RESUMO
Este trabalho visa demonstrar a responsabilidade do Estado em face do direito constitucional à Educação Especial e inclusiva de crianças e adolescentes deficientes, superdotados e portadores de TDAH nas redes privadas de ensino. É notável que as instituições públicas de ensino estejam altamente desenvolvidas quanto à educação especial, já que fornecem qualificação a professores e administradores, ambientes adaptados e materiais didáticos aprimorados para cada tipo de deficiência (textos em braile, materiais lúdicos, etc). A motivação para esta pesquisa vem de casa, por possuir uma mãe pedagoga e professora de educação infantil especial. Através de bate-papos, reclamações de pais e o tratamento diferente evidenciado nas redes particulares de ensino surgiu interesse maior pelo tema. O tipo de pesquisa realizada foi a jurídico-exploratória, já que se baseia em conceitos, leis, doutrinas e resoluções definidas sobre o tema, além de buscar identificar os principais problemas e possíveis soluções a fim de trazer à tona um pensamento a ser melhor elaborado e entendido pela sociedade. Aplica-se ao trabalho as abordagens qualitativas e quantitativas, visto que se consideram pesquisas de campo, entrevistas, diálogos e demais fontes de informações que em parte, serão retratados em números, gráficos e estatísticas. Ademais, foi criada uma enquete em rede social, visando levantar dados sobre o conhecimento e opinião das pessoas a respeito do tema foco deste trabalho. Como resultado da pesquisa de campo e entrevistas, evidencia-se a ineficácia da legislação em se tratando do ensino inclusivo nas instituições privadas, leia-se, a falta de regulamentação federal, estadual e municipal. Em certas ocasiões, o ensino educacional a este público nas escolas particulares só é possível devido aos esforços por iniciativa de seus administradores e professores, sem que haja qualquer participação governamental. A omissão do Estado é evidenciada em números disponibilizados pelo IBGE que demonstram o baixo índice de alunos deficientes matriculados no ensino regular.
Palavras-chave: Instituições privadas. Responsabilidade objetiva. Inclusão social.
1 INTRODUÇÃO
Ainda nos dias de hoje, a discriminação, o preconceito e a diferença de tratamento com pessoas deficientes, infelizmente é algo rotineiro na sociedade. Os principais afetados são as crianças e adolescentes, por possuir menor capacidade de assimilação e maior vulnerabilidade, juntamente com mulheres e idosos.
Recentemente, em 2015, foi instituído o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146 de 2015), que entre outras diretrizes, é destinado a assegurar e promover igualdade no exercício dos direitos e garantias fundamentais por pessoas com deficiência. Esta pesquisa disserta a respeito do direito à educação através da inclusão e participação de crianças e adolescentes deficientes nas escolas da rede privada de ensino em igualdade de condições aos demais alunos para o acesso e permanência.
* Bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito de Ipatinga.
** Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil (2021). Professora - Pós-graduação da Universidade Vale do Rio Doce, Brasil.
Trata-se de tema amplamente discutido e controverso entre Administração Pública e instituições privadas. Apesar de a regra ser para todos, por se tratar de direito fundamental corroborado pela Constituição Federal de 1988, na prática há enorme diferença entre as duas instituições. Enquanto nas escolas públicas nota-se que há adaptação de materiais didáticos, ambientes acessíveis e professores dedicados a estas pessoas, nas escolas particulares há dificuldade para aceitação e inclusão. Este problema não fica somente sobre “os ombros” das instituições privadas, já que os valores das mensalidades de todos os alunos matriculados são a fonte de renda e também de investimentos no aparato educacional. Há de se observar que nas instituições públicas, tal investimento é integralmente realizado pelo Ente Federativo. Nas instituições privadas, não existe prestação financeira por parte da Administração Pública, o que se entende incorreto, mesmo que nos contratos de concessão, há expressa definição de que os encargos ficarão por conta do concessionário do serviço público.
Todas as escolas são proibidas de recusar matrículas a alunos, seja qual for a condição biopsicossocial destes. Entretanto, nas escolas particulares em certas ocasiões, há recusa por parte da instituição ao argumento de que não estão preparadas para receber alunos com deficiências e em casos de aceitabilidade, cobram os valores das despesas com profissional de educação especial e material didático adaptado dos pais destes alunos – o que é proibido e punido por lei. É sabido que há a obrigatoriedade de um investimento para adaptação de crianças e adolescentes deficientes nas instituições de ensino, mas questiona-se: o que diz a legislação pátria e moralmente falando, a responsabilidade pelo cuidado destas crianças especiais, pode sair dos braços da Administração Pública e residir somente sobre o particular? Não deve esta responsabilidade ser no mínimo, solidária?
Através da contextualização histórica elaborada neste trabalho, nota-se a grande evolução da sociedade moderna no que tange a igualdade de direitos e oportunidades das pessoas com deficiência, em foco, crianças e adolescentes. No passado não tão distante, foram grandes as injustiças e discriminações sofridas por estes, sem que houvesse punição aos infratores.
Fica evidente que há oportunidade de melhoria nas legislações de âmbitos federais, estaduais e municipais, quando se trata da educação especial. Diversas são as leis que abordam os direitos das pessoas com deficiência, entre eles o acesso à educação inclusiva, carecendo que o tema seja difundido no âmbito do sistema privado de ensino.
Elencados na Constituição Federal de 1988 estão os direitos fundamentais dos brasileiros e estrangeiros aqui residentes, com finalidade de garantir a observância mínima da dignidade da pessoa humana. A Educação é um destes direitos, assim como a saúde, a segurança, o trabalho, etc. Os poderes judiciário, executivo e legislativo, apesar da autonomia entre si, devem trabalhar em conjunto para garantir o cumprimento de normas e leis.
Neste diapasão, evidencia-se que o Poder Público tem total responsabilidade sobre seus atos, entre eles legislar para estabelecer limites relacionados à autorização da execução de serviços públicos por particulares. O ensino é dever do Estado como preceitua a Carta Magna de 19882, podendo ser transferida a prestação ao particular. Porém, não pode a Administração Pública se eximir das responsabilidades inerentes à delegação. Há de promover apoio técnico, financeiro e fiscalizar a execução dos serviços.
Esta pesquisa visa apresentar determinados problemas existentes e possíveis adequações para que a Educação Especial Inclusiva seja realmente funcional e eficaz, dando as mesmas oportunidades de aprendizagem e interação social a todas as crianças e adolescentes, tendo um olhar mais crítico aos profissionais desta área e aos jovens com deficiência, TDAH e superdotação.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL
Em 1961 foi promulgada a Lei 4.024 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) que conceituava o atendimento educacional às pessoas com deficiência, que neste texto eram chamadas de “excepcionais”, termo este que não é mais utilizado nos dias de hoje por estar em desacordo com os direitos fundamentais das pessoas com deficiência.
À época da ditadura militar, foi editada a Lei 5.692 de 1971, que substituiu a anterior LDBEN e fundamentava que as crianças com deficiência seriam matriculadas em escolas especiais, ou seja, era totalmente contrária à inclusão em escolas regulares. Entendimento que foi alterado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, determinando no inciso III de seu artigo 208, que é dever do Estado “garantir atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Ademais, determina nos artigos: 205, que a educação é “um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho”; e 206 “a igualdade de condições de acesso e permanência na escola”.
A redação da Lei 7.853 de 1989 dispõe sobre a integração social das pessoas com deficiência. O que vale ressaltar a respeito da educação, é a obrigatoriedade da inserção de escolas especiais, privadas e públicas e a gratuidade de oferta de Educação Especial em rede pública de ensino. Também garante o acesso a material escolar, merenda e bolsas de estudo para crianças e adolescentes, deficientes ou não.
No ano de 1990 surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069), que garante a crianças deficientes o atendimento educacional, preferencialmente, na rede regular de ensino. Ademais, trabalho protegido ao adolescente com deficiência e prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção para famílias com crianças e adolescentes nesta condição.
A Política Nacional de Educação Especial de 1994 foi um retrocesso para o tema, pois fazia distinção entre crianças deficientes, tentando classificar seus limites de aprendizagem como maiores ou menores. Assim sendo, aquelas que tinham certa “facilidade” em acompanhar as demais crianças, nomeadas à época como “normais”, seriam matriculadas na rede regular de ensino. Já crianças com maiores dificuldades e que exigiam atenção diferenciada, obrigatoriamente se enquadrariam nas escolas de Educação Especial.
Em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases em vigor (Lei 9.394) retoma a ideia da Educação Especial, preferencialmente nas escolas regulares de ensino e que somente será realizado o ensino especializado quando comprovadamente necessário. Também regulamenta métodos, técnicas e recursos para formação de professores de Educação Especial.
O Decreto nº 3.298 de 1999 regulamenta a Lei 7.853/89, consolidando as normas de proteção às pessoas portadoras de deficiência e dá outras providências. O principal objetivo é garantir a integração da pessoa com deficiência no contexto socioeconômico e cultural do país. O texto ainda assegura que a Educação Especial é um complemento do ensino regular e uma linha transversal a todos os níveis e modalidades educacionais.
Surge no ano de 2001 o novo PNE, instituído pela Lei 10.172, substituindo o anterior que fora muito criticado pela sua extensão e número relativamente alto de metas obrigatórias. No mesmo ano com a Resolução CNE/CEB Nº 2, Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, considerou-se que o ensino inclusivo deveria começar na educação infantil, com a possibilidade de substituição do ensino regular pela educação especializada sempre que necessário. Designou também, a obrigatoriedade dos sistemas de ensino em matricular todos os alunos, cabendo às escolas se adequarem para atender aqueles que necessitam de cuidados e atenção especial.
Uma crítica pertinente relacionada ao novo PNE, reforça que não fora disponibilizado nenhum prazo para que as instituições de ensino angariassem fundos para o investimento adequado em sua estrutura e corpo docente. Imediatamente após a publicação da resolução, já estavam obrigadas a oferecer o ensino inclusivo para todos aqueles que necessitam.
A Resolução CNE/CP Nº1 de 2002, trata mais especificamente da formação curricular dos professores, voltando parte do tema para a Educação Especial e inclusiva definindo os critérios e parâmetros para adaptação destes profissionais. Também em 2002, a Lei Nº 10.436 reconhece como meio de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais (Libras), que seria regulamentada em 2005 pelo Decreto nº 5.626.
