É notória a importância que as redes sociais têm em nossas rotinas. É notório também que nossa legislação não acompanha, simultaneamente, os movimentos sociais e seus desdobramentos na vida prática. Por algum tempo foi alimentada a crença de que a internet seria uma “terra sem lei”, onde qualquer pessoa, protegida pelo anonimato, poderia propagar qualquer tipo de mensagem sem nenhuma responsabilização, criando, então, a sensação de impunidade. As publicações nas mídias sociais ganham força e alcance rapidamente. A rapidez acaba potencializando a ilusão da ausência da necessidade de respeito, ponderação e empatia. Os efeitos de ideias publicizadas e compartilhadas pela internet podem ser devastadoras. Nas palavras de Ferreira e Carmelino (2020, p. 49): A velocidade das postagens, então, reflete o sensível imediato. Os segundos de autoria podem se transformar em horas e horas de comentários ligados a relações racionais ou irracionais de um evento manifestado publicamente por um orador intempestivo, truculento ou passional. A virulência midiática tem consequências: as paixões podem obnubilar o racional e exaltar o demasiadamente sensível. (FERREIRA E CARMELINO 2020, p. 49) Até recentemente não existia nenhum tipo de norma que regulamentasse os conteúdos disponibilizados pela rede mundial de computadores, pois acreditava-se que não seria possível determinar a origem de ofensas espalhadas pelas redes sociais e, por esta razão, seria impossível determinar seus autores. Este fato contribuiu para o crescimento de um fenômeno, em particular, que vem ganhando cada vez mais espaço nos debates em diversas áreas do conhecimento: a ciberviolência, termo utilizado para definir a violência verbal e não verbal, própria dos ambientes e comunidades virtuais. Segundo Brugger (2007), discurso de ódio diz respeito a manifestações que pretendem intimidar, insultar, ofender, ridicularizar uma pessoa ou um grupo de pessoas em razão de etnia, raça, cor, religião ou sexo, se valendo de expressões preconceituosas, intolerantes e agressivas e sua “capacidade de instigar violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas” (BRUGGER 2007, p. 18). Tais acontecimentos fizeram surgir a necessidade da criação de leis que possam ser aplicadas ao caso concreto, garantindo alguma forma de reparação para a vítima. Com o advento do Marco Civil da Internet no Brasil, lei 12.965/2014, é possível a delimitação clara de um leque de direitos, tais como a proteção a imagem, moral, honra e intimidade, que estão sendo atacados explicitamente e cujos agressores devem responder, civil e criminalmente, na medida de seus atos, para que o ofendido tenha sua dignidade minimamente respeitada e resguardada. 3 Para a referida lei há uma previsão de atualização. Atualmente está em tramitação um projeto de lei (PL 3176/2021) que altera e do Marco Civil da Internet para combater os discursos de ódio nas redes. Se for aprovado, o projeto de autoria do deputado federal cearense Augusto Bezerra garantiria, a pedido do ofendido, a remoção imediata do conteúdo danoso ou do perfil publicado, assim como multa e prisão de quinze dias a três meses do responsável pelas agressões ou por incentivá-las. Liberdade de expressão é um direito constitucionalmente assegurado, mas não se trata de um direito absoluto e ilimitado. Discurso de ódio não pode e nem deve ser confundido com liberdade de expressão. Não se trata de exposição de ideias e opiniões. Seu objetivo é, apenas, a ofensa e a intolerância, “uma coisa é a censura, totalmente inadmissível, outra coisa é a responsabilização de pessoas que extrapolam os limites e lesam o direito de outras pessoas” (CUSTODIO, 2019). Devemos ter em mente que a ciberviolência atinge valores pessoais, ligados a dignidade e relacionados, intrinsecamente, com as emoções humanas. Existem alguns tipos de processos que, em razão do valor atribuído ser igual ou inferior a quarenta salários mínimos, dispensam a presença de advogado e podem ser iniciados em Juizados Especiais, conforme o disposto pela lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Logo, alguém que se sinta ofendido deve, regra geral, procurar um profissional de sua confiança para esclarecimentos a respeito de seus direitos, da legislação vigente e das possíveis medidas cabíveis ao caso concreto e o volume da indenização que deverá ser postulada. Verificada a necessidade e intenção da proposição de ação frente ao oponente agressor, o profissional legitimado e qualificado para tratar de leis e Direito deverá ser um advogado, que pode ou não ser especialista no assunto. Segundo Macedo (2018), “Quanto mais institucionalizada a interação, mais definidos são os parâmetros do contexto atinentes ao preenchimento das condições prévias da argumentação. A partir da delimitação do ethos, páthos e logos com relação ao possível auditório designado, sob o enfoque necessário da figura do advogado constituído pelo ofendido, que ingressa com pedido de indenização em decorrência de danos morais, será possível proceder a análise de suas possíveis repercussões jurídicas, além de examinar de que forma se constrói textualmente o discurso de ódio nas redes sociais e suas possíveis consequências na esfera jurídica, que originam pedidos de indenização, como proposição inicial, pois, como diz Meyer (2007, p.25), “[...] o ethos, o páthos e o logos devem ser postos em pé de igualdade, se não quisermos cair em uma concepção que exclua as dimensões constitutivas da relação retórica. O orador, o auditório e a linguagem são igualmente essenciais” O ethos corresponde à imagem que o orador constrói dentro do seu discurso, no entanto, será preciso analisar também se há algum traço dissociativo entre o ethos da vítima de discurso de ódio, construído pelo advogado, e o próprio ethos do advogado, denunciado pelas escolhas lexicais, estilísticas