A FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL A PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA E IDOSOS
Resumo
No sentido de proporcionar uma melhor condição de vida para as pessoas portadora de deficiência e idosos, todos de baixa renda, a Constituição Federal assegurou o recebimento de um salário mínimo mensal. Sucede que a concessão desse benefício assistencial é regulada pelo art. 20 da Lei nº 8742/93, que estabelece o critério de baixa renda, cujo limite é que renda per capita familiar do beneficiário seja inferior a 1/4 do salário mínimo. Assim, é cristalino a necessidade de flexibilizar o critério de miserabilidade, pois tal exigência nega a materialização dos direitos fundamentais e sociais, protegidos constitucionalmente, à grande parcela da população que se encontra logo acima do limite exigido. Utilizou-se o método dedutivo e pesquisa bibliográfica com caráter descritivo qualitativo e demonstrou-se, através da apresentação de argumentos, as quatro teses que defendem a flexibilização do critério de miserabilidade. Nesse passo, quedou-se, sustentada a formulação geral previamente estabelecida a fim de que o benefício assistencial possa ser uma alternativa real e efetiva para construir uma sociedade mais justa, erradicando a pobreza, a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais.
Palavras-chave: Benefício Assistencial. Critério de Miserabilidade. Flexibilização.
Abstract
In order to guaranties better condicion to elders and handicappers, all with low income, the Federal Constituition established a monthly minimal wage. This assistencional benefit is regulated by the article 20 of the Low n°8742/93, which establishes low income as a criteria, that been represented by a salary under one fourth of the minimal wage. Thus, is cristallyne the necessity to give flexibility to the misery criteria, because this exigency denies the fundamental and social rights materialization, constitutionally protected, to a large part of the population that is just a little above that demanded limit and use the deducted method and the bibliographic research were used. It could be seen the 4 thesis that defend the misery criteria flexibilization. So, it was supported the general formulation previously established with the intent that the assistencional benefit may be a real and effective alternative to built a more reasonable society, erasing poverty, marginalization and reducing social differences.
Keys-words: Assistencional Benefit. Misery Criteria. Flexibilization.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, como norma reguladora de todo o ordenamento jurídico, ao consagrar em seu texto os direitos fundamentais, e, principalmente, os sociais, no seu art. 203, V, protegeu a pessoa portadora de deficiência e o idoso de baixa renda, garantindo ao grupo mais vulnerável e dependente da população brasileira o recebimento de um benefício no valor de um salário mínimo.
Sucede que a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), norma que regula a concessão do benefício assistencial reduziu expressivamente as camadas sociais que seriam beneficiadas pelo amparo constitucional, ao prever a concessão do benefício somente a pessoa portadora de deficiência ou ao idoso, cujo limite da renda per capita familiar seja inferior a 1/4 do salário mínimo.
Tratando-se de um critério objetivo, regulado pela LOAS, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), órgão administrativo competente para analisar os requerimentos do amparo assistencial, utiliza-se de tal parâmetro para conceder, ou não, o benefício assistencial às pessoas portadoras de deficiência e idosos.
Verificando-se a intrínseca relação existente entre os direitos garantidos na Constituição e esse o grupo vulnerável que ela regula, volta-se a atenção para a necessidade de flexibilizar o critério de miserabilidade, pois tal exigência nega a materialização dos direitos fundamentais e sociais, protegidos constitucionalmente, à grande parcela da população que se encontra logo acima do limite exigido.
Frente à diversidade de casos de atendimento jurídico gratuito prestados, verifica-se que em decorrência, por exemplo, de despesas médicas, algumas famílias tornavam-se mais miseráveis que outras, no entanto, por conta desse critério objetivo tiveram seu direito ceifado pelo INSS. É latente a injustiça social para com essas pessoas, que muitas vezes em condições extremamente miseráveis, via-se obstaculizado seu direito à garantia de uma vida digna.
Faz-se mister a realização de tal pesquisa devido a seu caráter instigante, problemático e também inédito para um público acadêmico mais vasto, por conta da pouca discussão do tema em pauta. Dessa forma, pretende-se colaborar com toda a sociedade, visto que haverá mais fontes de pesquisa para possíveis e futuros estudos, mas principalmente como fonte para os aplicadores do direito, que através das teses ora sustentadas, podem efetivamente garantir uma vida digna às pessoas com deficiência e idosos .