Um comitê formado no ano de 2006 pelo Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO e Secretaria Especial dos Direitos Humanos elaborou documento que tinha como meta a inclusão de temas relacionados às pessoas com deficiência nos currículos das escolas. Documento este chamado de Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
No ano seguinte, em 2007, um plano de metas criado pelo MEC denominado Todos pela Educação, prioriza em um de seus compromissos o atendimento às necessidades especiais educacionais dos alunos com deficiência nas redes públicas de ensino, reforçando o objetivo de inclusão. Ademais, o Plano de Desenvolvimento da Educação trabalha com a infraestrutura das escolas, abordando a acessibilidade, instalações sanitárias, corpo docente, salas de recursos multifuncionais, entre outros.
Em 2008, o Decreto nº 6.571 dispõe sobre o atendimento educacional especializado (AEE) na Educação Básica e o define como “o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos, organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular”. O decreto obriga a União a prestar apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino no oferecimento da modalidade. Além disso, reforça que o AEE deve estar integrado ao projeto pedagógico da escola. Passa a existir ainda o PNE – Especial que elaborou um roteiro histórico da educação inclusiva no Brasil com o objetivo de auxiliar na criação e modificação de políticas públicas de educação para melhoria contínua no ensino do país.
Com foco em estabelecer o AEE, principalmente nas salas de ensino regular e multifuncionais da educação básica, surge em 2009 a Resolução Nº 4 CNE/CEB que orienta as instituições de ensino a cumprirem o Decreto nº 6.571, que por sua vez, foi revogado em 2011 pelo Decreto nº 7.611, colocando em prática novas diretrizes a respeito da Educação Especial. Entre outras prioridades está a de que a inclusão deve ocorrer em todos os níveis de ensino e ao longo de toda a vida do aluno. Para mais, corrobora que a Educação Especial deve ocorrer preferencialmente na rede regular de ensino, obrigando as escolas a se adaptarem para receber alunos portadores de deficiência.
Em 2012, uma nova conquista para o tema nasce com a Lei 12.764 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Ou seja, determina que sejam observadas as necessidades especiais da pessoa autista, tópico que ainda causava controvérsias à época.
Mesmo com o atual PNE atualizado em 2014, há certa polêmica no tema da Educação Especial inclusiva. Observa-se que no texto ainda consta a palavra “preferencialmente” abrindo lacunas e dividindo interpretações, ocasionando que crianças deficientes ainda tenham dificuldades em serem matriculadas na rede regular de ensino, pois, esta parte do documento permite que sejam enviados às instituições com caráter especial. Atualmente a meta do PNE é a de “Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados”.
Por conseguinte, em 2019 o Decreto nº 9.465 cria a Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação, extinguindo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). A pasta é composta por três frentes: Diretoria de Acessibilidade, Mobilidade, Inclusão e Apoio a Pessoas com Deficiência; Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos; e Diretoria de Políticas para Modalidades Especializadas de Educação e Tradições Culturais Brasileiras.
3 LEGISLAÇÃO FEDERAL CORRELATA
Além da Constituição Federal de 1988, outras leis específicas e decretos legislativos garantem direitos às pessoas com necessidades especiais através da definição de normas e adequações que devem ser incorporadas tanto pela iniciativa privada como pelo poder público.
A lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) é a criadora de tanta polêmica e é o dispositivo legal utilizado pelas escolas particulares para defenderem sua posição. As obrigações impostas nesta lei, que são constitucionalmente do poder público, foram estendidas à iniciativa privada como se as adaptações ali elencadas fossem inerentes à atividade já exercida naqueles estabelecimentos. O artigo 28 desta mesma lei cria um rol exaustivo de medidas a serem adotadas por essas instituições para que se tornem aptas a receber alunos com qualquer tipo de deficiência, que desejam se matricular e cursar o ano letivo nestas instituições. Observe o que diz a lei: Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: § 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações. (BRASIL, 2015).
Neste contexto, importante salientar as formas de financiamento da educação escolar: por um lado, tem-se a rede pública que é financiada pelos tributos e, do outro lado a rede privada, financiada na forma da lei 9.394/96 (autofinanciamento), regulada pela lei 9.870/99, e que, diferente da primeira, encontra limites no poder econômico das famílias que optam pelo ensino particular. Diante disso, os alunos que estudam na rede pública estão de fato gozando de um direito fundamental garantido por uma política pública, diferente do que acontece com o alunado da iniciativa privada que não possui apoio governamental para exercício do mesmo direito constitucional.
A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (COFENEN) apresentou Ação Direta de Inconstitucionalidade buscando afastar as obrigações impostas pelo Estatuto às instituições privadas de ensino, especialmente no que tange a proibição de repasse de custos ao consumidor deficiente, além de inúmeras providências previstas nos artigos 28 e 30 deste Estatuto. Neste sentido, em 9 de junho de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou constitucionais as normas questionadas do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Apesar do julgamento da ADI 5537, a aplicação desta lei ainda continua sendo extremamente questionada, tendo em vista também a falta de preparo, principalmente técnico, das instituições que passarão a atender um público para o qual não têm formação.
No ano de 1990 com a publicação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), surge uma nova visão da Administração Pública para com crianças e adolescentes, tornando-os ainda mais importantes para o Estado Democrático de Direito na visão jurídica. Institui entre outras disposições, o direito à integração social através, principalmente, da educação, sem que haja nenhum tipo de discriminação. Salienta ainda que a educação é direito fundamental de toda criança e adolescente e devem ser protegidos pelo Estado, pela sociedade e por todas as instituições públicas ou privadas.
O ECA reitera que crianças e adolescentes como pessoas humanas em processo de desenvolvimento, possuem os direitos à liberdade, respeito e dignidade, sem que haja qualquer tipo de atitude constrangedora, vexatória ou difamatória a seu desfavor. O Estatuto visa também, o desenvolvimento social, preparo para cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando entre outros, o que está elencado em seu artigo 53, inciso I: “[...] igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.
Esta pesquisa aborda várias transcrições da Legislação pátria que são contraditórias, produzindo interpretação diversa e nesse contexto, evidencia-se mais uma delas, encontrada na Lei 8.060 de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. (BRASIL, 1990).
Veja, a lei supracitada obriga os pais ou responsáveis de uma criança deficiente a efetivar sua matrícula em uma instituição da rede regular de ensino, mas permite uma interpretação para a Administração Pública oferecer, preferencialmente, o ensino na rede regular. Repisadamente esta pesquisa traz à tona a necessidade implícita de reforma das leis inerentes ao tema da educação especial inclusiva, principalmente nas redes particulares de ensino. A Administração Pública encontra lacunas na legislação para deixar de prover incentivo técnico-financeiro às instituições privadas e ainda assim exigir que estas forneçam um serviço totalmente de acordo com suas diretrizes.
3.1 Acesso ao atendimento educacional especializado em Minas Gerais
O Governo de Minas Gerais, através de sua Secretaria de Educação anualmente divulga informações a respeito dos procedimentos para matrícula de crianças e adolescentes deficientes, com superdotação e TDAH nas redes estaduais de ensino – AEE’s. Acontece que estas instituições não estão incorporadas em todas as cidades do Estado, o que dificulta o acesso de grande parte do alunado específico. Além do mais, restringe a matrícula de crianças e adolescentes deficientes na rede regular de ensino, já que segue diretrizes da legislação federal que determina ser preferencial a inclusão.
Do mesmo modo, como acontece em algumas cidades do Estado de Minas Gerais, os pais se veem obrigados a transferir seus filhos que possuem deficiências, das redes estaduais para as municipais regulares que estão adaptadas à educação inclusiva, pois o Estado preconiza que suas matrículas devem ser efetivadas nas AEE’s.
Há contrariedade também nas diretrizes estaduais, além das federais já abordadas nesta pesquisa. Em sua cartilha referente à Educação Especial, a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais disserta que: a educação é necessariamente inclusiva, pois, parte do princípio que todos têm direito de acesso ao conhecimento em escolas próximas às suas residências, em etapas de ensino correspondentes às suas faixas etárias.
Nota-se grande divergência nas diretrizes governamentais, já que no mesmo documento, assim como no Decreto nº 6.571 de 2008, visualiza-se que:
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) tem como função complementar ou suplementar a formação do estudante por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem (o ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), do BRAILLE, de recursos de acessibilidade, de tecnologia assistiva, de comunicação alternativa, orientação e mobilidade, dentre outros). É realizado no turno inverso da escolarização e não pode caracterizar-se como um espaço de reforço ou de repetição de conteúdos curriculares. (MINAS GERAIS, 2020).
Em outras palavras, fomenta que a criança deficiente estudará em um turno numa escola regular, provavelmente sem apoio técnico especializado e ambiente adaptado e noutro turno será matriculada em uma AEE para que tenha uma complementação do aprendizado. Outra vez, demonstra-se que a articulação do Poder Público para o atendimento à necessidade especial de ensino e inclusão social das crianças e adolescentes deficientes, vai à contramão do que é estabelecido na Constituição Federal de 1988: dignidade da pessoa humana sem que haja qualquer tipo de discriminação.
Dessarte, a Administração Pública se furta de investir e apoiar as instituições privadas de ensino regular, justificando que possui uma AEE que atende esse objetivo. Todavia, a verdade é que não atende. Só existem AEE’s capacitadas para atender o público de crianças e adolescentes deficientes em 49 municípios do Estado de Minas Gerais, que em números correspondem a 5,74% do total de cidades do estado.
Ora, como é possível a Secretaria de Educação elaborar uma cartilha dizendo que todas as crianças e adolescentes deficientes serão matriculadas na AEE mais próxima de seu domicílio, mesmo que esse “mais próximo” seja a centenas de quilômetros? Distinta observação, é que pais de alunos deficientes devem entrar em uma fila onde terão seus casos analisados para que seus filhos possam (ou não), serem matriculados nas AEE’s do estado.
Como se não bastasse os pais terem que matricular seus filhos em duas escolas durante o mesmo período letivo (uma escola regular e uma AEE), comprar materiais escolares para atender os dois turnos, levar em consideração que seus filhos poderão ser deslocados por uma longa distância devido as AEE’s existirem somente em alguns municípios do estado, estes pais de alunos deficientes ainda devem aguardar uma análise dos cadastros de seus filhos para que, após tudo isso, fiquem “aliviados” com a possibilidade de um ensino “semiadequado” aos seus filhos.