e semióticas, envolvidas em sua argumentação. Ressaltamos que “é indispensável, por conseguinte, que o advogado ou operador de qualquer uma das instâncias do Direito domine a técnica de provocar ou intensificar a adesão do seu interlocutor às teses que defende.” (GIERIG E SOUSA, 2016, p. 181) Os aspectos emocionais também deverão ser estudados, pois o páthos, definido como “um sentimento manifestado com veemência por um locutor profundamente implicado na sua proposta” (AMOSSY, 2017, p.137), também se apresenta como elemento relevante. Esta definição nos revela o quanto o páthos se faz necessário na conformação de uma argumentação eficiente, noção já defendida por Aristóteles (2012, p.13), quando diz que “persuade-se pela disposição dos ouvintes quando estes são levados a sentir emoção por meio do discurso”, e consolidada por Plantin (2010), que reforça a íntima e indissociável ligação entre razão e emoção. Por sua vez, o auditório também se apresenta como decisivo pois, nas relações jurídicas, se manifesta como o juiz que deverá analisar as alegações. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014, p. 22, grifo dos autores), revelam que auditório é constituído pelo “conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação”, ressaltando sua relevância, pois, (2014, p.73), “do princípio ao fim, a análise da argumentação versa sobre o que é presumidamente admitido pelos ouvintes”, cabendo aqui uma distinção levantada pelos autores, que revelam a preocupação em “chamar de persuasiva uma argumentação que pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo ser racional”(2014, p.31). Considerando que, muitas vezes, a emoção tem grande influência no curso de nossas ações, é papel do advogado traçar uma narrativa acerca do fato gerador da demanda, de forma que as estratégias escolhidas, relacionando fatos e emoções, observados os critérios linguísticos e a versão apresentada pela vítima, sejam organizadas estrategicamente para levar ao convencimento do juiz que será designado para julgar a procedência da ação e a pertinência do valor pedido como forma de indenização. O papel seletivo do advogado é essencial, pois como define Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 132), “o papel da seleção é tão evidente que, quando alguém menciona fatos, deve sempre perguntar-se o que estes podem servir para confirmar ou para invalidar” Como já dissemos, o discurso de ódio, personificado pela Ciberviolência, é uma face da violência que vem crescendo e ganhando cada vez mais destaque nas mídias sociais. Garcia (2004) determina que “(...) o insulto, os doestos, a ironia, o sarcasmo, por mais brilhantes que sejam, por mais que irritem ou perturbem o oponente, jamais constituem argumentos”. Diante dessa afirmação, se faz necessário investigar que aspectos linguísticos se reúnem para dar corpo a este movimento e como as estratégias argumentativas são organizadas, pelo lado do ofendido, na construção da imagem de vítima, que faz jus ao justo valor pedido a título de indenização. Com base na teoria da argumentação jurídica de Scheraria e Struchiner (2016), é necessária a estipulação de uma espécie de protótipo argumentativo que facilite sua compreensão, uma vez que os emissores podem organizar-se de forma mais ou menos clara. 6 Segundo os autores, “é importante manter em mente que a padronização serve apenas para tornar a estrutura de um argumento mais transparente. Ao padronizar um argumento, não devemos tentar aperfeiçoá-lo, e muito menos piorá-lo.” Sendo o argumento por autoridade o que fundamenta a regra de justiça, irrefutável, irrefutável, baseado diretamente na letra da lei, nossa principal hipótese parte do pressuposto que o ponto central da petição inicial se concentrará meramente na exposição de fatos, mas no arranjo construído entre o ethos, o páthos e o logos, em consonância com as crenças e os valores compartilhados socialmente, dirigidos ao convencimento do auditório.
Caso aceitemos a proposta de Garcia (2004), segundo a qual argumentar é “convencer ou tentar convencer mediante apresentação de razões, em face da evidência das provas e à luz de um raciocínio coerente e consistente”, perceberemos que o discurso de ódio é, muitas vezes, esvaziado de argumentos, no sentido amplo da palavra. Dessa forma, aquele que tem a intenção de ofender qualquer pessoa ou grupo, seleciona um repertório que, por vezes, passa dos limites do aceitável, e pode gerar, em alguém que se sinta atingido, danos a sua imagem pessoal e autoestima. Nos discursos de ódio é evidente a intenção de ofender e depreciar grupos que podem ser considerados mais vulneráveis, reconhecidos como minorias. A lei brasileira considera como bem jurídico o direito à intimidade, vida privada, honra e imagem, dispondo de mecanismos para tutelá-los; são garantias constitucionais. O ordenamento jurídico disciplina o dever de indenizar para todo aquele que provoque dano a outrem, ainda que moral, definido como direito à personalidade. Conforme Diniz (2013), aquela conduta que diverge do que é esperado socialmente deve ser reprovada ou censurada, podendo gerar um dever ressarcitório. Dito isso, podemos depreender que para que alguém seja responsabilizado por ato que tenha cometido, deixado de cometer, ou pensamento que tenha publicado, é necessário que haja culpa, intenção, ou dolo, omissão voluntária. O direito à reclamação é garantido. Para compreendermos o desenrolar de uma ação judicial é necessário que tenhamos em mente que a argumentação é, sem sombra de dúvida, a principal ferramenta que o operador do Direito pode ter a sua disposição. O pedido bem fundamentado e construído muitas vezes é determinante no sucesso da pretensão. Uma argumentação bem fundamentada é essencial. Como esclarece Alexy (2005), a racionalidade da argumentação deve se estender a todos os casos.