O método de procedimento desenvolvido é o método dedutivo e ao assumir tal opção, buscou-se elementos legais, doutrinários e jurisprudenciais com o prévio compromisso científico de comprovar a formulação geral que previamente se estabeleceu. No âmbito das técnicas de pesquisa para a obtenção de dados necessários foi explorado a pesquisa bibliográfica, com caráter descritivo qualificativo. A pesquisa bibliográfica pautou-se em fontes como: livros, legislações, jurisprudências e artigos publicados, tanto de meio impresso como eletrônico.
Para tanto, buscou-se um aprofundamento histórico, combinado com o referencial teórico dos Sistemas e do benefício assistencial, com a apresentação e análise do problema, a discussão e demonstração de argumentos, confrontando-os de maneira ordenada a fim de defender a tese de flexibilização do critério de miserabilidade. Abordou-se o tema através de quatro teorias, buscadas na doutrina e jurisprudência, que embasam os argumentos que sustentam a tese ora defendida.
2 BREVE HISTÓRICO
A intenção de criar mecanismos para proteger as pessoas em situações de necessidade não é recente. As primeiras medidas de assistência social surgiram com o fato do homem ter percebido sua impotência frente aos infortúnios da vida. Desde os tempos mais remotos, o homem tem se adaptado no sentido de reduzir os encargos produzidos pelos riscos sociais, como fome, doença, deficiência, velhice etc.
Pode-se rotular tal comportamento como algo instintivo, na realidade, de acordo com Fábio Zambite Ibrahim (2006, p.1) “o que nos separa das demais espécies é o grau de complexidade de nosso sistema protetivo.”
Inicialmente, faz-se mister ter em mente a lição de Aldemir de Oliveira (1997, p. 25), que traz um enfoque crítico a respeito do panorama histórico brasileiro, no que concerne o seu campo social:
A política social brasileira, como instrumento eficaz do Estado para estabelecer diretrizes básicas e/ou rumos a seguir no campo social, relativamente aos cidadãos brasileiros, não tem correspondido, desde o Brasil-Império, aos interesses das maiorias. (...) O Estado brasileiro, historicamente, muito pouco realizou em prol do social. Sempre pactuou com os interesses pessoais das classes dominantes e de seus grupos econômicos, em vez de transformar a realidade social brasileira em uma sociedade mais justa e solidária.
Em 1974, através da Lei n.º 6.179, de 11 de dezembro, foi instituída a primeira pensão concedida no âmbito da assistência social. O chamado benefício de amparo previdenciário tinha como público alvo os idosos com 70 anos ou mais e os portadores de deficiência que não tivesse rendimento superior ao valor da renda mensal de 60% do salário mínimo.
Constata-se, destarte, que o benefício era relativamente excludente, no sentido de que só privilegiava aqueles que contribuíam com a previdência, assim os grupos mais frágeis e mais necessitados eram excluídos. Outro fator que limitava seu nível de proteção da era o valor do benefício, de metade de um salário mínimo Os dispositivos pertinentes foram incorporados aos artigos 63 a 70 da Consolidação das Leis Previdenciárias (CLPS), pela qual este benefício passou a ser denominado de Renda Mensal Vitalícia (RMV).
O momento constituinte acelerou as articulações e com o advento da Constituição Cidadã, o tratamento da questão da assistência social foi bastante minuciosa, uma vez que tratou-se de inserir os direitos antes previstos em legislação ordinária, como uma espécie de garantia permanente. O valor do benefício passou a ser equivalente a um salário mínimo, estando previstos no inciso V, do artigo 203 da Constituição Federal. No entanto, os requisitos para sua concessão ainda precisavam ser regulamentados por uma Lei Orgânica de Assistência Social. (MARTINS, 2005).
