. Buscou, também, colacionar ao presente trabalho os requisitos para sua configuração e reconhecimento pelo Magistrado, bem como, demonstrou que o método da presteza ou da celeridade da reparação do dano é o utilizado pelos tribunais para quantificar a diminuição de pena nos casos em que ela é o único efeito proporcionado. O estudo baseou-se na revisão de doutrinas e pesquisa jurisprudencial de tribunais brasileiros.
Palavras-chave: arrependimento posterior, reparação do dano, extinção da punibilidade, suspensão da pretensão punitiva, redução da pena, delitos tributários e patrimoniais comuns.
INTRODUÇÃO.
O presente artigo tem por intuito revelar ao caro leitor que o arrependimento posterior, originalmente tipificado no dispositivo do artigo 16 do Código Penal, apresenta natureza jurídica distinta quando aplicado aos delitos tributários e patrimoniais comuns. Como consequência lógica de sua ambiguidade, concede tratamento jurídico diferente aos agentes que, ontologicamente, cometeram delitos semelhantes, mas que, por opção legislativa e questões de política criminal, resolveu-se tratar os autores de infrações penais tributárias – estes instruídos e com condições de agir de acordo com o direito e assim, não cometer delitos - com benevolência e ausência de rigor penal, enquanto que, por outro lado, para os autores de delitos patrimoniais comuns, geralmente oriundos da pobreza e da marginalização, com menores condições econômicas, mostra-se um direito mais rigoroso, punitivo, cujo principal objetivo é o encarceramento, e a consequente retirada desses indivíduos do convívio social, esquecendo-se que, na grande maioria dos casos, a vítima contentar-se-ia com a restituição do que lhe é de direito.
Ao longo do presente artigo debruçou-se no estudo dos requisitos cumulativos que, necessariamente, deverão estar presentes para o reconhecimento e concessão das benesses oriundas do arrependimento posterior, sejam elas consistentes na redução da reprimenda penal em um terço a dois terços (1/3 a 2/3), na extinção da punibilidade ou na suspensão da pretensão punitiva do estado. Para tanto, buscou-se fazer uma análise dos efeitos práticos e da natureza jurídica do instituto nos delitos denominados tributários: (artigos 1º, 2º da lei 8.137/90; apropriação indébita previdenciária; sonegação de contribuição social; sonegação fiscal, e o delito de descaminho, e nos crimes patrimoniais comuns: furto; apropriação indébita; peculato culposo e estelionato.
Demonstrar-se-á, também, que a reparação do dano pelo agente nos delitos tributários ao longo dos anos passou por transformações legais, mas que, essencialmente, sempre beneficiaram aos seus autores. Assim, a título de exemplo, aquele que usa da fraude e de meios ardis para sonegar um tributo será premiado - caso repare o dano - com a extinção da punibilidade ou suspensão da pretensão punitiva, caso resolva, neste último caso, aderir ao parcelamento do débito. Essas afirmações serão devidamente ratificadas pela conclusão tirada da análise das leis 8.137/90; 9249/95; 9.964/2000 (REFIS) e 10.684/2003 (PAES) em tópico específico.
De outra banda, nos delitos patrimoniais perpetrados sem violência ou grave ameaça à vítima, os efeitos sempre foram os mesmos, consistentes na redução da pena ou no reconhecimento de uma atenuante genérica de pena que, nesse caso, em nada persuade o agente a reparar os danos que causou, conforme poderá ser melhor compreendido ao longo do desenvolvimento do presente trabalho.
Finalizando o artigo, abre-se a discussão da possibilidade ou não de o legislador vir a equiparar os efeitos benéficos da reparação do dano existentes nos delitos tributários aos delitos patrimoniais comuns.
Com base nas benesses concedidas pela reparação do dano a delitos muito mais intoleráveis pela sociedade (ao menos no plano do dever ser), como também, pela necessidade de igualdade de tratamento por força do princípio constitucional da isonomia e da analogia “in bonam partem” é que urge a necessidade de estender os mesmos efeitos jurídicos aos delitos patrimoniais comuns cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, donde chegar-se-á a conclusão da não só possibilidade, mas, sobretudo, da imperatividade de equiparação de tratamento. É com base nessa diferenciação de tratamento e da injustificada omissão do legislador em proceder à equiparação dos efeitos da reparação do dano aos delitos patrimoniais comuns que o tema mostrou-se relevante.
1. ARREPENDIMENTO POSTERIOR.
1.1. ASPECTOS GERAIS.
O instituto do arrependimento posterior está tipificado no artigo 16, “caput” do Código Penal. Seu objetivo geral é fazer com que o agente que tenha cometido um delito patrimonial, sem violência ou grave ameaça à pessoa, repare o dano causado ou restitua a coisa subtraída ou apropriada ao seu legítimo dono, antes do recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz, por ato voluntário, recebendo como recompensa a diminuição de sua pena. Brevemente, visto que a natureza jurídica do instituto será analisada em tópico próprio, convém constar que Capez (2011), Damásio de Jesus (2003), Nucci (2014) entre outros, lecionam ser causa pessoal obrigatória de diminuição de pena de um terço a dois terços (1/3 a 2/3), possibilitando, em razão disso, a diminuição da reprimenda penal aquém do mínimo cominado em abstrato. Com entendimento diverso, pode-se citar Pimentel (1985), que enxergava na reparação do dano uma possível causa extintiva da punibilidade, mesmo nos delitos patrimoniais comuns.
1.2. REQUISITOS.
Para a doutrina brasileira, o reconhecimento do instituto está condicionado a presença dos seguintes requisitos cumulativos: a) delito praticado sem violência ou grave ameaça à vítima; b) reparação do dano ou restituição da coisa; c) voluntariedade do agente; e) que o arrependimento ocorra antes do recebimento da peça inicial acusatória.
