A (IN) ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL


23/02/2016 às 13h07
Por Diêgo Matos Advocacia

HISTÓRIA E SENTIDO DA PROVA

Ao longo de toda a sua história, o Direito se deparou com o tema da reconstrução da realidade, por meio do experimento de diversos métodos judicias de obtenção da verdade. Todavia, houve um tempo em que o Estado não tinha o condão de operar como administrador supremo das demanda judiciais e, em consequência disso, não exercia a função de compor os litígios existentes. Em consequência disso, praticava-se a chamada vingança privada, que data do ano de 1900 a.C. e consistia na possibilidade da própria vítima de uma injustiça buscar a satisfação do seu direito transgredido, aplicando-se a cada caso uma sanção estabelecida pelos próprios envolvidos[1].

Entretanto, com o decorrer do tempo, houve a necessidade de elaborar variadas modificações no cerne do sistema jurídico, sobretudo no Direito Penal. Desse modo, o Estado verificou a urgente necessidade de trazer para si a administração dos litígios, passando a exercer de forma soberana a aplicação da justiça.

Nesse contexto, salienta-se que para o Estado exercer com plenitude o direito de julgar e, consequentemente, de punir os jurisdicionados, faz-se necessário que exista uma demanda judicial, a qual deverá tramitar na forma prevista em lei, exigência que ressalta a extrema importância do processo judicial penal, sem o qual a ninguém poderá ser imposta uma pena.

A respeito da prova no processo, ensina Mirabete[2]: Provar é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do julgador, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo”.

Todavia, frise-se que o meios de obtenção da verdade real sobre um fato ocorrido nem sempre ocorreu da forma tal como é nos dias atuais, uma vez que, na antiguidade, o acusado de haver cometido determinada infração era submetido a diversas provações físicas, de cuja superação poderia render-lhe o reconhecimento da veracidade de sua alegação. Porém, com a constante evolução dos ditames judiciais, aperfeiçoou-se as características probatórias, até a racional introdução dos atuais meios de obtenção de provas processuais.

Com a devida e merecida atualização, nos dias atuais, denomina-se de prova, em sentido geral, a conjuntura de atos praticados pelas partes de um determinado processo, ou até mesmo pelo julgador da lide, objetivando trazer ao seu conhecimento a existência de um fato, a fim de que este averigue a veracidade do quanto aduzido e consequentemente forme a sua convicção.

Assim, torna-se crucial o destaque da fase probatória como sendo um instrumento de suma importância para as demandas judicias, sobretudo nos ramos das ciências criminais, uma vez que neste campo de direcionamento do poder estatal, está em jogo a liberdade dos jurisdicionados.

Do exposto, conclui-se que cabe aos julgadores das demandas judicias, sobretudo no campo da ciência criminal, o dever de fundamentarem as suas decisões, todavia, as ferramentas probatórias podem representar um mecanismo de legitimação por meio do qual a decisão proferida torna-se perfeitamente aceitável por toda a sociedade, a qual, como não poderia deixar de ser, constitui-se como a principal beneficiária do poder jurisdicional exercido pelo estado.

PRINCÍPIOS PRECESSUAIS PENAIS E CONSITUCIONAIS

O Processo Penal configura o amálgama da ciência criminal, uma vez que permite a justa aplicação das normas sancionadoras. Desse modo, o controle dos conflitos existentes em determinada sociedade, por mais graves e incômodos, depende fundamentalmente do respeito às garantias essenciais à formação do cenário ideal para que ocorra uma punição equilibrada e de acordo com os pressupostos do Estado Democrático de Direito.

Nessa linha de consideração, cumpre salientar que o Processo Penal baseia-se em princípios explícitos na Constituição Federal, os quais devem ser observados e respeitados no momento de sua aplicação, pois, na maioria das vezes, suplantam a própria literalidade da lei.

PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O devido processo legal, originado da cláusula do due process of low do direito anglo-americano, está consagrado no Constituição Federal em seu art. 5.º, LIV e LV, estabelecendo que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem que haja um processo prévio, no qual será assegurado o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes[3].

Tal princípio deriva-se da ideia máxima de legalidade, garantia assegurada constitucionalmente, a qual representa a preservação dos direitos inerentes ao cidadão, não sendo admissível nenhuma restrição aos mesmos que não esteja prevista em lei.

Destaque-se, ainda, que o devido processo legal não está restrito apenas à proteção da vida, da liberdade ou da propriedade, tendo em vista que em seu sentido mais amplo está também envolvido todos os direitos outorgados pela Constituição Federal, dentre os quais se destacam o direito à privacidade, além do julgamento justo e imparcial, que consequentemente terá uma decisão fundamentada.

PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

A ampla defesa, precipuamente, caracteriza-se como a garantia assegurada constitucionalmente para que se realize, por meio da defesa técnica, da defesa efetiva e, finalmente, por qualquer meio de prova hábil, a demonstração de inocência do acusado.

Em outras palavras, pode-se dizer que o princípio da ampla defesa é a proteção do direito concedido ao acusado de se valer de amplos e extensos métodos para defender-se da imputação feita pela acusação. Cumpre salientar que tal proteção baseia-se fundamentalmente no fato da desproporcionalidade havida entre o réu e o Estado, sendo esse sempre mais forte no processo, haja vista que age através de órgãos constituídos e preparados, os quais se valem de informações e dados de todas as fontes às quais tem acesso. Assim, a ampla possibilidade de defesa concedida aos jurisdicionados lhes afigura a devida compensação diante da força estatal.

PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL

O princípio da verdade real, também conhecido como princípio da verdade substancial, significa que, em sede de Direito Processual Penal, devem ser realizadas as diligências necessárias e adotadas todas as providências cabíveis para tentar descobrir como os fatos realmente se passaram, de modo que a punição empregada pelo titular da função jurisdicional seja exercida com efetividade em relação àquele que praticou ou concorreu para a infração penal.

Cumpre esclarecer que sob a égide das normas legais e constitucionais que fundamentam o processo penal pátrio, torna-se evidente que a verdade absoluta sobre o fato dificilmente será alcançada. Desse modo, ao tratar-se da aplicação eficaz do presente princípio, falar-se-ia que a afirmação acertada sobre a busca da verdade real no processo fundamenta-se majoritariamente na ideia de que o julgador deverá instruir e impulsionar a demanda com o intuito de aproximar-se ao máximo da verdade plena, apurando os fatos até onde for possível elucidá-los.

A VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL À ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO NO PROCESSO

Antes da Constituição Federal de 1988, não existia no Brasil um posicionamento definido, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência, em relação a vedação ou admissibilidade das provas obtidas por algum meio fraudulento, situação que possibilitava a existência de decisões no dois sentidos, quando do julgamento de uma determinada demanda penal.

Como a Constituição da República Federativa do Brasil, anterior a 1988, não delimitava a aplicação ou não de uma prova ilícita como objeto processual capaz de influenciar na decisão do magistrado, fazia-se uma interpretação extensiva do art. 332 do Código de Processo Civil (CPC), no capítulo sobre as provas.

Assim, só a partir da Constituição pátria vigente, datada de 1988, que a vedação às provas ilícitas teve destaque expresso, com o art. 5º, LVI. Mas, o que resta constatado é que a Constituição Federal, apesar de vedá-la, não observou pontos em que a sua admissibilidade poderia fazer-se necessária, não excepcionando nenhuma situação contrária. Fazendo-se importante avaliar a viabilidade das provas obtidas por meio ilícitos com base no princípio da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, por parte da doutrina e da jurisprudência na análise do caso concreto.

