A Busca de Ativos no Processo de Execução, o Sistema Financeiro Nacional e a Revolução Digital


12/03/2020 às 07h44
Por Frozi e Pessi Escritório de Advocacia

Cada vez mais é necessário que operador do direito esteja a par do funcionamento do sistema financeiro nacional, das fitechs e dos instrumentos trazidos pela quarta revolução industrial, para que tenha êxito na busca de ativos do devedor.

 

                        Um problema recorrente no cotidiano judicial é ver a execução frustrada por ocultação de bens pelo devedor, após dispendioso e moroso processo de conhecimento; o famoso ganha mais não leva.

                        O conhecimento do sistema financeiro nacional e os avanços tecnológicos, com o surgimento de diversas fintechs traz, sem dúvida, maior efetividade às execuções, sejam de títulos judiciais ou extrajudiciais, proporcionando ao operador do direito a instrumentalização de medidas mais adequadas e certeiras.

Marcus Vinícius Rios Gonçalves afirma que (ipsis literis): “A busca e apreensão de coisas têm caráter subsidiário em relação ao arresto e sequestro. Será deferida a apreensão judicial da coisa, por meio de busca e apreensão, desde que não estejam preenchidos os pressupostos para a concessão do arresto e do sequestro, caso em que o interessado deverá valer-se dessas medidas”[1].

Ainda, o professor Araken de Assis ensina que (ipsis verbis): “Individualmente, a nota comum dos atos executivos recai no deslocamento coativo, abrangendo pessoas e coisas, e, no caso de se destinarem à satisfação do direito, na transferência, também forçada, de bens para outro círculo patrimonial”[2].

Sobre bens imóveis, Liberato Póvoa, afirma que (ipsis verbis) “Não existem controvérsias doutrinárias acerca da busca e apreensão, e os autores comungam o entendimento de que ela consiste de dois atos: procurar e apreender a coisa móvel ou a pessoa, sendo inaplicável a medida a qualquer bem imóvel. Neste último caso, as medidas específicas são o arresto e o sequestro”[3].

                       Nessa dinâmica, os instrumentos convencionais como bacenjud, renajud e infojud, utilizados largamente na busca de ativos, não parecem atingir a total profundeza do sistema financeiro nacional, tornando-se cada vez mais ineficientes.

                       São inúmeras as formas de ocultação ou desviado de ativos pelo devedor, através de meios como: transferência de bens para terceiros -laranjas-, bens pessoais desviados para uma pessoa jurídica, quando há patente fraude contra credores ou execução, confusão de bens entre uma pessoa física e uma jurídica, mistura e ocultação de patrimônio entre grandes grupos econômicos, e mais recentemente, a ocultação de patrimônio junto às novíssimas fintechs, onde podem ficar, em uma espécie de conta corrente, valores do devedor.

                       Nas situações de fraudes à execução, podem ser tomadas medidas protetivas como averbação premonitória, que dentre outros espécies de bens, também se estende, nas palavras de Machado “às CVMs para as ações das sociedades anônimas de capital aberto e debentures, em razão da obrigação dessas de realizar averbação por meio de certidão comprobatória do ajuizamento da execução (...)”[4].

                      Embora o autor refira-se às CVMs, acreditamos que o correto seria que a averbação à que se refere fosse feita junto à B3 - bolsa de valores do Brasil, que,

grosso modo, é uma espécie de cartório, onde ativos negociados em bolsa, por meio dos órgãos intermediários, em especial as corretoras de valores, são registradas as propriedades dos os ativos financeiros, neste ambiente negociadas.

                       Note-se, que essa ferramenta permite dizer que o operador do direito não pode ficar preso apenas aos meios mais tradicionais de busca de bens, como Bacenjud, etc. É necessário entender o sistema financeiro nacional em seu todo, pois muitos são os órgãos que o compõe e que facilitam ao devedor fraudar a execução.

                       Muitos profissionais ainda trabalham com a arcaica ideia de que o Bacenjud é o único e suficiente meio para se vasculhar toda a vida financeira do devedor. Ledo engano.

Há casos em que o devedor faz uso de conta em empresas intermediadoras de pagamentos eletrônicos[5]. Existem hoje no Brasil diversas empresas que prestam serviços de intermediar sistemas pagamentos eletrônicos. Exemplo: A pessoa faz a compra de um bem ou serviço através da internet utilizando a empresa A, a empresa B que atua como intermediadora de pagamento, uma fintech, recebe o dinheiro do comprador através do cartão de crédito ou de boleto bancário, e posteriormente esses valores são passados à empresa vendedora A. Os vendedores que usam esse tipo de serviço são obrigados a manter junto à intermediadora de pagamento uma espécie de conta corrente. O devedor pode se usar deste local eletrônico para lá manter seu dinheiro livre dos credores, pois o Bacenjud não alcança essa espécie de conta fornecida por estes novos intermediadores financeiros de compra e venda.  O meio adequado nesses casos é pedir ao juízo da execução que oficie todas as empresas intermediadoras de compra e venda de serviços pela internet. São as famosas e novíssimas fintechs, já plenamente atuantes.

Essas empresas de tecnologias, frutos da corrente Quarta Revolução Industrial, ou Revolução digital, chamadas de startups[6], ou fintechs[7], trouxeram grandes avanços com significativas disrrupções do mercado financeiro; mas trouxeram também novas possibilidades de ocultação de ativos, como mencionado no exemplo a cima.

Outra situação pertinente é quando o devedor utiliza-se da impenhorabilidade por disposição legal[8] dos valores, de até o limite 40 (quarenta) salários mínimos, da caderneta de poupança, para proteger seu capital. No entanto, é possível requer a quebra do sigilo bancário para se constatar, ou não, se o mesmo não está movimentando esta conta como se conta corrente fosse, caso em que, pode perder a proteção da impenhorabilidade, segundo a jurisprudência[9].