Para Damásio de Jesus (2003), a violência exercida contra a coisa não afasta a aplicação do instituto. Capez (2011,) acrescenta que igualmente não excluirá a diminuição de pena proporcionada pelo instituto, se a violência, mesmo contra a pessoa, for culposa.
Nucci (2014), entende que a benesse da redução da pena só será reconhecida se, obrigatoriamente, o delito cometido causar, ao menos, efeitos patrimoniais. Por sua vez, Delmanto (2010), com entendimento diverso ao de Guilherme de Souza Nucci, entende que tal benesse poderá ser concedida em todo delito em que não se faça presente violência ou grave ameaça à pessoa, independentemente da presença ou não de danos ou efeitos patrimoniais, assim deve ser, pois, o que a lei quer que seja protegido pelo tipo penal e que seja reparado pelo agente é o bem jurídico ofendido.
Com posicionamento contrário ao do professor Celso Delmanto, encontrou-se o Habeas Corpus (HC 47922/PR) de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, onde consta que para ser juridicamente possível a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 16 do Código Penal, é exigível que o delito cometido seja patrimonial ou possua efeitos dessa ordem.
Prado (2011), expõe que o instituto em comento pode ser reconhecido em todo e qualquer delito, porém, para que isso seja concretizado é fundamental que não haja o emprego de violência ou grave ameaça a pessoa.
Em relação a reparação do dano e/ou restituição da coisa, encontra-se divergência doutrinária e jurisprudencial. Fernando Capez, Damásio de Jesus, Guilherme de Souza Nucci, entendem que tanto a reparação quanto a restituição devem ser integrais.
Em âmbito jurisprudencial, o STF no Habeas Corpus (HC 98658-PR), entendeu que a reparação ou restituição poderá ser parcial, ao passo que o STJ no Habeas Corpus (HC 151.254/SP) e (HC 18.032/RO) entende que deve estar devidamente comprovada a integralidade da reparação ou restituição.
No tocante à voluntariedade da conduta do agente, a doutrina e jurisprudência são pacíficas e compartilham do mesmo entendimento, de que é necessário ato voluntário do próprio agente, podendo, contudo, ter sido a reparação do dano ou restituição incentivada por terceiro. Nesse sentido TJRS, (AP 70013991518). Assim, para ser possível a configuração do requisito da voluntariedade, é fundamental que a reparação ou restituição seja feita de forma pessoal, mesmo que a devolução tenha ocorrido pelo fato de o agente ter sido descoberto. Para Damásio (2003, p.348) “o arrependimento posterior pode ocorrer em face de sugestão ou conselho de terceiro”. Nesse caso, o incentivo dado pelo Advogado, ou a sugestão advinda do Delegado de Polícia ao agente, não excluem a voluntariedade.
Por último, encontra-se pacífico na doutrina o entendimento de que o instituto somente surtirá o efeito de causa obrigatória de diminuição de pena de um terço a dois terços (1/3 a 2/3), se ocorrer antes do recebimento da denúncia ou queixa pelo Magistrado. Assim, se já houve o oferecimento ou propositura da denúncia ou queixa-crime, mas não ocorreu o seu recebimento, ainda será possível a concessão da benesse do arrependimento.
Caso já tenha ocorrido o recebimento da peça exordial pelo Magistrado, o ato voluntário do agente de reparar ou restituir a coisa, mesmo que em sua integralidade, configurará apenas atenuante genérica de pena.
2. REPARAÇÃO DO DANO NO DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E NO DELITO DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
O delito de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A do código penal, constitui-se em crime contra a ordem tributária. Em seu parágrafo segundo, prevê o arrependimento posterior quando abre a possibilidade ao agente de declarar, confessar e efetuar o pagamento das contribuições previdenciárias que não foram repassadas a seguridade social, estabelecendo como marco temporal, que a reparação seja feita antes do início da ação fiscal.
Em seu parágrafo terceiro, também prevê o instituto do arrependimento posterior, porém, atribuindo-lhe natureza jurídica distinta. Segundo o dispositivo em comento, será hipótese de perdão judicial ou aplicação de pena de multa, se o agente, primário e de bons antecedentes, realizar o pagamento da contribuição previdenciária após o início da ação fiscal, porém antes do oferecimento da denúncia pelo Ministério público.
Para Damásio de Jesus (2009), no delito em questão, o instituto do arrependimento posterior possui dois efeitos distintos: se o agente declara, confessa e paga as contribuições antes da ação fiscal será beneficiado com a extinção da punibilidade, logo, não receberá sanção penal. Todavia, se iniciada a ação fiscal e, antes de o juiz receber a denúncia, realizar o pagamento do principal inclusive acessórios, cujo valor seja igual ou inferior ao mínimo exigido para o ajuizamento de execução fiscal, terá direito público subjetivo ao perdão judicial ou aplicação isolada de pena de multa.
Ibrahim (2012), leciona que com a vigência da lei 11. 941/09, os delitos de apropriação indébita previdenciária e de sonegação de contribuição previdenciária contam com mais uma benesse a ser concedida aos grandes empresários que possuem a capacidade de cometer crimes, e, na eventualidade de serem flagrados, pagarem o que é devido e se eximirem de responsabilização penal, que é a suspensão da punibilidade através da aderência ao programa de parcelamento dos débitos e a total extinção da punibilidade, se o pagamento integral dos débitos ocorrer dentro do prazo de parcelamento pactuado.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na (AP 613 QO/TO), encontra-se firme entendimento no sentido de que haverá a possibilidade de suspensão da pretensão punitiva do estado, nos delitos de apropriação indébita previdenciária, se a inclusão do débito tributário ao regime de parcelamento acontecer antes de ser proferida sentença penal condenatória transitada em julgado. Bem como, poderá ser declarada extinta a punibilidade do agente, se o mesmo, através da adesão ao parcelamento de débito tributário, realizou o seu integral pagamento.
