A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE
Eduardo Vinicius de Oliveira Castilho[1]
Prof. Ms. Gilson Cesar Augusto da Silva[2]
RESUMO
Este estudo apresenta a atuação do Ministério Público em prol da tutela ambiental. O Ministério Público, nos termos do artigo 127, caput, da Constituição Federal, é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, a quem incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Para este exercício constitucional de garantia de meio ambiente saudável e equilibrado, o órgão ministerial foi dotado de instrumentos para o efetivo exercício de suas funções e atribuições. Na esfera penal, o Ministério Público atua na busca da punição para o infrator dos crimes ambientais previstos na Lei Federal nº. 9.605/1998. Na esfera cível, atua visando à compensação e/ou reparação dos danos causados ao meio ambiente. O Inquérito Civil, a Ação Civil Pública, o Termo de Ajustamento de Conduta, as Recomendações do Ministério Público, além da Ação Penal Pública, e até o questionado Mandado de Segurança Coletivo são instrumentos disponíveis para coibir, evitar, reparar e punir ações danosas ao meio ambiente. Mesmo quando o citado órgão não é autor da demanda, é parte no processo, devendo agir na função de fiscal da lei. A pesquisa se deu na forma de análise bibliográfica, documental e jurisprudencial utilizando os métodos descritivos e dedutivos para sua completa elaboração.
Palavras-chave: Direito Ambiental; Direito Penal; Ministério Público; Meio Ambiente.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO, 1 O MINISTÉRIO PÚBLICO, 1.1 O objeto da tutela ambiental e o Ministério Público, 2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PROCESSO AMBIENTAL, 2.1 A Ação Penal Pública, 2.2 Ação Civil Pública, Inquérito Civil, Compromisso de Ajustamento de Conduta e Recomendações do Ministério Público, 2.3 Mandado de Segurança Coletivo CONCLUSÃO, REFEREÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Após a redemocratização ocorrida no Brasil na metade da década de 80, a Constituição Federal recém promulgada trouxe grandes conquistas na esfera dos direitos difusos e coletivos, dando peso constitucional a vários destes, inclusive ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, além das diversas legislações infraconstitucionais regulamentando a proteção ambiental.
Apesar de recente na legislação constitucional brasileira, a preocupação com a causa ambiental é tema de discussão em civilizações e ordens jurídicas antigas, como por exemplo, a regra de proibição do desmatamento indiscriminado presente na Lei hebraica Deuteronômio, que visa coibir eventuais desatinos durantes guerras de cerco, ratificando que a natureza deve ser preservada a todo custo.
Quando sitiares uma cidade por muitos dias, combatendo contra ela para a tomar, não destruas as suas árvores, metendo nelas o machado, porque de seu fruto comerás. Não as cortarás. São as árvores do campo pessoas para que sejam sitiadas por ti? Somente as árvores que souberes não serem frutíferas poderás destruir e cortar, a fim de edificares baluartes contra a cidade que está em guerra contra ti, até que seja derrubada (DT, 20:19-20).
Essa importância dada, ao meio ambiente desde os primórdios da humanidade entre os povos da antiguidade, mesmo que ainda superficial e pouco comum, se deve ao fato de que o homem degrada o ambiente em que vive em prol da produção dos bens de consumo, alimentos, cidades, etc. A partir do momento que esta ação desenfreada do homem produz consequências na vida prática, gera conflitos de interesses até então inexistes. Essas novas relações jurídicas necessitavam de um tipo de regulamentação para preservar o equilíbrio social.
Entre os gregos, na antiga cidade de Atenas, as leis revelam a preocupação dos governantes com a conservação da cidade e o bem estar de seus cidadãos. É o que se pode notar com a leitura da regra relativa à limpeza, datada de 440 a.C: “não é permitido autorizar que peles apodreçam no rio Ilissos acima do templo de Haracles; ninguém tem permissão para curtir peles ou jogar lixo no rio” (ARNAOUTOUGLOU, p. 117).
Na história brasileira, logo após o descobrimento vigorava em território colonial a lei de Portugual, chamada de Ordenações Afonsinas. Encontramos neste documento a preocupação com o meio ambiente, claramente influenciado pela antiga lei bíblica acima citada, a exemplo do dispositivo que tipificava o crime de injúria ao rei o corte de árvores frutíferas. No reinado de Manuel I de Portugal, suas Ordenações chamam atenção para a questão ambiental nos dispositivos que proibiam a comercialização de colmeias sem a preservação das abelhas, ou ainda, da caça de animais como coelhos e lebres com instrumentos que podiam denotar crueldade ou tortura. Sobre a tipificação de proibição de corte de árvores frutíferas passou a ser punida com o degrado para o Brasil quando a árvore abatida tinha valor superior a trinta cruzados. Já as Ordenações Filipinas proibiam que fosse jogado na água qualquer material que matasse os peixes ou poluísse rios e lagoas.
