TERCEIRIZAÇÃO – UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O PL 4330/2004


17/03/2021 às 09h48
Por Ettore Ciciliati Spada

Palavras-Chave: Terceirização de Serviços, Falta de Regulamentação, Projeto de Lei 4330/2004.

 

 

1. Introdução

             

 

              Falar sobre um projeto de lei que visa regulamentar a terceirização no Brasil, para muitos é algo inaceitável, já que a primeira vista a terceirização, para os que são contrários ao projeto de lei, é uma forma de precarização dos direitos trabalhistas. No entanto será demonstrada a necessidade de regulamentação do assunto diante a clara insegurança jurídica causada pelo mesmo.

              A proposta trazida aqui é fazer uma análise crítica sobre o projeto lei 4330/2004, trazendo à tona aspectos que considero de relevância positivamente como também os aspectos negativos do projeto legal em comento. Com isso pretendo demonstrar como atualmente a legislação versa sobre o assunto e quais serão as diferenças trazidas pelo projeto.

 

 

2. TERCEIRIZAÇÃO E LEGISLAÇÃO VIGENTE

 

 

              Segundo a definição clássica da doutrina a terceirização de serviços é um fenômeno pelo qual o trabalhador é inserido no processo produtivo da tomadora de serviços tendo, no entanto vínculo empregatício com a empresa prestadora de serviços. É, portanto, uma relação trilateral ou triangular(diferente do modelo clássico empregatício que se funda em uma relação bilateral) na qual o trabalhador presta serviço para o tomador, todavia possui relação jurídica com a prestadora de serviços.

              MauricioGodinho Delgadoassevera que: “Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente” (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 435).

              Para que haja a caracterização de uma relação de empregoé necessário que seja preenchido todos os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam:  serviço prestado por pessoa física, subordinação, pessoalidade, onerosidade e não-eventualidade.  Já na Terceirização de serviços, levando em consideração apenas a relação entre o trabalhador e a tomadora, os requisitos da pessoalidade e subordinação são inexistentes, Isso ocorre pelo fato de que o trabalhador é empregado da prestadora e não da tomadora de serviço.

              Importante esclarecer também que para o Direito do Trabalho apenas a terceirização lícita é permitida, conforme disposto na súmula 331 do TST. Conforme destaca Gustavo Filipe Barbosa Garcia: “Analisando a atual Súmula 331, tem-se como lícita a contratação deserviços de vigilância (Lei 7.102/1983), de conservação e limpeza, “bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta” (inciso III da Súmula 331, do TST)” (GARCIA, GUSTAVO FILIPE BARBOSA, Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed. , Rio de Janeiro: Forense, 2012, Capítulo 12, p. 349).

              Atualmente no Brasil não temos qualquer legislação que regulamenta a terceirização de forma que atinja toda a classe trabalhadora. Isso porque, o que temos são apenas algumas leis que tratam de determinadas atividades que podem ser terceirizadas.

              Perante a CLT em seu artigo 455, temos a figura da subempreitada, que é uma forma de subcontratação de mão-de-obra, na qual o subempreiteiro responde pelo inadimplemento das obrigações derivadas do contrato de trabalho, cabendo aos empregados ingressarem com reclamação trabalhista contra o empreiteiro principal.

              Por meio do art. 10 do Decreto-lei n. 200/67 e da Lei n. 5.645/70, foi instaurada a terceirização de serviços no âmbito do serviço público, que tinha como finalidade, descentralizar as atividades executivas e instrumentais da Administração Pública (execução indireta de serviços), através da contratação de empresas privadas.

              Já com a lei 6.019/74 surge a figura do trabalhador temporário, que é meio pelo qual ocorre a terceirização de serviços de maneira transitória. Segundo o artigo 2º da referida lei, o trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. Importante destacar que a lei 6.019/74 sofreu recente alteração pela lei 13.429 de 31 de março de 2017.

              Temos também em nosso ordenamento jurídico a lei 7.102/83 que trata da terceirização de vigilância em banco, que inicialmente poderia ser aplicada apenas nas instituições financeiras, no entanto, passou a valer também para que quaisquer estabelecimentos, públicos ou privados, ou até mesmo pessoas físicas, possam contratar serviços de vigilância de formaterceirizada.

              Por fim, importante destacar que na década de 90, no Brasil, houve o surgimento dos regimes de concessão que autorizaram a prestação de determinados serviços de forma terceirizada. Com a lei 8987/95 foi estabelecido o regime de concessão e permissão dos serviços de energia elétrica. Já a lei 9472/97 estabeleceu o regime de concessão e permissão dos serviços de telefonia.