Nos termos da lei 10.684/2003, especificamente no artigo 9º, “caput” e § 2º, as mesmas benesses poderão vir a ser concedidas a outros delitos: como aos tipificados nos artigos 1º e 2º da lei 8.137/90; ao delito de sonegação de contribuição previdenciária, tipificado no artigo 337-A do Código repressivo; bem como, através da aplicação da analogia “in bonam partem” e por respeito ao princípio constitucional da isonomia, ser estendido ao delito de descaminho que possui, também, como objeto material tributo ou contribuição social.
3. REPARAÇÃO DO DANO NO DELITO DE DESCAMINHO.
Tema, mui discutido na doutrina e na jurisprudência pátrias, dizia respeito à aplicação das benesses do arrependimento posterior ao delito de descaminho.
Antes de mais nada é importante consignar que com a alteração promovida pela lei 13.008/14 o delito de descaminho tornou-se tipo penal autônomo encontrando-se tipificado no artigo 334 do CP, ao passo que o delito de contrabando passou a estar previsto no artigo 334 – A do CP.
O delito de descaminho consiste no emprego da fraude para a não promoção do pagamento de tributo em razão de importação ou exportação ou consumo de mercadorias provenientes de país estrangeiro.
Isso posto, convém afirmar que não há previsão legal que diga expressamente que referido delito se enquadra no rol de crimes que admitem o instituto da reparação do dano, porém, para Prado (2013), por força do princípio da isonomia e da analogia “in bonam partem” o favor legal concedido pelo estado (extinção ou suspensão da punibilidade) em caso de pagamento integral ou parcelamento do débito tributário, respectivamente, também deve ser estendido ao delito em estudo, visto que, direta ou indiretamente, o que está se iludindo e o efetivo pagamento de um tributo.
Para Bitencourt (2009 pág. 1111 - 1112), por força da analogia “in bonam partem” e do princípio da isonomia, que prega, sobretudo, que onde “ existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito” é perfeitamente possível que as benesses da reparação do dano existentes nos delitos tributários ( extinção da punibilidade ou suspensão da pretensão punitiva em caso de pagamento integral ou adesão ao parcelamento do tributo devido), também sejam estendidas ao delito de descaminho, que segundo o citado autor, também viola o sistema tributário nacional, consistindo em uma “ espécie” de sonegação fiscal.
Em âmbito jurisprudencial, encontra-se o Habeas Corpus (HC 48.805 – SP), de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, da 6ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que concedeu o writ, e declarou extinta a punibilidade do delito de descaminho, reconhecendo que não há nenhuma justificativa plausível que determine tratamento diverso ao delito em questão daquele concedido aos crimes tributários em geral, determinando, portanto, a aplicação da disposição prevista no artigo 34 da lei 9249/95.
4. REPARAÇÃO DO DANO NOS DELITOS TRIBUTÁRIOS TIPIFICADOS NOS ARTIGOS PRIMEIRO E SEGUNDO DA LEI 8.137/90.
Em relação ao instituto da reparação do dano nos delitos tributários, é importante destacar que seu efeito de extinguir a punibilidade do réu, sofreu, ao longo dos anos, importantes transformações. Assim, a título de exemplificação, destaca-se o antigo artigo 14 da lei 8137/90 que previa que se extinguiria a punibilidade dos crimes definidos nos artigos 1º a 3º, quando o agente promovesse o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
Esse dispositivo, logo após, fora revogado pela lei 8.383/91. Porém, quatro anos depois, com o advento da lei 9249/95, a regra de extinção da punibilidade nos delitos tributários fora restabelecida. Pelo fato de configurar “novatio legais in mellius”, seus efeitos retroagiram e passaram a reger fatos praticados antes de sua vigência. Assim, com a nova lei, os delitos tipificados nas leis 8137/90 e lei 4729/65 (sonegação fiscal), passam a admitir novamente a extinção da punibilidade quando o agente pagar o tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
Nucci (2012), expõe que, quando se trata da extinção da punibilidade nos delitos contra a ordem tributária, a intenção maior do estado – em sentido “lato sensu” - (união, estados, Distrito Federal e municípios), não é aplicar ao agente uma sanção penal, castigá-lo penalmente, é sim, receber o valor dos tributos que lhe são devidos, mantendo, na medida do possível, a estabilização financeira da arrecadação. Dentro dessa lógica estatal, inúmeras são as leis que visam beneficiar o agente que se apropriou, sonegou ou reduziu tributos e contribuições sociais, prometendo-lhe sinecuras legais, v.g., extinção da punibilidade, e, em troca, auferindo o tributo devido.
A lei 8.137/90, como se sabe, cuida dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Os delitos contra a ordem tributária, objeto de análise do presente trabalho, estão tipificados nos tipos penais dos artigos 1º, 2º e 3º. Os artigos 1º e 2º preveem delitos tributários em que o sujeito ativo é o particular e o sujeito passivo a administração fazendária estatal em sentido amplo, ao passo que o artigo 3º, tratou de cuidar dos crimes tributários praticados por funcionário público.
Com o aparecimento da lei 11.457/2007, que instituiu a super-receita, Tasse (2010), defende a ideia de que os créditos tributários e os provenientes de contribuições sociais fundiram-se, de modo que, tanto os delitos previstos na lei 8.137/90, artigos 1º, 2º como os tipificados nos artigos 168-A e 337-A do Código penal, bem como o delito de sonegação tributária possuem o mesmo tratamento no que se refere a matéria penal.