Deve o Estado de Minas Gerais criar nova forma de abordagem para o tema, como um programa de investimentos às escolas particulares para que possam fornecer ensino e estrutura adequada à inclusão de crianças e adolescentes deficientes.
3.2 O município de Ipatinga a respeito da educação especial
A Lei Orgânica do Município de Ipatinga data de 1º de Maio do ano de 1990. Estabelece em suas diretrizes condições gerais para educação de crianças e adolescentes. Igualmente, poucos são os artigos que elencam o tema da educação. Através deste trabalho pontuam-se as dificuldades encontradas pelas famílias e as próprias crianças deficientes e como os poderes executivo e legislativo municipais devem intervir na questão. No mesmo sentido, visa-se demonstrar os principais temas que poderão ser discutidos e legislados, facilitando a interpretação e reduzindo a distância para que se alcance o objetivo pretendido.
A seguir transcreve-se o que diz a Lei Orgânica de Ipatinga de 1990, a respeito da educação no município:
Art.193. A educação, direito de todos, dever do Estado e da família, será promovida e incentivada pelo Município de Ipatinga, em colaboração com a Sociedade, com base nos princípios da democracia, liberdade de expressão, solidariedade e respeito aos direitos humanos, constituindo-se em instrumento do desenvolvimento da capacidade de elaboração e reflexão crítica da realidade.
Art.194 O ensino no Município de Ipatinga será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - Igualdade de condições para o acesso, frequência e permanência na escola;
[...]
Art.197 A garantia da Educação pelo Poder Público estará assegurada por:
III - atendimento educacional especializado ao aluno portador de deficiência, ao infra e superdotado, na rede regular de ensino, com garantia de recursos humanos, material, equipamento público adequado e de vaga em escola próxima à sua residência;
IV - Subvenções, apoio e incentivo às entidades especializadas, públicas e privadas, sem fins lucrativos, que desenvolvem atividades de atendimento ao portador de deficiência; (IPATINGA, 1990).
É evidente que a cidade de Ipatinga necessita de dispositivos legais que sejam mais claros e específicos a respeito do tema. Na legislação municipal não há o que se dizer sobre Educação Especial Inclusiva, mesmo sendo praticada nas escolas da rede pública. O que a Administração Municipal faz é se enquadrar nas diretrizes estaduais e federais, pois há omissão na própria Lei Orgânica da Cidade. Os representantes do poder público de Ipatinga (Prefeito, Vice-Prefeito, Vereadores, Secretários, etc) precisam ter a sensibilidade de que é imprescindível a elaboração e adequação de Leis Municipais específicas a despeito da Educação Especial.
Não se trata de tarefa impossível para os legisladores pois, o tema já é amplamente discutido no estado de Minas Gerais e no país. Existem leis estaduais e federais, porém possuem várias lacunas, em parte, apresentadas neste trabalho. São estas lacunas que devem ser preenchidas inicialmente pela legislação municipal. A preocupação do executivo e do legislativo de Ipatinga não pode estar somente focada na Educação Especial de escolas da rede pública. Deve-se entender que o número de crianças deficientes matriculadas e que irão se matricular na rede particular é bem significativo e, mesmo que não fosse, há de se voltar os olhos para este público; deve-se também instaurar medidas punitivas mais severas para as entidades que se recusam a matricular crianças e adolescentes deficientes, além de cobrar valores extras para compra de materiais didáticos e contratação de professores especializados, pois, esta obrigação não pode ser transferida das escolas para as famílias, muito menos o dispêndio ser diluído nas mensalidades de todas as crianças matriculadas, fazendo com que os pais e familiares arquem com uma despesa que é constitucionalmente do Poder Público.
4 EDUCAÇÃO PARA TODOS
Previsto no Artigo 6º da Carta Magna de 1988, o direito à educação é de ordem social, ou seja, pertence a todos os brasileiros, sem distinção de sexo, raça, cor, religião e ressalta-se aqui, sem discriminação às pessoas deficientes. O atendimento ao portador de necessidades especiais, segundo a Constituição Federal de 1988 é dever primordial do Estado, que estabelece:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; [...]
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos.
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (BRASIL, 1988).
Há de se destacar que uma pequena palavra do artigo supracitado em seu inciso III, causa enorme divergência interpretativa: “preferencialmente”. O fato de o legislador ressaltar este termo, denota que não será obrigatória a inclusão de crianças deficientes na rede regular de ensino. Termo que pode também ser utilizado de forma discriminatória, para que instituições particulares se oponham a matrícula destas crianças em seus quadros de alunos, alegando, entre outras justificativas, que devem ser matriculadas nas redes especializadas, públicas ou privadas, como as AEE.
Entretanto, na legislação pátria há definições e deveres do Estado e da sociedade em geral que definem como obrigatória a aceitação de crianças e adolescentes deficientes em qualquer instituição de ensino, à escolha de seus tutores. Logo, não se pode retirar a obrigação dos Entes Federativos e transferi-la aos administradores das instituições privadas. Esta pesquisa aborda as responsabilidades objetiva do Estado e subjetiva das instituições particulares de ensino.
Constantemente há relatos de familiares de crianças e adolescentes com deficiência que sofrem com o preconceito na sociedade em geral; péssimas condições de ensino e acessibilidade; baixa (ou quase nenhuma) aceitação nas escolas particulares; discursos de professores de educação especial que não conseguem ser empregados em escolas da rede privada, além de outros problemas que serão elencados no decorrer desta pesquisa. Tal mote está atrelado a uma questão muito maior que inclui baixo investimento em políticas públicas dessa natureza e não se fala em qualificação profissional para diretores e professores de escolas particulares.
Não raro se observa que algumas escolas particulares não possuem condições de arcar com todo o investimento exigido pela legislação para que se tornem aptas a fornecer um ensino inclusivo, razão pela qual oneram as mensalidades dos alunos que possuem deficiência, além de exigirem o pagamento de materiais didáticos e profissional especializado na área. Tudo isto proibido normativamente, senão vejamos o que diz parte da Lei 7.853 de 1989:
Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa:
I - Recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência; [...]
§ 1º Se o crime for praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 (dezoito) anos, a pena é agravada em 1/3 (um terço). (BRASIL, 1989).
Nenhuma escola, seja da rede pública ou privada, pode recusar a matricula de um aluno, ou exigir que os pais de uma criança deficiente paguem o salário e despesas de um profissional especializado. A Administração Pública e as escolas particulares por vezes fogem de suas responsabilidades, empurrando para os pais este encargo. Também não se pode aceitar que o custo para adaptação das crianças deficientes seja incluído nas mensalidades dos demais alunos matriculados naquela instituição.
As crianças e adolescentes deficientes, superdotadas ou possuidoras de TDAH, que com muita dificuldade são aceitos e matriculados nas escolas da rede privada, vez ou outra sofrem “preconceito qualificado”, se é que se pode utilizar esta expressão. Uma vez que, além de serem vistos com outros olhos pela direção de algumas destas escolas, podem ser expostos ao ridículo devido à forma de tratamento sofrido. Em certos casos, conta-se que as demais crianças que tiveram a matrícula realizada sem dificuldades, são instigadas a ridicularizarem aqueles que já sofrem preconceito, como forma dos pais desistirem de mantê-los na escola. É inadmissível que crianças sejam ensinadas a discriminar, quando deveriam aprender a incluir aqueles considerados deficientes. Afinal, ninguém nasce racista ou desrespeitando alguém, a não ser que seja ensinado a isto.
Ademais, faz-se necessário que os agentes fiscalizadores (secretarias de educação) sejam mais rigorosos quanto aos critérios utilizados para liberação de funcionamento das novas escolas, punições para aquelas que descumprem a legislação e até interdição daquelas reincidentes e que foram punidas pela justiça. Todo ano novas escolas são inauguradas, mas não oferecem condições de ensino e acessibilidade para crianças com deficiência. Por isso, “preferem” recusar suas matrículas e indicar outros estabelecimentos que estejam adequados, do que propriamente se adequar.
É aí que deve entrar o Poder de Polícia da Administração Pública, definido como “a prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade.” (Carvalho Filho, 2011, p.70), impedindo que tais escolas, creches e berçários da rede privada entrem em funcionamento. Não se pode aceitar que sejam inauguradas em descumprimento com a lei, para que após atingirem certo lucro, se adequem.
Mesmo que a Educação Especial seja tema amplamente difundido no Brasil, na rede privada, tema tratado por esta pesquisa, faz-se necessária intervenção urgente da prefeitura, câmara de vereadores, Estado e responsável da Administração Pública, além da conscientização e adequação dos estabelecimentos para que as crianças e adolescentes deficientes possam ter o direito à educação deveras fornecido.
Igualmente como qualquer outro cidadão, crianças e adolescentes (com uma atenção especial aos deficientes, superdotados e que possuem TDAH) devem ser tratados com respeito, carinho e cuidado por parte dos Entes Federativos, instituições de ensino, profissionais de educação e sociedade.
4.1 Diferenças entre educação especial e educação inclusiva
A Educação Especial diz respeito ao atendimento específico de crianças e adolescentes deficientes em instituições especializadas de ensino. A educação inclusiva objetiva inserir estas crianças e adolescentes em salas de aula nas escolas “comuns” (ensino regular).
Conceituando de forma sintetizada e concisa têm-se que a Educação Especial trata-se do atendimento a alunos com deficiências motoras ou intelectuais, TDAH e superdotação em instituições especializadas, como escolas para surdos, escolas para cegos ou escolas para atender pessoas com deficiência intelectual e física, por exemplo, a APAE e a AEE. A Secretaria de Educação Especial do MEC (SEESP), por sua Política Nacional de Educação Especial (PNEE) que orienta oficialmente os serviços públicos nesta área, considera a Educação Especial como sendo: “[…] um processo que visa a promover o desenvolvimento das potencialidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas típicas ou altas habilidades, e que abrange os diferentes níveis e graus do sistema de ensino.”
Fundamenta-se em referenciais teóricos e práticos compatíveis com as necessidades específicas de seu alunado. O processo deve ser integral, fluindo desde a estimulação essencial até os graus superiores de ensino. Sob esse enfoque sistêmico, a educação especial integra o sistema educacional vigente, identificando-se com sua finalidade, que é a de formar cidadãos conscientes e participativos (BRASIL, MEC/SEESP,1994, p.17)7.”
