A Emenda Constitucional n°. 66/2010 veio modificar o disposto no §6°. do artigo 226 da Constituição Federal, passando a dispor que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. A partir desse momento, surgiu a indagação acerca da permanência ou não do instituto da separação judicial em nosso ordenamento jurídico. Da mesma forma, discute-se acerca da necessidade de discussão da culpa na dissolução do casamento. Segundo Maria Berenice Dias:
[...] O fim do casamento passou a ser chancelado independentemente da indicação de um responsável pelo insucesso da relação, seja porque é difícil atribuir a apenas um dos cônjuges a responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo, seja porque é absolutamente indevido a intromissão do Estado na intimidade da vida das pessoas. Aos Estado, só cabe dizer amém e dar por findo o casamento. [...]” (DIAS, 2011, p.310)
Para os defensores de que a culpa não deve ser discutida na dissolução do vínculo conjugal, abre-se a possibilidade de resolver-se a culpa na seara da responsabilidade civil, utilizando-se dos danos morais para resguardar a honra, boa-fé, moral e a dignidade ferida pelo cônjuge que deu causa ao rompimento do vínculo conjugal.
A fim de ilustrar a tese que defende a responsabilização civil no Direito de Família, utiliza-se o Recurso Especial 3.051/SP do STJ, o qual examinava a situação de um casal de libaneses, casados no país de origem, mas residentes no Brasil. A esposa foi submetida a maus tratos, sofrendo violência física e vivendo em cárcere privado. Foi proposta a ação de separação judicial cumulado com pedido de indenização por danos morais.
O juiz de primeiro grau reconheceu o direito à indenização, mas o Tribunal de Justiça reformou a sentença, ao argumento de que o temperamento oriental do cônjuge varão, diante do natural machismo próprio da sua cultura, herdado de seus ancestrais, afastava a hipótese de dano moral, por ausência de culpa.
O STJ reverteu o julgamento, e, diante do comportamento do cônjuge varão, reconheceu-se a obrigação de ressarcimento dos danos morais. No julgamento, o Ministro Waldemar Zveiter, ao pronunciar o seu voto, deixou consignado que: “os valores orientais não podem servir de escusa para a prática de uma conduta contrária ao ordenamento jurídico brasileiro”.
Ainda, saliente-se o pronunciamento do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que assim se manifestou: “Se existe um comportamento injurioso diante da lei brasileira, causando a ruptura do casamento, diante das atitudes dominadoras do marido que provocam a instabilidade psíquica da mulher, a indenização é cabível”.
Em direção oposta, afirma-se que o sentimento não pode ser mensurado ou passível de indenização, como retrata de forma brilhante Faria:
O direito de família moderno é instrumento para o desenvolvimento em busca da felicidade pessoal, sendo incabível exigir justificativa para a ruptura dos relacionamentos quando não mais existe o amor e afeto entre os parceiros. Assim, deve ser negada responsabilização por danos morais e materiais quando a ruptura da união for imotivada ou sem justo motivo, mesmo ferindo a honra objetiva e subjetiva da outra parte, como tem decidido equivocadamente alguns julgados, face o risco que está patente nas relações conjugais, inviabilizando a indenização. Constatado por uma das partes, que não mais existe amor que sustente a relação, o que nem sempre encontra justo motivo para explicar o seu fim, o rompimento surge como única solução racional. A dor da ruptura das relações pessoais, a mágoa, a sensação de perda e abandono são custos da seara humana, fazem parte da existência pessoal. As pessoas que se envolvem em um relacionamento afetivo devem ter a consciência que poderão não ser bem sucedidas, é um fenômeno natural, ficando, portanto, sujeitas aos riscos do insucesso no namoro, noivado e no casamento, sofrendo os riscos da ruptura. O rompimento de uma relação por ausência do afeto, sem motivos justificados, é inerente aos princípios da liberdade e da dignidade da pessoa, não podendo constituir suporte fático a autorizar reparação pecuniária. A indenização somente deve ser deferida nos eventuais casos em que haja violação dos direitos fundamentais, quando restar caracterizado um ato ilícito de extrema gravidade, cuja indenização é cabível independente das relações matrimoniais (FARIA, 2008, p. 21,22)
Saliente-se que a ruptura das relações conjugais não é o único motivo pelo qual as partes, magoadas e frustradas por não terem sucesso em seus anseios sentimentais, procuram compensação financeira através de demandas ajuizadas no Poder Judiciário. O próprio relacionamento entre pais e filhos tem sido alvo de ações de responsabilidade civil em casos de abandono afetivo dos pais.
Segundo Gagliano e Pamplona:
Os partidários da tese defendem a ideia de uma paternidade/maternidade responsável, em que a negativa de afeto, gerando diversas sequelas psicológicas, caracterizaria um ato contrário ao ordenamento jurídico e, por isso, sancionável no campo da responsabilidade civil.Já aqueles que se contrapõem a tese sustentam, em síntese, que a sua adoção importaria em uma indevida monetarização do afeto, com o desvirtuamento de sua essência, bem como a impossibilidade de se aferir quantidade e qualidade do amor dedicado por alguém a outrem, que deve ser sempre algo natural e espontâneo, e não uma obrigação jurídica, sob controle estatal. (GAGLIANO, 2012, P 740)
Em verdade, as relações de família são estritamente subjetivas, e, a possibilidade de responsabilidade civil dos envolvidos não poderá estar adstrita a um simples mandamento legal, requerendo a sensibilidade de magistrados equilibrados e bem preparados para mais um desafio.