Luiz Regis Prado (2013), ainda aduz que a punibilidade constitui-se no direito abstratamente garantido ao estado de punir os infratores, sendo, portanto, requisito para aplicação da sanção penal. De tal modo que, em razão de sua natureza, poderá ser extinta caso sobrevenham causas que justifiquem a impossibilidade de aplicação ou execução da pena. Nos delitos contra a ordem tributária, especificamente os tipificados nos artigos 1º e 2º da lei 8.137/90 e os tipificados nos artigos 168-A e artigo 337-A do código repressivo, o parcelamento e o pagamento integral do débito tributário pelo agente impõe, respectivamente, o reconhecimento da suspensão da pretensão punitiva e da extinção da punibilidade do fato, desobrigando a aplicação de sanção penal. Deste modo, convêm analisar as leis 9.249/95, 9.964/2000 (REFIS) e 10.684/2003 (PAES) que versam sobre o assunto em questão.
A lei 9.249/95, prevê em seu artigo 34 a possibilidade de ser declarada extinta a punibilidade do agente na ocasião da promoção do pagamento dos tributos e das contribuições sociais, inclusive dos acessórios antes do recebimento da peça acusatória. Para o professor Nucci (2012), esse artigo continua em vigor, devendo, portanto, continuar a ser obedecido, visto que cuida da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas.
Posteriormente a essa lei, foi editada a lei 9.964/2000 que previa em seu artigo 15, suspensão da punibilidade nos delitos de sonegação fiscal, mas, segundo Andreucci (2009 p. 478) “apenas para os débitos fiscais vencidos até 29 de Fevereiro de 2000”
Contudo, com a edição e entrada em vigência da lei 10.684/2003, a pretensão punitiva do estado ficará suspensa, vale dizer, a punibilidade ficará suspensa e a prescrição criminal não irá correr, durante o tempo da suspensão, se a pessoa jurídica, relacionada com o agente responsável pela prática do(s) delito(s) contra a ordem tributária tipificado(s) no(s) artigo(s) 1º e 2º da lei 8.137/90 e pelos delitos de apropriação indébita previdenciária, artigo 168-A e sonegação de contribuição social, artigo 337-A do código penal, aderir ao regime de parcelamento do débito.
A mesma lei no parágrafo 2º, do artigo 9º, que modificou a regra prevista na lei 9249/95, dispõe que em relação aos delitos supracitados, o pagamento integral dos tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, em qualquer tempo, seja antes do recebimento da denúncia, durante a ação penal, ou até mesmo após sentença penal condenatória, extingue a punibilidade.
De acordo com a letra da lei, e conforme entendimento do STF, o parcelamento de débitos tributários gera a suspensão da pretensão punitiva do estado, ou seja, o estado ficará por um certo lapso de tempo, com seu direito de punir suspenso. O prazo de suspensão será o tempo em que a pessoa jurídica vinculada ao agente estiver incluída no programa de parcelamento. Ficarão suspensos a pretensão punitiva do estado e a prescrição criminal.
Destarte, somente o pagamento integral dos débitos extinguirá a punibilidade. É importante consignar, entretanto, que se a pessoa jurídica vinculada ao agente descumprir o pacto de parcelamento, a ação penal poderá ser oferecida ou retomada. Caso o “parquet” ofereça denúncia por delito tributário durante o prazo de parcelamento, será cabível a impetração de habeas corpus para trancamento da pretensão punitiva do estado, vale dizer, para trancamento da ação penal.
Porém, para o STJ, no Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC 11.598 –SC) se o agente devedor optar pelo parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, o parcelamento é entendido como uma novação no pagamento e, portanto, deve ser concedido ao agente a benesse da extinção da punibilidade. Referido efeito somente se tornara uma realidade se a adesão ao parcelamento ocorrer durante a vigência da lei 9249/95.
Por outro lado, no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento de nº 1.272.896/2010 – MG, firma-se o entendimento no sentido de que havendo o agente optado pelo parcelamento nos termos da lei 9.964/2000 – REFIS -, extinção da punibilidade pelo parcelamento proporcionada pela lei 9249/95, segundo jurisprudência do STJ, ficarão afastadas, acarretando unicamente a suspensão do processo e do prazo prescricional.
Portanto, de acordo com entendimento jurisprudencial do STJ, caso a adesão ao parcelamento do debito ocorra antes do recebimento da denúncia, e desde que na vigência da lei 9249/95, a extinção da punibilidade será um direito. Ao passo que, se o mesmo ocorrer durante a vigência da lei 9.964/2000 – REFIS, e desde que se trate de débitos fiscais vencidos até 29 de Fevereiro de 2000, acarretará somente a suspensão da pretensão punitiva e da prescrição criminal. Segundo o artigo 15 § 3º da lei do REFIS, a extinção da punibilidade só configurar-se-á com o advento da integralidade do pagamento.
A título de curiosidade, só se extinguirá a punibilidade dos delitos tributários pelo pagamento, se o mesmo tiver como objeto material do crime tributo ou contribuição social ou acessórios. Se o delito contra a ordem tributária não tiver como objeto material tributo, como por exemplo, o crime de desobediência contra a receita federal, não será possível a extinção da punibilidade pelo pagamento.
Para Andreucci (2009), é imperioso constar que a lei em nenhum momento fez distinção quanto a espécie de tributo, portanto, a causa extintiva de punibilidade, pela reparação do dano, quer dizer, pelo pagamento, poderá ser reconhecida em todo e qualquer tipo de débito, seja ele federal, estadual, distrital ou municipal. Afirma ainda o autor supracitado, que a lei 10.684/2003, não possui nenhuma previsão quanto ao momento em que poderá ser realizado o pagamento integral, se antes ou depois do recebimento da denúncia. Assim, promovido o pagamento dos débitos, em qualquer tempo, será direito subjetivo do agente ver declarada extinta sua punibilidade.