O primeiro projeto da Lei Orgânica de Assistência Social, aprovado pelo legislativo em 1990 foi vetado pelo então presidente Fernando Collor, argumentando para tanto, que a proposição não estava vinculada a uma assistência social responsável. Apenas em 07 de dezembro de 1993 é que foi regulamentada a Assistência Social, através da Lei 8742/93, mantendo, por sinal, os mesmos conjuntos de idéias, todas as diretrizes e princípios do projeto vetado em 1990 (SPOSATI, 2005).
3 ASSISTÊNCIA SOCIAL
A Assistência Social é regida por legislação própria, a Lei Orgânica da Assistência Social, mais conhecida pela sigla resultante das iniciais do seu título, trata-se da LOAS, a Lei 8.742/93, que traz em seu artigo 1º a definição legal deste segmento da seguridade social:
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
Segundo Fábio Zambitte Imbrahim (2006, p. 11), a assistência tem como propósito nuclear: “preencher as lacunas deixadas pela previdência social, já que esta, não é extensível a todo e qualquer indivíduo, mas somente aos que contribuem para o sistema, além de seus dependentes”.
A assistência social não se prende somente a motivos humanitários, altruísticos, mas também em providências socioeconômica, uma vez que as necessidades básicas dos indivíduos acabam repercutindo sobre os demais indivíduos e em ultima análise sobre a toda a sociedade (LEITE, 1998).
3.1 O BENEFÍCIO DE ASSISTENCIA SOCIAL
O benefício assistencial também pode ser chamado de “LOAS”, “amparo ao idoso”, “amparo à velhice”, “amparo ao portador de deficiência” e etc. Independente da sua nomenclatura, é importante frisar que trata-se de benefício inserido no âmbito da assistência social e, portanto, constitui uma das alternativas de se ampliar a proteção aos hipossuficientes, em especial as pessoas portadoras de deficiência e os idosos.
Pois bem, para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, primeiramente, é imprescindível requerer o benefício de forma administrativa em uma agência do INSS, no entanto é necessário que o interessado preencha certos os requisitos exigidos em lei.
Sobre a matéria, o dispositivo legal mais relevante é o art. 20 da Lei 8742/93, que segue transcrito:
Art. 20 O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
Da leitura deste dispositivo infere-se que há dois requisitos principais, quais sejam, a comprovação da deficiência ou da idade mínima de 65 anos para o idoso não-deficiente. No que concerne o requisito da deficiência, a questão é mais complexa, dado seu caráter subjetivo. O art. 4º, II, do Decreto nº 6214/07, que regulamenta o benefício assistencial, conceitua como pessoa portadora de deficiência, aquela cuja deficiência a incapacita para a vida independente e para o trabalho.
Para entender o conceito de miserabilidade, é fundamental entender o conceito de família, uma vez que, é com esse instituto que é feito o cálculo de miserabilidade pelo INSS. Portanto, segundo o art. 4°, V, do Decreto 6214/07, o conceito é:
Art. 4° [...]
V- família para cálculo da renda per capita, conforme disposto no § 1o do art. 20 da Lei no 8.742/93 é conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim entendido, o requerente, o cônjuge, a companheira, o companheiro, o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido, os pais, e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido.
Ainda na dicção do Decreto 6.214/07, considera-se família incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso, aquela cuja renda mensal bruta familiar dividida pelo número de seus integrantes seja inferior a um quarto do salário mínimo, daí a importância do seu conceito. E renda mensal bruta também é definida pelo inciso VI, art. 4º do Decreto 6.214/07:
Art. 4° [...]
VI- renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, comissões, pró-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação.
Nada impede que o benefício possa ser pago a mais de um membro da família, desde que comprovadas todas as condições exigidas. Importante salientar que o Benefício Assistencial não pode ser cumulado pelo assistido com nenhum benefício da previdência social ou de qualquer outro regime, salvo o da assistência médica, consoante se depreende da dicção do inciso III, art. 8º do Decreto 6214/07.
4 A FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
4.1 INTERPRETAÇÃO DO INSS EM RELAÇÃO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
O INSS é responsável por verificar o preenchimento das condições necessárias para a concessão, ou não, do benefício assistencial de prestação continuada, conforme dispõe o Decreto 6214/07. Sucede que, a autarquia previdenciária representa verdadeiro obstáculo à concretização do direito das pessoas portadoras de deficiência e idosos.
