TRIAÇÃO DE BENS: UMA ANÁLISE DO POLIAMORISMO SOB A ÓTICA PATRIMONIAL


20/07/2016 às 19h57
Por Danielle Cunha

Danielle Sá Barreto da Cunha

Bacharela em Direito e Pós Graduanda em Direito Processual Civil.

RESUMO

Este estudo parte da apreciação dos relacionamentos simultâneos consentidos, denominados de poliamor e as repercussões jurídicas, principalmente sob a ótica patrimonial, bem como a consequente triação de bens. Têm como objetivo geral a análise acerca de quais são os efeitos jurídicos do poliamor, quando do seu reconhecimento como entidade familiar, baseado nos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais. Os principais doutrinadores que tiveram suas obras como fundamento da presente pesquisa foram: Dias (2010), Gagliano e Pamplona Filho (2013), Lôbo (2011), Santiago (2015), Faccenda (2014) e Gonçalves (2011). Foi precedida compreensão das características e posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema, restando à abordagem acerca da aplicação dos efeitos jurídicos decorrentes do direito de família, sob a ótica patrimonial, seguindo a análise e aplicação prática do instituto da triação de bens nos relacionamentos simultâneos consentidos, que de forma lenta e limitada, vem sendo aplicada por alguns Tribunais. Pontuamos a necessidade de regulamentação legal acerca do poliamor, como garantia dos direitos mínimos do indivíduo e estabelecimento de segurança jurídica aos sujeitos que dedicam e constituem grande parte de suas vidas neste tipo de relacionamento, a fim de evitar beneficiar relacionamentos que surgem pelo mero interesse patrimonial e evitar principalmente injustiças contra os relacionamentos poliamorosos sérios, que preenchem todos os requisitos essenciais à união estável e acabe prejudicando uma das partes, por não ver seu direito efetivamente reconhecido.

Palavras-chave: Direito de Família. Patrimônio. Poliamor. Triação.

ABSTRACT

This study starts from the appraisal of simultaneous relationstrip consented, called polyamory and the legal, primarity about the vision of perspective, and consequent triação of goods. Have as a general objective perspective and the consequent triação goods. Have as a general objective analysis about what are the legal effects of the polyamory, when its recognition as a family entity, based on doctrinal and jurisprudential understandings. The main scholars who had their works as the foundation of this research were: Maria Berenice (2010), Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2013), Paulo Lôbo (2011), Rafael Santiago (2015), Guilherme Faccenda (2014) e Carlos Roberto (2011). From them on was preceded comprehension of dential position on the subject, leaving the approach about the application of the effects to family law, about the vision of the properties perspective, following the analysis and practical application of triação, institute of goods in simultaneous consensual relationships, that slow and limited form, has been applied for some courts. Was punctuated verifying the need for legal regulation about polyamory, as warranty the minimum rights of the individual and legal security establishment for the subjects who are dedicated to much of their lives on this relationship. in order to prevent benefit relationships, that arise by the property interest and avoid mainly injustices against serious relationships, that meet all of the essential requirements to the stable union, and finish damaging one of the part, for not to see his right effectively recognized.

Keywords: Family Law. Equity. Polyamory. Triação.

1 - INTRODUÇÃO

O Ordenamento Jurídico brasileiro passou a reconhecer novos modelos de famílias a partir da vigência da Constituição Federal de 1988, a qual ampliou o conceito de família que era restrito aos moldes do casamento, passando a tutelar e garantir proteção às demais formas de manifestação, entre elas a união estável, a família monoparental, as famílias recompostas e as homoafetivas (BRASIL, 1988).

No entanto, apesar de ser um tipo de relacionamento antigo, o poliamorismo ainda não é reconhecido como instituto de direito de família, por grande parte dos Tribunais brasileiros.

Ressalta-se que o poliamor tem como principal característica a pluralidade de relacionamentos, onde as partes envolvidas se conhecem e aceitam a relação simultânea, os quais pontuam os direitos e deveres dos relacionados. Ocorre que ante a omissão legislativa, doutrina e jurisprudência são controversas acerca do tema, no tocante a possibilidade de reconhecimento do poliamor como instituto de direito de família, bem como a aplicação de efeitos jurídicos decorrentes deste tipo de união, a qual permanece à margem da proteção normativa.

A problemática da pesquisa parte da indagação de quais os efeitos jurídicos do poliamor, inclusive o patrimonial, quando do seu reconhecimento como entidade familiar, baseado nos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais?

Neste sentido, o objetivo geral da pesquisa constituiu na análise acerca de quais os efeitos jurídicos do poliamor, inclusive o patrimonial, quando do seu reconhecimento como entidade familiar, baseado nos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

Os objetivos específicos importam analisar as relações afetivas paralelas consentidas; Apontar os efeitos patrimoniais aplicados no casamento, na união estável e no poliamor; Demonstrar a realidade deste tipo de relacionamento e a necessidade de amparo jurídico ao poliamorismo no âmbito do direito de família.

Desta maneira, a estrutura do estudo é composta de três seções, a primeira relata um breve histórico acerca dos novos conceitos de família que vieram a surgir no direito brasileiro, a fim de acompanhar e regular às necessidades sociais que vão surgindo a cada época, as quais resultaram na existência do poliamor e consequente necessidade de serem pontuadas suas características individualizadoras. Foi realizada uma análise acerca de suas peculiaridades e a consequente necessidade do seu reconhecimento jurídico no âmbito familiar.

Na segunda seção foram avaliados os regimes de bens adotados no ordenamento jurídico brasileiro e suas aplicações práticas no instituto do casamento e da união estável. A partir de então, foi avaliada a possibilidade de aplicação do tipo de partilha de bens, quando findo o relacionamento poliamoroso. Neste ponto, são exibidas as correntes doutrinárias e sua aplicação na jurisprudência, quando da justificativa da concessão da partilha de bens decorrente do poliamor.

Por fim, foi apreciado o instituto da triação de bens, inaugurado pela jurisprudência do Rio Grande do Sul, sendo verificada sua conceituação e consequente atribuição de possíveis efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento do poliamor como instituto de direto de família, o qual necessitaria de uma regulamentação positiva, a fim de ser aplicada a partilha mais justa a esta realidade social, onde a ausência de flexibilidade do Principio da Monogamia, permite que o judiciário permaneça tratando as relações de poliamor com invisibilidade.

2 - POLIAMORISMO: RELAÇÕES AFETIVAS PARALELAS CONSENTIDAS

Iniciaremos com a apresentação de um breve histórico acerca das modificações no modelo de família instituída no ordenamento jurídico brasileiro, ao longo dos anos. A partir do item 2.2, será procedida apresentação do modelo de relacionamento, denominado poliamor, abordando suas conceituações e características essenciais, razão pela qual, abordaremos no item seguinte a análise acerca de suas peculiaridades com relação a outros institutos familiares instituídos no direito brasileiro, entre eles a união estável putativa, instituto que será conceituado e diferenciado do poliamor. No último item, passaremos a avaliar as possibilidades jurídicas do poliamor, através da análise doutrinária e jurisprudencial, verificando as decisões favoráveis e não favoráveis acerca do reconhecimento da união poliamorosa.

2.1 A família no direito brasileiro

A família, união natural, instituição primária, atualmente fundada no afeto, organizada por intermédio de regras estatais e sociais, é amparada pelo Direito brasileiro, no ramo específico do direito de família ou direito das famílias, como vêm intitulando alguns autores como Farias e Rosenvald (2014), Lôbo (2011) e Dias (2010), justificam a terminação no plural, devido à modificação na realidade das famílias brasileiras, ocasião em que o casamento deixou de ser a única forma de constituição de família, como já foi previsto, passando a ser formulada a partir de vários modelos.

Diante esse contexto social da família, principalmente quanto sua adequação ao meio social, a historiadora Perrot apud Rosenvald e Farias (2014), verifica que diante a multiplicidade de valores, a família não pode ter seu modelo estabelecido em uniformidade, diante as modificações das relações sociais e os ajustes que são trazidos, tornando com isso, a história da família verificada de forma não linear, a qual está em constante adaptação às necessidades sociais que vão surgindo a cada época.

Após longo período desamparada, a família passou a ser interesse do plano constitucional. Assim, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, trata a família como sendo base da sociedade, passando a ter uma especial atenção do Estado (BRASIL, 1988). É ainda estabelecida na Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, a qual aponta a família como sendo o núcleo natural e fundamental da sociedade, apontando seu direito à proteção do Estado e da sociedade.

O modelo patriarcal de família, presente inclusive no Código Civil de 1916, previa que a família deveria ser matrimonializada, ou seja, fundada diante o casamento, sofreu grande influência patrimonial. Tanto que, a desagregação da família acarretaria um desequilíbrio na própria sociedade, conforme bem aponta Farias e Rosenvald (2014), o qual verifica que a união das pessoas em família, teria o mero objetivo de constituição de patrimônio, a fim de proceder com sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos, apontando a impossibilidade de dissolução do vínculo, visto que a desagregação da família corresponderia à desagregação da própria sociedade.

Diante os novos valores inseridos na sociedade contemporânea, o antigo modelo de família entrou em crise, passando a fundar-se na afetividade, conforme assevera Lôbo (2011, p. 17). Assim, ante o novo princípio, novos arranjos familiares vão sendo adotados e aos poucos a legislação brasileira vai se adequando e preenchendo as lacunas legais que porventura passam a surgir.