Então, segundo a Constituição Federal vigente, as provas ilícitas não devem ser aceitas, por estarem contrariando as normas constantes do seu art. 5º, LVI, e, em consequência disso, veda por cronologia as provas obtidas e derivadas da ilicitude, por acreditar que houve uma contaminação na instrução probatória carreada aos autos.

DA POSSIBILIDADE DE ADMISSÃO DA PROVA ILÍCITA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

A Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo inteiro à proteção de direitos e garantias fundamentais, de modo a se comprometer com a proteção de interesses dos mais variados.

Nesse contexto, saliente-se que tais normas de proteção tem como destinatário toda a coletividade, o que se traduz quando, em alguns casos concretos a proteção de determinado direito implica, por consequência, na não tutela de outro. Assim, conclui-se que tal conflito de interesses, o qual sempre esteve presente no cotidiano dos indivíduos em geral, é inevitável pelo simples fato da convivência social. Todavia, é por tal motivo que existe a ponderação normativa, prevista pela maior parte da doutrina e que possibilita a resolução pacífica de determinado conflito.

De tal modo, ainda que o tema da admissão da prova obtida por meio fraudulento seja discordante, devem ser respeitados, quando da sua apreciação no caso concreto, sobretudo, os princípios constitucionais e os direitos fundamentais inerentes ao indivíduo, os quais revelam a real efetividade do processo penal, como uma garantia para atender ao interesse público.

Assim, esclarece-se que o critério hermenêutico mais utilizado para dirimir possíveis conflitos entre princípios constitucionais igualmente relevantes baseia-se no que se chama de ponderação de bens ou interesses. De tal modo, o exame normalmente realizado em tais situações destina-se a permitir a aplicação, em cada caso concreto, da proteção mais adequada possível a um dos direitos que se encontra em risco, o que deve ocorrer da maneira menos gravosa possível ao outro. Fala-se, assim, da proporcionalidade.

Entretanto, vale frisar que a utilização do princípio da proporcionalidade não se faz em razão de uma ponderação de valores ou até mesmo de interesses. Tais direitos são resguardados ao legislador, sendo ele o parlamentar ou o constituinte. Assim, ao julgador de determinada demanda judicial cabe apenas a escolha da norma mais adequada ao caso concreto.

O APROVEITAMENTO DA PROVA ILÍCITA SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Conforme já demonstrado, há uma certa celeuma a respeito do sistema de adoção das provas obtidas ilicitamente no sistema jurídico brasileiro, notadamente no que versa acerca da interpretação do disposto no art. 5º, LVI da Constituição Federal, que veda expressamente o aproveitamento de tais provas no processo.

De tal modo, o texto constitucional é claro ao vedar a utilização das provas viciadas e o Supremo Tribunal Federal acompanha tal determinação com rigidez. Todavia, entende o mesmo tribunal que o aproveitamento de tal prova, quando produzida com o intuito de fundamentar a própria defesa do acusado, é admissível.

De acordo com este entendimento, o aproveitamento da prova ilícita ocorre em razão da evidenciada configuração da legítima defesa, uma vez que neste caso não estaria se admitindo uma prova ilícita em caráter excepcional, mas sim, estar-se-ia a admitir uma prova lícita pela forma como foi produzida.

Assim, o Supremo Tribunal Federal reitera o uso das provas ilícitas decorrentes de condutas que em regra estariam em desacordo com a legislação mas que, quando produzidas com o fim de defesa própria, passam a ser lícitas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo quanto exposto no presente artigo, pode-se concluir que o objetivo primordial daqueles que estão envolvidos nos polos dos procedimentos regulados pelo Direito Processual Penal, ou seja, o Estado e o réu, é trazer evidências que possam convencer o julgador a respeito de suas alegações, situação que evidencia a extrema importância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Assim, o presente estudo teve como principal finalidade abordar a efetiva utilização das provas obtidas por meios impróprios pelo juízo criminal, sempre levando em consideração o quanto entendido pela doutrina, bem como as determinações da legislação vigente no que se refere ao tema.