A recuperação de patrimônio desviado pode ainda ser conquistada por meios processuais mais convencionais: fraude à execução, fraude contra credores (ação pauliana), fraude contra penhora, desconsideração da personalidade jurídica, desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, responsabilização de grupos econômicos, ação declaratória de simulação, que, no entanto, terão maior probabilidade de êxito se o operador do direito dispor de conhecimento da estrutura e dos órgãos do sistema financeiro nacional.

 Dúvida recorrente é se é possível a penhora de previdência privada. Neste ponto a questão é ainda controvertida.  

Bom lembrar que o credor pode sempre apelar para o poder de cautela geral do juízo, fazendo requerimentos não previstos e lei, para garantir seu crédito, pois muitas vezes a lei parece trazer limites pouco justificáveis, beneficiando o devedor. O STJ já decidiu, mais de uma vez, que planos de previdência privada têm natureza alimentar quando utilizados como uma forma de economizar para suprir o futuro do indivíduo ou de sua família. Nesse caso, com efeito, esses ativos seriam impenhoráveis. No entanto, há casos em que o devedor faz uso da previdência privada para auferir rendimentos, como uma espécie de aplicação financeira. Nessas hipóteses é comum que a pessoa utilize esses rendimentos com frequência, ou seja, realiza saques frequentes, dando de fato outro uso à previdência privada. Nesses casos o plano de previdência pode sim ser penhorado, pois perde sua natureza alimentar, e passa a ser, de fato, apenas uma espécie de conta corrente.

Para saber se o devedor tem plano de previdência, e se esse tem natureza alimentar ou não, deve o advogado requer a penhora de eventual plano de previdência do devedor; o juiz pesquisará, nos órgãos do sistema financeiro nacional pertinentes, se o executado tem ou não um plano em seu nome. Em caso positivo, deve-se requerer um extrato com as movimentações financeiras. Se ficar evidenciado que o devedor realiza saques com frequência, principalmente dos rendimentos do plano de previdência, estará descaracterizada a natureza previdenciária do dinheiro lá aplicado, e, por consequência, perde seu caráter alimentar, podendo sofrer penhora.

Pessoas físicas e jurídicas utilizam-se dessa suposta impenhorabilidade para desviar o seu patrimônio dos credores.

 Notadamente, há diversos meios de o devedor fraudar a execução ocultando seu patrimônio do devedor. Como o sistema financeiro nacional possui diversos órgãos operadores, sejam bancários, previdenciários ou corretoras de valores, entre outros, e com o surgimento de empresas de tecnologia que intermediadoras de pagamentos feitos de forma eletrônica, é necessário que o advogado tenha conhecimento dos órgãos operadores do sistema financeiro nacional, das instituições de previdência privada que surgem ao sabor do vento, e,  é claro, esteja sintonizado com a quarta revolução industrial, ou revolução digital, e todas as fintechs que surgem dia a dia, onde, certamente, o devedor infelizmente ocultará seus ativos financeiros.

 

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Referências

[1] Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Processo de execução e cautelar/ Marcus vinícius rios Gonçalves – 8º Ed. Re. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.- (Coleção sinopses jurídicas; v. 12).Pagina 164.

[2] Assis, Araken de. Execução civil nos juizados especiais/Araken de Assis.- 5.ed.rev.e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, pagina 89.

[3] Póvoa, Liberato. Busca e Apreensão. 4º Ed. /Liberato Póvoa. Curitiba: Juruá, 2005, página: 35.

[4] A averbação premonitória foi introduzida no Código de Processo Civil Brasileiro pelo art. 615-A, criação da lei 11.382 de 06.12.2006, com a chamada reforma da Execução Extrajudicial. O art. 615-A instituiu mais uma hipótese de averbação, junto às previstas pelo inciso II do art. 167 da LRP, que regula a prática deste ato junto ao Registro Imobiliário. O instituto também serve aos órgãos de registro de veículos, como os Detrans e de outros bens sujeitos à penhora ou ao arresto, como as CVMs para as ações das sociedades anônimas de capital aberto e debentures, os quais foram igualmente obrigados a realizar averbações por meio de certidão comprobatória do ajuizamento de execução, conforme requerimento do exequente (inciso II do art.13 da lei .015/73). A. C. da C. MACHADO, Código de Processo Civil Interpretado e Anotado, Barueri -SP, Manole, 2013, p. 1127.

[5] Exemplos dessas mpresas atuantes no Brasil são: PayPal, PagSeguro, MercadoPago, Bcash, Moip, Payu, Paybras, Gerencianet, Pagarme, etc.

[6] Uma startup é uma "empresa" recém-criada ainda em fase de desenvolvimento que é normalmente de base tecnológica, mas pode aparecer em vários setores[2],[3]. O termo tornou-se .popular internacionalmente durante a bolha da internet quando um grande número de "empresas.com" foram fundadas. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Startup

[7] Fintech (do inglês: financial technology) é um termo que surgiu da união das palavras financial (financeiro) e technology (tecnologia). Fintech são majoritariamente startups que trabalham para inovar e otimizar serviços do sistema financeiro. Essas empresas possuem custos operacionais muito menores comparadas às instituições tradicionais do setor. Isso é possível porque conseguem utilizar tecnologias que elevam a eficiência dos processos e barateiam os serviços ofertados, exemplo disso é o uso de smartphones para o uso de bancos móveis e a possibilidade de realizar investimentos.Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fintech.

[8] Ver Artigo. 833, inciso X, do Código de Processo Civil Brasileiro.

[9] Ver A.I. Agravo de Instrumento n.º 2019852-83.2017.8.26.0000-TJ/SP.

 


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