Já gozando de independência, o país criou o Código Criminal de 1830, tipificando como crime o corte ilegal de madeira. Nesse período foi criada também a teoria da reparação dos danos ecológicos, além da “Lei das Terras” (Lei 601/1850), que discriminava a ocupação do solo no que dizia respeito a ilícitos como desmatamentos e incêndios criminosos.
A Constituição de 1934 realçou a proteção do meio ambiente como responsabilidade do poder público, além de determinar a competência da União e dos Estados para proteger as belezas naturais e monumentos de valor histórico e artístico.
Em meados de 60, após perceber que até então o país vivia uma exploração desregrada do meio ambiente, sob forte influência internacional, foram editadas leis visando o controle da exploração dos recursos, como o antigo Código Florestal, de 1965, o Código da Caça, de 1967, hoje mais conhecido como Código de Proteção da Fauna, e o Código de Mineração de 1967. Logo após vieram a Lei de Responsabilidade por Danos Nucleares, a Lei de Zoneamento Industrial nas áreas Críticas de Poluição, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, entre outras legislações.
O ponto crucial no que se refere ao meio ambiente foi com a promulgação da nossa Lei Maior, de 1988, trazendo não só um capítulo dedicado à sua proteção, mas diversos outros dispositivos esparsos no texto legal. Para tal legiferação, inegável o peso influenciador da Declaração sobre o Ambiente Humano, realizada Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, na Suécia em 1972:
“O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. A esse respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o “apartheid”, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira permanecem condenadas e devem ser eliminadas. Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada. Deve ser mantida e, sempre que possível, restaurada ou melhorada a capacidade da Terra de produzir recursos renováveis vitais. O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio representado pela flora e fauna silvestres, bem assim o seu “habitat”, que se encontram atualmente em grave perigo por uma combinação de fatores adversos. Em conseqüência, ao planificar o desenvolvimento econômico, deve ser atribuída importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres.” (ONU, 1972).
O meio ambiente deve, assim, ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para assegurar a sua proteção, especialmente às gerações futuras, direcionando todos os esforços do Poder estatal para a proteção legislativa interna, além da adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, visando evitar prejuízos da coletividade em detrimento de certos bens (recursos naturais) a uma finalidade puramente individual. Nesse sentido, a Constituição de 1988 é clara ao consagrar como obrigação do Poder Público a defesa, preservação e garantia de efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é condição indispensável para a realização da dignidade da pessoa humana, fonte da qual provêm todos os direitos fundamentais.
Como já dito, a base do Direito Ambiental brasileiro se encontra cristalizada na Lei Maior: competências legislativas (artigos 22, IV, XII e XXVI, 24, VI VII e VIII, e 30, I e II); competências administrativas (artigo 23, III, IV, VI, VII e XI); Ordem Econômica Ambiental (artigo 170, VI); meio ambiente artificial (artigo 182); meio ambiente cultural (artigos 215 e 216); meio ambiente natural (artigo 225), formando o chamado Direito Constitucional Ambiental.
1 O MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal, art. 1º da Lei nº. 8.625/93 art. 1º da Lei Complementar nº. 75/93 e art. 1º da Lei Complementar/SP nº. 734/93).
O Ministério Público, com um formato singular, é uma instituição pública, entretanto, como defendente constitucional dos interesses da sociedade, mantém-se independente em relação ao Estado. Esse traço institucional consiste numa garantia contra qualquer forma de violação aos direitos “metaindividuais”, inclusive àqueles praticados pelo Poder Público.
O surgimento do Ministério Público no Brasil se dá no Código de Processo Criminal de 1832, sob rápida referência como “promotor da ação penal”. Foi regulamentado com o Decreto nº. 120/1843, afirmando que os promotores seriam nomeados pelo Imperador e pelos Presidentes Provinciais, por tempo definido, e serviriam enquanto houvesse conveniência para o serviço público. Em 1876 surgiu o Procurador da Coroa, pessoa responsável das atribuições típicas do promotor, atuando na segunda instância da justiça da época.
