INTRODUÇÃO
A Constituição Federal estabelece expressamente que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I), apesar disso, nota-se com muita freqüência práticas discriminatórias contra a mulher. Nesse sentido, ressaltamos que não pode haver critérios de discriminação entre homens e mulheres, a não ser aqueles descritos na própria Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho.
Justifica-se tratar a mulher com distinção em situações inerentes à sua própria condição física, como a proibição de levantamento de certa quantidade de peso (art. 390 CLT), do trabalho durante a licença maternidade (art. 7º, XVIII CF).
Infelizmente, é grande o número de mulheres que recebem salários menores do que os dos homens para executarem as mesmas funções, bem como têm menos acesso a promoções nas empresas, sem falar que o assédio moral e sexual no trabalho atinge mais as trabalhadoras do que seus colegas homens.
A questão que desejamos levantar é que se homens e mulheres são equiparados em direitos e obrigações, não podendo haver qualquer discriminação por ordem constitucional, por que motivo então as mulheres continuam sendo minoria na ocupação de cargos de comando e recebem salários inferiores aos dos homens?
No curso desse trabalho demonstraremos quais as principais práticas discriminatórias contra a mulher nas relações de trabalho, e que tais práticas podem ocorrer na fase pré-contratual, como no curso da relação de trabalho.
A lei nos revela quais práticas são consideradas abusivas, e que quando cometidas, permitem à trabalhadora pleitear danos morais, por expressa violação de direitos fundamentais como o princípio da dignidade humana, igualdade e proteção do mercado de trabalho da mulher.
As mulheres devem ter o mesmo acesso e iguais oportunidades de trabalho que os homens, buscando afastar toda e qualquer forma de discriminação. Buscamos apontar soluções para que a discriminação da mulher nas relações de trabalho seja diminuída e que os empregadores possam responder por essas práticas abusivas, através da devida reparação, como forma de desestímulo a novas práticas lesivas.
A eliminação da discriminação e a promoção da igualdade devem contar com mecanismos legais eficientes, além dos próprios profissionais do Direito que desempenham importante papel na reposição da justiça nos casos de discriminação.
Assegurar a igualdade é o elemento chave para a eliminação da discriminação com base no sexo e promover assim a igualdade de gênero. O objetivo é mostrar que apesar de todo o avanço legislativo visando à proteção da mulher ainda assim não se garante a não-discriminação nas relações trabalhistas. Espera-se com este trabalho contribuir para a reflexão do papel da mulher no mundo do trabalho, motivando a busca pela igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS CONTRA A MULHER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Os atos discriminatórios contra a mulher podem ocorrer em vários momentos, até antes da relação de trabalho existir, como na fase pré-contratual, durante a seleção das futuras empregadas, como por exemplo, no ato de pedir atestado de gravidez, ou deixar de empregar a pessoa por esta ser homossexual, sendo possível nesses casos pleitear danos morais, já que é evidente a incidência de constrangimento e sofrimento à pessoa.
Pode a discriminação ocorrer também durante a prestação do serviço, através de ofensas verbais dirigidas à empregada. Nota-se também a discriminação posterior ao contrato de trabalho, na fase pós-contratual, quando a empregada já deixou de prestar serviços para o empregador, e este a difama, denigre sua imagem, dificultando notoriamente seu reingresso ao mercado de trabalho. É um assunto de extrema relevância, pois pode atingir as trabalhadoras antes mesmo que exista a relação de trabalho.
A discriminação no trabalho pode manifestar-se em diversos momentos, por ocasião do acesso ao emprego (antes da contratação), durante a vigência do contrato de trabalho ou, até mesmo, após a extinção do pacto laboral. (NOVAIS, 2005, p. 32).
A seguir abordaremos as principais práticas discriminatórias contra a mulher nas relações trabalhistas.
DISCRIMINAÇÃO ESTÉTICA
A beleza possui um caráter subjetivo, que está vinculado ao senso de cada um, sendo decorrência de sua formação cultural, o que acaba por definir o que é belo de forma muito singular. Cada cultura possui sua concepção do que seja “o belo”, e o que é bonito para um, pode não sê-lo para outro.
Justamente por possuir essa relatividade, não se admite que a beleza seja usada como critério para admissão na relação de trabalho, sendo irrelevante considerá-la para o desempenho da atividade profissional. O que deve prevalecer é a análise da capacidade profissional da trabalhadora em relação à função que vai exercer.
A admiração pela beleza passa a ser um problema quando este critério subjetivo se torna uma das variantes consideradas para que um trabalhador consiga, mantenha ou progrida em seu emprego. À discriminação de uma pessoa por sua aparência dá-se o nome de discriminação estética (CALIL, 2007, p. 69).
Infelizmente é comum mulheres serem discriminadas em vagas para emprego devido a sua aparência, e essas práticas decorrem da ditadura da beleza, imposta pela sociedade, através da supervalorização de padrões estéticos.