É de suma importância que se conste, também, que não há prazo temporal na lei acima citada determinando o momento em que a aderência ao parcelamento especial do débito ou a promoção do seu integral pagamento deva ser realizado pelo agente.
Assim, Capez (2011), leciona que a lei 10.684/2003 permite que o pagamento dos débitos tributários possa ser promovido a qualquer momento da persecução criminal podendo, inclusive, ser realizado em sede recursal que mesmo assim o reconhecimento da extinção da punibilidade será um direito público subjetivo do agente.
Segundo a autora (Stellita, 2003 apud Capez, 2011, p. 685), não há que se falar em marco temporal como limite para o reconhecimento da suspensão ou extinção da punibilidade pelo parcelamento do débito ou pagamento integral, respectivamente. Assim, se o acusado ou réu, em qualquer fase da “persecutio criminis”, inclusive após sentença penal condenatória transitada em julgado, fazer o pagamento integral do débito terá sua punibilidade extinta.
Adere ao mesmo entendimento Celso Delmanto (2010). Caso opte o agente pela aderência ao programa de recuperação fiscal (REFIS) ou ao parcelamento especial do débito, a pretensão punitiva estatal, leia-se, a ação penal ficará suspensa bem como a prescrição criminal, e, na eventualidade de total quitação dos débitos ao final do parcelamento, a extinção da punibilidade lhe será devida.
5. REPARAÇÃO DO DANO NO DELITO DE PECULATO CULPOSO.
O instituto do arrependimento posterior, também pode ser reconhecido pelo juiz no delito de peculato culposo. Nesse caso, Damásio de Jesus (2003), explica que se a reparação do dano, no delito em questão, ocorrer antes da sentença penal transitada em julgado, poderá surtir o efeito de causa extintiva da punibilidade, de outro lado, se vier a acontecer após o trânsito em julgado, reduzirá a pena imposta pela metade.
Percebe-se que no caso de peculato culposo, o legislador ordinário transpareceu ser mais beneficente com o agente criminoso, uma vez que promete a extinção da pretensão executória do estado se a reparação ocorrer até a sentença final irrecorrível. Se não bastasse tal regalia, ainda prevê que, caso a reparação do dano ocorra após o trânsito em julgado, o réu condenado por peculato culposo terá a pena diminuída, contrariando expressamente o que dispõe o artigo 16 do código penal. Para Nucci (2014), quando a reparação do dano ocorrer após o trânsito em julgado, caberá ao juiz da execução aplicar a redução da reprimenda penal.
6. REPARAÇÃO DO DANO NO DELITO DE FURTO, APROPRIAÇÃO INDÉBITA E ESTELIONATO.
As regras para que o arrependimento posterior possa surtir seus efeitos de diminuição obrigatória de pena de um terço a dois terços (1/3 a 2/3) expressamente estabelecidas no tipo penal do artigo 16 do código repressivo aplicam- se, “ipsi literi”, salvo entendimento do Supremo Tribunal Federal de que é aceita a parcialidade da reparação, nos delitos em questão.
Não se pode olvidar que, se a reparação do dano ou restituição da coisa ocorrer após o recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz, será mera atenuante genérica de pena prevista no artigo 65, III, “b” do código penal, não admitindo que seja reduzida a pena do réu abaixo do mínimo previsto em lei.
Desse modo, para que o agente possa se beneficiar da benesse do instituto em questão – causa de diminuição de pena -, serão necessários estar devidamente preenchidos os requisitos já colacionados ao presente trabalho.
O Superior Tribunal de Justiça, ao se debruçar sobre o Habeas Corpus (HC 61.928/SP de 2007) de relatoria do Ministro Félix Fischer, entendeu que, especificamente no delito de estelionato, tipificado no artigo 171 do Código Repressivo, mesmo que o agente venha, em momento anterior ao recebimento da denúncia, reparar o dano causado a vítima integralmente, só terá direito a benesse da redução de pena de um terço a dois terços (1/3 a 2/3), e não a exclusão do crime em sua forma básica, como pode acontecer no caso de estelionato na modalidade de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos. Segundo a súmula 554 do STF, a benesse de exclusão do crime e consequente óbice ao prosseguimento da ação penal só se aplica na hipótese de o agente pagar o cheque antes do recebimento da denúncia.
Nos delitos de furto simples (artigo 154 do CP) e de apropriação indébita (artigo 168 do CP), É majoritário o entendimento, doutrinário e jurisprudencial, de que o instituto do arrependimento posterior, caso seja configurado e reconhecido pelo juiz, concederá ao réu o direito público subjetivo obrigatório de redução da pena de um terço a dos terços (1/3 A 2/3). E caso seja reparado o dano após o recebimento da exordial pelo juiz, ficará assegurado ao agente apenas a aplicação da atenuante genérica prevista no artigo 65, III, “b” do Código Penal, que, como se sabe, não poderá diminuir a pena aquém do mínimo cominado em abstrato, entendimento esse pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consoante Habeas Corpus (HC 99803/RJ) e Habeas Corpus (75051/SP).
7. NATUREZA JURÍDICA DA REPARAÇÃO DO DANO.
O arrependimento posterior, tipificado no dispositivo do artigo 16 do Código penal, decreto-lei 2848/40, consistente na reparação do dano ou restituição da coisa, pós cometimento do delito por ato voluntário do agente e necessariamente precedente ao recebimento da peça exordial, encontra aplicação, também, nos delitos tributários, assim entendidos: os crimes contra a ordem tributária, previstos nos artigos 1º, 2° da lei 8.137/90, o descaminho, previsto no artigo 334 do Código penal e os delitos de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A do código penal e sonegação de contribuição previdenciária tipificado no artigo 337-A do código penal.