Já a Educação Inclusiva é um processo em que se amplia à inclusão de todos os alunos com necessidades educativas especiais em escolas de ensino regular. Educação inclusiva é o processo que ocorre em escolas de qualquer nível preparadas para atender a todos os alunos, inclusive aqueles que possuem deficiências de aprendizado, locomoção, interação, etc.
A inclusão escolar é uma forma de inserção em que a escola comum tradicional é adaptada para ser capaz de acolher qualquer aluno incondicionalmente e de propiciar-lhe uma educação de qualidade. Na inclusão, “as pessoas com deficiência estudam na escola que frequentariam se não fossem deficientes. (SASSAKI, 1998, p. 8).” Além disso, objetiva a formação continuada para o professor, com previsão e provisão de recursos necessários à sua capacitação.
Em uma breve análise, pode-se avaliar que ainda falta conhecimento das pessoas a respeito do tema, sendo necessário que o Poder Público realize campanhas de conscientização para que o assunto seja difundido em todos os níveis da sociedade. É importante falar em conscientização a fim de que, além de educar nas escolas as crianças para que seja possível uma inclusão total, realize-se também uma educação familiar.
4.2 O ensino privado como serviço público
A educação é dever do Estado, como preceitua o artigo 205 da Constituição Federal de 1988. Sabe-se que para instituições privadas regulares fornecerem ensino, recebem Autorização da Administração Pública, assumindo riscos e encargos. Nota-se, porém, várias contradições a respeito deste tema. Sendo dever do Estado, questiona-se como poderia ser transferido a outrem.
Também menciona a Carta Magna de 1988, que deve o Estado, fornecer igualdade de condições para o acesso e permanência dos alunos nas instituições de ensino. Nesse sentido, não é aceitável que instituições privadas possam recusar matrículas de alunos deficientes e pior, funcionar sem possuir condições mínimas de acessibilidade a este público. Veja a seguir, o que abordou Carlos Roberto Jamil Cury em seu artigo “A educação escolar no Brasil: o público e o privado”:
Se a educação escolar implica a cidadania e seu exercício consciente; se ela qualifica para o mundo do trabalho; se é ao menos na etapa do ensino fundamental, gratuita e obrigatória, e progressivamente obrigatória no ensino médio; se a educação infantil é também dever do Estado; se ela visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, como retirá-la dos objetivos fundamentais da República do Brasil postos no artigo 3 da Constituição? Como não tê-la como serviço público de caráter próprio? O caso das instituições privadas voltadas para a educação encaixa-se na ressalva do parágrafo único do artigo 170 da Constituição. "É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei" (Brasil, 1988).
Esse "salvo nos casos previstos em lei" adapta-se perfeitamente às exigências constitucionais do artigo 209 da Lei Maior, explicitado no artigo 7 da LDB e em outras dimensões da normatização legal.
Assim, a autorização de funcionamento das instituições de ensino de caráter privado, para efeito da oferta dos serviços de educação escolar, consiste em ato administrativo vinculado, espécie de delegação de serviço público (Barbosa, 1947, p. 31) próprio do Estado. A coexistência assinalada no artigo 206 da Constituição torna-se relativa ao cerne da titularidade do exercício da função de ensinar. O Estado tem a titularidade plena e o exercício pleno. Já a iniciativa privada possui uma titularidade compartilhada mediante condições, entre as quais a autorização e a avaliação de qualidade, de acordo com o artigo 209. (CURY, 2006).
Verifica-se no caso das instituições privadas, que apesar de assumirem o risco ao receber autorização do Estado para prestarem o serviço de ensino, não pode se omitir a Administração Pública de proporcionar apoio técnico e financeiro, assim como fiscalizar as referidas instituições.
As escolas particulares em alguns casos alegam que a responsabilidade pelos custos e investimentos para atendimento às necessidades das crianças deficientes, são exclusivamente do Estado e que a cobrança destes valores é inconstitucional. Defendem que a recusa e dificuldade na aceitação e matrícula destes alunos em suas unidades, não ocorre por preconceito ou discriminação, mas sim pela onerosidade excessiva que tais alunos trarão.
Reforçam que o custo para com esse alunado é de responsabilidade do Poder Público. Como este se “omite”, as instituições privadas são “obrigadas” a colocarem o custeio na conta dos pais e responsáveis pela criança deficiente ou dividir o encargo na mensalidade de todas as crianças matriculadas. Também alegam as escolas particulares, que na rede pública, os professores são formados e capacitados para tal, além de melhoria de acessibilidade e materiais didáticos adaptados (tudo isto por conta da Administração Pública).
Ressalta-se que na rede pública de ensino, todos os encargos são custeados através de tributos em que toda a sociedade “participa”. As verbas repassadas às escolas e secretarias são oriundas de impostos, taxas e outras fontes de renda da Administração. Na rede privada, não há que se falar em verba repassada. Há somente investimento dos próprios administradores, o que aparenta ser inconstitucional, já que o Estado é parte indispensável na responsabilização por educação e ensino.
4.3 Da Responsabilidade Objetiva do Estado
Quando alguém exerce uma atividade que representa interesses de outrem, classifica-se este ato como função. Quando a atividade desenvolvida é representando os interesses da coletividade nomeia-se Função Administrativa, que consiste em dar cumprimento às leis, normas, atos, etc. de maneira geral ou individual, para se obter a chamada finalidade pública. Ao se falar em Administração Pública, subentende-se pela atividade desenvolvida pelo Estado ou por quem é delegado por ele, que se destina a atender as necessidades de interesse coletivo.
A função administrativa desenvolvida pelas instituições de ensino é descentralizada, uma vez que, a Administração Pública Direta transfere a prestação do serviço para o particular. No caso, os administradores das instituições privadas não ficam subordinados à Administração Direta que somente manterá o controle e realizará fiscalização. Essa descentralização é delegada mediante contrato de concessão, permissão ou autorização, dependendo do caso e somente é delegada a execução do serviço público.
Conceitua-se “Responsabilidade Objetiva do Estado" como sendo a obrigação imposta às pessoas jurídicas governamentais a pagar indenização em decorrência de ações e omissões de agentes públicos, no exercício da função, que acarretem danos a terceiros, quer os danos derivem de atos ilícitos, quer de atos lícitos (MAZZA, 2 EBOOK Princípios Administrativos, p.78). Observe o §6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 1988).
Entretanto, esta pesquisa não visa discutir danos ou culpas e sim investimentos e responsabilidades. Neste contexto, faz-se referência à legislação brasileira que permite uma ação cautelar do Estado ou da sociedade para prevenir que os danos ocorram, demonstrando preventivamente o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”. Objetiva-se nesta pesquisa demonstrar esses requisitos através de controvérsias, situações semelhantes, números e opiniões.
Quanto ao tema Responsabilidade Objetiva do Estado, não pode este se eximir de participar ativamente da educação de crianças e adolescentes (aqui tratados os que possuem deficiências), seja na rede pública ou privada – mesmo que nas instituições particulares, o serviço público seja executado por terceiro. Trata-se neste caso de uma omissão estatal, constituindo fato gerador da Responsabilidade Civil do Estado e pretende-se aqui, demonstrar que a Administração Pública deve se responsabilizar por investimentos e apoio técnico-financeiro e não por danos causados, pois neste caso, não será possível se recuperar o bem jurídico tratado neste trabalho, que é o direito fundamental de crianças e adolescentes deficientes à educação.
Na responsabilidade objetiva o Estado responde com base na conduta de seus agentes ou delegatários, o nexo de causalidade e as consequências dele resultantes. Exemplificam-se estes três requisitos no caso da omissão da Administração Pública em auxiliar financeiramente as instituições privadas para que se adaptem à educação inclusiva ou no caso de autorizar o funcionamento de escolas particulares que não possuem o mínimo de estrutura exigida para receber alunos deficientes.
Em se tratando de risco administrativo, não há que se falar em excludentes de responsabilidade, que exigem: caso fortuito e força maior; conduta exclusiva da vítima; e fato de terceiro. Como culpar uma criança por ser deficiente ou culpá-la por ser superdotada ou possuir TDAH e recusar sua matrícula em uma instituição de ensino com base nestes argumentos?
Ainda na Responsabilidade Civil do Estado, não é exigível que se tenha ilicitude na conduta do ato. Exige-se sim, que os danos sejam anormais e específicos, ou seja, que excedam o limite do razoável. É o caso de se adaptar uma escola para receber crianças deficientes ou realizar um concurso público para que professores especializados possam ser contratados por estas instituições.
A Administração Pública possui poderes, instrumentos através dos quais o Poder Público buscará atingir o interesse da coletividade. São poderes obrigatórios e irrenunciáveis, observando os limites da competência. Entre esses poderes está a fiscalização dos serviços públicos, sejam eles exercidos pela própria Administração Pública ou por particulares. No caso de descumprimento de normas estabelecidas para a prestação daquele serviço público, deverá a Administração, exercer o Poder de Polícia, estabelecendo sanções ao particular.
Outro poder de competência da Administração Pública é o de delegar. Para isso, surge o instituto dos contratos administrativos, que são celebrados entre o Ente Público e o particular. Dentre outras características deste contrato está a participação do Estado, não podendo se eximir da contribuição no serviço público, por menor que seja a participação. Tudo isto devido a principal finalidade de todo serviço público que é atender às necessidades da coletividade.
Discorrendo sobre serviço público, este é definido como aquele prestado direta ou indiretamente pela Administração, regidos por normas estatais, visando atingir os interesses coletivos. Nota-se seu fundamento na Constituição Federal de 1988:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
[...] II - os direitos dos usuários;
[...] IV - a obrigação de manter serviço adequado (BRASIL, 1988).
Já citada nesta pesquisa, a forma de prestação do serviço público pelas instituições privadas de ensino é a descentralizada através da delegação pela Administração Pública, que entre outros princípios, deve ser regida pela Eficiência, pela Regularidade, pela Continuidade e pela Impessoalidade. Daí então se fala em ser um serviço social que atende a necessidade coletiva essencial. Conforme previsto no art.37, §3º da Constituição Federal de 1988:
A lei disciplinará as formas de participação do usuário na Administração pública direta e indireta, regulando especialmente as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços (BRASIL, 1988).