 

3. NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DA TERCERIZAÇÃO

 

 

              Como demonstrado, no Brasil é patente a falta de regulamentação da Terceirização. Isso porque, a existência de apenas leis esparsas que autorizam a terceirização de certas atividades, bem como a súmula 331 do TST que prevê a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços no caso de inadimplemento das verbas trabalhista por parte da prestadora de serviços, é insuficiente para regulamentar toda a questão que versa sobre a terceirização.

              Além do mais, a falta de regulamentação gera uma grande insegurança jurídica, uma vez que a Justiça do Trabalho recebe anualmente um número exacerbado de reclamações trabalhistas que envolvem a discussão acerca dos direitos dos trabalhadores contratados pelas empresas terceirizadas. Portanto, resta claro que a falta de regulamentação contribui muito com este problema.

              Pela falta de regulamentação as empresas ficam receosas em fazer uma contratação nessa modalidade, já que não sabem quais atividades podem ou não ser terceirizadas. Inclusive até mesmo as grandes empresas, que possuem uma excelente estrutura interna, contando inclusive com um setor jurídico para esclarecerem este tipo de dúvida, ainda assim, são penalizadas pela falta de regulamentação.

              Ou seja, mesmo na hipótese de uma empresa querer fazer a contratação de serviços terceirizados de forma lícita, ainda sim, corre risco de gerar um grande passivo trabalhista, em razão da falta de regulamentação. Vale ressaltar que para muitas empresas, a terceirização não é uma questão de diminuição de gastos e sim uma questão de necessidade, por ser tratarem de serviços especializados, sendo, portanto, mais benéfica para a empresa, fazer este tipo de contratação. Todavia, como já explanado, há o receio em realizar novas contratações de serviços terceirizados, mesmo que necessários, e, tal fato contribui para a diminuição da eficiência e qualidade dos serviços, perdendo também a competitividade e, consequentemente as empresas deixam também de gerar lucro e com isso fica prejudicado também a ampliação dos postos de trabalho.

              Deste modo, considerando que o trabalho terceirizado é a realidade de uma grande parcela dos empregados, a ausência de regulamentação legal é um problema jurídico-social, devendo este tema ser tratado com urgência e relevância.

             

 

4. PROJETO DE LEI 4330-I/2014

 

 

              Neste contexto, é importante fazermos uma análise do projeto de lei em comento, eis que, sendo ele uma proposta que visa regulamentar a prestação de serviços terceirizados, o mesmo traz consigo aspectos positivos e negativos. Importante ressalvar que será feito uma análise geral do que em minha ótica considero como aspectos positivos e negativos.

 

4.1. ASPECTOS POSITIVOS

 

 

              De maneira geral podemos apontar como relevante a proposta no que se refere à constante preocupação em se evitar fraudes trabalhistas nos contratos de prestação de serviços terceirizados. Isso porque em diversos artigos do projeto de lei é possível perceber que a intenção do legislador foi no sentido de estabelecer diversos critérios para que os contratos de prestação de serviços terceirizados sejam válidos, evitando-se assim a formação de empresas (contratadas) inidôneas, que não têm o menor zelo nem com as empresas contratantes, tão pouco com seus empregados.

              Nesse diapasão podemos destacar o inciso III do artigo 3º. do PL que define a empresa contratada como sendo as associações, sociedades, fundações e empresas individuais que sejam especializadas e que prestem serviços determinados e específicos relacionados a parcela de qualquer atividade da contratante e que possuam qualificação técnica para a prestação do serviço contratado e capacidade econômica compatível com a sua execução.

              Com o intuito de se evitar fraudes, é importante destacarmos o § 2º do referido artigo, que dispõe sobre quem não pode figurar como contratada, como na hipótese da pessoa jurídica cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado da contratante (inciso I); a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade (inciso II); a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos 12 (doze) meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados (inciso III).

              O § 3º do artigo 3º do PL dispõe que a contratada deverá ter objeto social único, compatível com o serviço contratado. Já o § 4º dispõe que deve constar expressamente do contrato social da contratada a atividade exercida, em conformidade com o art. 511 da CLT.

              O § 5º estabelece as maneiras de demonstração da qualificação técnica da contratada para a prestação do serviço contratado.

              Importante destacarmos também que o artigo 4º, § 1º, dispõe sobre a responsabilidade da empresa contratante na hipótese em que for constatado que os elementos da relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada, a contratante ficará sujeita a todas as obrigações dela decorrentes, inclusive trabalhistas, tributárias e previdenciárias.

              Outro relevante ponto a ser destacado é no que tange aos direitos assegurados aos empregados da contratada quando e enquanto os serviços forem executados nas dependências da contratante ou em local por ela designado. O artigo 12 do PL trata desses direitos como sendo os relativos: a) alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; b) direito de utilizar os serviços de transporte; c) atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado; d) treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir. Já o artigo 13 destaca que a empresa contratante deve garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos empregados da contratada.