Os efeitos da reparação do dano e os requisitos para o seu reconhecimento judicial alteraram-se, modificaram-se de acordo com a espécie de delito, como já fora exposto. Desse modo, mister fazer uma breve análise da natureza jurídica do instituto da reparação do dano em cada um dos diferentes tipos penais incriminadores.
Concernente a natureza jurídica do instituto do arrependimento posterior, nos delitos patrimoniais comuns, Nucci (2014), ensina ser uma causa de diminuição de pena pessoal obrigatória, na proporção de um terço a dois terços (1/3 a 2/3). No mesmo sentido encontra-se Prado (2011), Bitencourt (2009), Delmanto (2010) e a maioria esmagadora da doutrina.
É interessante que fique consignado que ao tratar da natureza jurídica do instituto em estudo, Delmanto (2010), defende ser de causa obrigatória de diminuição de pena e, assim, pode levar a diminuição de pena aquém do mínimo cominado em abstrato, não sendo apenas uma atenuante genérica. Aduz, ainda, que em razão de sua natureza jurídica, perfeitamente poderá influenciar no cálculo prescricional.
Claro que essa classificação somente se amolda aos delitos patrimoniais comuns, como já fora exposto anteriormente, quando o ato reparador ocorreu antes do recebimento, pelo Juiz, da peça inicial acusatória. Todavia, se o ato de reparação ou restituição do bem, mesmo que integral e por ato voluntário do agente, ocorrer, após o marco temporal de recebimento da denúncia ou queixa-crime, dotar-se-á a reparação do dano da natureza jurídica de mera circunstância atenuante genérica de pena, prevista no artigo 65, III, “b” do Código Penal.
Porém, ao debruçar-se na pesquisa acerca da natureza jurídica do instituto em voga, especificamente nas infrações penais tributárias, verificou-se um tratamento legal absolutamente distinto e mais benéfico aos seus autores.
Em consonância com o que fora exposto ao longo do desenvolvimento do presente trabalho, o pagamento dos débitos tributários e/ou previdenciários, após a consumação do delito, sofreu, ao longo dos anos e de sucessivas edições de leis, efeitos jurídicos distintos.
Para facilitação do estudo e melhor compreensão do assunto, optou-se em proceder a análise da natureza jurídica da reparação do dano em uma espécie de linha do tempo, a iniciar-se no passado e findar-se na atual legislação vigente.
Nessa linha de desenvolvimento, a análise primeira será da lei 9249/95 (lei que dispõe acerca do IR de pessoas jurídicas). Em seu artigo 34, prevê a extinção da punibilidade dos delitos tipificados na lei 8.137/90, mais especificamente dos tipificados nos artigos 1° e 2°, bem como a extinção da punibilidade do delito de sonegação fiscal previsto na lei 4729/65 na eventualidade de vir o agente a promover o pagamento do débito antes do recebimento da peça inicial acusatória proposta pelo membro do Ministério Público. Percebe-se, portanto, que o instituto do arrependimento posterior, consistente no pagamento do débito reveste-se de natureza jurídica de extinção da punibilidade.
Por outro lado, a lei 9983/2000 (que acrescentou ao diploma repressivo os delitos tipificados nos artigos 168- A e 337- A) atribui ao instituto dupla natureza jurídica. A possibilidade de ser uma causa extintiva de punibilidade, se atendidos os requisitos do artigo 168 – A, parágrafo segundo. Logo em seguida, em seu parágrafo 3°, incisos I e II atribui à reparação do dano natureza jurídica de perdão judicial, ou aplicação isolada de pena de multa ao agente primário e de bons antecedentes e desde que opte pelo pagamento do débito previdenciário ou social em marco temporal distinto, qual seja, após o ajuizamento da ação fiscal mas antes de oferecida a denúncia e desde que o valor do débito esteja dentro do mínimo previsto para o ajuizamento de execuções fiscais.
Em relação ao delito de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337 –A, CP) a possibilidade de perdão judicial ou aplicação isolada de pena de multa também existe, contudo o requisito do marco temporal foi expressamente revogado.
A lei 9964/2000, conhecida como a lei do REFIS – programa de recuperação fiscal – primeira lei a tratar do assunto, estabelecia em seu artigo 15 que a pretensão punitiva do estado ficaria suspensa relativa aos delitos previstos nos artigos 1 e 2 da lei 8.137/90, durante o período em que a empresa relacionada com o agente estivesse incluída no REFIS, desde que tal opção tivesse sido feita antes do recebimento da denúncia. Porém, como já exposto, essa lei só fazia menção aos tributos e contribuições com vencimento até 29 de Fevereiro. Em seu parágrafo terceiro, determinava a extinção da punibilidade se o agente viesse a promover o pagamento integral dos débitos tributários e sociais que tivessem sido objeto de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal.
Percebe-se, portanto, haver duas naturezas jurídicas distintas: no primeiro caso, causa suspensiva da pretensão punitiva e, no segundo, causa extintiva de punibilidade. Tanto uma quanto a outra, são, de longe, muito mais benéficas ao agente criminoso do que ocorre nos delitos patrimoniais comuns.
Em 2003 foi editada a lei 10.684, a qual também cuida da questão do parcelamento dos débitos tributários. Essa lei, quando comparada com as anteriores, apresenta-se muito mais benéfica aos agentes que incorrem nos delitos tipificados nos artigos 1° e 2º da lei 8.137/90, nos artigos 168-A e 337-A do código penal e no delito tipificado no artigo 334 do código penal, em especial o descaminho. Diz-se mais benéfica pelo fato de que a lei, concede ao agente a suspensão da pretensão punitiva estatal, se optar pela inclusão ao regime de parcelamento de débito, que segundo Andreucci (2009) poderá ser proveniente de tributo ou contribuição social da união, estado, Distrito Federal ou município, não importando o momento em que isso irá ocorrer.