A Constituição de 1891 referiu-se, no artigo 58, §2º, ao Procurador-Geral da República, a ser escolhido entre os membros do então Supremo Tribunal Federal, mas a preocupação com a instituição veio apenas com a Constituição de 1934, regulando-o no Título I (Da organização Federal) Capítulo VI (Dos órgãos de cooperação nas actividades governamentaes) Secção I (Do Ministério Público). Esta Constituição previu a existência do Ministério Público na União, no Distrito Federal e Territórios e nos Estados, a serem organizados por lei. O Chefe do Ministério Público no âmbito federal passou a ser nomeado pelo Chefe do Poder Executivo.
A Constituição de 1946 situou o Ministério Público em título especial, independente dos demais poderes do Estado. Houve inovação da escolha do Procurador-Geral da República, agora com a participação do Senado Federal, que deveria aprovar a escolha do Presidente da República.
A constituição atual manteve a Instituição em capítulo especial, fora da estrutura dos demais poderes da República, consagrando sua autonomia e independência ampliando-lhe as funções, sempre em defesa dos direitos, garantias e prerrogativas da sociedade.
As funções do Ministério Público foram ampliadas pela nova ordem constitucional, transformando-o em um verdadeiro defensor da sociedade, tanto no campo penal com a titularidade exclusiva da ação penal pública, quanto no campo cível como fiscal dos demais Poderes e defensor da legalidade e a moralidade administrativa, conforme se observa em análise do artigo 129 da Lei Maior.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.” (BRASIL. 1988).
Importante salientar que o rol constitucional das funções do Ministério Público não é taxativo. A própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Federal nº. 8.625/93), em seu artigo 25 estabelece outras funções ministeriais de grande importância, como propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Federal; promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, para a proteção, prevenção e reparação aos danos causados no meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos, e para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem; manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei, e ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos; exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência; deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e penitenciária e outros afetos à sua área de atuação; ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas; interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, etc.
Como já dito, permite-se outras funções ministeriais, assim como já decidido em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.794/DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão: 14 dez. 2006, que outras funções podem ser previstas, tanto em nível federal quanto em nível estadual, inclusive pelas Constituições estaduais e pelas diversas leis orgânicas dos Estados-membro, desde que adequadas à finalidade constitucional do Ministério Público, independentemente de previsão normativa complementar ou ordinária.
1.1 O objeto da tutela ambiental e o Ministério Público
Se por um lado é certo que todos possuem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, merece destaque saber, inicialmente, o que poderia ser considerado como meio ambiente e o respectivo alcance do seu conceito. Diz José Afonso da Silva:
“O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive. Daí por que a expressão ‘meio ambiente’ se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra ‘ambiente’. Esta exprime o conjunto de elementos; aquela expressa o resultado da interação desses elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente, correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico” (SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. Malheiros Editores, 2013, p.20).
A “interação”, conforme nossa Carta Magna, é a palavra central na definição de meio ambiente, seja ela entre elementos naturais, culturais ou artificiais. Em breve lógica, entende-se por “meio ambiente ecologicamente equilibrado” nada mais que a interação harmônica entre os elementos naturais, culturais e artificiais sem significar, no entanto, uma relação estática. O que se busca, de fato, é que dentro dessa interação, através da qual a atividade humana é determinante, haja equilíbrio suficiente para privilegiar a qualidade de vida (e a vida em todas as outras formas) para as presentes e futuras gerações.
Responsável pela fiscalização e até mesmo pela inauguração do litígio quando se trata da implementação das normas protetoras do meio ambiente, o Ministério Público leva consigo uma grande responsabilidade. Seja em função da competência que lhe fora outorgada por força da Lei 7.347/85, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, seja em razão da elevação dessa competência a nível constitucional, quando foi promulgada a Constituição Federal de 1988, ficando o órgão ministerial com o dever de promover a proteção do meio ambiente, atuando sempre no processo, ou como autor da ação, ou como fiscal da lei.
O Ministério Público exerce representação funcional, modalidade de representação política diversa da representação eleitoral, atribuída pela Carta Magna e pela legislação infraconstitucional, o que faz com que o “parquet” se apresente como ente intermediário entre os indivíduos e os representantes eleitos, com atuação direcionada, para o que aqui importa, à defesa dos interesses da sociedade em matéria ambiental. Assim, embora não eleitos, os membros do Ministério Público têm legitimidade, sob o ponto de vista político, para representar os interesses do corpo social na defesa do meio ambiente, dentro do quadro de uma representação ampliada, consagrada pela CF, que combina a representação político-eleitoral com a representação funcional, ambas complementares
Sua missão constitucional é, portanto, a proteção do meio ambiente. Essa proteção tem grande relevância quando observada sob a ótica da prevenção, ainda que também o seja possível sob a perspectiva da repressão. É a prevenção que interessa mais, tanto para a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, quanto para a vida na terra, notadamente a vida humana, haja vista as complexas e compreensíveis dificuldades de se restabelecer um meio ambiente saudável após a sua depredação.
