O atual cenário de ascensão do mercado imobiliário tem como maior precursor a crescente aquisição de unidades imobiliárias na planta.
Muitos consumidores têm optado por essa forma de aquisição devido ao atrativo valor do imóvel divulgado pelas Construtoras, que alcançam uma vantagem de até 30% (trinta por cento) a menos do que o valor das unidades prontas, expostas à venda.
Ocorre que o descumprimento da cláusula contratual a qual prevê a data para entrega desses imóveis tem sido uma praxe de mercado, de forma que os preços atrativos aos consumidores transmutam-se para um grave prejuízo, qual seja, a imprecisão sobre a data da entrega dos imóveis e a prolongação do estado de empobrecimento financeiro.
Explica-se. Quando o consumidor opta pela aquisição de uma unidade imobiliária na planta, inicia os pagamentos das parcelas do contrato antes da efetiva entrega e fruição do bem, ciente que essa condição terá um termo final, qual seja, o prazo de entrega do imóvel.
Contudo, os prazos dos contratos de compra e venda de unidades imobiliárias na planta, como regra, não tem sido respeitados, sem qualquer fundamentação plausível, tolhendo, assim, o direito dos seus proprietários em extrair do bem adquirido todo o proveito econômico que pode oferecer.
Quando o proprietário do imóvel encontra-se efetivamente investido de todas as condições de proprietário, é legítimo a este usar, fruir, dispor, alienar ou gravar o bem como pretender, estando livre para utilizar-se de sua propriedade da forma que preferir.
Na medida em que o descumprimento contratual por parte das construtoras reflete em prejuízos para os adquirentes das unidades imobiliárias, surge o dever indenizatório daquelas de reparar todos os prejuízos causados por sua conduta, da forma mais ampla e abrangente possível, não excluindo nenhum fato que tenha implicado no desnivelamento da relação jurídica instaurada, além de ter por escopo a repressão da conduta do agente causador do dano.
Nesse sentido, destaca-se:
Três funções podem ser facilmente visualizadas no instituto da reparação civil: compensatória do dano à vítima, punitiva do ofensor; e desmotivação social da sonduta lesiva. (Gagliano. Pablo Stolze. Pamplona Filho. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade civil. São Paulo, 2007. p. 21) (grifo original).
Grande é a importância da responsabilidade civil, por se dirigir à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito. Na responsabilidade civil são a perda ou a diminuição verificadas no patrimônio do lesado ou o dano moral que geram a reação legal, movida pela ilicitude da ação do autor da lesão ou pelo risco. (Diniz. Maria Helena. Manual de Direito Civil. São Paulo, 2011.p. 292)
Nesse contexto, a mais recente posição do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido o direito à indenização pelos lucros cessantes em favor dos adquirentes das unidades imobiliárias, cuja entrega encontram-se em atraso pela mora das construtoras, fundamentando-se na presunção relativa do dano, partindo da premissa de que um imóvel, revestido de conteúdo patrimonial, sempre poderá ser explorado por seus proprietários, seja pela venda, aluguel, ou qualquer outra negociação sobre a qual extraia-se lucro oriundo da livre fruição do seu patrimônios.
Referida presunção somente pode vir a ser elidida diante da comprovação da construtora de inocorrência de mora, pois nesse caso, não haveria fundamento requerer lucros cessantes sobre patrimônio o qual, contratualmente, não poderia estar pronto.
Registra-se o entendimento dos respeitáveis ministros do Superior Tribunal de Justiça, no tocante a incidência dos lucros cessantes no caso de atraso na entrega da obra, sem prejuízo dos eventuais danos morais e danos emergentes, por ventura configurados, in verbis:
A inexecução do contrato pelo promitente-vendedor que não entrega o imóvel na data estipulada acarreta, além do dano emergente, figurado nos valores das parcelas pagas pelo promitente-comprador, lucros cessantes a título de alugueres que poderia o imóvel ter rendido se tivesse sido entregue na data contratada. (AgRg no REsp 1049894⁄RJ, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA, DJe 26⁄10⁄2010) (www.stj.jus.br. Acesso em 22 de maio de 2014)
A jurisprudência desta Casa é pacífica no sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. (AgRg no REsp 1.202.506⁄RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07⁄02⁄2012, DJe 24⁄02⁄2012) (www.stj.jus.br. Acesso em 22 de maio de 2014)
Observa-se que a postulação admitida pela jurisprudência sobre a condenação em lucros cessantes não se trata de uma mera hipótese de dano, mas sim do reconhecimento de um prejuízo efetivo dentro das possibilidades que os adquirentes dispunham de extrair proveitos de seu bem, como por exemplo, o aluguel ou oferecimento do bem em garantia.