Ressalta-se que para o Direito, existem três tipos de vínculos familiares, o sanguíneo, o de direito e o afetivo, os quais formulam os diversos grupos, quais sejam: grupo conjugal, o qual é formulado estre os cônjuges, o grupo parental (entre pais e filhos) e os grupos de afinidade, estabelecido entre o cônjuge e os parentes do outro.

Diante a diversidade dos grupos, conforme já apontado, o legislador torna-se omisso, ante a rapidez das mudanças na realidade social da família contemporânea, a qual vem se modificando de forma acelerada, inutilizando princípios e tradições adotadas nas famílias patriarcais.

Um dos principais exemplos que demonstram essa evolução na família brasileira trata-se do instituto da União Estável, que durante longo período marginalizada perante a sociedade, passou a ser regulada pela Constituição Federal vigente, onde passou a ser reconhecida como instituto do direito de Família.

Inicialmente, devido a grande carga de repúdio e preconceito desse instituto, não havia qualquer possibilidade de reconhecimento do direito patrimonial entre os concubinos, como eram denominados.

Momentos depois, já no século XX, a concubina passou a ter seu direito previdenciário protegido, especificamente na alínea “d” do artigo 3º da Lei 4.297 de 1963 (BRASIL, 1963). Neste sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 414) afirmam que foi a partir da tutela previdenciária que o concubinato passou a ter efeitos jurídicos, mesmo que limitados.

No Direito Civil, mesmo ainda ausente o reconhecimento como entidade familiar, foi destinada a concubina a regularização o direito de indenização por serviços domésticos, quando dissolvida a união, sendo esta indenização justificada como mecanismo a fim de evitar enriquecimento sem causa do outro companheiro, o qual construiu o patrimônio beneficiado pela companheira (BRASIL, 2002). Seguindo esta posição, o Supremo Tribunal Federal proferiu a seguinte decisão:

CONCUBINATO. SERVIÇOS PRESTADOS. INDENIZAÇÃO. São indenizáveis os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro, ainda que decorrentes da própria convivência. Precedentes. Recurso especial conhecido, em parte, e provido. (STJ - REsp: 88524 SP 1996/0010201-5. 4ª Turma. Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Julgamento: 17/06/1999) (grifo nosso).

Diante a grande carga moralista e conservadora, aos poucos foi sendo destinada a concubina alguns direito básicos como a referida indenização por serviços domésticos, sendo reconhecido ao mínimo, o esforço prestado no cuidado do lar e o tempo destinado ao companheiro impedido de casar.

Com a evolução da jurisprudência, após longo período de tempo, passou a reconhecer a sociedade de fato entre os companheiros, assumindo esta união posição de sociedade. Neste sentido, o STF editou Súmula de número 380, passando a regulamentar possibilidade de dissolução da sociedade de fato e a partilha do patrimônio que havia sido adquirido pelo esforço comum do casal.

Salienta-se que o ordenamento jurídico brasileiro disciplina as uniões matrimoniais a partir do Princípio da Monogamia.

Mesmo com as evoluções apontadas, somente com a Constituição Federal de 1988, a união que até então era reconhecida como sociedade de fato, atingiu o patamar de instituto do Direito de Família, sendo a partir de então adotada a nomenclatura de união estável. Preceitua o artigo 226, §3º da Constituição Federal que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (BRASIL, 1988).

Em 2002, com a chegada do novo Código Civil, o direito à meação dos bens adquiridos na união estável, foi equiparado ao regime de comunhão parcial de bens do casamento, disposto no artigo 1.725 do Código Civil, o qual disciplina que “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens” (BRASL, 2002).

Apresentada a evolução da família no direito brasileiro e o mencionado reconhecimento da união estável como instituto de família, passaremos a apresentar um novo arranjo de relacionamento, o poliamorismo.

2.2 Poliamorismo

Diante a evolução da sociedade e sua consequente adequação aos novos formatos familiares, a família patriarcal, que era regra da sociedade, passou a ser substituída por famílias formadas, não somente pelo casal matrimonializado e seus filhos, mas também por formatos monoparentais, recompostas e homoafetivas.

Ante a pluralidade dos novos formatos de família, o ordenamento jurídico, em específico a Constituição Federal, artigo 226 §3º, iniciou protegendo e reconhecendo a união estável como entidade familiar, conforme já apontado. Passou ainda amparar a família monoparental, a qual é formulada por qualquer dos pais e seus descendentes, conforme dispõe o artigo 226, §4º (BRASIL, 1988).

Assim, verifica-se que os novos formatos de família, fundam-se nos princípios da afetividade e da pluralidade, ante a complexidade da multiplicidade de vínculos entre os relacionados, que fundam a convivência no afeto, mesmo que de forma simultânea. E como bem preceitua Dias (2010, p. 44), “a manutenção da família visa, sobretudo, buscar a felicidade”.

Ante a multiplicidade dos relacionamentos, o poliamor surge causando divergências e debates doutrinários e jurisprudenciais. Tanto que inexiste uma conceituação fixa e uniforme do que seria o poliamor, não havendo consenso inclusive quanto ao seu reconhecimento e proteção jurídica no âmbito do direito de família.

Segundo Cardoso (2010, p.19), o primeiro registro bibliográfico do poliamor foi do ano de 1953, o qual foi encontrado na obra Illustrated History of English Literature escrito por, Alfred Charles Ward o qual atribuiu ao rei Henrique VII características de “determinado poliamorista”. Referida característica foi atribuída ao rei da Inglaterra, devido aos seus contáveis casamentos, seis no total, tendo o autor sugerido que o referido rei teve a capacidade de amar várias mulheres.

No entanto, conforme bem descrito por Santiago (2015, p. 131) inexistem registros que comprovem a prática do poliamorismo - relacionamentos simultâneos - na constância dos seus matrimônios.

Algumas outras referências ao poliamor foram surgindo, no entanto, segundo Santiago (2015, p.131-132) o principal desenvolvimento do conceito de poliamor ocorreu no contexto de uma igreja denominada Igreja de Todos os Mundos - Church of All Worlds, o qual aponta ser a igreja Neopagã mais antiga.

A partir de então, surge a primeira vertente espiritualista do poliamor, onde os relacionamentos tanto sexuais como sentimentais, se davam de forma múltipla entre os envolvidos.

Cardoso (2010, p. 11-12) aponta uma segunda vertente que veio a surgir, esta se apresenta de uma forma menos religiosa, a qual nasceu com o objetivo de trazer uma nova denominação aos relacionamentos que eram chamados de “não monogâmicos”, apresentando um termo desvinculado da comparação com a monogamia, passando a atribuir uma ideia positiva do poliamorismo.

Conforme já mencionado, doutrinadores buscaram trazer uma definição do poliamor, no entanto, grandes dificuldades surgiram, ante a inexistência de um conceito amplo, capaz de estabelecer todos os elementos desse tipo de relação.

Neste sentido, Haritaworn, Lin e Klesse apud Santiago (2015, p. 134) descrevem que:

Um dos desafios em entender um tema tão diversificado e tão orientado pelas escolhas pessoais como o poliamor é a dificuldade em se generalizar várias subculturas, estilos de vida, valores e modelos familiares, bem como sintetizá-los em um quadro descritivo coerente.

Referido desafio é verificado principalmente devido a utilização recente do termo poliamor, ocasião em que há certa confusão da sociedade e dos juristas, em proceder com a distinção do poliamor e os demais relacionamentos múltiplos, que erroneamente são enquadrados ao termo.

Morfologicamente, a palavra em estudo surgiu na língua inglesa, onde Poly, significa muitos e mory, representa amor. Sendo assim, polyamory representa muitos amores ou poliamor (SANTIAGO, 2015, p. 138).

Fazendo referência à conceituação de poliamor trazida pela organização Loving More, Santiago (2015, p. 137-138) conceitua o poliamor como sendo o amor romântico que envolve mais de duas pessoas, o qual é marcado pela honestidade e ética, além do consentimento e conhecimento de todos os envolvidos, concluindo que nas relações poliamorosas, têm como pressuposto, a real honestidade entre os envolvidos, no decorrer de todo o relacionamento, o qual tem por objetivo principal admitir uma pluralidade de sentimentos, que vão além de mero relacionamento sexual, onde os praticantes do poliamor asseveram que há um vínculo afetivo sério e estável entre os envolvidos.

É de grande importância a exemplar conceituação trazida pela professora da Georgia State University, Sheff apud Santiago (2015, p. 143), onde descreve o poliamor como sendo:

[...] uma forma de relacionamento no qual aas pessoas mantêm, abertamente, múltiplos parceiros românticos, sexuais e/ou afetivos. Com ênfase em relacionamentos emocionalmente íntimos e a longo prazo, seus praticantes entendem que o poliamor se diferencia do swing- e do adultério- na medida em que há um foco na honestidade e na divulgação completa da rede de relacionamentos para todos que participam ou são afetados por eles. Nas relações de poliamor, tanto os homens quanto as mulheres podem ter acesso a parceiros múltiplos, diferentemente das relações poligâmicas, nas quais somente aos homens é permitido ter múltiplas parceiras.