Isso ocorre na medida em que, pautando-se objetivamente e unicamente no critério da renda per capita, o INSS indefere a concessão do benefício daqueles que não preenchem tal requisito. Assim, a camada da população que vive em estado de miséria, mas que iguala ou ultrapassa um pouco o limite previsto pela LOAS, vê obstaculizado seu direito à garantia de uma vida digna, conforme prevê a Constituição Federal.
4.2 INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL À FLEXIBILIZAÇÃO SEGUNDO A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 20, § 3º, DA LEI N° 8742/93
A exigência da lei infraconstitucional (§ 3º do artigo 20 da lei n º 8742/93) de uma renda familiar per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, como requisito indispensável para a concessão do benefício assistencial, é declarada inconstitucional por grande parte da doutrina. O dispositivo legal seria inconstitucional por inviabilizar o próprio inciso V do artigo 203 da Constituição Federal e, principalmente, por afrontar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Sucede que a exigência da LOAS restringiu de modo extremo a camada social de pessoas portadoras de deficiência e idosos, que seriam amparadas pelo auxílio constitucional. Assim, pode-se dizer em outras palavras, que uma linha de miserabilidade foi tão achatada a ponto de ficarem acima dessa linha cidadãos em situação de miserabilidade crítica (DUARTE, 2005).
Dessa forma, a contemplação do princípio da dignidade humana passou a ter a sua abrangência limitada, não atendendo a verdadeira realidade social, deixando de fora alguns indivíduos que necessitavam da percepção do beneficio para manter a sua dignidade, por não atenderem o requisito cruel de miserabilidade (CALIXTO JUNIOR, 2008).
Assim, toda e qualquer norma infraconstitucional, independentemente da situação social, deve ser interpretada conforme a Constituição e só será constitucional se estiver em consonância com sua essência. Se assim não for, a lei estará fadada, portanto, a inconstitucionalidade, devendo, ser afastada do ordenamento jurídico, sob pena de falência do estado democrático de direito.
No intuito de resolver a questão apresentada aos tribunais quanto ao critério da renda per capita, o Procurador-Geral da República, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn nº 1232-1), levou a matéria ao Supremo Tribunal Federal, que foi instado a se manifestar a respeito da constitucionalidade ou não do critério de miserabilidade.
Neste contexto, a plausível tese de inconstitucionalidade foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual julgou improcedente declarando, portanto, plenamente válido o supracitado dispositivo.
O julgamento da mencionada ADIn ficou assim ementado, in verbis:
Constitucional. Impugna dispositivo de lei federal que estabelece o critéio para receber o benefício do inciso V do artigo 203, da CF. Inexiste a restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta a lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo a pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado. Ação julgada improcedente.
Na oportunidade ficaram vencidos em parte os Ministros Ilmar Galvão, relator, e Nery da Silveira, que emprestavam à norma objeto da causa, interpretação conforme a Constituição Federal, segundo a qual não ficam limitados os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso
4.3 INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL A FLEXIBILIZAÇÃO SEGUNDO A UTILIZAÇÃO DE OUTROS MEIOS PARA AFERIR O CRITÉRIO DE MISERABILIDADE.
Saliente-se que, embora o Supremo tribunal Federal tenha entendido como constitucional o requisito da miserabilidade, a matéria não se tornou pacífica. Inúmeras decisões e doutrina majoritária firmaram-se no sentido de que nada impede ao julgador auferir, por outros meios de prova, a condição de miserabilidade do necessitado.
Ainda que o legislador se utilize de parâmetros objetivos para a fixação dos critérios de miserabilidade, a restrição financeira pode e deve ser ponderada com a característica do caso concreto. Ainda que a extensão de benefício somente possa ser feita por lei, e mesmo que o critério seja considerado constitucional, não deve o intérprete ignorar a realidade social (IBRAHIM, 2006).