O objeto da tutela ambiental é a qualidade de vida, objetivo final da preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem o qual não se pode falar em dignidade, desenvolvimento social e direitos sociais. Mister a citação, novamente, de José Afonso da Silva, com sua esclarecedora lição:
O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as demais formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como a de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como a iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade de vida (Ibid. p. 73).
O Ministério Público tem o dever de perseguir a preservação do meio ambiente para a finalidade do direito à qualidade de vida, através de implementação da legislação existente.
2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PROCESSO AMBIENTAL
No âmbito do processo coletivo ambiental, o Ministério Público, dentre todos os entes intermediários habilitados a agir em juízo, é, sem dúvida nenhuma, aquele que tem posição mais destacada. De fato, no sistema jurídico brasileiro, a regra é a da legitimação do Ministério Público para a propositura das ações coletivas ambientais, a ele sendo reconhecida, na quase totalidade dos instrumentos processuais, o poder de provocar o exercício da jurisdição na defesa do meio ambiente. Além disso, nos casos em que não exerce a ação, o Ministério Público intervém, necessariamente, como fiscal da ordem jurídica (custos legis).
Aliás, para o órgão ministerial há mais que poder de agir e de intervir em defesa do meio ambiente. Na verdade, está-se diante de autêntico dever-poder de agir e de intervir em juízo para a tutela da qualidade ambiental, vigorando, para o “parquet”, o princípio da obrigatoriedade da ação e da intervenção na matéria.
Aspecto relevante a ser ressaltado é o de que toda a atividade processual desenvolvida pelo Ministério Público nas ações coletivas ambientais deve se orientar, invariavelmente, no sentido da adequada proteção jurisdicional do meio ambiente. Não há que se falar na imparcialidade do membro do Ministério Público, ainda quando atue como “custos legis”. Sua atividade, mesmo na função de fiscal da ordem jurídica, está permanentemente vinculada à defesa do meio ambiente, de sorte que a sua intervenção, longe de ser desinteressada, destina-se a auxiliar o autor da demanda e, ao mesmo tempo, a controlar a atuação processual do demandante.
Como diz Hugo Nigro Mazzilli:
É preciso deixar claro que, ao contrário do juiz, que é tecnicamente desinteressado da solução da lide, o Ministério Público sempre tem um interesse a zelar dentro da relação processual. Ora esse interesse é indisponível e está ligado a uma pessoa ou a uma relação jurídica, ora diz respeito à defesa da coletividade como um todo e então terá caráter social. Em todos esses casos, porém, o papel do Ministério Público não se confundirá com o juiz: atua mal o membro do Ministério Público que procura comportar-se como um minijuiz, ou que, invocando a velha concepção de mero fiscal da lei, só contempla o que está ocorrendo dentro do processo e, ao final, dá um parecer como mero e desnecessário assessor jurídico do juiz. Na verdade, o papel do Ministério Público — seja enquanto órgão agente ou interveniente — será o de concorrer de maneira eficiente para a defesa do interesse público cuja existência justificou seu ingresso nos autos (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.93).
2.1 A Ação Penal Pública
Passada a fase da vingança privada, o Estado tomou para si o monopólio da persecução penal, e, com o cometimento da infração penal, sendo atingido um interesse público, surge para o direito-dever de exercer o “jus puniendi”, com a imposição da respectiva sanção àqueles que infrinjam o mandamento penal proibitivo.
De acordo com Afrânio Silva Jardim:
No que diz respeito à função estatal de prevenir ou reprimir as infrações penais, mais preciso seria afirmar que o direito penal constitui a regra material que impõe a atuação dos poderes públicos. Instrumentalmente, a função preventiva do Estado é exercida em obediência aos postulados do direito administrativo, enquanto a repressão penal se faz respeito ás normas e princípios do direito processual penal (JARDIM, Afrânio Silva. Ação Penal Pública. Princípio da Obrigatoriedade, Rio de Janeiro, Forense, 1988, p. 14).
De acordo com o Código de Processo Penal brasileiro, em seu artigo 237, cabe ao Ministério Público a promoção da ação penal pública e a fiscalização das leis. Conforme Vicente Greco Filho “essas duas funções, às vezes aparentemente contraditórias, não o são na verdade, porque a função acusatória também é uma forma de promoção da atuação da lei” (GRECO FILHO, 1993, p. 218).