Assim, fundamentando em algumas das tantas conceituações existentes, conclui-se que o poliamor é baseado na liberdade de escolha, sendo o relacionamento múltiplo, estável e ético, entre pessoas, as quais se conhecem e aceitam a relação, a qual não está restrita apenas a relação sexual, mas também à conexão emocional.

Faz-se necessário destacar que o poliamor possui características próprias, não podendo ser confundido com outros institutos, como o da união estável putativa, por exemplo, conforme será apresentado no próximo item.

2.3 Diferenças entre o poliamorismo e a união estável putativa

A União Estável é reconhecida como entidade familiar, desprovida de solenidade e sua conceituação encontra-se no artigo 1.723 do Código Civil brasileiro, a qual é configurada através da convivência pública, contínua, duradoura e que esteja estabelecida com o objetivo de constituir família (BRASIL, 2002).

No entanto, até que este instituto alcançasse o status de família, este tipo de união prosseguiu com grande carga de repulsa, devido ao moralismo excessivo e a grande carga religiosa, permanecendo à margem da sociedade, sendo por vezes intitulado de adultério ou concubinato.

Desta forma, Lôbo (p. 168-169) verifica que projetos de Leis que buscavam atribuir efeitos jurídicos ao relacionamento que ainda era intitulado de concubinato, ante o impedimento legal ao divórcio, onde somente em 1977 foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro.

Através da construção jurisprudencial, o reconhecimento do concubinato e sua aceitação social foram tomando forma, passando a concubina a ter o direito de ser “indenizada por serviços domésticos” quando dissolvida a união. Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2013), esta modalidade indenizatória evitaria o enriquecimento sem causa, sendo este o único instrumento à época que prestasse um amparo material à companheira, construindo pragmaticamente o direito a alimentos.

Evoluindo a jurisprudência, passou-se a admitir a existência de uma sociedade de fato entre os companheiros, deixando a partir de então, a companheira ser uma simples prestadora de serviços, a qual receberia uma mera indenização, passando a adquirir posição de sócia na união, tendo o direito à parcela do patrimônio comum, de acordo com sua contribuição. Diante esta nova realidade, foi editada a Súmula nº 380 pelo Supremo Tribunal Federal, no ano de 1964, a qual disciplina que “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.

No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal editou uma nova Súmula, de número 382, a qual dispensou a vida em comum sob o mesmo teto, como requisito para a caracterização do concubinato.

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o concubinato passou a ser reconhecido como União Estável, recebendo a proteção jurídica do Direito de Família, inserido no artigo 226 §3º da Carta Magna.

No entanto, mesmo com o reconhecimento jurídico da união estável, o concubinato ainda existe, sendo agora considerado como o relacionamento não eventual entre homem e mulher impedidos de casar, conforme preceitua o artigo 1.727 do Código Civil: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato” (BRASIL, 2002).

Quanto aos impedimentos de que trata o artigo supramencionado, estão previstos no artigo 1.521 do Código Civil (BRASIL, 2002).

Assim, estando presente qualquer dos impedimentos contidos no artigo supramencionado, a união consolidada entre o casal, não é reconhecida como União Estável, mas sim como concubinato, tendo em vista que falta a possibilidade jurídica de converter a união em casamento. Desta forma, a principal diferença entre a União Estável e o concubinato, é que neste existe o impedimento legal para o casamento.

No entanto, deve-se observar que a ocorrência do impedimento legal para o casamento previsto no inciso VI do artigo 1.521 do Código Civil, não configura concubinato, e sim União Estável. Assim, será reconhecida a União estável com pessoa casada, caso este separado de fato da (o) esposa (o) e para que haja sua configuração, também é imperioso o preenchimento dos requisitos dispostos no artigo 1.723 do Código Civil, o qual estabelece que para o seu reconhecimento, é necessário que a união seja pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (BRASIL, 2002).

Diante esta exceção legal, Lôbo (2011, p. 174) aponta que as pessoas casadas, encontram-se impedidas para casar, “mas não para constituir união estável, desde que estejam comprovadamente separadas de fato ou judicialmente de seus cônjuges. Nesta hipótese, podem ser companheiros dois casados separados ou um separado e outro solteiro, divorciado, ou viúvo”.

Na União Estável, existe a modalidade denominada de união estável putativa, a qual foi trazida pela doutrina e recebida pela jurisprudência.

Ocorre que, para chegarmos à conceituação da União Estável Putativa, se faz necessário apontar as duas classificações trazidas pela doutrina: o concubinato impuro e o puro.

Por concubinato impuro, entende-se ser aquele em que há impedimento matrimonial, previstos no artigo 1.521 do Código Civil, conforme já explanado e os companheiros devem ter pleno conhecimento do impedimento, agindo de má-fé na relação, pois mesmo tendo conhecimento do impedimento legal decidem prosseguir com a união (BRASIL, 2002). Em consequência, não têm seus direitos resguardados no Direito de Família.

Em sua obra, Dias (2010, p. 50) afirma que referido concubinato é considerado como adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé e até intitulado de concubinagem, sendo alvo de repúdio social. No entanto, mesmo com toda essa carga negativa, esses relacionamentos não deixaram de existir, sendo agora chamados de poliamor. Prossegue a autora afirmando que “a repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são condenados só privilegia o ‘bígamo’”.

Já por concubinato puro, será caracterizado quando um dos companheiros não tem conhecimento da existência de impedimento legal por parte do outro, agindo de boa fé na relação, sendo este denominado de união estável putativa.

Segundo Dias, a diferença entre os dois tipos de concubinato, ou seja, o puro/de boa-fé e o impuro/má-fé diferenciam-se no seguinte sentido:

A diferença centra-se exclusivamente no fato de a mulher ter ou não ciência de que o parceiro se mantém no estado de casado ou tem outra relação concomitante. Assim, e ainda segundo esta corrente que vem se fortalecendo, somente quando a mulher é inocente, isto é, afirma não ser sabedora de que seu par tem outra, há o reconhecimento de que ela está de boa-fé e se admite o reconhecimento da união estável, com o nome de união estável putativa.

Assim, havendo o desconhecimento do impedimento por parte de um dos companheiros, a boa fé subjetiva da parte inocente restará configurada, caracterizando a união estável putativa, onde seus efeitos serão conhecidos de forma semelhante como acontece no casamento, ou seja, os direitos do companheiro inocente devem ser reconhecidos, procedendo à partilha dos bens adquiridos na constância da união putativa, além da possibilidade de pensão alimentícia em seu favor, caso prove a dependência financeira do companheiro impedido e ainda a possibilidade de habilitação na superveniente herança, caso o companheiro venha falecer.

Neste sentido, Madaleno (2008, p. 819) esclarece que havendo desconhecimento da deslealdade do parceiro casado, caracteriza-se a união estável putativa, devendo assegurar os direitos do companheiro inocente, fazendo jus à meação dos bens adquiridos onerosamente durante a união putativa. É possível ainda o pleito à pensão alimentícia, caso comprove a dependência financeira do companheiro casado e ainda superveniente habilitação em herança do de cujus, em relação aos bens comuns ou toda a herança, dependendo da qualidade de herdeiro habilitado.

Neste sentido, quando comprovada a boa-fé da companheira que manteve relacionamento com homem impedido de casar, esta terá a união estável adotada, na forma putativa, assemelhando os efeitos ao casamento putativo.

Assim, conceituados os institutos da União Estável, concubinato e união estável putativa, passemos a análise do poliamor.

Quando o arranjo familiar se apresenta na forma simultânea de conjugalidade, com o pleno conhecimento e aceitação mútua entre os envolvidos, estamos diante o poliamor, poliamorismo ou família simultânea.

Conforme já analisado, seus defensores se baseiam no princípio da afetividade e dignidade da pessoa humana, justificando que o referido arranjo familiar, apesar de ter permanecido há anos sem qualquer reconhecimento estando totalmente marginalizado, a doutrina e jurisprudência, mesmo que de forma minoritária, vem lentamente tratando essas uniões de forma mais justa e equitativa.

Por fim, esclarecemos que o poliamorismo se difere da união estável putativa, tendo em vista que a putatividade é baseada na boa fé, ou seja, ocorrerá sempre que um dos companheiros desconhece o impedimento legal do outro, tendo permanecido com aquele, por imaginar que sobre ele não recairia qualquer dos impedimentos previstos no artigo 1.521 do Código Civil, recaindo sobre o outro companheiro a traição e mentira, tendo em vista que omitiu seu impedimento, permanecendo em uma relação falsa e mentirosa (BRASIL, 2002).

Já o poliamor, conforme supramencionado, ocorrerá quando as partes têm pleno conhecimento dos impedimentos que recaem sobre o outro, ou sobre ambos, reconhecendo também a união paralela, assim, os partícipes se conhecem e aceitam a relação aberta e multíplice.

Mesmo diante as diferenças apontadas, os efeitos que são atribuídos à putatividade, deveriam de igual forma ser concedidos à união poliamorosa, quando preencher os requisitos inerentes à formação da união estável, conforme bem preceitua Santiago (2015, p. 204).

2.4 Possibilidades jurídicas do reconhecimento do poliamorismo, sob a ótica jurisprudencial e doutrinária.

A legislação brasileira ainda não trata especificamente do poliamor, sendo encargo da doutrina e jurisprudência, sua conceituação, reconhecimento e elevação como instituto do direito de família.

