Recentemente o empresariado brasileiro tomou conhecimento da decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão administrativo máximo responsável por dirimir questões sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Receita Federal, pela não incidência do Imposto sobre Operação Financeira (IOF) sobre operação de conta corrente existente entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico.
Essa decisão, a despeito da inércia do Supremo Tribunal Federal (STF), que assoberbado com outros temas, ainda não apreciou a matéria e mantém o assunto pendente de decisão (Recurso Extraordinário nº 5901186), foi recebida com grande interesse, por ser operação muito difundida na prática empresarial, já que representa importante economia fiscal.
Tecnicamente, a decisão do Carf se fundamenta, especialmente, na distinção de contrato de mútuo e contrato de conta corrente, sendo que somente sobre o primeiro incidiria o IOF. A posição do voto vencedor define que o mútuo é a modalidade de contrato prevista no Código Civil, na qual "o credor dá em empréstimo coisa fungível ao devedor que se obriga a restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade", diferentemente do que ocorre no contrato de conta corrente, onde não há empréstimo, mas sim a disponibilização de recursos financeiros para empresas do mesmo grupo, sem partes estabelecidas e com obrigações e direitos recíprocos, com a finalidade de financiar a atividade das empresas.
As empresas que que não recolherem o IOF em operações futuras, sem medida acautelatória, correm risco fiscal
O segundo argumento apontado no acórdão é no sentido de que o regulamento do IOF somente prevê a incidência sobre o "mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física", sem fazer distinção se o negócio jurídico é realizado entre pessoas jurídicas do mesmo grupo ou não.
De outro lado, a previsão para a incidência do tributo sobre as operações de conta corrente foi incluída mediante edição de Ato Declaratório da Receita Federal que, conforme voto vencedor, excedeu os limites definidos pela lei regente e instituiu imposto por analogia, o que é vedado pelo Código Tributário Nacional.
Remanesce, portanto, a missão de esclarecer aos interessados dois pontos de extrema importância, sendo (i) a possibilidade de considerar todas as disponibilizações financeiras entre empresas do mesmo grupo como natureza de conta corrente, ou não sendo adotada esta tese; (ii) o que distingue o contrato de mútuo e a conta corrente existente entre duas empresas do mesmo grupo para fins de afastamento da incidência do IOF.
Em relação ao primeiro ponto, considerando a premissa que todas as transferências realizadas pelas empresas do mesmo grupo têm a finalidade de financiar a atividade da empresa sem a necessidade de aporte de capital (que prescinde a adoção de todos os procedimentos societários como alteração de contrato social, registro etc.) e que os valores transitam pela contabilidade das empresas, havendo pagamento e alteração do valor devido rotineiramente, seria possível concluir que transferência entre empresas do mesmo grupo teriam, na prática, natureza de conta corrente, e não mútuo.
Esse entendimento pode esbarrar, contudo, na definição de mútuo trazida pelo Código Civil, artigo 586, sob a qual "O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade." Portanto, se existe a transferência de dinheiro de uma pessoa jurídica para outra, ainda que do mesmo grupo, sob os moldes estabelecidos acima, com a obrigação de restituição pelo destinatário do valor recebido, há argumentos para sustentar, em substância, a existência de mútuo e, consequentemente, ocorrência do fato gerador do IOF.
Em relação ao segundo ponto, ainda que envolva dificuldade na análise, é possível a caracterização de conta corrente e não mútuo. Ficará caracterizado a conta corrente quando houver o trânsito financeiro entre as partes, que alterna, sistematicamente, a posição contratual de credor e devedor e ausência de previsão para denúncia do contrato por qualquer das partes e de possibilidade do credor exigir integralmente o valor quando quiser.
Por se tratar de questão interpretativa que, além destas considerações, está pendente de julgamento pelo Supremo, forçoso admitir que as empresas que optarem por não recolher o IOF para as operações futuras, sem adotar medida acautelatória de ordem legal e judicial, estarão incorrendo em risco fiscal. Em razão, principalmente, do posicionamento da Receita Federal sobre a questão, inclusive em face da publicação da Solução de divergência nº 31/2008, tendo-se também em conta que a decisão proferida por uma das turmas do Carf é ainda isolada, não havendo orientação reiterada sobre o entendimento adotado.
Guilherme Augusto Abdalla Rosinha é advogado tributarista.