A Lei Federal nº. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, também denominada “Lei dos Crimes Ambientais”, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Com o surgimento, a legislação no tocante á proteção ambiental é centralizada.
A Lei dos Crimes Ambientais, em seu artigo 26, dispõe que nas infrações previstas em seu texto legal, a ação penal será pública incondicionada, a ser promovida pelo representante do Ministério Público. Apesar do início da ação penal ser de exclusividade do Ministério Público, nada impede que qualquer do povo leve ao conhecimento daquele a ocorrência de algum infração penal, como se observa em análise do artigo 27 do Código de Processo Penal:
“Art. 27. Qualquer do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção” (BRASIL, 1941).
Por ser a ação penal de caráter incondicionado, enseja a imediata instauração de inquérito policial ou a lavratura de termo circunstanciado, se for crime de menor potencial ofensivo. Após as investigações e formada a convicção da ocorrência da infração, o representante do Ministério Público faz a denuncia, e, se aceita, inicia-se a ação penal em busca da responsabilização penal daqueles que alguns danos causaram ao meio ambiente.
As penas previstas pela Lei de Crimes Ambientais são aplicadas conforme a gravidade da infração: quanto mais reprovável a conduta, mais severa a punição. Ela pode ser privativa de liberdade, onde o sujeito condenado deverá cumprir sua pena em regime penitenciário; restritiva de direitos, quando for aplicada ao sujeito -- em substituição à prisão -- penalidades como a prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, suspensão de atividades, prestação pecuniária e recolhimento domiciliar; ou multa.
A pessoa jurídica infratora é sujeita a penalizações. Aplicam-se as penas de multa e/ou restritivas de direitos, que são: a suspensão parcial ou total das atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. Também é possível a prestação de serviços à comunidade através de custeio de programas e de projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Pode o Ministério Público, se achar conveniente, utilizar-se do instituto do artigo 76 da Lei nº. 9.099/95 – Transação Penal – pelo qual, em casos de crimes ambientais de menor potencial ofensivo, e cumprindo as exigências do §2º do retro citado artigo, poderá ofertar a aplicação imediata da pena restritiva de direito ou multas, desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade. Há também possibilidade de aplicação do instituto do artigo 89 da Lei 9.099/95, porém, com algumas modificações, assim como dispõe o artigo 28 da Lei dos Crimes Ambientais:
“Art. 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações:
I - a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do § 1° do mesmo artigo;
II - na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a reparação, o prazo de suspensão do processo será prorrogado, até o período máximo previsto no artigo referido no caput, acrescido de mais um ano, com suspensão do prazo da prescrição;
III - no período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos II, III e IV do § 1° do artigo mencionado no caput;
IV - findo o prazo de prorrogação, proceder-se-á à lavratura de novo laudo de constatação de reparação do dano ambiental, podendo, conforme seu resultado, ser novamente prorrogado o período de suspensão, até o máximo previsto no inciso II deste artigo, observado o disposto no inciso III;
V - esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de punibilidade dependerá de laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências necessárias à reparação integral do dano.” (BRASIL, 1998).
Em suma, a tutela penal ambiental, regulamentada pela Lei n. 9.605/98, visa à proteção da flora, da fauna, da sanidade do meio ambiente, da cultura e da administração ambiental brasileira. Busca-se através do direito penal, a penalização dos infratores.
2.2 Ação Civil Pública, Inquérito Civil, Compromisso de Ajustamento de Conduta e Recomendações do Ministério Público.
Introduzida no ordenamento jurídico pela Lei n. 7.347/85 – Lei de Ação Civil Pública – é um instrumento que tem por objetivo a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, por infração da ordem econômica e da economia popular, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos, ao patrimônio público e social e a qualquer interesse difuso ou coletivo (art. 1º da Lei 7.347/1985).
Interesse difuso, de acordo com o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, são os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Já interesses coletivos, são, de acordo com o mesmo artigo, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Assim, os direitos ambientais apresentam caráter difuso. “Tal condição, portanto, imprime a esses direitos uma natureza indivisível. Ou seja, trata-se “de um objeto que, ao mesmo tempo, a todos pertence, mas ninguém em específico o possui. Um típico exemplo é o ar atmosférico’” (FIORILLO, 2010, p. 55).
A Ação Civil Pública tem sido um meio muito utilizado para a defesa dos interesses difusos e coletivos, tendo um amplo rol de legitimados à sua propositura, sendo, de acordo com o artigo 5º. da Lei nº. 7.347/85 o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e a associação que esteja constituída há pelo menos um ano nos termos da lei civil e que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
O órgão ministerial propõe a maioria absoluta das Ações Civis Públicas, e mesmo quando ele não a propõe, obrigatoriamente atua no processo como fiscal da lei. Há ainda a possibilidade de entrar no pólo ativo da ação quando por desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada.