Ocorre, que conforme já demonstrado, há controvérsias, onde cada linha doutrinária presenta suas razões e suas fundamentações acerca do tema. Para seus defensores, a ausência de reconhecimento jurídico das famílias paralelas, ensejaria em grande injustiça, acarretando inclusive no enriquecimento ilícito. Para Dias (2010, p. 53), a inexistência de reconhecimento da família paralela como entidade familiar, enseja na negativa de todos os direitos assegurados no direito de família e no direito sucessório.

Neste sentido, alguns Tribunais brasileiros vêm assegurando e reconhecendo o pluralismo familiar, reinterpretando os princípios normativos que norteiam o Direito de Família “à luz de novas circunstancias de fato” (RADICLIFFE apud CAPPELLETTI, 1993, p. 24).

Prosseguindo em posicionamentos favoráveis, em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça, concedeu a concubina idosa, que teve um relacionamento com homem casado por mais de 40 anos, o direito à prestação alimentícia, tendo em vista que a companheira abriu mão de sua carreira profissional, para dedicar-se exclusivamente ao seu companheiro, o qual proveu durante quarenta anos, todo o sustento necessário. Segundo o Ministro relator, João Otávio de Noronha, o reconhecimento da existência e dissolução de concubinato impuro, mesmo que de longa duração, em regra, não gera o dever de prestar alimentos à concubina, tendo em vista que “a família é um bem a ser preservado a qualquer custo”. Ocorre que, devido a peculiaridade do caso e considerando os princípios da dignidade e solidariedade humana, o foi reconhecido, devendo ser mantida a obrigação de prestação de alimentos à concubina idosa, que durante todo o relacionamento teve seu sustento provido pelo companheiro, sob pena de causar-lhe desamparo. Senão vejamos:

CONCUBINATO DE LONGA DURAÇÃO. CONDENAÇÃO A ALIMENTOS [...] PRESERVAÇÃO DA FAMÍLIA X DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANA. SUSTENTO DA ALIMENTANDA PELO ALIMENTANTE POR QUATRO DÉCADAS[...] COMPROVADO RISCO DE DEIXAR DESASSISTIDA PESSOA IDOSA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANAS [...] há de se manter a obrigação de prestação de alimentos a concubina idosa que os recebeu por mais de quatro décadas, sob pena de causar-lhe desamparo, mormente quando o longo decurso do tempo afasta qualquer riso de desestruturação familiar para o prestador de alimentos. 3. [...] amparou-se em interpretação que evitou solução absurda e manifestamente injusta do caso submetido à deliberação jurisprudencial. 4. [...] (STJ. Recurso Especial nº 1.185.337, Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Data de Julgamento: 19/03/2015, e-STJ, fl. 381) (grifo nosso).

Assim, para que incida os direitos inerentes à família em favor da (o) concubina (o), é necessário que a relação esteja “suficientemente comprovada, ao longo do tempo, uma relação socioafetiva constante, duradoura, traduzindo, inegavelmente, uma paralela constituição do núcleo familiar” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 469). Desta forma, um simples relacionamento sexual paralelo ao casamento ou à União Estável, não deve ser protegido pelo Direito de Família, justamente pelo fato de não estarem preenchidos os requisitos essenciais da união estável, e consequentemente, por não configurar uma entidade familiar, nem ser capaz de preencher os requisitos para a configuração do poliamor.

Diante as análises já assinaladas, resta evidenciado que o adultério eventual ou relacionamento extraconjugal, que se firma na ausência do intuito de constituição de família (affectio maritalis) não pode ser albergado pelo direito de família, sendo ainda inadmissível a atribuição de efeitos jurídicos patrimoniais sobre referida união.

Ocorre, que após a verificação da ocorrência do real poliamor, quando houver a lealdade, fidelidade, conhecimento e aceitação de todos os envolvidos, os efeitos pessoais e patrimoniais já resguardados na união estável, também devem ser aplicados à relação regida sob o poliamor. Assim, os bens, o direito à recepção e o dever de prestação de alimentos, a presunção de paternidade e principalmente a responsabilidade do Estado pela existência social das famílias, o qual é regido pelo princípio da solidariedade, devem sim resguardar e assegurar os direitos deste novo instituto.

Em posição contrária, a doutrina e jurisprudência majoritária, fundam seus argumentos no princípio da monogamia e sob o argumento de que não existe qualquer possibilidade da constituição de dois casamentos e caso aconteça, restará configurado o delito de bigamia previsto no artigo 235 do Código Penal (BRASIL, 1940), acarretando a nulidade do segundo casamento, consoante preveem os artigos 1.548, inciso II e artigo 1.521, inciso VI ambos do Código Civil (BRASIL, 2002), além de não receber qualquer tipo de proteção do Direito de Família. O mesmo tratamento será aplicado a União Estável, tendo em vista que esta se equipara ao casamento e também não poderia ser reconhecida, caso fosse concomitante com outra união, restando a este segundo relacionamento, a denominação de concubinato. Assim, Monteiro e Silva (2012, p. 71) assegura que “as relações adulterinas não tem as repercussões pessoais e patrimoniais das uniões estáveis, pois não constituem família e não recebem a respectiva proteção especial”.

Referido posicionamento, aponta a negativa de reconhecimento das uniões paralelas no âmbito do direito de família, não admitindo também repercussão patrimonial quando findo um dos relacionamentos. E conforme já analisado, a doutrina majoritária segue esta mesma posição, negando o reconhecimento às uniões simultâneas, conforme segue ementa do julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:

RECONHECIMENTO DE UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS. IMPOSSIBILIDADE [...]. EXEGESE DO § 1º DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 [...]. 3 Havendo sentença transitada em julgado a reconhecer a união estável entre o falecido e sua companheira em determinado período, descabe o reconhecimento de outra união estável, simultânea àquela, com pessoa diversa. 4. Recurso especial provido. (STJ, REsp nº 912926. 4ª turma Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Data de publicação 07/06/2011) (grifo nosso).

Portanto, consoante doutrina e jurisprudência analisada, é necessário o exame minucioso de cada caso em concreto, a fim de que o direito de família e seus efeitos, sejam aplicados de maneira justa, quando estiver o julgador diante o poliamor, almejando-se principalmente, evitar beneficiar relacionamentos que surgem pelo mero interesse patrimonial e evitar ainda a injustiça contra os relacionamentos sérios, que preenchem todos os requisitos essenciais da união estável, e termine prejudicando uma das partes, por não ver seu direito efetivamente reconhecido.

A aplicação correta dos princípios mencionados torna-se ainda mais desafiadora, ante a inexistência de regulamentação legal específica acerca do assunto, fazendo com que divergências doutrinárias e jurisprudenciais acompanhem o tema, principalmente no tocante aos possíveis efeitos patrimoniais decorrentes das uniões paralelas, tema que será abordado na seção seguinte.

3 - EFEITOS PATRIMONIAIS NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL

Nesta seção analisaremos o regime de bens adotado na união estável, apontando suas ressalvas e possibilidades de reestruturação de regime não previsto em lei, da mesma forma que é permitido no casamento, com ressalva acerca da necessidade de celebração de um contrato de convivência que deverá ser realizado pelas partes. Por fim, serão apontadas as divergências doutrinárias e jurisprudenciais no tocante à possibilidade partilha de bens no âmbito do poliamor, sendo analisadas as principais correntes adotadas e decisões jurisprudências que pontualmente tratam sobre o tema abordado.

3.1 Aplicação do regime de bens na união estável

Reafirmando o conceito já alcançado, a união estável é uma entidade familiar de convivência contínua, duradoura e pública entre casais e pares homoafetivos.

Em matéria patrimonial, os efeitos decorrentes da união estável são semelhantes ao do casamento.

Em 2002 com a chegada do novo Código Civil, foi assegurada à união estável, entre outros, o seu direito patrimonial, onde a partir de então passou a ser resguardado o direito à meação dos bens adquiridos na constância da união, sendo aplicado o regime de comunhão parcial de bens destinado ao casamento, conforme disposto no artigo 1.725 do Código Civil, o qual disciplina que “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens” (BRASIL, 2002).

Mencionado artigo, assegura ainda a possibilidade de estabelecer regime de bem diverso do regime legal, que conforme exposto, é o da comunhão parcial de bens. Assim, caso o casal queira ter sua união regida por um regime de bens diverso, deverá realizar contrato de convivência escrito, o qual apontará o regime escolhido, sendo esta liberdade de escolha fundada no princípio da autonomia privada. No entanto, cumpre observar que referido contrato deve versar unicamente sobre direitos patrimoniais.

O contrato de convivência apresentado no artigo supramencionado é denominado por Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 454) como sendo aquele que “traduz verdadeiro pacto firmado entre os companheiros, por meio do qual são disciplinados os efeitos patrimoniais da união, a exemplo a adoção de regime de bens diverso daquele estabelecido por lei”.

É importante ressaltar, que o referido contrato de convivência “não cria a união estável, pois sua constituição decorre do atendimento aos requisitos legais (CC 1.723)” (DIAS, 2010, p. 184), ele serve somente para regulamentar os efeitos patrimoniais decorrentes da união, em regime diverso da comunhão parcial de bens.