Para tanto foi elaborada e publicada a Lei 13.460 de 27 de junho de 2017, que disciplina os direitos dos usuários dos serviços públicos, não afastando a obrigatoriedade da Administração Pública em continuar cumprindo outros deveres previstos, a exemplo de normas estabelecidas pelo MEC ou pelo Código de Defesa do Consumidor. Estas duas aqui citadas, por estarem de acordo com o tema pesquisado. A Lei 13.460 de 2017 deve ser aplicada subsidiariamente aos serviços públicos prestados por particulares, no caso em tela, o ensino nas instituições privadas.
Logo, usuário, conforme a Lei 13.460 de 2017 é quem utiliza o serviço público, este por sua vez, trata-se da atividade de prestação direta ou indireta de serviços à coletividade. O usuário do serviço público – nunca é demais ressaltar – tem direito à adequada prestação dos serviços, exercidos através de diretrizes elencadas pela lei supracitada, como: cortesia, acessibilidade, igualdade no tratamento, vedação de qualquer tipo de discriminação, manutenção de instalações seguras, acessíveis e adequadas ao serviço, entre outras. Estabelece também a lei que os usuários possuem liberdade de escolha entre os meios oferecidos e poderão apresentar manifestações perante a Administração Pública quando não tiverem seus direitos observados.
Constata-se, porém, que nem sempre os usuários de serviço público possuem realmente os direitos elencados pela Lei 13.460 de 2017. Quão difícil é para uma criança deficiente se adequar às condições de ensino, principalmente nas instituições privadas que não possuem apoio direto do Poder Público. Não é visto que a administração cumpre papel essencial em favor destas crianças, pois não podem contar com o principal responsável por sua educação fora do seio familiar, que é o Estado. Não há uniformidade nos ensinos particulares, como há nas instituições públicas, sem menosprezar, obviamente os profissionais e as instituições da rede privada. Entretanto, fica evidente que a Administração Pública é omissa e se esconde em brechas para deixar de prestar serviço tão indispensável quanto a educação.
Elencados abaixo, estão alguns projetos, leis e instituições que demonstram como é contraditória a Administração Pública quando se trata da responsabilidade constitucional do Estado em fornecer serviços para a coletividade sem que haja qualquer tipo de discriminação e será exemplificado como é possível destinar recursos governamentais às instituições privadas, assim como incentivar financeiramente o ensino educacional especializado nas escolas regulares de ensino particular.
4.3.1 AEE – Atendimento Educacional Especializado
Para que se efetive o dever da Administração Pública com as pessoas que possuem deficiência, é necessário que sejam garantidos direitos mínimos para acesso e permanência nas instituições de ensino. Através do FUNDEB9, anualmente o governo distribui verbas para educação básica em todo o território nacional. Entre estas verbas está incluso investimento para as AEE’s (instituições de Atendimento Educacional Especializado), que são entidades públicas ou privadas, exclusivamente dedicadas ao ensino de crianças e adolescentes deficientes, com TDAH e superdotados.
Neste diapasão, importante salientar que uma das diretrizes obrigatórias para funcionamento de tais instituições é a não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência.
De mais a mais, o investimento dedicado a estas instituições, engloba o aprimoramento técnico dos profissionais da educação, implantação de salas com recursos multifuncionais, formação de gestores, adequação arquitetônica de prédios e instalações a fim de tornar acessíveis todos os ambientes, elaboração e distribuição de recursos educacionais, entre outros.
No entanto, a diretriz destacada acima determina que os investimentos devem ser disponibilizados às escolas públicas e às instituições privadas, sem fins lucrativos, que se dediquem exclusivamente ao ensino de crianças e adolescentes deficientes, como contextualiza o inciso VIII, artigo 1º da Lei 7.611/11. Texto este que contradiz o artigo 3º da própria lei, o qual está transcrito abaixo:
Art. 3º São objetivos do atendimento educacional especializado:
I – Prover condições de acesso, participação e aprendizado no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes;
II – Garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; (BRASIL, 2011).
Como será possível garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular, se a lei sobredita delimita que serão destinados recursos somente às instituições exclusivas do atendimento especial? Seria também impossível prover condições de acesso a todos os estudantes, já que a própria lei limita o público alvo deste investimento.
Percebe-se que o legislador “deu com uma mão e tirou com a outra”. Ao elaborar a Lei 7.611 de 2011, num primeiro momento em seu artigo 3º, produz esperanças de que será possível dedicar parte de um fundo de investimentos ao público de crianças e adolescentes deficientes, determinando garantias para que sejam abrangidos nas escolas regulares de ensino e num segundo momento através de outro artigo elimina tal possibilidade sem qualquer justificativa ou menção de como seria feita a dita transversalidade, quando não se observasse os investimentos anteriormente citados.
4.3.2 Possibilidade de dedução do Imposto de Renda para escolas particulares
A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência aprovou proposta que permite às escolas privadas de educação básica deduzir do Imposto de Renda devido, o valor de bolsas integrais de estudo que eventualmente forneçam a pessoas com deficiência.
Pelo texto, a dedução se limita ao valor correspondente de 5% da oferta total de vagas, por série e turno, pelos estabelecimentos. Ainda pela proposta, as escolas deverão destinar pelo menos 5% de suas vagas a esses estudantes. O texto aprovado é um substitutivo apresentado pelo deputado Dr. Jorge Silva (SD-ES) ao Projeto de Lei 8525/17, do deputado Áureo (SD-RJ). A principal novidade do substitutivo é que ele permite o ingresso desses alunos bolsistas com deficiência em universidades federais. A condição é que tenham sido preenchidas as vagas destinadas aos alunos egressos das escolas públicas.
Para tanto, o texto altera a Lei das Cotas (12.711/12), que hoje reserva 50% das vagas nas universidades federais para estudantes que tenham cursado todo o ensino médio em escolas públicas, com prioridade para negros, indígenas e pessoas com deficiência. “Preenchidas as vagas nas instituições federais de educação superior priorizando aqueles oriundos da escola pública, deve ser facultado também o acesso ao aluno com deficiência que cursou o ensino médio em instituição privada na condição de bolsista integral”, defendeu o relator. O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será analisado agora pelas comissões de Educação; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (22/10/2018 - Cleia Viana/Câmara dos Deputados). O projeto referenciado é uma possibilidade encontrada para que as escolas particulares possam aceitar matrículas de alunos com deficiência sem cobrar valor excessivamente oneroso, desconforme com a legislação e que dificultam o ingresso destas crianças na rede privada. Na cidade de Ipatinga não há nenhum projeto de lei do tipo, porém é algo que pode ser discutido entre os legisladores, administradores das escolas e sociedade. Por não existir nenhum subsidio ou apoio financeiro por parte da Administração Pública para estas entidades, a dedução torna-se um incentivo à rede privada. Porém o que não pode ocorrer é a diminuição de responsabilidade por parte do Estado em fiscalizar escolas, já que “facilitarão” a matrícula de crianças e adolescentes deficientes nos estabelecimentos privados.
Há um embasamento legal para que o tema seja convertido em lei e está descrito na Lei 13.005/15 Plano Nacional de Educação – Art. 5º, § 4º. O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Federal de 1988 e a meta 20 do Anexo desta mesma lei, engloba os recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal de 1988 e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da CF/88.
4.3.3 Resolução 96 de 2009 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ
Um dos objetivos principais da Administração Pública é a promoção da cidadania e neste sentido, o CNJ elaborou no ano de 2009 uma resolução que dispõe sobre o projeto Começar de Novo. Tem por objetivo promover a ressocialização de egressos do sistema prisional, dando a oportunidade de reintegração no mercado de trabalho. O projeto é elaborado com a participação dos órgãos do poder público, das entidades privadas e da sociedade. São ações de inclusão produtiva, qualificação e proteção social familiar. Pois bem. Se compete à Administração Pública a reinserção social dos apenados, compete também (e, principalmente) a integração e inicialização das crianças e adolescentes deficientes no meio social – leia-se: escolas, creches e demais instituições de ensino.
Compreende-se um pensamento bastante positivo dos órgãos públicos ao objetivar que os egressos do sistema prisional possam ter uma segunda chance, possibilitando a recolocação no mercado de trabalho e no meio social. Contudo, necessário é, concentrar também esforços para possibilitar que crianças deficientes possuam uma “primeira chance”, criando programas e melhorando a inclusão destas em instituições privadas de ensino, já que na hasta pública nota-se um avanço significativo.
Dificílimo é, acolher que o Estado se omita e transfira o alto custo de inclusão de crianças e adolescentes deficientes nas escolas privadas aos administradores e também às famílias que possuam seus pequenos matriculados nestas instituições.
Seguindo a ordem do princípio administrativo da Impessoalidade, que representa o ideal de justiça comum, não deve a Administração Pública fazer distinção entre pessoas quando da defesa do interesse público. Deve impedir discriminações e privilégios a certa parte da população. Portanto, deve-se buscar a igualdade de condições de ensino entre crianças matriculadas nas redes públicas e particulares regulares, sejam elas deficientes, possuidoras de superdotação, TDAH ou não. Todos são iguais perante a Lei e a ordem, não devendo sofrer distinção em nenhuma hipótese. Adverte-se que o número de crianças deficientes matriculadas nas redes regulares de instituições privadas ainda é pequeno, principalmente se comparados às instituições públicas.
4.3.4 Programa de Parcerias de Investimentos (PPI)
Em setembro de 2016 com a publicação da Lei 13.334, surge o Programa de Parcerias de Investimentos, que tem como base a celebração de contratos de parceria entre o Estado e a iniciativa privada visando à execução de empreendimentos de infraestrutura e outras medidas. Podem integrar o PPI, os empreendimentos já em execução ou os que ainda estão em projeto. Nessa parceria, a iniciativa privada recebe investimentos da Administração Pública para executar as obras de infraestrutura da União. Além do mais, os empreendimentos que forem executados através desta lei, recebem prioridade nacional.
Os objetivos do PPI, em resumo, são a ampliação de oportunidades de investimento, geração de empregos, estímulo ao crescimento industrial, desenvolvimento social e econômico do Brasil como um todo, promoção da competição entre prestadores de serviços e outros.