Diferentemente da Ação Civil Pública, onde há vários legitimados para sua propositura, a Lei n. 7.347/85 trás, em seu artigo 8º, §1º o Ministério Público como o único legitimado a instauração do Inquérito Civil, não obstante a Ação Civil Pública possa ser proposta com base em investigação do inquérito civil ou outras provas existentes que dispensem, por comprovada conduta lesiva ou potencialmente lesiva, a instauração do inquérito civil. Nas definições de Édis Milaré “O inquérito civil é um procedimento administrativo investigatório, de caráter inquisitivo, instaurado e presidido pelo Ministério Público; seu objetivo é, basicamente, a coleta de elementos de convicção para as atuações processuais ou extraprocessuais a seu cargo” (MILARÉ, 2005, p. 639). Serve como formação da convicção necessária para a propositura da Ação Civil Pública.
Por ser instrumento de investigação exclusivo do Ministério Público, e por deter a característica de procedimento investigativo, parecido e influenciado pelo inquérito policial, não há contraditório, não há rigores e nem exigências em se colher uma prova antes da outra, ou de fazer esta perícia antes daquela perícia, tendo, portanto, um caráter informal, porém, respeitando um rigoroso sistema de legalidade, incluindo controle de instauração, tramitação e arquivamento.
Sua instauração se dá quando o órgão ministerial necessita instruir-se sobre existência de lesão ou possibilidade de lesão a um dos interesses cuja defesa lhe seja conferida pela Lei. Ao receber peças de informação, se estas forem incompletas, e são insuficientes para permitir de logo ou a propositura da ação civil, ou o arquivamento, e estas peças necessitem de complementação para a tomada de providências, o promotor de justiça instaurará procedimento preparatório, anterior ao inquérito civil. O procedimento preparatório é utilizado para rápida complementação de diligências imediatas e necessárias à instauração do inquérito civil, para a sua fundamentação. Após a instauração do inquérito civil, por meio de portaria ou despacho, ambos fundamentados, inicia-se a fase de tramitação, onde o promotor de justiça coletará informações, na busca da verdade real, requisitará, se necessário, perícias, inspeções, documentos e todos os tipos legais de formação de provas, contando, ainda, com a possibilidade da condução coercitiva para oitiva do investigado e/ou testemunhas ou até vítimas de conduta danosa, quando comparecimento do agente for realmente necessário para a prática do ato de relevo no inquérito civil e quando, já notificado, o agente, injustificadamente, não comparece.
Quando convencido da existência de ato lesivo ou potencialmente lesivo ao meio ambiente, deverá o promotor de justiça oferecer denuncia, propondo, desta forma, a Ação Civil Pública. Caso, após todo o procedimento investigativo, esteja o membro do Ministério Público convicto que o agente não praticou atos que ensejem a propositura da retro citada Ação, arquivará o inquérito civil, promovendo direta e fundamentadamente o arquivamento, sem intervenção judicial alguma. A exigência para que seja fundamentada a promoção do arquivamento se dá pelo fato de que haverá revisão do ato pelo órgão colegiado competente do Ministério Público. No caso do Ministério Público dos Estados, diz a Lei de Ação Civil Pública que o órgão colegiado é o Conselho Superior do Ministério Público. Quanto aos diversos ramos do Ministério Público da União, a Lei Complementar nº. 75/93 estabeleceu esta tarefa a uma de suas Câmaras de Coordenação e Revisão.
O Ministério Público atua como substituto processual de toda a coletividade, defendendo em juízo, em nome próprio, direito de outrem, não substitui o titular na relação de direito material, apenas e tão somente na relação processual. Dessa forma, não podia o substituto praticar ato algum que, direta ou indiretamente, importe em disposição do direito material do substituído, como a transação. De acordo com Pontes de Miranda, a transação é “negócio jurídico bilateral, em que duas ou mais pessoas acordam em concessões recíprocas, com o propósito de pôr termo à controvérsia sobre determinada ou determinadas relações jurídicas, seu conteúdo, extensão, validade e eficácia” (PONTES DE MIRANDA, 1971, p. 117).