Apesar de haver semelhança na aplicação do regime de bens no casamento e na união estável, a imposição do regime de separação obrigatória de bens previsto no artigo 1.641, II do Código Civil (BRASIL, 2002), não é aplicável à união estável, inexistindo imposição legal da separação obrigatória em razão da idade de um dos companheiros, ante a impossibilidade de aplicação de interpretação extensiva ou analógica ao caso e questão, o qual apresenta seu caráter restritivo de direito, conforme bem assevera Gagliano; Pamplona Filho (2013, p. 455).

No tocante à administração dos bens, cada companheiro poderá fazê-lo de forma livre se o bem for particular, ou seja, que tenha sido adquirido antes da união ou sub-rogado em seu lugar e ainda, aqueles que forem adquiridos a título gratuito, por herança ou doação.

É perfeitamente aplicável à união estável os artigos 1.659, 1.660 e 1.661 do Código Civil, os quais disciplinam sobre as possibilidades de exclusão ou inclusão dos bens e obrigações no regime da comunhão parcial (BRASIL, 2002).

Quanto ao patrimônio comum, ou seja, aquele adquirido por esforço comum no curso da união estável poderá ser administrado por qualquer dos companheiros, conforme dispõe artigo 1.663 do Código Civil (BRASIL, 2002).

No tocante a outorga uxória para alienação ou oneração imobiliária prevista no artigo 1.647, I do Código Civil, disciplinada para o casamento, há divergências doutrinárias acerca de sua aplicação ou não à união estável, ante a omissão legal acerca do tema (BRASIL, 2002).

Neste sentido, alguns doutrinadores, como Dias (2010, p. 182), Lôbo (2011, p. 182) e Gonçalves (2011, p. 632-634), defendem que a outorga do companheiro deve observar a regra do aludido artigo 1.647 do Código Civil de 2002, tendo em vista que referida união é regida pelo regime da comunhão parcial de bens, não havendo como deixar de aplicar essa exigência à união estável, onde essas limitações irão salvaguardar o patrimônio dos companheiros, e ainda irá proteger terceiros de boa fé.

Em posicionamento contrário Tepedino apud Gonçalves (2011, p. 632) assinala que a outorga uxória necessita de do ato-condição solene do casamento, para que tenha validade e eficácia. Ausente este ato, resta inexigível a outorga para quem mantêm união estável.

Verificadas as principais regras aplicáveis à união estável, quando do regime de bens, analisaremos as possibilidades de partilha de bens decorrente do fim das relações paralelas, que ante a omissão legislativa, doutrina e jurisprudência pátria, mesmo diante de contundentes divergências, buscam definir seus efeitos, conforme será apontado no próximo item.

3.3 Partilha de bens nas relações paralelas e divergências doutrinárias

O poliamor, relação simultânea, ainda não foi efetivamente reconhecida como instituto de Direito de Família, é fundado na união de pessoa casada ou em união estável com uma terceira pessoa, sendo estes relacionamentos conhecidos e aceitos pelas partes envolvidas.

Ocorre que além da discussão acerca da possibilidade de reconhecimento do poliamor como instituto de Direito de Família, urge analisar de forma específica a situação patrimonial das partes, quando findo o relacionamento de um deles ou de todos os envolvidos.

Ausente disposição legal e consenso doutrinário e jurisprudencial, acerca da partilha de bens no poliamor, faz-se necessário discorrer acerca dos principais posicionamentos que tratam da possibilidade de divisão patrimonial.

Alguns Tribunais restringem a concessão de direitos à concubina, no caso a companheira paralela, à indenização por serviços prestados ou a aplicação da sociedade de fato, quando é exigida prova acerca da efetiva concorrência desta na aquisição do patrimônio. Neste sentido, Lôbo (2011, p. 188) arremata que “as relações entre os concubinos, segundo a orientação dominante, receberiam incidência das normas de direito obrigacional, aproximando a partilha dos bens comuns dos concubinos ao dos sócios de uma sociedade em comum (art. 986 do Código Civil)”.

Ressalta-se ainda que a referida indenização por serviços prestados, direcionada à concubina, integrante da relação de poliamor, deveria ser substituída por direitos advindos das relações familiares, tendo em vista que há latente contradição com o principio da Dignidade da Pessoa Humana, o qual é relativizado diante a subtração da relação de afeto e companheirismo, àquela meramente patrimonial, resumindo os anos de convivência amorosa e auxílio no crescimento patrimonial dos envolvidos, em uma mera indenização de prestação de serviços domésticos.

Ocorre que outro problema surge quando se verifica que referida indenização, baseada na marginalização do relacionamento poliamoroso, não é aplicada de forma unânime na jurisprudência pátria, como por exemplo, a decisão proferida pelo STJ que negou a concessão de indenização à concubina:

[...] INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE SERVIÇOS DOMÉSTICOS [...] 2. Inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofisticado que o existente no casamento e na união estável, tendo em vista que nessas uniões não se há falar em indenização por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente, de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam ainda na constância da união [...]. 5. Recurso especial conhecido e provido (STJ, REsp n 988.090⁄MS. 4ª Turma. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 2 de fevereiro de 2010, DJe 22⁄2⁄2010 ) (grifo nosso).

Assim, resta evidente o grande desamparo jurídico da concubina que convive em união paralela ao casamento ou à uma união estável, a qual tem no máximo invocado o direito societário “com o reconhecimento de uma sociedade de fato, partilhando-se os bens adquiridos na sua constância, mediante indispensável prova da participação efetiva para a aquisição patrimonial. Nada mais é definido” ( DIAS, 2010, p 54).

A doutrina trás algumas correntes que tratam da questão patrimonial. A primeira corrente, majoritária, não assegura o direito patrimonial à (ao) concubina (o) na relação de poliamor. Esta corrente baseia-se no Princípio da Monogamia, onde a grande parte das decisões jurisprudenciais nega o reconhecimento jurídico-familiar dessas uniões, conforme bem pontuado no item 1.4, consequentemente gera a anulação aos direitos decorrentes do Direito de Família e Sucessões, previsto no Código Civil Brasileiro.

No tocante a jurisprudência do STJ e do STF, há entendimento formulado acerca do não reconhecimento como união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não houver prova efetiva acerca da separação de fato do(a) companheiro(a) casado(a), consequentemente são negados os direitos inerentes a esse reconhecimento, permanecendo o relacionamento paralelo, que se alongou no tempo e criou vínculos de convivência, à margem da sociedade.

Reitera-se a ausência de amparo jurídico para o concubino que durante longo período manteve o relacionamento fundado no poliamorismo e quando finda a união, não possui direitos capazes de assegurar sua parcela patrimonial sobre os bens adquiridos na constância dos relacionamentos simultâneos.

Uma segunda corrente surge no sentido de prestar um mínimo amparo ao parceiro, aplicando analogicamente a putatividade prevista no casamento, em específico no artigo 1.723 do Código Civil (BRASIL, 2002), conforme já analisado item 1.4, onde foi verificado que a putatividade é fundada na boa fé de uma das partes a qual não tem conhecimento do impedimento legal da outra e sequer conhece o relacionamento paralelo.

Assim, não consideramos aplicável a putatividade como modalidade de poliamor, justamente por estar ausente o requisito do reconhecimento e aceitação mútua das partes nas relações simultâneas. No entanto, essa corrente é defendida por grande parte dos doutrinadores, entre eles Tartuce (2014, p. 311-312) o qual defende a aplicação analógica do casamento putativo para a união estável putativa, justificando que “essa parece ser a posição mais justa dentro dos princípios da eticidade, com vistas a proteger aquele que, dotado de boa-fé, ignorava um vício a acometer a união”.

A jurisprudência pátria vem se posicionando no sentido de garantir à companheira “inocente” os direitos previstos no âmbito do Direito de Família, principalmente quanto à questão patrimonial, nos casos de união paralela ao casamento baseado na putatividade, ou seja, na boa fé da outra parte que mantinha relacionamento público e duradouro com a outra parte que apresenta impedimento de casar. Segue posicionamento recente acerca do tema:

UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. PARTILHA DE BENS. MAJORAÇÃO DE ALIMENTOS[...]. A confissão da apelante de que ficou sabendo somente "no processo" que o apelado estava em processo de separação com a esposa do Tocantins, as idas e vindas do réu, a distância entre os estados da federação e o processo de separação do casamento; corroboram a tese de que a apelante não sabia que o réu era casado, vivendo uma "união estável putativa", a qual, em analogia ao "casamento putativo", deve receber as consequências jurídicas similares às da união estável. Precedentes jurisprudenciais. Partilha de bens. DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU. (TJRS. Apelação Cível Nº 70060165057. 8ª Câmara Cível. Rel. Rui Portanova, Julgado em 30/10/2014) (grifo nosso).

De tal modo, verifica-se que havendo a putatividade no relacionamento simultâneo ao casamento ou à união estável, a parte inocente terá seus direitos resguardados, podendo pleitear a meação dos bens adquiridos na constância do relacionamento, a prestação alimentícia, caso comprove efetiva dependência econômica do companheiro e inclusive ter a presunção de paternidade dos filhos havidos na constância da união.

Há uma terceira corrente a qual reconhece como válida todas as uniões paralelas, onde seus efeitos jurídicos deveriam ser reconhecidos e resguardados no ordenamento jurídico. Aqui entendemos ser o caso do poliamor, onde o julgador deve atentar ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Afetividade, reconhecendo assim, os efeitos jurídicos das relações simultâneas, duradouras, em que todas as partes se conhecem e aceitam a relação, visando a constituição de família, preenchendo assim, analogicamente, os requisitos para configuração de união estável dispostos no artigo 1.723 do Código Civil (BRASIL, 2002).