Dessa forma, novamente invocando os argumentos do Ministro Ilmar Galvão, deve-se interpretar a norma conforme o estabelecido na Constituição. Nas palavras do Ministro, em seu voto da ADIN 1232-1/DF, assim leciona:
A questão que resta é a de saber se com a hipótese prevista pela norma é a única suscetível de caracterizar a situação de incapacidade econômica da família do portador de deficiência ou do idoso inválido. Revelando-se manifesta a impossibilidade de resposta positiva, que afastaria grande parte dos destinatários do benefício assistencial previsto na Constituição, outra alternativa não resta senão emprestar ao texto impugnado interpretação segundo a qual não limita ele os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso.
A corrente defendida e já pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça orienta no sentido de que o requisito estabelecido em lei presta-se apenas como um paradigma de presunção objetiva de carência econômica, nada impedindo que o magistrado, diante da realidade do indivíduo, recorra a outros meios de prova para comprovar a miserabilidade.
4.4 INTERPRETAÇÃO SEGUNDO O PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
Um novo argumento, não enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, é o disposto Leis nº 9.533/97 e 10.689/03, que tratam do Programa de Garantia de Renda Mínima e do Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA)..
Sérgio Fernando Moro (2003, p.143 apud BALTAZAR JÚNIOR, 2005, p. 436), defende a tese uma nova interpretação para a flexibilização do critério de miserabilidade, argumentando para tanto, que as Leis n.º 9.533/97 e a Lei 10.689/03, revogaram o critério estabelecido no parágrafo 3º, do artigo 20, da Lei 8742/93, ao criar programa de renda mínima às famílias carentes, considerando-as como sendo aquelas cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 salário mínimo.
Nesse sentido, é válido mencionar que houve violação ao princípio da igualdade e, portanto, discriminação por parte do Poder Executivo Federal na medida em que instituiu o programa de renda mínima às famílias carentes e a Lei que criou o Programa Nacional de Acesso à Alimentação. Ora, consideraram como pessoa necessitada, aquela que aufira renda equivalente a meio salário mínimo e para os deficientes e idosos criou-se um critério mais rigoroso.
O tratamento desigual resta ainda mais evidente no sentido de que o acesso das famílias carentes ao programa de renda mínima, exige que cada membro familiar perceba renda não superior a meio salário mínimo, sem exigir, no entanto, que essa família tenha, no mínimo, uma pessoa idosa ou portadora de deficiência. Sendo assim, há que se estabelecer igual tratamento jurídico no que concerne à verificação da miserabilidade, a fim de evitar distorções que conduzam a situações desprovidas de razoabilidade.
4.5 INTERPRETAÇÃO SEGUNDO O ESTATUTO DO IDOSO
Nada impede que o benefício assistencial possa ser pago a mais de um membro da família, desde que comprovadas todas as condições exigidas. No entanto, segundo entendimento do INSS, exclusivamente para o deficiente, o valor já recebido por outro membro do mesmo grupo familiar passa a integrar a renda, para o efeito de cálculo per capita do novo benefício requerido
Isso ocorre apenas com as pessoas portadoras de deficiência, que mais uma vez foram injustiçadas, em razão do legislador ter previsto condições mais flexíveis apenas para os idosos, promovendo discriminação injustificada contra os deficientes, violando novamente o princípio da igualdade.
Este tratamento diferenciado foi criado pelo Estatuto do Idoso, que determina que o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família não será computado para fins de cálculo da renda familiar. Nesse passo, em razão do princípio da igualdade, as pessoas portadoras de deficiência também teriam direito a essa flexibilização (IBRAHIM, 2006).
Assim sendo, aplicando-se a interpretação analógica do art. 34 do Estatuto do Idoso, deve-se, ainda, excluir da referida renda mensal, para efeito de aferição da renda per capita, o benefício de valor mínimo percebido pelo idoso ou deficiente, seja ele de natureza previdenciária ou assistencial, esse é o posicionamento adotado pela maioria dos Tribunais Regionais Federais.
5 CONCLUSÃO
Somente com a atual Constituição constatou-se a criação de um verdadeiro Sistema de Seguridade Social, e, por conseguinte, um real Sistema de Assistência Social, uma vez que, anteriormente a Carta Magna, existiram apenas legislações esparsas sobre o tema, sem uma garantia permanente.