No que concerne às mulheres, os fatores estéticos usados para discriminar são normalmente o excesso de peso, a altura, a presença de manchas e cicatrizes. Esses traços não podem ser tomados como razão para discriminar, a menos que:
As discriminações sejam compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados pela Constituição (MELLO, 2009, p. 17).
Nessa esteira, citamos como exemplo somente a admissão de mulheres para um concurso da polícia feminina, nesse caso, não há afronta ao princípio da isonomia por existir relação entre a função a ser exercida e o fator exigido para a contratação.
Em contrapartida, se o empregador exige na contratação que a candidata à vaga seja alta, sem a existência de plausibilidade para o requisito exigido, haverá afronta ao preceito constitucional, justamente por que “fator objetivo algum pode ser escolhido aleatoriamente, isto é, sem pertinência lógica com a diferenciação procedida” (MELLO, 2009, p. 18).
DIFERENÇA SALARIAL
Apesar de haver um arcabouço jurídico sobre essa questão, o salário da mulher continua menor em relação ao valor pago aos homens. A Convenção de nº 100 promulgada pela OIT em 1951, trata da igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor.
Assim como a CLT no artigo 5º estabelece que a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo, e o artigo 461 do mesmo diploma preceitua que sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
Note-se que para haver equiparação salarial é necessário que o trabalho apresente as seguintes características: a) igualdade de valor (mesma produtividade e perfeição técnica); b) que seja para o mesmo empregador; c) que o trabalho seja executado na mesma localidade; d) com tempo de serviço inferior a 2 anos na função; e) simultaneidade (os trabalhadores devem prestar ou terem prestados serviços simultaneamente); f) inexistência de quadro organizado de carreira.
Importante preceito também está contido no artigo 7º, inciso XXX, ao proibir a diferença salarial, de exercícios de funções, e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Nota-se a preocupação do legislador em buscar a justiça, com relação às oportunidades que todos devem ter, independente do seu estado civil, cor, e sexo, na busca pela obtenção de um emprego.
Entretanto, apesar de toda a proteção garantida pelas leis, a realidade se mostra outra quando a mulher ingressa no mercado de trabalho e continua a receber salários inferiores quando comparados aos valores pagos aos homens.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou o estudo Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas, datado de 08 de março de 2012 e que apresenta o quadro da mulher no mercado de trabalho. Vejamos trechos extraídos da pesquisa:
Ele revela que o rendimento das mulheres continuou inferior ao dos homens. Em 2011, elas recebiam, em média, 72,3% do salário masculino, proporção que se mantém inalterada desde 2009.
[...] Apesar das diferenças entre os sexos permanecerem, o levantamento constatou também que o desnível entre homens e mulheres foi reduzido em 2011, com as mulheres aumentando sua participação em todas as formas de ocupação. Em 2003, por exemplo, a proporção de homens com carteira assinada no setor privado era de 62,3 enquanto a das mulheres era de 37,7%, uma diferença de 24,7 pontos percentuais. No ano passado, essas proporções foram de 59,6% e de 40,4, fazendo com que essa diferença diminuísse para 19,1 pontos percentuais. (IBGE. Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/defaultestudos.shtm>. Acesso em: 07 jan. 2013).
Um dos argumentos usados para justificar essa disparidade de rendimentos é o fato de as mulheres terem uma jornada menor em relação a dos homens: “[...] a jornada de trabalho das mulheres é inferior à dos homens. Em 2011, as mulheres trabalharam, em média, 39,2 horas semanais, contra 43,4 horas dos homens, uma diferença de 4,2 horas”. Disponível em:< www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Mulher_Mercado_Trabalho_Perg_Resp_2012.pdf>. Acesso em: 07 jan. 2013.
Contudo, necessário se faz ressaltar que as mulheres ainda suportam o fardo da dupla jornada, pois o espaço doméstico e seus afazeres continuam sendo uma obrigação feminina.
Saliente-se que o que deve prevalecer é o preenchimento dos requisitos exigidos no artigo 461 da CLT, pois através dessa diretriz é que se faz possível para a empregada ingressar com ação de equiparação salarial, para que veja garantido seu direito de ter seu trabalho remunerado de forma igual ao trabalho do empregado do sexo masculino, e também ver respeitado o princípio da isonomia, máxima estampada na Magna Carta.
ASSÉDIO SEXUAL
O assédio sexual é crime previsto no Código Penal, no artigo 216-A e que foi inserido pela Lei 10.224/2001 em 15 de maio de 2001: constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, respondendo o assediante com pena de detenção de 1 a 2 anos.
Note-se que para configurar o delito é necessário que haja a condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, o que significa que somente quando o agente for hierarquicamente superior à vítima ou quando houver ascendência da sua posição em seu emprego, cargo ou função é que poderá ocorrer o delito, lembrando que o assediante deve usar dessa condição para subjugar a vontade da vítima.