Hoje, a resistência foi dando lugar ao bom senso, e o tempo cuidando de dissipar a insegurança, as teorias cederam à realidade, demonstrando que a conciliação é mais efetiva do que os julgados. Isso porque fora criado pela Lei de Ação Civil Pública o denominado Termo de Ajustamento de Conduta: “Art. 5º, § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.” (Brasil, 1985). Assim, o Promotor de Justiça, um dos legitimados para a celebração do ajustamento de conduta, instaura o inquérito civil, averigua a existência do dano, solicita a realização de perícia a fim de que sejam indicadas as medidas de reparação/compensação do dano e, em seguida, propõe ao infrator o compromisso de ajustamento de conduta.
Segundo ensinamentos de Ana Luiza de Andrade Nery:
“Compromisso de ajustamento de conduta é transação híbrida, lavrado por instrumento público ou privado, celebrado entre o interessado e o poder público, por seus órgãos públicos, ou por seus agentes políticos, legitimados à propositura da ação civil pública, por cuja forma se encontra a melhor solução para evitar-se ou para pôr fim à demanda judicial, que verse sobre a ameaça ou lesão a bem de natureza metaindividual” (NERY, Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes. Compromisso de Ajustamento de Conduta: teoria e análise de casos práticos. 2. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2012. p. 429).
Cada vez mais importante é o papel do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) na proteção de interesses difusos e coletivos, firmando entre o órgão ministerial e o interessado, pois é uma solução que não invoca o Poder Judiciário, sendo caracterizado por um instrumento que possui eficácia e agilidade na solução da questão que deu origem à investigação ministerial. “O objeto do instrumento é readequar a conduta do degradador ou ao potencial degradador, visando afastar o risco de dano, ou, na impossibilidade, recompor aqueles já corridos”. (AKAOUI, 2003, p. 72). Possibilita ao investigado sanar os problemas ainda em fase investigativa e nas vias administrativas, sem que tenha um processo contra ele proposto, além de economizar com a não contratação de advogado e demais custos advindos das demandas judiciais.
Em caso de descumprimento, por ser um Título Executivo Judicial, o órgão ministerial pode propor ação executiva, instrumento mais célere para revolucionar questões processuais que as ações de conhecimento, como a própria Ação Civil Pública.
Há ainda, a possibilidade do Ministério Público expedir Recomendações para a adoção de providências em questões ambientais, instituto disciplinado pela Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n. 8.625/1993) em seu artigo 27:
“Art. 27. [...]
Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências: [...]
IV. promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito” (BRASIL, 1993).
Apesar de não ter a mesma força que o Termo de Ajustamento de Conduta, as Recomendações do Ministério Público servem para dar ciência ao agente causador do dano ou perigo de dano sobre determinada ilegalidade, e ainda, orientar sobre as medidas corretas a serem tomadas para cessar o motivo da recomendação.
Segundo Emerson Garcia:
“Não há exigência de uma forma específica a ser adotada nas recomendações, mas, embora não sejam propriamente atos executórios, é de todo aconselhável que assumam as vestes de um ato administrativo válido e eficaz, indicando o destinatário, os motivos que conduziram à sua edição, o respectivo objeto e a finalidade pretendida. Com isto, além de aumentarem as chances de êxito na consecução do objetivo pretendido, conferir-se-á maior transparência à atividade desenvolvida pelo Ministério Público. As recomendações, ademais, são normalmente expedidas no âmbito de um procedimento administrativo de cunho investigatório, erigindo-se como alternativa à dedução de uma demanda em juízo”. (2005, p.383)
Mesmo que as recomendações não tenham natureza de decisões judiciais e nem sejam determinações, servem, na maioria das vezes, para caracterizar o comportamento doloso do agente.
2.3 Mandado de Segurança Coletivo
É um instituto processual criado pela Constituição Federal de 1988, que visa à proteção de direito líquido e certo. Este direito não pertence a um indivíduo apenas, considerado de modo isolado, mas a um grupo de pessoas, quando houver ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade. Tal direito não pode ser amparado por habeas corpus ou habeas data.
Direito líquido e certo é aquele que resulta de fato certo, comprovável de plano e que independe de maior instrução probatória. Tem-se, a utilização desta ação civil nos casos envolvendo direito líquido e certo, o qual pode ser conceituado com base nas consagradas lições de Hely Lopes Meirelles:
“É o que se apresenta na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso e norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados; não rende ensejo à segurança, embora possa ser definido por outros meios judiciais” (MEIRELLES, 2003, p. 36 e 37).
A Lei nº 12.016/09, art. 21, § único consagra, expressamente, o cabimento de Mandado de Segurança Coletivo para proteger os direitos coletivos e individuais homogêneos. A questão inicial é se o MSC também poderá proteger direitos difusos, como o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, mesmo diante da omissão da Lei nº. 12.016/09.