              Por fim temos como relevante aspecto, a responsabilidade solidária da empresa contratante (artigo 15) em relação às obrigações trabalhistas e previdenciárias devidas pela contratadaem relação às seguintes obrigações (artigo 16, incisos I à VI): I — pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal remunerado e décimo terceiro salário; II — concessão de férias remuneradas e pagamento do respectivo adicional; III — concessão do vale-transporte, quando for devido; IV — depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS; V — pagamento de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados dispensados até a data da extinção do contrato de terceirização; VI — recolhimento de obrigações previdenciárias.

              Estes foram os pontos que entendo serem mais relevantes que o projeto de lei 4330/2004 nos trouxe. Vale ressalvar que o projeto de lei contem outros pontos positivos, mas que não são objetos de análise neste artigo, pelo fato de já haver previsão legal e jurisprudencial que tratam acerca destes assuntos. Por esta razão deixo de menciona-los aqui.

 

4.2. ASPECTOS NEGATIVOS

 

             

              Primeiro ponto negativo do projeto de lei 4330-I/2004 a ser tratado refere-se a definição da terceirização trazida pelo o artigo 2º, I, que dispõe como sendo a terceirização a transferência feita pela contratante da execução de parcela de qualquer de suas atividades à contratada.

              Tal definição é preocupante pelo fato de que a empresa poderá realizar a terceirização tanto da atividade-meio quanto da atividade- fim, sendo esta ultima considerada ilícita pela vigente legislação. Além disso, o legislador não definiu o conceito e a limitação desta “parcela” de qualquer de suas atividades. Ou seja, ao dar essa definição de terceirização, o legislador esta autorizando que seja realizada a terceirização de qualquer atividade da empresa tomadora (contratante) e, além disso, criou ainda mais insegurança jurídica por não estabelecer critério para qual seria o limite desta parcela. Poderia então a empresa contratante terceirizar 20% de suas atividades? 50%? 70%? 90%?Utilizando-se a interpretação literal desta deste dispositivo legal, a parcela de qualquer atividade da empresa que poderia ser terceirizada poderia ser de até 99%.

              Apesar de ser importante a definição sobre a terceirização, esta tem que ser feita com mais critério, para não gerar mais insegurança jurídica como no caso do artigo 2º, I do PL em comento.

              Outra questão polêmica é a que trata da não responsabilização dos entes da Administração Pública, já que segundo o § 2º do artigo 1º do PL 4330/2004, as disposições desta Lei não se aplicam aos contratos de terceirização no âmbito da administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

              Ocorre que, nos termos do inciso V da súmula 331 do TST, os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, pelas obrigações trabalhistas, caso evidenciado a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. Todavia, se o projeto de lei for aprovado do jeito que está, os entes da Administração Pública (direta e indireta) não responderão pelas obrigações trabalhistas nem mesmo de forma subsidiária, como previsto na súmula 331 do TST

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

             

              Considerando a legislação trabalhista brasileira vigente temos que a terceirização de serviços, tema polêmico, que embora esteja a tempo inserido em nossa realidade justrabalhista, em verdade há uma falta de regulamentação sobre o tema. Como consequência temos uma grande insegurança jurídica pelo número exacerbado de reclamações trabalhistas que versam sobre o tema em apreço. Além disso, a insegurança jurídica também é decorrente da falta de regulamentação na qual as empresas não sabem quais atividades podem ou não ser terceirizadas.

              Por esta razão é de suma importância que seja feita uma regulamentação da terceirização para evitar que mais empresas e empregados sejam prejudicados.

              Neste diapasão o projeto de lei 4330/2004 assume papel importante nesta transformação social do Direito do Trabalho. Todavia apesar de no geral ser um projeto positivo, já que ele propõe fazer a regulamentação dos serviços terceirizados, demonstrando inclusive uma preocupação em se evitar fraudes trabalhistas, estabelecendo diversos critérios para que os contratos de prestação de serviços terceirizados sejam válidos, evitando-se assim a formação de empresas (contratadas) inidôneas, também devemos levar em consideração a existência de aspectos negativos que podem causar mais insegurança jurídica

  • Terceirização de Serviços, Falta de Regulamentação

Referências

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2011;

 

GARCIA, GUSTAVO FILIPE BARBOSA, Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed. , Rio de Janeiro: Forense, 2012;

 

PESSOA, Valton, A Terceirização no Brasil – Análise dos Aspectos Trabalhistas da PL 4330/2004, São Paulo: LTr  Suplemento Trabalhista, vl. 085/2015;

 

PINTO, Maria Cecília Alves, TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS - RESPONSABILIDADE DO TOMADOR, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, jan./jun.2004.


Ettore Ciciliati Spada

Advogado - Paulínia, SP


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