Então, como pôde ser observado, a legislação nacional possibilita uma ampla liberdade probatória às partes, com o objetivo de reconstruir o fato ocorrido da forma mais próxima possível da realidade. Outrossim, faculta ao julgador a apreciação das provas apresentadas de acordo com o seu livre convencimento, ressalvando-se, porém, que no momento de sua decisão, este deve fundamenta-la.

Tarefa das mais difíceis, portanto, era a apreciação do aproveitamento da prova ilícita antes do advento da Constituição Federal de 1988, pois até tal momento não se tinha previsão expressa quanto à possibilidade ou não de tais provas serem admitidas, de modo que a jurisprudência oscilava no dois sentidos, tanto da admissão quanto da vedação, no momento do julgamento das demandas criminais que demandassem tal observação.

Em contrapartida, a partir do princípio da vedação das provas obtidas por meios ilícitos, o qual está inserido no art. 5º, LVI da Constituição Federal, a busca pela verdade material e o livre convencimento do julgador sofreram um certo balizamento, uma vez que restou inadmissível a utilização dessas provas para instruir uma demanda penal.

Entretanto, torna-se instigante o estudo excessivo do tema em comento, uma vez que levando-se em consideração os princípios da Presunção de Inocência e da Proporcionalidade, pode o julgador fundamentar sua decisão no sentido de admitir a prova viciada com o intuito de beneficiar o acusado, sobretudo quando a utilização de tais provas possibilita uma maior aproximação do fato ocorrido com a realidade, tornando-se um meio primordial para que o réu prove sua inocência.

Cumpre salientar que os princípios supramencionados são de extrema importância no sentido de conduzir o magistrado no instante em que esse se vê obrigado a decidir uma demanda que exige a apreciação da aceitabilidade ou não das prova ilícitas, bem como por propiciar um adequado limite ao arbítrio do julgador.

Contudo, faz-se necessário observar que ainda permanece dividida a doutrina nacional quanto ao aproveitamento ou não das provas obtidas por meios ilícitos, todavia, é minoritário o entendimento de que a literalidade da norma constitucional deve ser interpretada em caráter absoluto, a ponto de não possibilitar exceções. Por outro lado, a doutrina majoritária entende que é admissível a prova irregular quando em benefício do acusado, pois as normas constitucionais devem ser interpretadas como sendo um valor principiológico a serviço do cidadão e da busca pela verdade real.

Do exposto, conclui-se que a hipótese inicialmente levantada restou validada, por se ter confirmado que a maior parte da doutrina e jurisprudência brasileiras entendem ser admissível a utilização das provas ilícitas, se esta for, comprovadamente, a única forma pela qual o réu demonstre sua inocência. Ressalte-se, mais uma vez, que tal entendimento encontra amparo no princípio da proporcionalidade, o qual se mostra em prol com os valores supremos da liberdade humana.

Ademais, saliente-se que apesar do principal objetivo da vedação constitucional às provas ilícitas seja o resguardo dos direitos do cidadão contra a atividade jurisdicional arbitrária, tal proibição, se fosse adotada em caráter absoluto, estaria em confronto com o princípios como o da ponderação de interesses, que deve sobressair-se em eventos onde a liberdade encontra-se ameaçada.

Por fim, destaque-se que não há a pretensão de que determinados princípios sejam colocados em patamar superior de importância em relação às leis, mas sim que exista uma flexibilização fundamentada nos casos em que se faça necessária uma decisão penal benéfica ao acusado.

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Referências

[1]COSTA, Elder Lisbôa Ferreira da. História do Direito de Roma à história do povo hebreu muçulmano: a evolução do direito antigo à compreensão do pensamento jurídico contemporâneo. Belém: Unama, 2007, p.32.

[2]MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 249.

[3]AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: Esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 22.


Diêgo Matos Advocacia

Bacharel em Direito - Riachão do Jacuípe, BA


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