Preenchidos os referidos requisitos, Dias (2010, p. 53) leciona acerca da necessidade de divisão patrimonial dos bens adquiridos na constância da união paralela, passando a verificar que:

Quando finda a relação, comprovada a concomitância com um casamento, impositiva a divisão do patrimônio acrescido durante o período da mantença do dúplice vínculo. É necessária a preservação da meação da esposa, que se transforma em bem reservado, ou seja, torna-se incomunicável. A meação do varão será dividida com a companheira, com referenciais aos bens adquiridos durante o período de convívio. [...] Sendo duas uniões estáveis, e não se conseguindo definir a prevalência de uma relação sobre a outra, cabe a divisão do acervo patrimonial amealhado durante o período de convívio em três partes iguais, restando um terço para o varão e um terço para cada uma das companheiras. Cada um tem direito ao que Rui Portanova chamava de Triação. (grifo nosso).

Conforme demostrado, a doutrinadora aponta a necessidade de preservação da meação dos bens da esposa, devendo ser partilhado com a companheira apenas a parte reservada ao esposo, quem iniciou a relação paralela, cabendo a porcentagem de 25% do patrimônio à companheira.

Outra possibilidade de partilha seria a de dividir todo o patrimônio adquirido na constância da união paralela, por três partes iguais, denominando de triação, instituto que será analisado na próxima seção, não havendo a resguarda da meação da esposa, tendo em vista que esta teve pleno conhecimento e aceitou a relação paralela, além de ser assegurado o direito à prestação alimentícia. Referido posicionamento foi aplicado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. RECONHECIMENTO. PARTILHA. "TRIAÇÃO". ALIMENTOS PARA EX-COMPANHEIRA E PARA O FILHO COMUM. Viável reconhecer união estável paralela ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. Caso em que restou cabalmente demonstrada a existência de união estável entre as partes, consubstanciada em contrato particular assinado pelos companheiros e por 03 testemunhas; [...] Reconhecimento de união dúplice que impõe partilha de bens na forma de “triação”[...]. (TJRS. Apelação Cível nº70039284542/RS. 8ª Câmara Cível. Rel. Rui Portanova Data de Julgamento: 23/12/2010, D.J.11/01/2011) (grifo nosso).

Ressalta-se que relacionamentos esporádicos, eventuais e meramente sexuais, paralelos ao casamento ou à união estável, não podem ser enquadrados no poliamorismo, sendo inadmissível a atribuição de efeitos jurídicos no ordenamento, restando ausente a possibilidade de reconhecimento como instituto familiar e os direitos a ele advindos, permanecendo sua configuração como mero concubinato, conforme descrito no artigo 1.727 do Código Civil, o qual assevera que “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato” (BRASIL, 2002).

É necessário observar ainda que a negativa geral de amparo jurídico à concubina acarreta o enriquecimento sem causa do companheiro, desprezando todo o tempo e o trabalho que a companheira simultânea lhe assistiu. Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 468) questionam esse posicionamento, indagando se “seria justo negar-se à amante o direito de ser indenizada ou, se for o caso, de haver para si parcela do patrimônio que, comprovadamente, ajudou a construir?”.

Com isso, constata-se novamente a necessidade de regulamentação legal acerca dos critérios minuciosos, os quais deverão ser observados de forma equitativa pelo magistrado ante o caso concreto e o reconhecimento dos efeitos jurídicos do poliamor como entidade familiar, a fim de evitar maiores injustiças, onde ao mínimo deverá ser a concubina, quando da dissolução da união, amparada por pensão alimentícia, caso preencha os requisitos legais e seja-lhe assegurada a partilha dos bens adquiridos na constância da união, observando as regras da comunhão parcial de bens, já analisada.

4 - POLIAMORISMO E O AMPARO PATRIMONIAL

Nesta seção abordaremos especificamente a repercussão patrimonial, quando reconhecido o poliamor no âmbito do direito de família. Inicialmente será apontado o conceito e aplicações práticas do instituto da triação de bens nos relacionamentos simultâneos consentidos, que de forma vagarosa e restrita, vem sendo aplicado por alguns tribunais pátrios. Também discorreremos sobre os possíveis critérios garantidores do reconhecimento jurídico do poliamor e a consequente repercussão jurídica decorrente da triação de bens. Por fim, apreciaremos a partilha de bens no poliamorismo e a necessidade de regulamentação acerca do direito patrimonial, como garantia dos direitos mínimos do indivíduo e estabelecimento de segurança jurídica aos sujeitos que dedicam e constituem grande parte de suas vidas, nos relacionamentos de poliamor.

4.1 Análise da triação de bens

A triação de bens, novo modelo de partilha patrimonial, foi pioneiramente adotada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual assegurou os direitos patrimoniais à companheira.

O caso em tela foi julgado em 25 de agosto de 2005 nos autos da Apelação Cível nº 70011258605, onde restou reconhecido o relacionamento paralelo entre as partes, assegurando o direto de 1/3 do patrimônio adquirido durante o relacionando simultâneo, à companheira, ocasião em que a meação se transformou em triação, ante a duplicidade de uniões. Salienta-se que esta partilha decorreu do falecimento do varão que constituiu a relação poliamorosa.

É importante lembrar, que o termo estudado, decorre do instituto da meação, que é a metade ideal do patrimônio em comum assegurado ao cônjuge ou companheiro, de acordo com o regime de bens adotado, ou seja, cada regime de bens apresenta uma forma específica para delimitar os bens que se comunicam ou não, para efeitos de meação, conforme já analisado no item 2.1. Sinteticamente a meação decorre da partilha (50%) do patrimônio comunicável entre o casal.

Neste sentido, a triação consiste na partilha dos bens comunicáveis entre os envolvidos da relação simultânea, resultando em 1/3 do patrimônio para cada um, é geralmente aplicada quando findo o relacionamento de uma das partes ou de todos os envolvidos, quer em decorrência do falecimento de um deles ou mesmo pela decisão de não permanecer no relacionamento poliamoroso.

Assim, havendo a dissolução da união paralela em vida, quando geralmente decorre de um desentendimento entre os companheiros, a partilha- triação será executada entre as três partes, procedendo à divisão de todo o patrimônio adquirido na constância da união simultânea, de forma igualitária entre os três. Novamente apontamos a necessidade da observância dos bens comunicáveis, que podem ingressar no patrimônio comum e ser procedida a partilha nos ditames do regime legal de bens (comunhão parcial), previsto entre os artigos 1.658 e 1.666 do Código Civil Brasileiro em vigor (BRASIL, 2002).

Aponta-se ainda a possibilidade da partilha decorrente da morte de um dos companheiros, ressaltamos ser matéria sucessória alheia ao objeto do presente trabalho, no entanto, sinteticamente será apontada a concretização da triação dos bens neste caso, onde havendo a dissolução com a morte, duas soluções podem ser tomadas: a primeira seria proceder com a partilha igualitária, destinando 1/3 do patrimônio para cada companheiro e para os herdeiros ou ainda conceder somente a meação aos companheiros e os outros 50% serem destinados aos herdeiros, conforme parte do entendimento jurisprudencial.

Neste sentido, segue o trecho do voto do Relator Des. Rui Portanova proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que concedeu a partilha de 50% do patrimônio entre a esposa e companheira, sendo a outra metade, destinada aos herdeiros:

Há duas maneiras de se pensar a divisão patrimonial [...]. A primeira maneira seria tomar, como ponto de partida, aqueles mesmos critérios que foram considerados quando se tratava do fim da união dúplice em face do desentendimento dos companheiros da união estável. Então se pode dividir o patrimônio comum por três. É a ideia de “triação”. Um terço pertenceria a esposa, outro terço pertenceria à companheira e o último terço seria a herança deixada pelo "de cujus". No presente caso, a Câmara entendeu que a forma mais justa de fazer a divisão do patrimônio é, por primeiro, dividir todo o patrimônio por dois. Assim, as mulheres (esposa e companheira) dividirão 50% do patrimônio adquirido durante a união dúplice. Os outros 50% do patrimônio adquirido durante a união dúplice e deixado pelo "de cujus", vão ser divididos pelos herdeiros, na forma da lei (TJRS. Apelação Cível Nº 70009786419, 8ª Câmara Cível, Rel. Rui Portanova. Julgado em 03/03/2005).

Apesar de existirem alguns posicionamentos jurisprudenciais acerca do tema, conforme analisado, a triação de bens não é aplicada de forma unânime na justiça brasileira. A ausência de uniformidade é tamanha, que somente no ano de 2013, oito anos após a publicação da decisão pioneira do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Tribunal de outro Estado brasileiro decidiu se posicionar em sentido favorável à triação. Referida decisão foi proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, nos autos da Apelação Cível nº 2968625:

UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS. RECONHECIMENTO. PARTILHA DE BENS. TRIAÇÃO. 1. Estando demonstrada, no plano dos fatos, a coexistência de duas relações afetivas públicas, duradouras e contínuas, mantidas com a finalidade de constituir família, é devido o seu reconhecimento jurídico à conta de uniões estáveis, sob pena de negar a ambas a proteção do direito [...].4. Numa democracia pluralista, o sistema jurídico-positivo deve acolher as multifárias manifestações familiares cultivadas no meio social, abstendo-se de, pela defesa de um conceito restritivo de família, pretender controlar a conduta dos indivíduos no campo afetivo. 5. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o companheiro. Meação que se transmuda em "triação", pela simultaneidade das relações [...] (TJPE. Apelação Cível nº 2968625. 5ª Câmara Cível. Rel. José Fernandes, Julgamento: 13/11/2013. Data de Publicação: 28/11/2013) (grifo nosso).