O mesmo diploma legal ainda prevê a possibilidade de que se opere a extinção da punibilidade quando o agente realizar o integral pagamento dos débitos em qualquer momento da “persecutio criminis” uma vez que o texto é silente ou omisso quanto a isso. Denota-se, assim, que a natureza jurídica será de causa suspensiva da pretensão punitiva do estado, vale dizer, causa que impede o estado de oferecer denúncia ou de dar andamento a ação penal. E, por último, será causa extintiva da punibilidade.
Assim, Prado (2013), é enfático ao dizer que com o advento da lei 10.684/2003 não subsiste motivos para que perdurem divergências entre os tribunais brasileiros e entre a doutrina acerca do momento temporal e dos requisitos indispensáveis para que o arrependimento posterior possa fazer surtir seus efeitos jurídicos de suspensão da pretensão punitiva e extinção da punibilidade.
8. METODOLOGIA PARA QUANTIFICAR A DIMINUIÇÃO DE PENA PROPORCIONADA PELO ARREPENDIMENTO POSTERIOR NOS DELITOS PATRIMONIAIS COMUNS.
O artigo 16, “caput” do código repressivo prevê a possibilidade de redução da pena de no mínimo um terço (1/3) e de no máximo dois terços (2/3), para o agente que voluntariamente reparar o dano ou restituir a coisa integralmente, ou parcialmente, conforme já visto anteriormente, antes do recebimento da peça inicial acusatória pelo magistrado, nos delitos sem violência ou grave ameaça à pessoa.
Prado (2011), ao lecionar a respeito do critério de redução da sanção penal, explica que, para tanto, existem dois mecanismos ou alternativas à disposição do Juiz que o auxiliaram nessa tarefa, quais sejam, o critério do ressarcimento e o da presteza.
O primeiro (critério do ressarcimento) consiste na análise judicial do cometimento ou não de um dano não patrimonial à vítima, e/ou na verificação da hipótese de ter sido a vítima compelida a aceitar a reparação do dano. Nessas hipóteses, impõe-se, como regra, que em caso positivo, o “quantum” de diminuição de pena será menor.
O segundo critério consiste na verificação da presteza ou celeridade do agente na reparação do dano ou restituição da coisa à vítima. Assim, se o réu ou investigado, voluntariamente, em curto espaço de tempo após a consumação do delito, reparar o dano provocado ao agente, a redução de sua pena consequentemente será maior, e portanto, mais benéfico será o instituto do arrependimento posterior.
O critério amplamente utilizado pela jurisprudência é o da presteza na reparação do dano por ato voluntário do agente, conforme apelação (AP 70012329330 do TJ/RS). No mesmo sentido encontra-se o recurso especial (Resp. 1282696/RS) interposto perante o Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento foi no sentido de que o índice de redução da pena deverá variar conforme a maior ou menor rapidez/celeridade/ presteza no ressarcimento ou reparação do dano à vítima, na mesma linha de entendimento encontra-se o recurso especial (Resp. 1187976/SP).
9. DA NECESSIDADE DE PADRONIZAÇÃO DOS EFEITOS DA REPARAÇÃO DO DANO PELO LEGISLADOR PÁTRIO.
Existe uma enorme disparidade de tratamento jurídico conferido pelo instituto do arrependimento posterior entre os delitos patrimoniais comuns e os delitos tributários, como pôde se notar até o presente momento.
Como se sabe, os delitos tributários visam a tutela de bens jurídicos supraindividuais ou transindividuais, que são aqueles bens pertencentes a sociedade em geral. Ao passo que os delitos cometidos contra o patrimônio individual são basicamente tipos penais que servem para tutelar bens particulares. Percebe-se, portanto, que os primeiros revestem-se de maior gravidade justamente pelo fato de lesionarem bens jurídicos valiosos, assim, logicamente deveriam ser punidos com maior rigor, porém não é exatamente isso que se constata no país.
A realidade jurídica é outra, bem diferente. O estado, por meio de suas leis, concede ao criminoso abastado, com posses, que tem condições de defender-se, benesses legais que lhe permitem ver-se livre da punição estatal caso opte em “devolver” os valores provenientes de tributos ou contribuições sociais de que se apossou fraudulentamente, dando a entender que o principal objetivo do estado é receber o que lhe é de direito, sendo a punição descartável.
De outro lado, incongruentemente, ao criminoso geralmente não instruído, sem condições econômicas, desprovido de recursos, desesperado, que subtrai, em muitas ocasiões, bem particular sem violência ou grave ameaça à pessoa, lesionando apenas bem jurídico particular exclusivo da vítima, concede-lhe, caso resolva reparar seu dano, apenas a possibilidade de ter sua punição diminuída, e desde que dentro dos pressupostos exigidos pela lei. Nesse caso, injustificadamente para o estado o mais importante e a punição e aplicação de um corretivo para que sirva de exemplo para as demais pessoas não cometerem os mesmos atos.
A realidade ora experimentada de forma escancarada e sem pudor, viola um dos mais importantes princípios constitucionais existentes no estado democrático de direito, que é a isonomia, ou seja, a igualdade de tratamento.
A respeito do tema Canotilho (2003), ensina que o princípio em questão merece dupla aplicação. A primeira, seria a observância da isonomia pelo estado-juiz quando da aplicação do direito ao caso concreto; a segunda, consubstancia-se na obediência ao princípio por parte do legislador na elaboração de leis. Dessa forma, impõe-se aos magistrados a obrigação, por meio do amparo da isonomia, de resolver casos concretos sem o cometimento de discriminações, como também exige do legislador ordinário, que elabore as leis primando sempre pela estrita igualdade material ou formal. Pode-se dizer, portanto, que o legislador tem a obrigação constitucional de conceder tratamento isonômico para situações praticamente idênticas, sob pena de violar preceito constitucional.