Bem como no objetivo desta pesquisa acadêmica, que visa buscar reconhecimento e responsabilização estatal no que tange aos investimentos e apoio técnico-financeiro às instituições privadas de ensino regular para oferecerem adequadamente inclusão às crianças e adolescentes deficientes, com superdotação e que possuem TDAH, o Programa de Parcerias de Investimentos é regido pelos princípios da Legalidade, da Transparência, da Eficiência, da Impessoalidade e da Garantia da Segurança Jurídica.
Não é impossível, portanto, trabalhar a ideia de que a Administração Pública possa criar um programa de incentivo e investimento para apoiar o ensino especial nas instituições privadas do país. Recusa-se a acreditar que não é de interesse do Estado promover condições adequadas de acessibilidade, igualdade, aprendizado e principalmente dignidade da pessoa humana para crianças e adolescentes deficientes.
4.3.5 Acessibilidade para pessoas com deficiência nas salas de cinema
Em Medida Provisória recente (MP 917 de 2020), adotada pelo Presidente da República Jair Bolsonaro e aprovada pelo Congresso Nacional, houve alteração do Artigo 125 da Lei 13.146 de 2015 (Estatuto da Pessoa com deficiência) para dispor sobre a acessibilidade de pessoas com deficiência às salas de cinema em todo o território nacional. A MP aumenta o prazo até 1º de janeiro de 2021 – anteriormente era 1º de janeiro de 2020 – para que estes estabelecimentos se adequem e ofereçam condições acessíveis às pessoas com deficiência.
O Brasil é um dos primeiros países a oferecer tal projeto, oferecendo tecnologia que permite o acesso de pessoas com deficiência visual, auditiva e com autismo, adaptando as salas de cinema para integração total deste público. O projeto que já é desenvolvido pela ANCINE desde 2016 estabelece a adaptação de cadeiras para deficientes nas fileiras da frente dos cinemas, descrição de áudio nas legendas e janela para tradução em libras nas telas dos cinemas, entre outras adequações.
A mudança já está acontecendo aos poucos em várias salas de cinema pelo país, apesar de depender de grande investimento por parte de seus administradores. Importante salientar que é uma ampla conquista para o público deficiente, que mais do que nunca, necessita ser incluído na sociedade de uma forma geral. Público este que em sua maioria já está inserido em várias atividades culturais, indicando grande potencial de consumo para o mercado.
O que ocorre é que talvez, o mercado não esteja tão interessado neste público, por isso se faz necessário ainda mais, melhorar e difundir a inclusão das pessoas deficientes na sociedade. Seja no mercado de trabalho, nas escolas – e principalmente devemos começar tal inclusão por aí – ou atividades culturais. Para Ronaldo Bettini Júnior e Thais Ortega da ETC filmes: "A Lei Brasileira de Inclusão, sancionada em 6 de julho de 2015, representa um marco regulatório e legislativo para o Brasil, uma vez que nenhuma outra lei foi desenvolvida de forma tão aberta e democrática, podendo influenciar outras nações a entenderem que pleitos como inclusão e acessibilidade devem ser tratados como prioritários nas políticas públicas”.
Demonstra-se, portanto, mais um exemplo de ações desenvolvidas pelo Poder Público para tornar cada vez mais possível a total inclusão das pessoas deficientes no meio social. Evidente que a inclusão destas pessoas tão especiais a partir da educação infantil, sendo obrigatória, facilitará significativamente que sejam aceitas nos mercados de trabalho, cultural, entre outros.
Todas as ideias para que tenhamos êxito no tema inclusão são válidas e devem ser analisadas. Nesta pesquisa evidenciamos e damos contexto a ideia de que a inserção de crianças e adolescentes deficientes, superdotadas e com TDAH nas instituições de ensino, públicas e particulares, obrigatoriamente deve ser integralmente realizada.
4.4 Estatísticas e comparações entre os ensinos regular e especial
Observa-se nos dias de hoje o aumento significativo da inclusão de crianças e adolescentes deficientes na rede pública de ensino. Porém, este número na rede particular ainda está longe de ser satisfatório. O número de matrículas da educação especial chegou a 142.098 em 2019, um aumento de 28% em relação a 2015. O maior número de matrículas está nos anos iniciais do ensino fundamental, que concentra 38% das matrículas da Educação Especial. Quando avaliada a diferença no número de matrículas entre 2015 e 2019 por etapa de ensino, percebe‐se que as matrículas de ensino médio cresceram 194,2% (Dados do Censo da Educação Básica do Estado de Minas Gerais).
Quando comparados os dados da educação inclusiva, observa-se que a rede federal possui o maior percentual de alunos matriculados. Nas instituições privadas, do total de 28.932 alunos deficientes matriculados, somente 6.202 (21,4%) estão em classes comuns, longe do que é desejado.
Além dos números na rede privada estarem abaixo do ideal, visualiza-se uma diferença significativa entre turmas de ensinos básico, fundamental e médio, em comparação com a rede pública. A partir de dados coletados do censo da educação básica, foram elaborados pelo autor desta pesquisa, gráficos comparativos entre os ensinos regulares no país, no Estado de Minas Gerais e também na cidade de Ipatinga-MG. Os dados mostram a quantidade de alunos deficientes matriculados em cada etapa de ensino. Entretanto, as matrículas são exclusivamente realizadas nas redes especiais e não nos ensinos regulares, que é o ideal desejado e contextualizado na pesquisa aludida, com a exemplificação de vários modelos e situações propostas para o alcance deste objetivo.
Os resultados referem-se à matrícula inicial na creche, pré-escola, ensino fundamental e ensino médio (incluindo o médio integrado e normal magistério), e na Educação de Jovens e Adultos presencial fundamental e médio (incluindo a EJA integrada à educação profissional) da Educação Especial, das redes estaduais e municipais, urbanas e rurais, em tempo parcial e integral e o total de matrículas nestas redes de ensino (gráficos elaborados pelo autor desta pesquisa com base nos dados do Censo da Educação Básica retirados do Portal INEP).
5 EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA: DO ÍNTIMO AO LEGISLADO
Como toda pesquisa, esta aqui elaborada, surgiu a partir de um interesse pelo tema que amadureceu após aprofundamento em leituras, reportagens, pessoas conhecidas que possuem filhos deficientes, mas sobretudo, dois foram os principais nortes que motivaram a escolha deste arrastado autor: o grande dom de minha amada mãe em ser educadora, primeiro como catequista e por conseguinte, professora que se especializou em educação especial; e, meu diagnóstico de TDAH, que fez com que sentisse na pele as dificuldades em igualar-se aos demais, sem que houvesse qualquer forma de ensino diferenciado ou adaptado e que pudesse me ajudar a alavancar os estudos, que auxiliasse à inclusão no meio social e encontrasse oportunidades de crescimento profissional.
Ao iniciar os meus debates internos a respeito de qual tema escolher para o Trabalho de Conclusão de Curso, estava em dúvida entre dois outros temas, não menos importantes, mas que foram derrotados por este tratado em minha pesquisa. Ao questionar minha querida mãe o que a motivou a se dedicar ao ensino de crianças e adolescentes deficientes e quais as maiores dificuldades que encontrava neste meio, tive então, a resposta que nocauteou as outras duas teses:
Quando pensei em ser professora, queria lecionar para o ensino médio. História. Ser professora de História. Mas ao fazer estágio como assistente de professor de Educação Especial, me apaixonei de vez. O sentimento profundo que senti ao conhecer um catequizando com Síndrome de Down (na época em que era catequista), que tinha um sonho de fazer a primeira Eucaristia, comecei a fazer cursos preparatórios na área e a estudar. Ao vê-lo receber a comunhão e ver a alegria dos seus familiares, não tenho palavras para expressar o sentimento profundo que senti. Depois tive outro catequizando com TDAH em nível avançado e um belo dia entro na sala e vejo escrevendo Amém no quadro. Imagine a minha felicidade! Inexplicável. Estou escrevendo isto para relatar que como cidadã e mãe sobre o tema, quero dizer que as crianças especiais são tão especiais que elas nos transformam em pessoas melhores para que assim possamos chegar até elas (GICÉLIA, mãe deste autor e professora de Educação Especial).
Emocionante cada palavra. Lendo novamente, fica claro evidenciar que não foi tão difícil escolher o tema. Na mesma conversa que tive com minha mãe sobre os motivos que levaram a sua nobre escolha pela profissão e posteriormente a deste autor pela pesquisa, falamos também sobre as dificuldades encontradas nas salas de aula, com os pais e como ela via as ações da Administração Pública para mitigação destes problemas:
As dificuldades encontradas tanto no ambiente escolar ou até mesmo na catequese, vão desde as estruturas físicas das instituições, a falta de formação de professores e catequistas, falta de amor e dedicação pela área escolhida, ou seja, professor de Educação Especial. Os próprios pais das crianças que não aceitam que seus filhos são portadores de algum transtorno; os ambientes escolares, ou até mesmo as igrejas onde se ministram as aulas ou os encontros da catequese, foram construídos sem adaptações para receber crianças especiais, já que foram construídos por uma sociedade preconceituosa. Hoje em dia existem escolas preparatórias. Várias instituições que fornecem formações de ótima qualidade. Cursos e excelentes profissionais como, psicólogos, psiquiatras... já que tanto um quanto o outro, fazem parte diariamente da vida da criança portadora de necessidades especiais. E somente estes profissionais da saúde que estão capacitados para fazer a anamnese das respectivas crianças para que nós da Educação Especial possamos fazer o nosso trabalho. Mas ainda falta muito para ser feito, para que estas crianças sejam inseridas e tenham uma educação e formação de qualidade. Sabemos que a educação pública é responsabilidade dos Governos Estadual, Municipal e Federal. O principal objetivo do Governo é erradicar o analfabetismo de vez do Brasil, para isso criou muitas alternativas das políticas públicas voltadas para educação. Tem uma frase do Governo que acho a melhor de todas para resumir melhor: A educação como sempre afirmamos, é um caminho sólido para o Brasil crescer beneficiando todo o nosso povo. Pois bem, infelizmente a educação está longe de chegar a este objetivo. Faltam desde escolas desprovidas de recursos básicos até mesmo carteiras apropriadas, professores qualificados e pais que hoje em dia transferem a famosa “a educação vem de berço” para as escolas, para nós professores (Gicélia dos Reis Sena Soares, professora de educação especial).