Nesse contexto, importante compreender o sentido dos lucros cessantes para não confundi-lo com o que a doutrina denomina de “lucro imaginário”.
Consiste, portanto, o lucro cessante na perda do ganho esperável, na frustração a expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. [...] O lucro frustrado há de ser consequência necessária da conduta do agente [...] (Cavalieri Filho. Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo, 2012.p. 79-81)
Dano negativo ou lucro cessante ou frustrado, alusivo à privação de um ganho pelo lesado, ou seja, ao lucro que ele deixou de auferir, em razão do prejuízo que lhe foi causado. [...] o dano deve ser apreciado, em juízo, segundo o maior ou menor grau de probabilidade de converter-se em certeza. (Diniz. Maria Helena. Manual de Direito Civil. São Paulo, 2011. p. 299)
O que razoavelmente deixou de lucrar deve ser interpretada no sentido de que, até prova em contrário, se admite que o credor haveria de lucrar aquilo que o bom senso diz que lucraria, existindo a presunção de que os fatos se desenrolariam dentro do seu curso normal. [...] (REsp 61.512-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueredo, DJU, 1º dez. 1997, n.232, p.62757) (www.stj.jus.br. Acesso em 22 de maio de 2014)
Desse modo, tem-se que, ao adquirir uma unidade imobiliária, o adquirente desse imóvel está lapidando o cenário de seu patrimônio, demonstrando, portanto, de forma inequívoca, que o atraso na entrega do citado bem, compromete a fruição do mesmo, devendo haver uma compensação para o consumidor pelo atraso injustificado da obra, sobre o qual não concorreu.
Salienta-se que o descumprimento contratual e consequente atraso na entrega dos imóveis não configura mera hipótese de dano, embora não mensurável no primeiro momento, haja vista que o óbice criado para que o proprietário do bem exerça todos os direitos inerentes a essa sua condição refletem na sua esfera patrimonial, ficando impedido de explorá-lo da forma como pretendesse, esbarrando, assim, em um dano concreto.
A partir dessa compreensão, o STJ vem reconhecendo a presunção de ocorrência de lucros cessantes pelo atraso na entrega das unidades imobiliárias, entendendo ser irrelevante qual teria sido a efetiva operação realizada no imóvel pelo consumidor para embasar o dano presumido, sendo suficiente que este tenha sido tolhido de usar, fruir, dispor ou alienar o seu bem, para configurá-lo.
Ora, exigir prova de lucro cessante, nesse caso, configuraria no mínimo uma prova diabólica, pois compelir o consumidor a comprovar existência de um contrato de aluguel ou comodato (por exemplo) sobre imóvel sequer finalizado pela construtora, para ilustrar o lucro cessante reclamado em demanda judicial, revelar-se-ia uma exigência processual inviável. Nesse caso, basta chegar a conclusão lógica de que a aquisição de um bem de cunho econômico tem por finalidade acrescer o patrimônio do seu comprador, portanto, presumível o dano pelo atraso na entrega deste diante da impossibilidade de explorá-lo.
Daí vislumbra-se a legítima compreensão dos lucros cessantes presumidos, observando todas as operações que poderiam perfeitamente ser realizadas caso o adquirente já estivesse investido de todas as qualidades inerentes a condição de proprietário, mas que em razão da mora da construtora, foram inviabilizadas.
Partindo dessa premissa, tem se admitido que o adquirente, prejudicado pela mora do vendedor, postule por lucros cessantes, tomando como base da perda patrimonial o valor referente ao aluguel do imóvel, baseando-se no valor médio de mercado, enquanto perdurar a inadimplência, ou seja, enquanto não for efetivada a entrega do imóvel, com a devida entrega e averbação do Habite-se.
Importante explicitar que no ajuizamento da demanda judicial, o consumidor que buscar a tutela jurisdicional, reclamando o atraso na entrega da obra em face do inadimplemento contratual, fará jus não apenas aos lucros cessantes ora explanados, mas a eventuais danos morais sofridos, bem como danos materiais emergentes, no caso de necessidade de pagamento de aluguel de outro imóvel para residir até aguardar o seu ser entregue, por exemplo.
Tratam-se de pedidos cumulativos e compatíveis entre si, os quais tem por escopo equilibrar a relação contratual, compensando o consumidor das perdas e prejuízos percebidos durante todo o descaso do vendedor quanto ao cumprimento das cláusulas contratuais avençadas.
O instituto dos lucros cessantes presumidos, já aceito e aplicado pela jurisprudência, pode vir a ser o grande trunfo dos consumidores para combater o costumaz inadimplemento de cláusulas contratuais pelos vendedores, garantindo, assim, que princípios contratuais basilares como o pacta sunt servanda e a boa-fé objetiva dos contratos sejam respeitados também nas operações imobiliárias.