Considerando o fato de que, mesmo de forma lenta, com o passar do tempo, o legislador foi aprimorando os requisitos de concessão do benefício de assistência social, para incluir um maior contingente de necessitados é cristalina a conclusão de que se o benefício fosse tão cedo regulamentado, quiçá, o critério de miserabilidade já havia sido flexibilizado.
Através da análise do problema, demonstrou-se com a apresentação de argumentos, quatros teorias, encontradas na doutrina e jurisprudência, que sustentam a tese ora defendida.
Pois bem, conforme visto, a Lei Orgânica de Assistência Social prevê a concessão do benefício somente a pessoa portadora de deficiência ou ao idoso, cujo limite da renda per capita familiar seja inferior a 1/4 do salário mínimo. Viu-se ainda que o INSS representa verdadeiro obstáculo à concretização desse grupo vulnerável. Isso ocorre na medida em que, pautando-se objetivamente e fielmente no critério da renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo, indefere a concessão do benefício daqueles que não preenchem tal requisito, reduzindo, portanto, expressivamente as camadas sociais que seriam beneficiadas pelo amparo constitucional.
Nesse passo, demonstrou que primeira tese, pautada em doutrina majoritária considera o art. 20, § 3º, da Lei n° 8742/93, que trata do requisito da miserabilidade inconstitucional, na medida em que inviabiliza a intenção do comando do inciso V, art. 203 da Constituição Federal e, principalmente, por afrontar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, uma vez passou a ter a sua abrangência limitada pelo discutido critério de miserabilidade.
Embora, o Supremo Tribunal Federal tenha julgado constitucional a plausível tese, demonstrou-se que a decisão não foi unânime e aqueles que julgaram parcialmente procedente, ressaltaram a ressalva de que, somente na hipótese, de não restringir outros meios de prova é que a norma seria constitucional. É inclusive esse o argumento da segunda tese defendida.
Demonstrou-se através de estudo de jurisprudência, além do apoio da toda a doutrina pesquisada, que nada impede ao julgador auferir, por outros meios de prova, a condição de miserabilidade do necessitado, uma vez que o critério utilizado pelo INSS presta-se apenas como paradigma de presunção objetiva.
Um novo argumento não enfrentado pelo Superior Tribunal Federal, e que nem por isso é menos convincente, é no sentido de estabelecer igual tratamento jurídico no que concerne à verificação da miserabilidade, como o escopo evitar ofensa ao princípio da igualdade e razoabilidade. A tese se pauta no sentido de igualar o requisito de miserabilidade da lei nº 8742/93 com o das Leis n° 9533/97 e 10689/03, as quais estabelecem o referencial de ½ do salário mínimo com o critério.
Por fim, a última tese fundamenta a flexibilização no sentido de incluir o deficiente na inovação trazida pelo Estatuto do Idoso, que garante a exclusão do cômputo da renda familiar, para efeito de requisito de miserabilidade, a renda do benefício assistencial. Além desse argumento, a jurisprudência vem entendendo que não precisa que a exclusão seja vinculada, exclusivamente ao benefício assistencial, mas também aos de natureza previdenciária.
Diante de tudo que foi exposto, fundamentado na doutrina e jurisprudência, qualquer uma das teses elaboradas já se mostraria suficiente para sustentar o resultado pretendido, quanto mais um verdadeiro himalaia de argumentos jurídicos, formando as quatro teses ora apresentadas, que comprovam a possibilidade de flexibilização do critério de miserabilidade na concessão do benefício assistencial a pessoas portadoras de deficiência e idosos.
Com isso busca-se garantir justiça social, uma alternativa para viabilizar a manutenção da ordem social, do bem estar dos necessitados, construir uma sociedade mais justa, erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais, enfim, assegurar as condições mínimas de sobrevivência humana digna àqueles que geralmente são os mais necessitados, refletindo assim, os preceitos constitucionais de valorização da cidadania e, sobretudo dos próprios interesses do Estado Social Democrático de Direito. São medidas de caráter social que se não forem atendidas repercutem sobre todos nós.