A responsabilidade do Estado para com crianças e adolescentes deficientes matriculados em redes privadas de ensino é o foco principal deste trabalho. Elencamos diversas opiniões doutrinárias, controvérsias e lacunas da legislação, além de exemplificar possíveis medidas a serem tomadas pelo Poder Público para que as instituições privadas tenham apoio técnico-financeiro e possam verdadeiramente oferecer ensino de qualidade. Como citado por uma professora que atendia crianças especiais na educação infantil, é de responsabilidade da Administração Pública a inclusão e manutenção deste alunado nas instituições públicas, obviamente, mas também na rede privada de ensino. Pois questiona-se, qual a diferença para o Estado entre crianças matriculadas nas redes municipais, estaduais, federais e particulares? Não pode haver diferenças, todos são iguais perante à lei.
Amadurecendo o interesse pelo tema da Educação Especial, antes mesmo de elaborar um projeto para tal, conversei com uma amiga, mãe de uma criança que possui TDAH avançado. Seu filho estudava em escola particular no município de Ipatinga/MG, que não possuía um professor dedicado a ele, mas eram poucos alunos em sala de aula. Porém, seu filho não conseguia aprender o necessário e ela resolveu transferi-lo para uma escola da rede municipal. Transcrevo abaixo o que foi dito por ela:
Ele estava na escola particular, Pingo de Gente. Mas ele ainda tem muita dificuldade. O médico vai aplicar medicamentos agora. Trouxe ele para o Barnabé. Se não me engano é a escola pública padrão de acompanhamento a crianças deficientes, especiais. Por isso trouxe ele pra cá. Todas as crianças com dificuldades ou especiais são acompanhadas. Na particular era uma professora para 8 (oito) alunos. Tinha mais atenção do que em uma escola pública normal com 30 (trinta) alunos na sala (LUCIANA LOIOLA, mãe de um aluno com TDAH).
Após nossa conversa, tive a ideia de entrar em contato por e-mail e mensagens com algumas escolas particulares de Ipatinga/MG e com a secretaria de educação do município, para saber mais a respeito das políticas de ensino a crianças deficientes, as dificuldades e o que poderíamos fazer para mitigar os desvios encontrados.
Até a elaboração deste trabalho, recebi respostas somente de três escolas, uma delas tão arrogante que resolvi não citar. As outras duas prontamente se dispuseram a conversar e responder perguntas, porém devido à pandemia do novo Corona Vírus e as regras de isolamento, não consegui visitar a Escola Educação Criativa, mas agradeci seu interesse na tentativa de ajudar. Já a Escola Pilar, através de uma funcionária, foi também muito solicita ao me enviar uma mensagem por celular e dar algumas informações para que pudesse incluir nesta abordagem:
Então, certeza de quantos alunos eu não tenho não, mas se eu não me engano são poucos, 3 (três) ou 4 (quatro), todos autistas. Nesse momento não existe outros alunos com outro tipo de deficiência não. Tem muito aluno que faz uso da Ritalina, mas por TDAH. Dependendo do grau de autismo e das necessidades do aluno portador, ele recebe sim material adaptado. Ah, uma coisa, se o aluno precisar de auxiliar somente pra ele, a escola disponibiliza, mas acho que é pago a parte pelos pais. Apoio financeiro da Prefeitura e do Estado não tem não, por ser uma escola privada né? (MALU FLAMINI, funcionária da Escola Pilar, Ipatinga/MG).
Compreende-se, que a escola fornece apoio a seus alunos autistas e com TDAH. Contudo, o material adaptado disponibilizado, não pode ser pago pelos pais. Cita-se nesta pesquisa, o dispositivo legal que proíbe tal ato. Também elencada em tópicos anteriores, está a falta de apoio dos entes governamentais às instituições privadas. E, com tantas citações sobre esta omissão, questiono se a Administração Pública não considera os funcionários, professores e alunos de escolas particulares como brasileiros, sendo que não estão cobertos pelo “guarda-chuvas” do Estado.
Segui meu interesse pelo tema. Aqui me lembro da segunda razão que me fez escolhê-lo: meu diagnóstico há alguns anos de TDAH. Ao receber do médico o laudo de um exame que fiz em Belo Horizonte/MG, após um longo período de falta de concentração e dificuldades enormes em ler e estudar coisas simples, logo questionei-o, pois eu conseguia me dedicar integralmente em algumas atividades. Competia no boxe e no Handebol, por exemplo. Como uma pessoa com déficit de atenção poderia se dedicar e chegar a um alto nível em dois esportes diferentes? O médico sorriu e me disse que pessoas com TDAH poderiam sim se dedicar em alto nível a atividades de grande interesse e eu me assustaria em saber de alguns grandes gênios que possuíam o mesmo diagnóstico.
Ao retornar para casa em Ipatinga/MG, me vi dedicado em alto nível em aprender sobre um novo tema: TDAH. Fiz várias leituras, pesquisas e abordagens. E realmente me espantei ao visualizar os nomes daqueles que possuíam este (que hoje considero como um dom, uma dádiva) diagnóstico: Albert Einstein, Michael Jordan, Steve Jobs, Bill Gates, Paris Hilton, Will Smith, Jim Carrey, Michael Phelps e Adam Levine – que deu uma entrevista em 2015 dizendo aquilo que pessoalmente, me faria entender melhor o que eu tinha:
Quando eu fui diagnosticado com TDAH, não foi uma surpresa porque eu sempre tive dificuldade em manter o foco na escola. E eu acho que, mesmo agora, as pessoas enxergam meu transtorno no dia a dia. Quando eu não consigo prestar atenção, eu não consigo mesmo (LEVINE, 2015).
Percebi imediatamente que grandes gênios da humanidade, pessoas incríveis que se tornaram exemplos nas suas áreas e também para a sociedade em geral, mostrando perseverança, dedicação e enorme força de vontade para vencer, eram especiais, no sentido mais puro da palavra. Quando iniciei esta pesquisa, logo me lembrei de cada um que se dedicou a vencer, mas também, daqueles que sofrem o preconceito, a discriminação e a dificuldade para se incluir no meio social sendo diferente dos demais.
Após alguns anos, já na segunda metade do curso de Direito, iniciei os estudos da matéria de Direito Administrativo e de imediato se tornou uma paixão. Vi que era um dos motivos principais por escolher tal graduação, além de querer também ajudar pessoas. Ao mesmo tempo que comecei a me dedicar a este trabalho, me via estudando para a segunda fase da sonhada prova da OAB e óbvio que a matéria escolhida não poderia ser outra. Não conseguia me concentrar em sala de aula nas outras matérias aplicadas, não conseguia me dedicar tanto aos demais estudos e em momento algum culpo o TDAH por isto. Mas dou total crédito a mim mesmo pelo esforço de chegar até aqui e principalmente por escolher o Direito Administrativo.
Por não possuir uma codificação, talvez seja a matéria mais temida pela maioria dos estudantes de direito e prestadores de concursos. Mas não para mim, que acho ser uma grande vantagem, pois, são vários os locais onde se pode evidenciar a conclusão de um mesmo tema, são várias opiniões doutrinárias e queria um dia elaborar uma tese própria, algo que pudesse levar a frente. Surgiu assim, concomitantemente ao tema escolhido a dedicação por encontrar na legislação formas de preencher a lacuna utilizada pela Administração Pública para delegar aos particulares o dispêndio financeiro para acessibilidade e inclusão de crianças e adolescentes deficientes em suas instituições.
Como falado inicialmente, não trata esta pesquisa de culpar o Poder Público e identificar formas de ressarcimento aos danos causados. Queremos demonstrar a Responsabilidade Objetiva do Estado e com isto, tornar possível e legal que este disponha recursos, investimentos e apoio às instituições privadas de ensino regular para que possam oferecer um ensino inclusivo de qualidade aos alunos deficientes sem onerar as mensalidades destes ou dissolver os valores gastos nos investimentos dos administradores das escolas.
Visando demonstrar motivos para que a responsabilidade por estes investimentos seja suportada somente pelo Estado, buscamos na legislação esparsa (uma das vantagens do Direito Administrativo), formas legais para tanto e encontramos algo. A Lei 7.347 de 1985 disciplina a Ação Civil Pública, que determina as ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e dá outras providências. Vejamos uma breve descrição de seu objetivo:
Art.1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
[...] IV – a qualquer outro interesse difuso;
[...] VIII – ao patrimônio público e social. (BRASIL, 1985).
A Constituição da República de 1988, por sua vez, em seu capítulo II, artigo 6º, caput, versa:
Art.6º São direitos sociais a educação, a saúde a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
É como se pudéssemos, para evidenciar os motivos citados neste trabalho, elaborar uma petição inicial propondo uma Ação Civil Pública. Além do mais, a legislação permite que seja proposta com pedido de tutela de urgência, no nosso caso, a responsabilidade pelo Estado quanto aos investimentos e apoio técnico-financeiro às escolas particulares de ensino regular para que se adaptem e forneçam uma educação inclusiva de qualidade e nos ditames da legislação pertinente. Arrisca-se em breves parágrafos, exemplificar de forma informal, a exemplo de petição inicial, a tese citada.
5.1 Dos Fatos
Dá-me os fatos que lhe darei o direito. Abordaremos os possíveis legitimados para propor Ação Civil Pública, pleiteando cautelarmente a assistência do Estado para com às instituições privadas de ensino regular e sua Responsabilidade Objetiva quanto à inclusão de crianças e adolescentes deficientes ali matriculados. Poderão propor a ação vários legitimados, mas suponha-se que as próprias instituições privadas queiram integrar o polo ativo ou então solicitar a intervenção do Ministério Público para tanto. Vejamos novamente a Lei 7.347 de 1985, desta vez em seus artigos 5º e 6º:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – O Ministério Público;
[...] IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V – a associação que concomitantemente:
a) Esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) Inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção (BRASIL, 1985).
No caso das instituições privadas, podem estas, quanto sociedades de economia mista, integrar a lide como requerente; também poderia solicitar ao Ministério Público que protocolize a inicial; assim como entidades de apoio ou com o objetivo próprio de auxílio às crianças deficientes, propor esta ação.