Assim - se a sonegação de contribuição social ou previdenciária, a apropriação indébita previdenciária, o descaminho, os delitos contra a ordem tributária tipificados nos artigos 1º e 2º da lei 8.137/90 e o delito de sonegação fiscal - permitem o reconhecimento da suspensão da pretensão punitiva ou extinção da punibilidade em caso de parcelamento ou pagamento integral dos valores devidos, idêntico tratamento impera ser reconhecido aos delitos patrimoniais comuns que, diga-se de passagem, são largamente menos graves à sociedade e semelhantes aos delitos tributários.
O legislador, “data venia” não pode ficar inerte e admitir a aplicação de tais benesses somente aos delitos acima citados, visto que, para Ibrahim (2012, p. 488), elas autorizam uma “verdadeira imunidade penal para contribuintes mais poderosos”, o que, sabidamente, aumenta a desigualdade existente no país, violando, assim, o princípio constitucional da isonomia.
Nesse sentido, Nucci (2012), refletindo a respeito do tema, admite haver um tratamento jurídico desigual conferido pelo legislador e pelo estado a situações praticamente idênticas, afirmando ser necessária a padronização de tratamento para o equilíbrio da situação. O mesmo autor ainda aduz que em se tratando de questões ou valores que interessam mais ao estado, como é o caso do recolhimento de tributos, seu zelo e prestígio são muito maiores do que quando se trata de interesses particulares do cidadão.
Portanto, a equiparação de tratamento no que diz respeito a extinção da punibilidade e suspensão da pretensão punitiva do estado aos delitos patrimoniais comuns é imprescindível, porquanto o bem jurídico lesionado nestas infrações penais é muito menor, em termos de valor jurídico, e por ser imperativa a observância ao princípio da isonomia ou da igualdade de tratamento em casos praticamente idênticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante à pesquisa realizada, de imediato é possível inferir que o arrependimento posterior possui implicações jurídicas distintas quando devidamente configurado e reconhecido nos delitos tributários e patrimoniais comuns. Primeiramente, verificou-se que no âmbito das infrações penais tributárias, a natureza jurídica será de causa extintiva de punibilidade quando ocorrer o efetivo pagamento dos débitos tributários (em qualquer fase da “persecutio criminis”) e de suspensão da pretensão punitiva do estado em caso de adesão ao programa de parcelamento (REFIS ou PAES) pelo agente, salvo decisão do STJ que reconhece a extinção da punibilidade em caso de parcelamento do débito.
Importante, também, é não se olvidar de que a liquidação integral do débito dentro do prazo de parcelamento pactuado garantirá ao agente o direito público subjetivo de ter sua punibilidade declarada extinta.
Por outro lado, no âmbito dos delitos patrimoniais comuns, cometidos sem violência ou grave ameaça à vítima, ( aceitando-se a violência culposa ou contra a coisa) sua natureza jurídica consistirá em causa de diminuição de pena de um terço a dois terços (1/3 a 2/3) – se o agente, dentro do marco temporal estabelecido pelo artigo 16 do CP, voluntariamente reparar o dano ou restituir a coisa à vítima -, ou consistirá em atenuante genérica de pena, prevista no artigo 65, III, “b” do CP, se a reparação ocorrer após o recebimento da peça acusatória pelo Juiz e antes do trânsito em julgado.
Com efeito, essa diferenciação possui notável repercussão jurídica e pode não ser muito benéfica ao agente, uma vez que as atenuantes genéricas de pena não possibilitam a redução da reprimenda penal aquém do mínimo cominado em abstrato, com acontece com as causas de diminuição de pena.
No tocante a integralidade ou parcialidade da reparação do dano, encontrou-se divergência – doutrinária e jurisprudencial -, porém, vem prevalecendo o entendimento do STF de que para que seja possível o reconhecimento da benesse do arrependimento posterior basta a parcialidade da reparação ou restituição.
Sob a ótica dos requisitos para a configuração do instituto do arrependimento posterior, constatou-se serem obrigatórios e cumulativos, sob pena do seu não reconhecimento pelo Magistrado. Quanto ao método para dosar a quantidade de diminuição de pena, a doutrina e jurisprudência caminham no sentido da utilização do critério da presteza ou celeridade da reparação.
Por fim, convém consignar que o Brasil – que se denomina estado democrático de direito - adepto de princípios fundamentais importantes para a convivência pacífica, plena e igualitária de seus cidadãos, consinta com a realidade ora vivenciada em que crimes que violam bens e direitos individuais, menos valiosos para o indivíduo, geralmente cometidos por pessoas de baixa renda e de frágil instrução, seja concedido apenas uma causa de diminuição de pena, levando o agente ao recolhimento carcerário; ao passo que, em crimes tributários, mais graves e violadores de bens jurídicos muito mais valiosos, pois pertencentes a sociedade como um todo, o legislador infraconstitucional conceda um benefício tão primoroso como o é a extinção da punibilidade ou suspensão da pretensão punitiva, como se intencionalmente criasse mecanismos com o intuito de dificultar o recolhimento prisional de pessoas com condições econômicas e com mais facilidade de agir conforme o direito.
Diante disso, seria muito mais justo e ético, por força do princípio da isonomia, e por não haver nenhum fundamento legal e jurídico que justifique a discrepância, estender aos delitos patrimoniais cometidos sem violência e grave ameaça à pessoa - fazendo-se uso, se for o caso, da analogia “in bonam partem” - os mesmos benefícios que hoje são outorgados aos delitos tributários desde que, é claro, estejam todos os critérios da reparação do dano preenchidos.