Vejamos parte da Ementa do REsp. 851.174 em que o STJ deixa clara a existência de concurso de ações coletivas:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ESTATUTO DO IDOSO. DIREITO À SAÚDE. 1. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, com pedido de tutela antecipada, objetivando que o Estado do Rio Grande do Sul fornecesse medicamento a pessoa idosa, sob pena de multa diária. 2. Recurso especial interposto contra acórdão que decidiu pela ilegitimidade ativa do Ministério Público para pleitear, via ação civil pública, em favor de menor, o fornecimento de medicamento. 3. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 4. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 5. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.” (STJ, 2006).
Dessa forma, do § único do artigo 21 da Lei nº. 12.016/09 não deve prevalecer. Há de ser garantida a utilização do Mandado de Segurança Coletivo para a tutela dos interesses difusos líquidos e certos. A negação à tutela do direito difuso fulmina o artigo acima citado de inconstitucionalidade, em decorrência de violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Não há também o que se falar em impossibilidade do Ministério Público em impetrar o Mandado de Segurança Coletivo buscando a tutela do meio ambiente, apenas por não constar no rol não taxativo do art. 21 da Lei nº. 12.016/09. Isso porque tal possibilidade está prevista no 129 da Carta Magna. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico “concurso de ações” entre os instrumentos da tutela dos interesses transindividuais, ligitimando o “parquet” a toda e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos e coletivos, sob o ângulo material e imaterial.
O mandado de segurança coletivo para a proteção do meio ambiente tem uso restrito quanto aos agentes e à profundidade da matéria, sendo, na verdade, de reduzida utilidade quanto a ações que provoquem desastres e desequilíbrios de ordem ambiental, preferindo-se a ele, salvo poucas exceções, a ação civil pública ou a ação popular, mas não há impedimento para que o Ministério Público impetre este remédio constitucional buscando a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
CONCLUSÃO
O papel do órgão ministerial na tutela ambiental evoluiu muito ao longo dos anos, na forma em que o ordenamento jurídico foi lhe conferindo a função de proteção ambiental, dando-lhe instrumentos para o efetivo exercício dessa importante função.
O Ministério Público possui um complexo aparato para uma atuação incisiva em prol da proteção ambiental, tanto na esfera penal, quando na esfera cível. Os membros do Ministério Público possuem um poder/dever de defesa dos valores ambientais que garantam um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme dispõe nossa Lei Maior, se preocupando com a presente e futuras gerações, contribuindo o “parquet”, portanto, para o processo de transformação social.
Na tutela penal, após a edição da Lei dos Crimes Ambientais, a persecução penal ganhou maior efetividade, pois ela trouxe sanções penais e administrativas visando a punição dos infratores. Destaque tem o Ministério Público neste caso, pois, como já explanado, é o detentor da legitimidade para a propositura da ação penal.
Com relação à atuação cível, o Ministério Público é o responsável por buscar a devida reparação/compensação dos danos ocasionados ao meio ambiente, mediante o uso dos instrumentos disponíveis, como o Inquérito Civil, o Termo de Ajustamento de Conduta e a Recomendação do Ministério Público.
E, caso não consiga uma solução amigável, o Ministério Público ajuíza Ação Civil Pública, com fulcro na Lei n. 7.347/85, tendo por objetivo a responsabilização por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente.
Em síntese, constata-se que a atuação do Ministério Público tem ganhado cada vez mais destaque no que tange à proteção ambiental, mostrando-se mais efetiva e de grande importância para conscientizar a população sobre a relevância da educação ambiental.
Com efeito, espera-se resultados gratificantes num futuro próximo, de modo que o comando constitucional seja cumprido, garantindo assim, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
REFERÊNCIAS
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ARNAOUTOUGLOU, Ilias. Leis da Grécia Antiga, p. 117.
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Constituicao/Const ituicao.htm>. Acesso em: 23 jul. 2018.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
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MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, mandado de injunção, habeas data, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental. 26ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 36 e 37.
MILARÉ. Édis. A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005. p. 639.
NERY, Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes. Compromisso de Ajustamento de Conduta: teoria e análise de casos práticos. 2. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2012. 429 p.
PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado. 3ª Ed. V. 25, São Paulo, RT. 1971, p. 117
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. Malheiros Editores, 2013, p.20.
[1]Aluno do Curso de Direito da Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, Marília, São Paulo;
[2]Professor Ms. do Curso de Direito da Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, Marília, São Paulo;
*Trabalho de Conclusão de Curso em Direito apresentado à Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, para obtenção do grau de bacharel em Direito.