Conforme assinalado, o Tribunal de Justiça de Pernambuco reconheceu a pluralidade das relações simultâneas, amparando juridicamente as duas companheiras, as quais foram beneficiadas pela partilha patrimonial, fundada na triação dos bens adquiridos na constância das uniões.

Ressalta-se que a busca pela regulamentação das uniões plurais, em específico do poliamor, não é fundada no interesse patrimonial. Muito pelo contrário, o que visa assegurar é o reconhecimento dessas uniões no mundo jurídico, principalmente no plano do direito de família, desmistificando o desprezo que ainda hoje é adotado pela sociedade, trazendo dignidade e respeito às partes relacionadas. A questão patrimonial é somente um direito decorrente desse reconhecimento jurídico.

É incontestável que o relacionamento plural existe e havendo ou não regulamentação legal específica, referido relacionamento continuará a existir, permanecendo à margem da sociedade, mesmo preenchendo os requisitos mínimos inerentes à união estável.

O afeto, a intimidade e a liberdade são relativizados pelo princípio da monogamia, acarretando na desconstituição dos fatos da vida, no caso, dos relacionamentos poliamorosos. Ora, se as partes se aceitam, conhecem a relação e a constituem de forma espontânea, pontuando as normas do convívio fundado na publicidade e na plena convivência familiar, nada mais justo que reconhecer e regulamentar as uniões paralelas como entidade familiar, devendo ser levado em consideração a autonomia da vontade das partes, os quais concordam, aceitam a relação e estão de pleno acordo com as responsabilidades provenientes da união.

Pereira apud Faccenda (2014, p. 186) pontua que a não concessão de direitos a uma família que fora constituída paralelamente à outra, é incorrer em uma injustiça “aclamada de uma moral que está longe da ética do direito”.

O que se espera, no entanto, é permitir ao sujeito que direcione seu afeto a situações existenciais, a fim de garantir e alcançar sua realização social, cabendo ao Estado viabilizar a garantia de direitos decorrente da escolha adotada pelo sujeito de direitos.

É importante ressaltar ainda, que havendo o reconhecimento das uniões paralelas consentidas, no âmbito do direito de família, repercussões jurídicas acerca deste posicionamento devem ser aplicadas, estando fundadas em princípios norteadores do direito, a fim de garantir a aplicação isonômica da justiça e principalmente cumprir a norma Constitucional em seu artigo 226, o qual garante a família, considerada como base da sociedade, proteção especial do Estado (BRASIL, 1988), conforme será analisado a seguir.

4.2 Repercussão jurídica acerca da triação de bens a partir do reconhecimento das relações poligâmicas consentidas

A priori, a legislação brasileira não atribui efeitos jurídicos ao concubinato, no seu sentido amplo, consequentemente não há aplicação dos regimes de bens previstos no ordenamento jurídico, conforme já analisado.

Posição minoritária, mas em evolução, parte da jurisprudência e doutrina vem reconhecendo a entidade denominada poliamor, atribuindo efeitos jurídicos e assinalando as características que o individualizam dos relacionamentos concubinários esporádicos, os quais não tem intenção de constituição de família e são fundados em mero relacionamento sexual, que perdura às escondidas, o qual deve sim, permanecer excluído da proteção jurídica.

Neste sentido, Dias (2010, p. 54) reconhece que “deixar de reconhecer a família paralela como entidade familiar leva à exclusão de todos os direitos no âmbito do direito das famílias e sucessório”.

Referidos relacionamentos, objeto do presente estudo, são realidade que não podem permanecer marginalizados, restando inadmissível que o Judiciário e o Legislativo se esquivem de tutelar os relacionamentos baseado no princípio da afetividade. Tendo em vista que, a evolução e constantes modificações normativas “visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social [...]” (GONÇALVES, 2011, p. 21-22).

Para fundamentar a possibilidade de reconhecimento do poliamor no âmbito do Direito de Família, deve ser observado referido princípio da afetividade, o qual vem sendo aplicado na proteção dos novos modelos de família que passaram a surgir.

Neste sentido, Lôbo (2011, p. 70) esclarece que a afetividade “fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico”.

De tal modo, havendo o reconhecimento do relacionamento polimoroso, pontuando os limites e os requisitos para sua configuração, os efeitos jurídicos decorrentes do Direito de Família podem ser-lhes atribuídos pelo Judiciário no caso concreto, até que haja a supressão da inércia legislativa em reconhecer e atribuir efeitos às relações de poliamor, evitando injustiças e fragilização do relacionamento familiar, ante a insegurança jurídica de seus membros.

É necessário verificar que para a efetivação da aplicação de efeitos jurídicos e reconhecimento das uniões paralelas, requisitos mínimos devem ser preenchidos. Desta forma, Faccenda (2014, p. 178) pontua que:

[...] os efeitos, com certas peculiaridades, serão, em princípio, nos mesmos moldes das outras entidades familiares. O certo é que se faz essencial uma análise de elementos particulares do caso concreto a fim de que não se comentam injustiças, tais como negar todos os direitos a uma companheira após anos de relacionamento e vida compartilhada[...](grifo nosso).

O reconhecimento das situações de relacionamentos fundados no poliamor e consequente aplicação de efeitos jurídicos, devem ser sobrepostos à mínima semelhança dos direitos aplicados no instituto da união estável, tendo em vista que a realidade fática aponta o preenchimento das características básicas para o reconhecimento da união estável, previstas no artigo 1.726 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002) sendo acrescido somente a quantidade de envolvidos, o conhecimento e aceitação mútua da união simultânea, restando claro o objetivo de continuidade e de formação de um núcleo familiar.

Desta feita, segue julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o qual aponta os requisitos básicos para o reconhecimento das relações simultâneas:

[...] UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES DO CASO [...]. Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou o nascimento de três filhos. Nesse período de convivência afetiva - pública, contínua e duradoura - um cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fisicamente e sexualmente [...] Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar casado civilmente [...]. Ela não é concubina - palavra preconceituosa - mas companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da união estável [...] A solução para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro (TJMG. Apelação Cível nº. 1.0017.05.016882-6/003. Relª. Des. Maria Elza. Julgamento: 20/11/08. Data da publicação: 10/12/08) (grifo nosso).

De tal modo, havendo paralelismo nas relações, proceder com a negativa de aplicação de efeitos jurídicos a um ou ambos os relacionamentos, permitiria o enriquecimento ilícito do terceiro parceiro, o qual ficaria com a totalidade dos bens adquiridos na constância das uniões simultâneas, restando desincumbido de qualquer responsabilidade.

Infere-se que os direitos básicos decorrentes do Direito de Família, baseados em normas protetivas, serão meras consequências advindas do principal objetivo, que é reconhecer essas entidades no âmbito do direito de família.

Os diretos decorrentes do reconhecimento do poliamor no âmbito do direito de Família, podem ser pontuados como os alimentares, patrimoniais, sucessórios e previdenciários, devendo, no entanto, ser averiguado cada caso em concreto, bem como suas peculiaridades.

Neste sentido, em relação ao direito alimentar, entende-se ser aquele baseado na proteção da família, insculpido no artigo 226 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o qual é assegurado auxilio material ao integrante da entidade familiar que fora dissolvida, a fim de garantir a parte que apresenta necessidade, o mínimo necessário para prover seu sustento, conforme averigua no artigo 1.694 do Código Civil (BRASIL, 2002) que garante aos parentes, cônjuges e inclusive aos companheiros, pedirem alimentos uns aos outros, a fim de atender suas necessidades básicas.

Em passos curtos, mas seguindo o caminho da aplicação dos efeitos jurídicos às relações simultâneas, em decisão recente, já citada, o Superior Tribunal de Justiça conferiu alimentos à concubina idosa que manteve relacionamento paralelo com um homem casado, a decisão foi proferida em março deste ano, sob o fundamento do Princípio da Solidariedade, visto que durante os 40 anos de relacionamento extraconjugal, a concubina, dedicou sua vida ao companheiro que sempre a sustentou. Decisão justa, que servirá como precedente para outros julgamentos.

Verifica-se não ser razoável permanecer desprotegendo a família, mesmo que fundada em laços de paralelismo consentido, onde a realidade social não é e nem pode ser desconhecida, a fim de que seja praticada a justiça, e as partes, todas elas, tenham reconhecida juridicamente a entidade familiar, bem como todos os efeitos delas decorrentes, inclusive os patrimoniais, conforme analisado.

No tocante aos bens, seria necessário reconhecer a presunção inicial de aquisição dos bens comuns contraídos a título oneroso pelas partes integrantes do poliamor. Tal posição livraria o companheiro, quando dissolvidos os vínculos simultâneos, ser incumbido do ônus da prova acerca dos bens, devendo positivar seu esforço na construção patrimonial, para que a partir de então fosse procedida a partilha, que será analisada no item a seguir.