Evidencia-se o descaso da Administração Pública com a educação das crianças e adolescentes deficientes, superdotados ou que possuem TDAH, matriculados nas instituições privadas de ensino regular, muito mais preocupada em cobrar impostos das ditas instituições e exigir que cumpram as obrigações cominadas pelas leis de acessibilidade e dos direitos das pessoas com deficiência, do que com o verdadeiro objeto pesquisado, qual seja, a inclusão deste alunado no ensino educacional regular privado e consequentemente sua inserção na sociedade.
Não pode o Estado exigir ou se ocupar de brechas para que crianças e adolescente deficientes sejam matriculados em escolas especializadas e dedicadas somente a este público, pois a sociedade e o mercado de trabalho exigem que sejam incluídos para que possam sobreviver em condições dignas.
Importante salientar, que o Estado oferece formas de adaptação em sociedade para outros públicos, por exemplo, os egressos do sistema prisional que possuem apoio à reintegração social como forma de incentivo para que não cometam novos delitos e sigam com uma vida normal, usufruindo de uma segunda chance; regulamenta e obriga que certas instituições privadas disponibilizem uma porcentagem de suas vagas para contratação de pessoas que se enquadrem neste público. Fora da obrigatoriedade e exigência de que empresários e administradores os contratem, há o lado positivo da medida que visa oportunizar um recomeço aos egressos do sistema prisional brasileiro.
5.2 Do Direito
O Direito não socorre aos que dormem. Inauguramos este tópico demonstrando o que a legislação dispõe a respeito dos direitos intrínsecos nos fatos supramencionados. A Administração Pública, ao não oferecer investimento e apoio técnico-financeiro às escolas particulares de ensino regular para que se adequem e suportem a inclusão de qualidade às crianças e adolescentes deficientes, além de violar direito fundamental à educação estabelecido em nossa Constituição, viola também, outros dispositivos legais e princípios constitucionais que versam sobre o mesmo direito por parte dos usuários de serviços públicos e a obrigatoriedade de disponibilização destes serviços por parte dos Entes Federativos. Vejamos os artigos 4º e 5º da Lei 13.460 de 2017:
Art. 4º Os serviços públicos e o atendimento do usuário serão realizados de forma adequada, observados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia.
Art. 5º O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes:
I – urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários;
IV – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação;
V – igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação;
VIII – adoção de medidas visando a proteção à saúde e a segurança dos usuários;
X – manutenção de instalações salubres, seguras, sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento. (BRASIL, 2017).
Manifestos todos os direitos elencados nos artigos acima a respeito do tema desta pesquisa, as crianças e adolescentes deficientes têm o direito a acesso, inclusão e permanência nas escolas regulares de ensino, sejam elas públicas ou privadas. Direito que deve ser disponibilizado obrigatoriamente pelo Estado, sem que este se furte de sua responsabilidade. Ainda, o artigo 6º, inciso X da Lei 8.078 de 1990, que disponibiliza as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, estabelece “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral (BRASIL, 1990)”.
O Estado brasileiro, através de seu Ministério da Educação, se mostra omisso à educação de sua população, principalmente crianças e adolescentes deficientes e deve priorizar o atendimento ao objetivo destes, pois necessitam urgentemente de um ensino regular acessível. Resta fundamentar ainda, o descumprimento de princípios diretamente ligados à Administração Pública, como os da Regularidade, da Continuidade, da Eficiência, da Efetividade, da Legalidade e da Moralidade.
Além de ser um direito, a Educação inclusiva é uma resposta inteligente às demandas do mundo contemporâneo. Incentiva uma pedagogia não homogeneizadora e desenvolve competências interpessoais. A sala de aula deveria espelhar a diversidade humana, não escondê-la. Claro que isso gera novas tensões e conflitos, mas também estimula as habilidades morais para a convivência democrática. O resultado final, desfocado pela miopia de alguns, é uma Educação melhor para todos. (MENDES, 2012, p.10).
5.3 Da tutela de urgência
O artigo 300 do Código de Processo Civil de 2015, concede aos magistrados o poder de determinar liminarmente a concessão de tutela de urgência desde que sejam demonstrados os requisitos necessários, vejamos: “Art. 300 A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil ao processo (BRASIL, 2015).”
Podemos exemplificar em situação como descrito nos capítulos anteriores desta pesquisa, os três elementos essenciais para deferimento da cautelar em Ação Civil Pública. Mas, analisando melhor, resta mesmo provar a incidência destes elementos quando falamos de educação? Ou não há probabilidade do direito de uma criança, adolescente ou qualquer brasileiro de estudar? Quanto ao perigo de dano, fica evidente ao demonstrar que uma criança ou adolescente deficiente matriculado na rede privada de ensino, por falta de apoio ou incentivos do Estado, não conseguirá aprender, se manter atento, participar da sociedade e futuramente se incluir no mercado de trabalho.
Igualmente, o risco ao resultado útil se resta demonstrado somente por citar o tema inclusão. O direito à prestação de atendimento educacional, seja ele na rede pública ou privada, a crianças deficientes ou não, não pode ser discutido, visto que é expressamente disposto como fundamental em nossa Constituição. Nem mesmo a Administração Pública está isenta de tão importante dever e nota-se a Responsabilidade Objetiva desta, sendo obrigada liminarmente a prestar o apoio e investimentos necessários.
5.4 Dos pedidos
Ante todo o exposto, e como forma de arremate, requer-se seja concedido a concessão da tutela de urgência para o imediato atendimento da Administração Pública no que tange aos investimentos técnico-financeiros às instituições privadas de ensino regular para que possam prestar educação inclusiva de qualidade, sem discriminação e para todos, principalmente crianças e adolescentes deficientes, superdotados e que possuem TDAH.
O desafio, agora, é avançar para uma maior valorização da diversidade sem ignorar o comum entre os seres humanos. Destacar muito o que nos diferencia pode conduzir à intolerância, à exclusão ou a posturas fundamentalistas que limitem o desenvolvimento das pessoas e das sociedades, ou, que justifiquem, por exemplo, a elaboração de currículos paralelos para as diferentes culturas, ou para pessoas com necessidades educacionais especiais. (GLAT; BLANCO, 2009, p.16).
É evidente que há a opção pela conciliação – o que já deveria ter ocorrido, seja por audiência pública ou por reuniões. Importante é que o Poder Público assuma a responsabilidade por seus atos e pare de exigir que o particular arque com obrigações que pertencem ao Estado. “Lutar pelos direitos dos deficientes é uma forma de superar as nossas próprias deficiências (John F. Kennedy).”
6 CONCLUSÃO
Este trabalho visa alavancar e discutir possíveis soluções para que crianças e adolescentes deficientes, com superdotação e TDAH, possam receber nas escolas particulares, o mesmo aprendizado e condições de acesso que recebem crianças deficientes matriculadas na rede pública. Não se trata de trazer à tona polêmicas ou conflitos gerados até hoje nestas entidades para com estes alunos especiais. O que realmente traz desconforto são as contradições nas legislações que difundem o tema.
Grande é a falta de preocupação do Estado com o público contextualizado aqui, tão especial e tão importante para a sociedade como um todo. Foram exemplificadas formas que a Administração Pública encontra para fomentar diversas outras atividades e públicos. Então, deve também criar projetos e incentivos para este público específico. As crianças são o futuro da nação e devemos começar hoje o investimento e preparação de sua inclusão social, principalmente os mais necessitados.
Não se pode admitir também, que diretores, donos e administradores das escolas particulares “escolham” quais alunos poderão ser matriculados. Somente aqueles alunos de “outdoor” poderão se matricular? Alunos autodidatas, com facilidades em aprender, comunicativos; somente estes têm o direito de estudar em uma escola da rede privada de ensino? Não é isso que diz nossa legislação. O Estado não pode se omitir e transferir tão importante responsabilidade, mas fica óbvio que as próprias instituições também devem contribuir para solucionar o problema. Não pode haver um jogo de empurra-empurra. As crianças e os pais não têm culpa de a legislação ser interpretativa e causar dúvidas e brechas na sua aplicação.
Todos possuem o direito à educação, assim como é dever de todos possibilitar este direito. Se os pais de crianças deficientes desejam matricular seus filhos em uma escola particular, é porque imaginam que pode ser melhor para seu aprendizado. O que não se pode é permitir que a Administração Pública e as instituições tornem este pensamento errôneo.
Para que a inclusão realmente aconteça e garantir-se que todas as crianças e adolescentes realmente possam aprender, nas escolas de Ipatinga, Minas Gerais e do Brasil, é preciso que a Administração Pública fortaleça a formação de professores; crie uma boa rede de apoio para alunos, familiares, sociedade, docentes e gestores; estabeleça quais os limites da legislação; organize um programa de incentivo e apoio às instituições privadas de ensino regular para que forneçam uma educação inclusiva de qualidade; e principalmente identifique quais são as lacunas existentes na legislação e as preencha, evitando assim interpretações negativas e prejudiciais para crianças e adolescentes deficientes na lei. A Educação (Especial) é um direito e um dever de todos os cidadãos.
Em todas as leis, doutrinas e artigos visualizados nesta pesquisa, há em comum alguns ideais, como: universalidade do direito à educação, melhoria de qualidade da educação, superação de desigualdades no meio estudantil, o respeito aos direitos humanos, promoção da inclusão social e no mercado de trabalho, etc. Todas estas coisas, baseadas nos ditames da ética e da moral que são os princípios basilares de qualquer sociedade. Mas, ao compararmos a teoria com a prática (demonstrada nos gráficos e pesquisas deste trabalho), identificamos que estamos longe de uma paridade de ideais.
No entanto, não se pode dedicar todos os recursos do Estado somente a creches, escolas e demais instituições públicas e deixar que as redes particulares sejam custeadas por seus administradores dividindo a responsabilidade pelo investimento com as famílias que possuem crianças ali matriculadas.
Verifica-se ao final desta dissertação, que há omissão e descumprimento de princípios constitucionais por parte do Poder Público com nossas crianças e adolescentes considerados especiais. Falta apoio técnico, financeiro e estrutural às instituições privadas. É inadmissível que a responsabilidade do Estado seja integralmente transferida aos administradores, familiares e educandos das escolas particulares. Ainda mais inaceitável é, que a Administração Pública se adentre em brechas de sua própria legislação, contradizendo-se ao exigir que os particulares e sociedade cumpram o que ele próprio não executa. Ou seja: Faça o que eu digo, mas não faça o que faço.
“Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos”. (PITÁGORAS, no ano 500 a.C.)