Se o agente ocupar uma posição inferior ou idêntica à da pessoa constrangida não se configura o delito. Também não abrange as relações de subordinação eclesiásticas, nem entre docentes e discentes, justamente por não haver entre eles vínculo de trabalho.
Conclui-se que para configurar o assédio sexual é necessário que ocorra dentro de uma relação de subordinação empregatícia.
Entendemos que o assédio sexual é a importunação séria, grave, chantagista e ameaçadora a alguém subordinado, para Calil:
Pode-se definir assédio sexual como atentado à liberdade sexual da empregada e promovido por superior hierárquico, por meio de chantagem. Essa chantagem tem de ser tal que crie na mulher receio por seu emprego, cargo ou função e, portanto, reduza sua capacidade de resistência (CALIL, 2007, p. 73).
É uma prática que não ocorre somente contra as mulheres, podendo ocorrer com homens e até mesmo entre pessoas do mesmo sexo, porém a forma mais comum é ter como assediante um homem, tendo por vítima a mulher assediada.
Pode o assédio sexual se manifestar das mais variadas formas, podendo a conduta ofensiva ser verbal, física, escrita, apresentando o assediante um comportamento com conotação sexual, e a assediada demonstrando repulsa ao comportamento apresentado.
Importante ressaltar que as simples paqueras ou galanteios não têm o condão de caracterizar a conduta de “constranger” alguém, pois nem toda a abordagem será assédio, sendo necessária distinguir a conduta criminosa, daquelas que são meras conquistas ou galanteios.
O que se proíbe é a ameaça ligada ao trabalho que tem por fim alcançar uma vantagem ou favorecimento sexual da vítima. O agente não pode usar da sua condição de superioridade para intimidar a assediada, ameaçando esta com uma prejudicialidade no seu meio de trabalho.
Os principais danos causados às vítimas são de ordem psicológica, que causam distúrbios comportamentais, depressão, desestabilidade emocional, além de prejudicar a qualidade do trabalho exercida por esta, que se reflete em sua vida e no ambiente em que se vê inserida. Diante da pressão exercida pelo assediante, o empregado não vê outra opção, senão a rescisão indireta do contrato de trabalho, prevista no artigo 483, alíneas c, d, e.
Quando o empregado é o assediante, este poderá ser despedido por justa causa, enquadrando-se no artigo 482 da CLT, alínea b e j. Nessa esteira, vejamos jurisprudência sobre o tema em questão:
CAMPINAS. TRT 15º Região. Recurso Ordinário nº 052925/2012. 8º Câmara. ASSÉDIO SEXUAL. PRESENÇA DE ELEMENTOS QUE COMPROVEM A CONDUTA NEGATIVA DO EMPREGADOR, CAPAZ DE ATINGIR A AUTO-ESTIMA DO EMPREGADO. CONFIGURAÇÃO. O assédio sexual caracteriza-se como a conduta que visa dominar o trabalhador pela chantagem, colimando satisfazer algum desejo pessoal de conotação sexual, podendo ocorrer por chantagem, em que o intuito do assediador é obter vantagem sexual, por se encontrar em posição hierarquicamente superior ao assediado, ou por intimidação do empregado, com piadas e comentários com conotação sexual, que partem de algum superior ou, inclusive, por empregados de mesmo nível hierárquico. Ressalte-se, assim, que o reconhecimento do assédio sexual no meio laboral baseia-se no direito à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º, inciso III da Constituição Federal, e nos direitos fundamentais do cidadão à saúde, à honra e a um ambiente de trabalho saudável. Recorrente: Camaleão Indústria e Comércio de Móveis Ltda. Recorrido: Maria José de Oliveira dos Santos. Relator: Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva. São Paulo, 13 de julho de 2012. Disponível em <http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=1273419 > Acesso em 13/01/2013.
Há uma grande dificuldade apontada por Novais referente à prova da conduta do assediante “isto porque o assédio sexual normalmente ocorre em locais restritos, quase sempre na presença apenas de autor e vítima” (NOVAIS, 2005, p. 96).
Em sua maioria, as trabalhadoras, vítimas, não querem se comprometer por medo de sofrerem represálias por parte do assediante. Faz-se necessário conscientizá-las sobre a dimensão do problema e seus efeitos, além de alertá-las sobre a importância de denunciar, mas sempre dando suporte às vítimas.
Frustrante é constatar que, apesar de haver legislação a fim de banir a conduta, esta ainda é presente no cotidiano de muitas trabalhadoras, que se calam, muitas vezes para preservar seu emprego, mesmo que em condições inadequadas, sendo esse um dos muitos obstáculos que a mulher trabalhadora enfrenta em sua caminhada trabalhista.