4.3 Apreciar a necessidade de regulamentação acerca do direito patrimonial e a consequente partilha de bens no poliamorismo

Para alcançar os efeitos jurídicos provenientes do poliamor, sob a ótica da equiparação com os efeitos atribuídos à união estável, seria necessário o seu reconhecimento como entidade familiar no âmbito jurídico.

Ocorre que mesmo havendo omissão legislativa, o Poder Judiciário vem, mesmo que de maneira restrita, reconhecendo e atribuindo efeitos às uniões simultâneas fundadas no afeto, com características da publicidade, continuidade, boa-fé e principalmente com o objetivo de constituição de família.

Entre os efeitos atribuídos, sendo este o principal foco do presente estudo, consiste na questão patrimonial e na superveniente segurança jurídica do companheiro, que findo o relacionamento simultâneo fundado sob o prisma do poliamor, o qual dedicou parte da sua vida, não pode sair completamente desamparado ou ser incumbido de levantar inúmeras provas para garantir ao mínimo uma indenização quando demonstrada sua efetiva contribuição para o crescimento patrimonial, lastreado de injustiça ante a invisibilidade jurídica deste tipo de relação.

Desta forma, urge a necessidade de regulamentação legal acerca do tema, ou ao menos ter garantido uma uniformização dos Tribunais Superiores, garantindo direitos que efetivamente são devidos aos companheiros que escolhem conviver em uma relação poliamorosa.

Conforme já visto, o poliamor não se restringe ao relacionamento sexual das partes, ele vai além e se caracteriza justamente por ter os objetivos inerentes à constituição da família.

Partindo da premissa que a sociedade brasileira é fundada na democracia de direitos, previsto no preâmbulo da Constituição Federal (BRASIL, 1988), salienta-se que as relações de poliamor sempre existiram e permanecerão existindo, com ou sem regulamentação legal.

Por conseguinte, ante a subjetividade das caraterísticas que podem levar ao reconhecimento das uniões poliamorosas e o objetivo das partes envolvidas em relacionamentos fundados no poliamor, buscou-se meios alternativos, a fim de ter um mínimo de direitos assegurados, passando as partes a procurarem Cartórios a fim de ser lavrada uma Escritura Pública de União Poliafetiva, visando a publicidade e a formalização do acordo firmado entre elas. Referido documento não é capaz por si só de garantir o reconhecimento familiar deste tipo de relacionamento, sendo incumbência apenas do Judiciário e Legislativo, no entanto, a fixação dos direitos e deveres proporcionam um mínimo de amparo aos envolvidos.

Neste sentido, a primeira Escritura de União Poliafetiva lavrada no Brasil, foi realizada no Cartório de Notas e Protestos da Cidade de Tupã, interior de São Paulo, no ano de 2012, onde as partes relacionadas eram duas mulheres e um homem, que já viviam sobre o mesmo lar e buscaram declarar a relação e garantir seus direitos, estabelecendo na Escritura Pública os direitos e deveres dos conviventes e a adoção do regime de comunhão parcial de bens.

Assim, observando a garantia familiar das relações homoafetivas reconhecida pelo STF ao serem julgadas as ADI 4.277 e a ADPF 132 e principalmente ante as constantes adequações da sociedade, recentemente foi lavrada a primeira Escritura Poliafetiva entre três mulheres, desta vez no 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro. Referido documento trata da questão patrimonial e sucessória, bem como dispõe sobre a dissolução da união poliafetiva e sobre os efeitos jurídicos desse tipo de união.

No entanto, é importante salientar que “A escritura pública não é constitutiva da união estável. É gerada por uma presunção de que aquelas próprias pessoas ali compareceram e aquilo declararam, estando de gozo de suas faculdades mentais e aparentemente livres de coação” (FACCENDA, 2014, p. 183).

Desta forma, verifica-se que a negativa geral ao reconhecimento ou ao mínimo amparo jurídico a todo e qualquer tipo de concubinato simultâneo à união estável ou ao casamento, sem que fosse realizada uma análise pontual sobre cada caso em concreto e desde que seja garantida de forma excepcional esse direito à “amante”, acarreta em grande injustiça.

Neste sentido, Hironaka apud Tartuce (2014, p. 308-309) observa que o Direito não pode permanecer alheio à realidade social, onde assegura;

Que o direito não permaneça alheio à realidade humana, às realidade das situações existentes, às mudanças sociais importantes que, sem dúvida, tem se multiplicado na história das famílias, exatamente como ela é. Cerrar os olhos talvez seja mais um dos inúmeros momentos de hipocrisia que o Legislativo e o Judiciário têm repetido deixar acontecer, numa era que não mais se coaduna com as histórias guardadas a sete chaves.

Com isso, aponta-se a necessidade de regulamentação legal acerca dos critérios minuciosos, os quais deverão ser observados de forma equitativa pelo magistrado ante o caso concreto e o reconhecimento dos efeitos jurídicos do poliamor como entidade familiar, a fim de evitarem-se maiores injustiças, onde ao mínimo deverá ser a concubina, quando da dissolução da união, amparada por pensão alimentícia, caso preencha os requisitos legais e seja-lhe assegurada a partilha dos bens adquiridos na constância da união, observando as regras da comunhão parcial de bens, já analisada.

Neste sentido, atribuir tratamento jurídico divergente a esta realidade social, importa na reiterada violação aos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana, não sendo admissível que o Direito permaneça insensível às mudanças sociais, não podendo o judiciário se esquivar de proteger as relações fundadas no afeto.

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos dirimir algumas dúvidas acerca do que efetivamente seriam os relacionamentos fundados no poliamor e quais as repercussões jurídicas provenientes do seu reconhecimento com instituto do direito de família.

O objetivo não foi de explanar todas as correntes doutrinárias e exaurir o estudo acerca do tema. Em específico, almejou-se alcançar resposta ao problema de pesquisa proposto: quais os efeitos jurídicos do poliamor, inclusive o patrimonial, quando do seu reconhecimento como entidade familiar, baseado nos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais?

Através de análise doutrinária, jurisprudencial e legislativa, verificamos que há divergências, bem como omissão legal acerca do tema. Realidade esta que acarreta sérios prejuízos àqueles que decidem fundar um relacionamento pautado na afetividade, configurado de forma diversa daquela aceita pela sociedade (monogamia).

Ante o avanço da concepção jurídica da família no direito brasileiro, resta evidente seu progresso e garantias decorrentes. No entanto, em relação ao poliamor, mesmo sendo um tipo de relacionamento antigo, a legislação permanece omissa quanto à sua regulamentação.

É importante ressaltar que não defendemos a prática do adultério ou da poliagamia em seu sentido amplo, estes institutos são diversos do poliamor.

Reitera-se que o poliamor é fundado basicamente no afeto, onde três ou mais relacionados optam por este relacionamento simultâneo, os quais se aceitam e fixam suas normas de convivência, caracterizada pelo objetivo de constituição de família, pela boa-fé, publicidade e durabilidade das relações.

Almeja-se que as relações fundadas no poliamor, sejam tratadas sem estigmas e desigualdades, partindo do pressuposto de certificar que os envolvidos convivem como se família fossem, sendo consequentemente capaz de produzir efeitos jurídicos, entre eles os alimentos, a partilha de bens e o direito à sucessão, os quais devem ser garantidos aos conviventes, a fim de que lhes sejam assegurados um mínimo de amparo jurídico e a dignidade seja efetivada através do reconhecimento dessas entidades plurais como instituto de direito de família.

Desta forma, após a análise do referido tipo de relacionamento plural consentido, resta claro inexistir dano à coletividade, ante a ausência de má-fé, fato este que poderia ser utilizado como justificativa para superveniente impedimento de regulamentação legal favorável.

Ocorre, que de modo diverso, o relacionamento poliamoroso e as normas de convivência pontuadas entre eles, não atingem negativamente a terceiros, muito pelo contrário, busca-se apenas ter seu relacionamento simultâneo legalmente regulado, concretizando a garantia mínima de direitos aos indivíduos.

No entanto, até que surja norma regulamentadora específica, cada caso concreto deve ser analisado e havendo o preenchimento dos requisitos mínimos à configuração da união estável, entende-se ser possível e necessário o reconhecimento do poliamor, a fim de garantir uma mínima dignidade ao companheiro que decidiu pôr fim à relação ou quando esta tiver sido dissolvida pela morte de um deles, assegurando-lhe todos os direitos inerentes ao direito de família.

Permanecendo a resistência jurisprudencial quanto ao reconhecimento do poliamor como instituto do direito de família, entendemos que ao mínimo deve ser garantida a tutela patrimonial e alimentar, fundamentada na igualdade, da não discriminação e isonomia, ponderando com isso, o princípio da monogamia.

Neste sentido, o reconhecimento do poliamor como entidade de Direito de Família, minimizaria injustiças e preconceitos com os relacionados, passando o Direito a se adequar aos fatos da vida e as mudanças sociais, efetivando a liberdade entre aqueles que escolhem viver em um tipo de relacionamento ainda estigmatizado pela sociedade.

  • Poliamor
  • triação de bens

Referências

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Danielle Cunha

Advogado - Pesqueira, PE


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